1- Introdução
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, são pessoas jurídicas de direito público que possuem competência tributária, ou seja, uma parcela do poder tributário. Mas a Constituição Federal brasileira, ao mesmo tempo em que outorga a cada uma dessas entidades a competência para criarem impostos, limita-lhes o poder de tributar, através de seus artigos 150 a 152. Sendo assim, o poder de tributar destes entes não é absoluto.
Constam nos citados artigos, importantes princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário: Legalidade (art. 150, I); Isonomia (art. 150, II); Irretroatividade (art. 150, III, “a”); Anterioridade (art. 150, IV); Liberdade de Tráfego (art. 150, V); Imunidades (art. 150, VI) e outras limitações (art. 150 e 152).
Ressalte-se que os tributos são criados consoante aptidão conferida pela Carta Magna aos entes federativos, porém essa outorga não poderia ser sem fronteiras. Por isso, o texto constitucional buscou dar uma demarcação quanto às áreas de atuação de cada ente político, com a partilha da competência tributária, fixando vários balizamentos que resguardam valores por ela reputados, com atenção especial para os direitos e garantias individuais.
O conjunto dos princípios e normas que disciplinam esses balizamentos corresponde às chamadas limitações constitucionais do poder de tributar, essas são uma gama de princípios e regras mitigadoras do poder de exação do Estado, estando localizadas nos arts. 150 a 152 da Constituição da República.
Sendo o papel desempenhado por este dentro do sistema jurídico tributário instituído pela Constituição da República de 1988 o objeto do presente estudo.
2 – Aspectos gerais
Os limites impostos pela Constituição ao poder de exação do Estado tem a função de mitigar o ônus da imposição tributária, visando evitar que o Estado levado pela visão de poder ganhar, facilmente, aquilo que os contribuintes conseguem com dificuldade, se exceda no exercício desse poder[1].
Observe-se que o art. 150 ss., da CF/88, se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estando intimamente relacionados as outras garantias asseguradas ao contribuinte, quase todas postadas no art. 5º, como a da inviolabilidade de correspondência, de domicílio, do direito à propriedade, á plena defesa perante o Poder Judiciário etc.
Antes de nos aprofundarmos no estudo que ora abordamos se faz necessário ressaltar que as limitações ao poder de tributar estão sedimentadas em dois importantes aspectos: os princípios e as imunidades.
Os princípios vêm a ser um conjunto de normas, tidas como principais que norteiam um determinado sistema jurídico, harmonizando-o, constituindo-se como seu verdadeiro alicerce. São verdadeiras sobre-regras, ou seja, regras que devem ser respeitadas pelas demais, em nome da homogeneidade do sistema, ou seja, como se sabe tradicionalmente, “são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos”[2]. No direito tributário, principalmente no contexto das limitações ao poder de exação estatal, esses determinarão como devem ser produzidas as leis tributárias, tais princípios condicionarão o legislador ao texto constitucional.
Enquanto, as imunidades, por outro lado, se consubstanciarão na relação dos fatos e situações jurídicas não passíveis de tributação.
Nas palavras do eminente professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO[3]:
“Princípios e imunidades são institutos jurídicos diversos, embora certos princípios expressos façam brotar ou rebrotar imunidades (implícitas).
Nem todo princípio, contudo, conduz a uma imunidade, como é o caso, v.g., dos princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade.
Princípios e imunidades, repita-se, são entes normativos diversos. O que, precisamente, os distingue?
Os princípios constitucionais dizem como devem ser feitas as leis tributárias, condicionando o legislador sob o guante dos juízes, zeladores que são do texto dirigente da Constituição.
As imunidades expressas dizem o que não pode ser tributado, proibindo ao legislador o exercício da sua competência tributária sobre certos fatos, pessoas ou situações por expressa determinação da Constituição (não-incidência constitucionalmente qualificada). Sobre as imunidades exerce o Judiciário, igualmente, a sua zeladoria”.
Portanto, nota-se que o estudo das limitações alberga tanto os princípios quanto das imunidades.
3 - PRINCÍPIOS
3.1. Princípio da Legalidade Tributária
Esculpido no art. 150, I, da CF/88: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”.
No Brasil, os princípios jurídicos, ditam a forma e as condições para o exercício do poder de tributação e o Princípio da Legalidade (art. 150, I CF), precisamente é o mais importante deles, pois proíbe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exijam tributos que não tenham sido estabelecidos por lei. Só através de lei é possível a criação e majoração de tributo.
A origem de tal princípio está ligada a própria luta dos povos contra a tributação não consentida. São conhecidas as resistências desde a Idade Média, tendo a Inglaterra consagrado tal princípio com a Magna Carta de 1215, do Rei João sem terra, a que os barões ingleses impuseram a necessidade de obtenção prévia de aprovação dos súditos para a cobrança de tributos (no taxation without represation).
Com a Constituição Republicana de 1891, foi consagrado o princípio da prévia instituição legal do imposto (art.72, § 3°). Porém a própria Carta outorgada de 1824, em seu art.36, § 1°, prescrevia a iniciativa privativa da Câmara dos Deputados sobre impostos.
O conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Estado cobre tal qual tributo. É importante que a Lei defina in abstractor todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. Deve-se esgotar como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e a qualificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para,discricionariamente, determinar se “A” irá ou não pagar tributos, em face de determinada situação. Os critérios que definirá se “A” deve ou não contribuir, ou que montante estará obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência ou oportunidade do administrador público.
Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para a cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina tordos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários a quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei.
Quanto à repetição de indébito,que é uma questão pertinente referente a tal princípio, o exímio doutrinador KIYOSHI HARADA entende que o mesmo está fundamentado no princípio da estrita legalidade que impõe a reposição do solvens no statu quo ante sempre que constatado o pagamento sem fundamento de lei O sujeito passivo que efetuar o pagamento de tributo sem base legal terá direito à repetição independentemente de ter suportado ou não o respectivo encargo financeiro.
3.1.1. Exceções ao Princípio da Legalidade.
O art. 153 § 1º CF, faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos sobre importação de produtos estrangeiros (II), sobre exportação para o exterior (IE), de produtos nacionais ou nacionalizados (IPI) e também sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Todavia, tal autorização não é absoluta, pois devem ser respeitadas as condições e limites estabelecidos na legislação tributária. Inexistindo lei, não pode o Executivo exercer a prerrogativa (norma constitucional de eficácia limitada).[4]
Essa exceção constitucional se justifica em razão da função desempenhada pelos referidos impostos, que não é a arrecadação de receitas, mas sim de instrumento de intervenção no setor produtivo, incentivando ou desestimulando determinadas operações, situações ou atividades, por meio de maior ou menor tributação sobre elas[5]. Por isso, a doutrina costuma denominá-los de impostos extrafiscais.
Além dessa exceção, a Emenda Constitucional nº 33/2001 acrescentou a alínea “b” ao inciso I do §4º do art. 177, da CF/88, que permite ao Poder Executivo reduzir e restabelecer, por ato próprio, ou seja, infralegal, as alíquotas da CIDE-combustíveis.
Registre-se, também, a situação do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, cujas alíquotas serão definidas mediante deliberação dos Estados e do DF, através de convênios, conforme o que dispõe o art. 155, § 4.º CF, respeitando o disposto no parágrafo 2.º, XII, g, do mesmo dispositivo.
3.1.2. Legalidade e as Medidas Provisórias
Grande polêmica gira em torno da possibilidade de edição de Medida Provisória como meio hábil a instituição ou majoração de tributos.
Acerca do tema, esclarecedora é a lição de MARCELO ALEXANDRINO & VICENTE PAULO:
“Embora muitos doutrinadores hajam defendido que as medidas provisórias não seriam instrumento válido para instituir ou majorar tributos , essa não foi a orientação trilhada pelo STF, que firmou posição no sentido de que a 'a medida provisória, tendo força de lei, é instrumento idôneo para instituir e modificar tributos e contribuições sociais' (RE 138.284;AGRAG 236.976)”[6]
Todavia, significativa parte da doutrina se posiciona contra a utilização desse instrumento normativo para instituição ou majoração de tributos, seria esse o posicionamento do ilustre professor CARAZZA, segundo IGOR NOBREGA AGUIAR[7].
Os argumentos elencados está embasado nos seguintes argumentos: a) a Medida Provisória, embora se tenha a ela concedida força de lei, não o é, pois só passa efetivamente a ser lei quando ocorre a ratificação da medida pelo Congresso Nacional; b) a lei que cria o tributo, ou mesmo o aumenta, só passa a ser eficaz no exercício financeiro seguinte ao de sua publicação, e essa medida seria de um todo contrária aos aspectos de celeridade e imediatez da Medida Provisória.
Apesar de nem todos os tributos obedecerem ao Princípio da Anterioridade, que são aqueles referidos no art. 153, I, II, IV e V da Constituição; os impostos previstos no art. 154, II, da Constituição e os Empréstimos Compulsórios, no art. 148, I, da Carta Política. Mesmo nesses casos, CARAZZA demonstraria que, ainda que não incida o Princípio da Anterioridade sobre eles, suas matérias não poderão ser tratadas por medidas provisórias.
O grupo de impostos do art. 153, não caberia a adoção de Medidas Provisórias porque sua emissão iria de encontro ao § 1 do mesmo artigo:
Art. 153, § 1: É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, III, IV.
Ora, o Poder Executivo deve observar os limites da lei para poder alterar as alíquotas dos impostos em caso, não se tem lógica ao afirmar que se pode instituir medidas provisórias para o mesmo, pois as medidas não precisam atender os limites e condições estabelecidas em lei (se tivesse que obedecer, a Medida Provisória não teria razão de existir, pois ela sempre modifica uma realidade jurídica), apenas o art. 62, as cláusulas pétreas e o trâmite legal da medida. O próprio artigo ditou o máximo limite de discricionariedade do Executivo, não podendo ir além desse limite.
3.2. Princípio da Anterioridade
Com relação à maioria dos tributos, a Constituição exige que a lei criadora ou majoradora do tributo sobre ser anterior a situação descrita como fato gerador, seja anterior ao exercício financeiro de incidência do tributo. A Constituição vedar cobrar tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (art.150, III, b). Esse princípio é o da anterioridade da lei tributária.
Tal princípio constitui uma garantia fundamental, insusceptível de supressão via emenda constitucional. De fato, o Estado tem a faculdade de criar novos tributos ou majorar os existentes quando quiser, mas sua cobrança fica diferida para o exercício seguinte ao da publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Logo, em 31 de dezembro de cada exercício, o Estado esgota seu poder tributária em potencial para criar ou aumentar tributos a serem cobrados a partir do primeiro dia do exercício seguinte. Porém, existem exceções que vem sendo aberta em relação a inúmeros impostos de competência impositiva da União não invalida ou não diminui o sentido desse princípio.
3.2.1. Princípio da Anterioridade Nonagesimal
Também denominada noventena, não chega a ser um principio tributário, ela se assemelha a um prazo de carência concedido pelas instituições bancárias, para o início de resgate das importâncias mutuadas. A noventena não assegura direito algum à imutabilidade da legislação tributária material, implicando instituição de novo tributo ou majoração no decurso do ano do exercício fiscal.
Exercício financeiro é o período de tempo para qual a lei orçamentária aprova a receita e a despesa pública. Em regra, os orçamentos são anuais. No Brasil , tal exercício coincide com o ano civil, indo pois, de 1° de janeiro a 31 de dezembro de cada ano, consoante dispõe o art.34 da Lei n.4.320/64, que veiculou normas gerais de direito financeiro.
A constituição exige que a lei que crie ou aumente tributo seja anterior ao exercício financeiro em que o tributo será cobrado e que se observe a antecedência mínima de noventa dias entre a data da publicação da lei que o instituiu ou aumentou e a data em que passa a aplicar. Isso significa que, A é eleito como tributável por lei publicada em 20 de novembro do ano X, somente a partir de 19 de fevereiro do ano X+ 1 é que a ocorrência de fatos do tipo A irão gerar obrigação tributária; nesse dia já terão decorrido noventa dias da publicação e já se estará no exercício seguinte ao da publicação.
3.3. Princípio da Irretroatividade
Na Constituição Federal, a letra “a” do inciso III do art. 150, proíbe a cobrança de tributo “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. Isto é uma explicitação do princípio geral da irretroatividade das leis. A lei, em princípio, não se aplica a fatos consumados antes do início de sua vigência.
Essa irretroatividade das leis tributárias está corporificada no art. 150, III, “a”, e aplica-se aos tributos em geral. Não comporta exceções.
O explanado na letra “b” do mesmo dispositivo constitucional relata o princípio da anterioridade, comporta exceções previstas no § 1º do mesmo art. 150. Não estão sujeitos ao princípio da anterioridade da lei ao exercício financeiro em que for publicada a lei cria ou majora os impostos sobre:
a) importação de produtos estrangeiros;
b) exporta, para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados;
c) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários;
d) produtos industrializados;
e) o imposto de guerra;
f) o empréstimo compulsório com a finalidade de atender a despesas extraordinárias oriundas de calamidade pública, de guerra externa ou sua eminência.
3.4. Princípio da Isonomia Tributária
Como princípio universal de justiça, a Isonomia, fundamenta-se no princípio constitucional geral da igualdade de todos perante a lei. Se a norma prevê que quem for proprietário de imóvel tem a obrigação de pagar imposto, o imposto é devido, seja quem for o proprietário do imóvel. O princípio seria, também, destinado ao próprio legislador. Não poderia a lei tratar desigualmente os indivíduos, visto que todos são iguais.
A Constituição Federal consagrou esse princípio em termos amplos, estabelecendo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º), e firma, no campo da tributação, lei proibindo à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Porém, ao tratar da capacidade contributiva adota fórmula diversa, determinando a observância do princípio da capacidade contributiva sempre que possível (art. 145,§1º).
Entretanto, é claro que os indivíduos não são iguais. Pelo contrário, as pessoas e as situações de fato nas quais se inserem são desiguais, e a norma existe prontamente para regular essas desigualdades, reconhecendo-as e tornando-as jurídicas.
No âmbito tributário, tem relevo a ideia de igualdade no sentido de proporcionalidade. Seria absurdamente ilógico pretender-se que todos pagassem o mesmo tributo. Logo, na seara da tributação o princípio da isonomia ás vezes parece confundir-se com o princípio da capacidade contributiva.
Diante da linha de raciocínio do princípio em estudo, nossa Constituição Federal permite a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, conforme o que se verifica nos art. 151, I, 155, XII, g, e ainda, o art. 156, parágrafo 3.º, III. Diante dessa pseudo-inobservância ao princípio da isonomia, temos que apelar para uma visão sistemática, do ordenamento tributário como um todo, considerando-se tais liberalidades como consentidas pela sociedade, em face da valoração dos fins pretendidos.
Esse princípio tributário veda o tratamento jurídico diferenciado de pessoas sob os mesmos pressupostos de fato; impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo determinadas pessoas físicas ou jurídicas. Hão de ser tratados, pois, com igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, e com desigualdade os que revelam riquezas diferentes e, portanto diferentes capacidades de contribuir.
Apesar de repetitiva, a norma do art.150, da CF, não permite que seja escamoteado o princípio da isonomia tributária, por meio de rótulos dados aos rendimentos, títulos ou direitos, bem como veda a distinção em razão da ocupação profissional ou função exercida pelo contribuinte.
O parágrafo único do art.149 – A (acrescido à Constituição pela EC n39/2002), quando faz remissão ao art.150, deixa expresso que a contribuição do serviço de iluminação pública não pode ser discriminatória.
Por fim, cabe falar que a igualdade é uma garantia do indivíduo e não do Estado. Assim,se, diante de duas situações que merecem igual tratamento, a lei exigir tributo somente na primeira situação, não cabe a administração fiscal, com base no princípio comentado, tributar ambas as situações; compete ao indivíduo que se ligue a situação tributada contestar o gravame que lhe esteja sendo cobrado com desrespeito ao princípio constitucional. Não pode ser a analogia ser invocada pela administração para exigir o tributo na situação prevista.( CTN,art.108, § 1 °).
3.5. Princípio da Capacidade Contributiva
Este princípio tem caráter programático, servindo como norteador da atividade legislativa. Está inscrito no Art. 145 § 1º, nos seguintes termos:
art. 145.(omissis)
[...]
§1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O princípio tem por escopo o atingimento da justiça fiscal, repartindo os encargos do Estado na proporção das possibilidades de cada contribuinte. Note-se que o texto refere-se corretamente à capacidade econômica do contribuinte, que corresponde à capacidade contributiva. Referindo-se somente a imposto e não a tributos, sendo responsável pela maior parte de arrecadação tributaria, consistindo na retirada da parcela de riquezas dos particulares. Personalizar pressupõe graduar impostos segundo a capacidade contributiva de cada um. Este preceito tem um caráter programático, apesar da minúcia com que ele é enunciado.
3.6. Princípio da Vedação dos Efeitos Confiscatórios
Tributo é instrumento pelo qual o Estado obtém os meios financeiros de que necessita para o desempenho de suas atividade, não pode ser utilizado para destruir a fonte desse recurso.
A proibição do tributo confiscatório impossibilita o seu emprego como instrumento de supressão do denominado setor privado, e consequente instituição do regime de economia estatizada.
Está disposto no Art. 150, IV, da CF, que é vedado “utilização tributo com efeito de confisco”. A expressão é vaga e imprecisa. Porém, é fora de dúvida que tributo de efeito confiscatório não se confunde com o confisco de efeito sancionatório, o único admitido pela doutrina e jurisprudência.
Afirmam, MARCELO ALEXANDRINO & VICENTE PAULO que a vedação ao confisco pretende impedir que se ultrapasse, com essa carga, níveis considerados suportáveis por determinada sociedade, em certa época e sob específicas conjunturas. Evita-se, assim, que o Estado, sob alegação de necessidade de aumentar receitas, acabe por sufocar os esforços produtivos da sociedade com cargas escorchantes de tributos, o que representaria verdadeira expropriação do resultado desses esforços.[8]
Parte da doutrina entende que haveria efeito confiscatório de impostos sobre a produção e a circulação sempre que a alíquota real do tributo for maior que a margem de lucro com que o contribuinte opera. Para Aliomar Baleeiro, tributos confiscatórios são aqueles que absolvem todo valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício lícito e moral. Rui Barbosa Nogueira ensina que ”tanto é confisco tributário a absorção, pelo tributo, da totalidade do valor da situação ou do bem tributário, como qualquer parcela que exceda à medida fixada legalmente”.
O critério que leva em conta o aspecto quantitativo do tributo, como ocorre na Argentina, não serve para detectar os efeitos confiscatórios, em razão do fenômeno da repercussão econômica, relativamente quanto aos impostos indiretos, mesmo porque, como muito bem assinala A.R. Sampaio Dória, “a pressão excessiva é, em síntese, problema exclusivamente político, não jurídico”. No exame da questão pelo aspecto quantitativo do tributo, impõe-se a distinção, entre a riqueza renovável, como salários, bem como consumo etc. e a riqueza “não renovável” como imóveis, por exemplo.
Como assegurava Gilberto Ulhoa Canto, inexiste uma “inconstitucionalidade definível e qualificável, que estivesse ao alcance do julgador determinar em cada situação concreta”, pelo que é impossível ao judiciário acoimar de confiscatório este ou aquele imposto, sob o fundamento de que é excessivamente oneroso, ou de que ultrapassou o limite razoável da tributação, tornando-o extremamente injusto. Não cabe ao juiz examinar o fenômeno tributário sob aspectos da conveniência, nem substituir o critério de justiça do legislador por seu próprio critério.
Para saber se um tributo tem fim de confisco ou não, se deve analisar o mesmo sob o princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, precisa ser examinado em consonância com o princípio da moderação ou da razoabilidade da tributação verificando ainda, se a eventual onerosidade da imposição fiscal se harmoniza com os demais princípios constitucionais, garantidores do direito de propriedade, da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade etc.
A vedação constitucional não diz respeito às multas. O tributo tem por objetivo o suprimento de recursos financeiros de que o Estado necessita, e por isto mesmo é receita ordinária. Já a multa não possui por finalidade a produção de receita pública, e sim, desestimular o comportamento que configura sua hipótese de incidência, e por conseguinte, constitui uma receita extraordinária.
O tributo deve ser ônus suportável, um encargo que o contribuinte possa pagar sem maiores sacrifícios do desfrute normal de seus bens. Por tal motivo, o tributo não pode ser confiscatório. Já a multa deve representar um ônus que deve ser pesada para desestimular a repetição de determinada conduta de infração à lei. Por isso mesmo pode ser confiscatória.
3.7. Princípio da Liberdade de Tráfego
O princípio da liberdade de tráfego está previsto no art. 150, inciso V, da Constituição Federal, e proíbe que as entidades políticas estabeleçam limitações ao tráfego de pessoas ou bens, através de tributos interestaduais ou intermunicipais. Entretanto, pode ocorrer a incidência do ICMS nas operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transportes interestadual e intermunicipal. Registre-se, que o referido dispositivo faz expressa ressalva à possibilidade de cobrança de pedágio.
Segundo lição de MARCELO ALEXANDRINO & VICENTE PAULO, a norma impede que o fato gerador de qualquer tributo se consubstancie, especificamente, no trânsito intermunicipal ou interestadual de pessoas ou mercadorias.[9]
Tal princípio está relacionado ao direito fundamental ao livre trânsito dentro do território nacional, esculpido no art. 5º, XV, da Lex Matter.
4 - Imunidades
As imunidades, como já mencionando, são verdadeiras limitações constitucionais á competência tributária dos entes políticos, vedando a exação sobre determinados bens, pessoas, operações e serviços.
A imunidade, ao contrário da isenção, não pode ser interpretada restritivamente, mas não pode essa interpretação ampla ir ao ponto de ignorar a própria restrição expressa na Carta Magna.
4.1. Imunidade Recíproca
O art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal veda que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios cobrem impostos uns dos outros.
Como resultado da coexistência de três esferas governamentais, próprias do sistema federativo brasileiro, nossas Constituições vêm contemplando o princípio da imunidade recíproca, de sorte que nenhuma entidade política poderá exigir impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços de outra.
A relação jurídico-tributária é a que mais possibilidade de atrito entre as partes encerra. A razão deste princípio está na necessidade de preservação do princípio federativo, ou seja, a manutenção da convivência harmônica das entidades políticas componentes do Estado Federal Brasileiro.
Entretanto, essa imunidade, que abarca somente os impostos, não exclui a atribuição por lei, às entidades políticas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhe cabe reter na fonte e nem a dispensa do cumprimento das obrigações acessórias, conforme preceituado no § 1º do Art. 9º da CTN.
A Carta Política de 1988 estendeu esta imunidade às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder publico, porém, só alcança os patrimônios e os serviços vinculados a sua finalidade essencial ou às delas decorrentes (art. 150, § 2º).
Este princípio não haverá aplicabilidade quando o Poder Público explorar bem particular no qual incide o imposto, a exemplo do IPTU, tendo em vista que o sujeito passivo da obrigação tributária, nesse caso, é proprietário do imóvel (art. 34, do CTN).
4.2. Imunidade Religiosa
A doutrina e jurisprudência majoritária no Brasil reconhecem no instituto da imunidade tributária religiosa uma garantia constitucional que reforça o direito fundamental à liberdade religiosa.
Essa imunidade é considerada de forma subjetiva, não apenas em relação ao tempo físico, mas a entidade religiosa como um todo.
As entidades religiosas têm direito à imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de forma direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os mantenham desocupados.
Em passado recente, polêmica jurídica girava em torno da extensão dessa imunidade. Em 2002, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 325.822, os ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram entenderam não caber imunidade tributária sobre todos os bens pertencentes a entidades religiosas, conforme prevê o artigo 150, inciso VI, letra “b” e parágrafo 4º da Constituição Federal.
Segundo a decisão, a imunidade deve distinguir o que está (ou não) afeito às finalidades essenciais da entidade. Tendo em vista que aquela só incide no patrimônio, renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais da pessoa imune.
Observe-se que tal imunidade está relacionada ao direito fundamental a liberdade de crença (art. 5º, VI, CF/88), estando abrangidas por quaisquer crenças ou cultos religiosos.
4. Imunidade dos Partidos políticos, sindicatos de trabalhadores e entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos
É vedado às pessoas políticas instituir imposto sobre patrimônio, renda e serviços dos Partidos políticos e suas fundações, Sindicatos de empregados e Instituições assistenciais e educacionais sem fins lucrativos, observados os requisitos apontados na lei (art. 150 III, “c” da CF).
Aqui, também estamos diante de hipótese de imunidade subjetiva, pois refere-se à entidade e não a um determinado bem. Vejamos:
· Partidos Políticos: precisam ter registro no Tribunal Superior Eleitoral, ainda que provisório.
· Entidades Sindicais: O dispositivo é restrito aos sindicatos dos empregados. As centrais sindicais também estão abrangidas pela imunidade. Ex: CUT.
· Instituições assistenciais e educacionais: Não podem ter fins lucrativos. Os requisitos que devem ser obedecidos pelas instituições assistenciais e educacionais sem fins lucrativos devem ser instituídos por lei complementar, pois a ela compete regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II “a” da CF e 14 do CTN). Para que essas entidades sejam consideradas sem fins lucrativos a LC nº 114/01 exige:
· Não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título (art. 14, I do CTN).
· Aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção, dos seus objetivos institucionais (art. 14, II do CTN).
· Manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão (art. 14, III do CTN).
Na falta de cumprimento dos requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional, a autoridade competente pode suspender a aplicação do beneficio.
4.4. Imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão.
Aqui temos um caso de imunidade objetiva, porquanto abrange os impostos que poderiam recair sobre esses bens.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, a imunidade em questão não alcança o serviço de composição gráfica que integra o processo de edição de livros, incidindo sobre tal serviço, portanto, o Imposto Sobre Serviços (ISS).
Insta realçar que o objetivo da imunidade do art. ISO, inciso VI, alínea d, é facilitar, com o barateamento da confecção, edição, impressão e distribuição do livro, do jornal e demais periódicos de interesse público, a divulgação das idéias e do conhecimento, das atividades intelectual, artística, educativa, científica, cultural e da informação independente.[10]
Grande polêmica girava em torno da extensão da imunidade aos livros, jornais e periódicos veiculados em meio diverso do papel (cd-room, dvd, arquivo digital e etc.). MARCELO ALEXANDRINO & VICENTE PAULO relatam, no livro Direito Tributário na Constituição e no STF, que durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte foi rejeitado projeto que expressamente estendia a imunidade aos livros, jornais e periódicos não publicados em papel, criando óbice ao argumento de que esses meios somente haviam sido excluídos por praticamente inexistirem ou serem muito pouco difundidos à época da promulgação da Constituição de 1988. Por isso, o STF posicionou-se pela impossibilidade dessa.
Contudo, com a crescente popularização desses meios digitais existe grande movimento a favor da extensão da imunidade a esses instrumentos de veiculação de informação. Pois a norma constitucional visa a garantia e efetivação da livre manifestação do pensamento, da cultura e da produção cultural, científica e artística, sem a possibilidade de criação de empecilhos econômicos, via tributação, por parte do Estado.
Desta feita, independentemente do meio em que a informação é apresentada, seja ele físico ou digital, a aplicação da imunidade aos e-readers está em inteira sintonia com o pretendido pelo legislador, restando evidente que, neste caso, deverá haver um interpretação teleológica do dispositivo constitucional, adequando-o aos padrões tecnológicos atuais.[11]
5 – Conclusão
Assim, verificamos que as limitações ao poder de tributar determinadas pelo legisladores constituintes visam acalmar a fúria destrutiva do Estado por arrecadação.
Mesmo com essas limitações constitucionais a carga tributária brasileira é altíssima, no entanto, a população não recebe os devido retorno do dinheiro gasto com imposto. Essa ausência de políticas públicas, estimula a sonegação tributária e privatização de serviços essenciais, como saúde, educação e segurança.
Entristece-nos a interpretação restrita dada ao Princípio do não-confisco, por não considerar a universalidade de toda a carga tributária incidente sobre um único contribuinte e sim a analise isolada a partir de cada tributo. Tal postura leva a bancarrota diversas pequenas e microempresas que sucumbem ante a carga tributária sufocante, isso quando não são estimuladas a permanecer na informalidade.
No Brasil, mesmo com as limitações constitucionalmente impostas não existe sistema tributário equilibrado e equânime. Aqui o que existe é uma crescente carga tributária dentro de um sistema complexo e arcaico, absolutamente fora do contexto dinâmico e simplificador da Administração Pública contemporânea.
Tal quadro nos leva a seguinte conclusão:
Limitações constitucionais ao poder de tributar: Ruim com elas, muito, mas muito pior sem elas.
[1] MARTINS. Ives Gandra. Sistema Tributário na Constituição de 1988. 1º Ed. São Paulo: Saraiva. 1989. 128p. “Nas discussões que tiveram lugar entre o anteprojeto inicial da Subcomissão de Tributos e o projeto final aprovado pelo Plenário, houve sensível prevalência do espírito de voracidade fiscal, que caracteriza os políticos brasileiros, incidente sobre os direitos dos contribuintes, que os sustentam. (...) Isto porque são os governantes do Brasil de hoje verdadeiros senhores feudais do século XX, com marcante tendência ao arbítrio, o mais das vezes sustado pela atuação serena e superior do Judiciário”.
[2] LAMY, Marcelo apud CANOTILHO. Princípio Constitucional do Estado Democrático e Direito Natural. Hottopos. Disponível em: http://www.hottopos.com/rih9/lamy.htm. Acesso em 10 mar. 2010.
[3] COELHO.Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ºEd. Rio de Janeiro: Forense, 2006.171p.
[4] ALEXANDRINO. Marcelo.& PAULO. Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 10ª Ed. Niterói: Impetus. 2005, 83p.
[5] Idem idem. 84p.
[6] op. cit., 78 p.
[7] AGUIAR. Igor Nóbrega. O princípio da legalidade tributária e as medidas provisórias. Boletim Jurídico. Set., 2005. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=773>. Acesso em: 10 mar. 2010.
[8] op. cit., 113 p
[9] op. cit., 115 p.
[10] SARAIVA FILHO. Oswaldo Oton de Pontes. A imunidade dos Livros, jornais e periódicos e do papel destinado a sua impressão. Revista do Tribunal Regional Federal – 1º Região. Brasília - DF. v.8, n. 2, abri-jun.,1996. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/21825>. Acessado em: 10 mar. 2010.
[11] COUTO. Tiago Graça. Da imunidade tributária aplicável aos leitores de livros digitais – kindle e outros e-readers. Revista Jus Vigilantibus, jan. 2010. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/43237>. Acessado em: 10 mar. 2010.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes. Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Carla Caroline de Oliveira. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar: Autocontrole estatal ao Poder de Exação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2011, 09:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/26077/limitacoes-constitucionais-ao-poder-de-tributar-autocontrole-estatal-ao-poder-de-exacao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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