Antes de mais nada, necessário esclarecer um pouco sobre os meios existentes para apuração de embriaguez ao volante.
As três formas clássicas de se provar a embriaguez ao volante são: o exame de sangue, o exame clínico e o bafômetro [1]. Segundo Croce:
O exame clínico somatopsíquico objetiva distinguir o alcoolista do doente ou do indivíduo em tratamento. Consiste na observação de miose ou da midríase, de taquisfigmia ou de bradisfigmia, de hipotensão arterial, temperatura, hálito alcoólico, congestão da face e dos olhos, sialorréia, vômitos cheirando a vinagre, soluços, que por si só pode ser seriamente enganador, sonolência, coma; atitude de excitação, confusão, depressão, loquacidade, arrogância; orientação no tempo e no espaço; memória; articulação de palavras em cuja composição entra muitas labiais, como paralelepípedos, fósforos, terceiro regimento de artilharia, politécnico da escola politécnica, anticonstitucionalmente, o pinto pia e a pia pinga; pesquisa da sensibilidade térmica e dolorosa; realização de testes, objetivando coordenação motora, como apanhar um pequeno objeto, dar corda num relógio, ou visando à marcha e ao equilíbrio, além de buscar diligentemente sinais ou sintomas outros de doença ou traumatismo capazes de aparentar embriaguez [2].
Outro método para averiguação da embriaguez consiste em saber a dosagem alcoólica no sangue venoso através dos métodos de Niclourx, Newman e Widmark [3]. O método de Niclourx, baseia-se na oxidação do álcool pelo bicromato de potássio em meio sulfúrico e na troca de coloração da mistura, que passa da cor amarela para a azul-esverdeada, pela formação de sulfato de cromo. No método de Newman, o líquido contendo álcool a ser dosado é destilado e os vapores reagem com mistura sulfocrômica, a oxidação produz ácido acético e o excesso de bicromato é dosado por iodometria, e por fim no método de Widmark, o álcool é oxidado por bicromato de potássio e o excesso dosado por iodometria [4].
Cabe observar que a autorização da pessoa ou do representante legal é de fundamental importância pra poder ser realizada a colheita do sangue. Nesse sentido, ensina Croce:
São requisitos periciais para a colheita de sangue venoso para dosagem de alcoolemia a autorização da pessoa, ou de seu representante legal, e a identificação da amostra, uma parte suficiente da qual será, obrigatoriamente, guardada para eventualidade de nova perícia (art. 170 do CPP). Supondo, todavia, que o réu se recuse a permitir a extração de sangue para exame de dosagem alcoólica, não há que se negar ebriedade se os expertos atestam a existência dos sintomas clínicos acima descritos [5].
Importante ressaltar que a pessoa não está obrigada a ceder sangue em virtude do princípio penal de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si memo. E por fim, tem-se o bafômetro, no qual utiliza o ar expirado que, num pequeno balão de borracha contendo ácido sulfúrico e permanganato de potássio, oxida o álcool, se existente nos pulmões, da reação álcool- bióxido de carbono resultando o descoramento do permanganato de potássio [6].
Necessário afirmar que, assim como o exame de sangue, o exame de bafômetro só poderá ser realizado com a autorização daquele que puder consenti-lo, em virtude do princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. O Código de Trânsito Brasileiro em seu artigo 277, prever que:
Art. 277- Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
Observa-se que o artigo preconiza a expressão “será submetido”, dando uma idéia de obrigatoriedade do condutor em realizar tal exame, ocorrendo, portanto expressa inconstitucionalidade em virtude de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Nesse sentido ressalta Sousa:
A má técnica legislativa já é perceptível no Código de Trânsito Brasileiro- CTB, desde a sua redação original, quando impõe, no caput do artigo 277, a submissão do condutor do veículo a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros exames, numa clara afronta à Constituição Federal, uma vez que esta garante ao cidadão o direito de não construir qualquer tipo de prova contra sua própria pessoa [7].
Tal inconstitucionalidade deriva do fato de que no artigo 8º, inciso 2, alínea “g” do Pacto de São José da Costa Rica, conhecido também por Convenção America de Direitos Humanos, encontra-se previsto o princípio da não-autoincriminação, em que ninguém é obrigado a produzir prova contra sim mesmo. Desse modo:
Artigo 8º - Garantias judiciais.
[...]
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
[...]
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.[8]
Uma grande dúvida a respeito desse princípio surge no fato de que parte minoritária da doutrina diz que a Convenção Americana de Direitos Humanos ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com status de lei ordinária. Desse modo, tal doutrina entende que os condutores estão obrigados às disposições estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro, fundamentando-se no fato de que o princípio da não auto-incriminação, previsto no Pacto de São José da Costa Rica, ingressou no ordenamento jurídico por força de decreto do Poder Executivo de 1992, anterior a emenda constitucional n° 45, não sendo recepcionado assim como norma constitucional, dessa forma, somente os tratados e convenções aprovados na forma do § 3° do artigo 5º da Constituição Federal têm o status de norma constitucional, desse modo tal pacto não poderá afetar a aplicação do CTB, tendo em vista que o pacto com status de lei ordinária, é anterior ao Código e que a obrigação de submeter à tais testes decorrerá do artigo 5°, inciso II, CF em que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei [9].
Concordando com a corrente acima citada, Capez observa que o Pacto de San José da Costa Rica, denominado Convenção Americana sobre Direitos Humanos aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 27, de 25-09-1992, e promulgada pelo Decreto n. 678, para tornar-se equivalente às emendas constitucionais, necessitaria ser aprovado pelo Congresso Nacional pelo quórum de três quintos dos membros, pois se não foi submetido a nenhum quórum qualificado em sua aprovação, que o erigisse à condição de norma equivalente às emendas constitucionais, sua posição é subalterna no ordenamento jurídico, de modo que não pode prevalecer sobre norma constitucional expressa. Desse modo, qualquer tratado internacional, sem o preenchimento dos requisitos exigidos pela EC n. 45/2004, não pode sobrepor-se a norma constitucional expressa, não passando de legislação ordinária [10]. Contrariando tal corrente, a maioria da doutrina, dentre os quais, Greco, Gomes e Grinover, afirmam que o princípio da não-autoincriminação é garantia constitucional, em virtude de que o Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelos decretos nº 592 de 06.07.1992 e 678, de 06.11.1992, estando, portanto em conformidade com o artigo 5°, § 3°, CF [11]. Nessa linha de raciocínio Grinover afirma que todas as garantias penais da Convenção Americana integram o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na lei Maior [12].
Nesse mesmo contexto, o Direito Constitucional consagra o princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica. Diante dessa situação, a lei infraconstitucional não pode impor a obrigação da sujeição do motorista ao exame de bafômetro, desse modo, o direito brasileiro não pode compelir o indivíduo a produzir prova contra si mesmo [13].
Ainda sobre o assunto, em face do artigo 5º, §º 3º, CF, os tratados internacionais entram em nosso ordenamento jurídico como emenda constitucional, não cabendo se falar em revogação de tratados por lei ordinária advinda posteriormente [14].
No mesmo raciocínio, Croce observa a nítida inconstitucionalidade do artigo 277, CTB, já que a intimidade da pessoa também é inviolável, devendo a prova da alcoolemia ser feita por outros meios admitidos em direito, em virtude de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo [15].
Há ainda parte da doutrina afirmando que o direito à não-autoincriminação está intimamente ligado com o direito ao silêncio previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, e também com o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5°, inciso LIII, CF, tratando-se portanto de direitos e garantias individuais. Nesse sentido, no Brasil, o direito ao silêncio do acusado, mencionado no artigo 106 do CPP, embora com a sugestiva admoestação de que poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa, foi elevado à condição de garantia constitucional, artigo 5°, LXIII, CF, determinando que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, e a Convenção Americana assegura em seu artigo 8, inciso 2, alínea “g”, o direito do acusado de delito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado, desse modo, o direito à não-autoincriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação, sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional [16].
Assim, pelo princípio da presunção de inocência, não se pode constranger o acusado a submeter-se a intervenções corporais como testes alcoométricos e exames de DNA, nem de sua recusa inferir a veracidade do fato.
Ainda em relação ao princípio da não-autoincriminação, Silva ensina: “Esse princípio, assumiu especial significado no Direito Penal, principalmente na área do respectivo processo, para que não se obtenha confissão por violência, torturas ou fraudes” [17].
Cabe observar que nos processos judiciais, o STF tem sido rigoroso na salvaguarda do direito do réu ou do indiciado em permanecer calado ou recusar-se a fornecer, de qualquer modo, prova que o possa incriminar (v.g., HC 77.135, Galvão, 8.9.98; HC 75.527, Moreira, 17.6.97; HC 68.929, Celso, 22.10.91, RTJ 149/494; RE 199.570, M. Aurélio; HC 78.808, 9.3.99)[18].
Diante de tais comentários acerca do princípio da não auto-incriminação surge grandes problemáticas, a primeira, se funda na idéia de que tal princípio protege o acusado de maneira quase que absoluta, pois o mesmo poderá se recusar aos exames para averiguação da embriaguez, desse modo de total invalidade é o artigo 277, CTB diante do princípio da não-autoincriminação. O segundo problema consiste no fato de que o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 306, com nova redação dada pela Lei n° 11705/2008 e o artigo 2º do Decreto nº 6488 de 19 de junho de 2008 que veio regulamentar o art. 306, dizem que:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 ( seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas- detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 2º Para fins criminais de que trata o art. 306 da Lei 9503/97, de 1997- Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:
I- exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou
II- teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões [19].
Desse modo, constata-se a intenção do legislador em apresentar um critério preciso para a averiguação da embriaguez, assim, considerar-se-á embriagado o condutor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas ou concentração de álcool igual ou superior a 3 (três) décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. Entretanto, somente através de exames mais detalhados como o exame de sangue e o bafômetro poderá ser apurada tal quantidade de álcool no sangue.
Na tentativa de encontrar uma solução para não tornar o condutor impune, cabe trazer uma solução apresentada por Damásio:
Assim, se é certo que o condutor de veículo automotor pode validamente opor-se aos exames de dosagem alcoólica ou de utilização de substâncias entorpecentes ou psicotrópicas, vislumbro diante dessa realidade brasileira uma única saída: a otimização dos meios para a realização do exame clínico, cuja elaboração independe, em regra, da colaboração do motorista [20].
Concordando com o ponto de vista de Damásio, ensina Gomes:
Em matéria de prova da embriaguez há, de qualquer modo, uma premissa básica a ser observada: ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo (direito de não-autoincriminação). O sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova. Em outras palavras: não está obrigado a ceder sangue, não está obrigado a soprar o bafômetro. Havendo recusa, resta o exame clínico (que é feito geralmente nos Institutos Médico-Legais) ou a prova testemunhal [21].
Ocorre que, antes de mais nada, assim como o condutor pode se recusar ao exame de sangue e à soprar o bafômetro em virtude do princípio da não-autoincriminação, o mesmo se pode constatar do exame clínico. Nesse sentido cabe observar “O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável” [22]. Nesse sentido, ensina Croce:
A recusa do indivíduo em submeter-se ao exame clínico pericial a que não está obrigado e para cuja feitura não permite sequer a lei condução coercitiva, sendo, nessa hipótese, inaplicável o art. 201 do Código de Processo Penal, será a negativa consignada em documento próprio e o exame clínico somatopsíquico ou o laboratorial suprido, consoante o art. 167 do mesmo Código, por prova testemunhal coerente, idônea, à qual a jurisprudência tem reconhecido validade para comprovar, ante a publicidade escandalosa, o estado de embriaguez do agente” [23].
Ainda sobre o tema, Sousa ressalta que: “É importante que cada cidadão saiba que a Constituição Federal lhe assegura o direito de não construir provas contra si mesmo, logo, soprar o bafômetro, permitir a coleta de sangue e submeter-se a um exame clínico para embriaguez é uma decisão individual e livre que não deve ser exigida de ninguém” [24]. Ainda segundo o autor:
Se, para a aplicação da penalidade, nos casos que envolvem o uso de álcool e/ou outras substâncias psicoativas, é exigível a apresentação da prova técnica (exame de corpo de delito), situação que não pode ser suprida, nem mesmo pela confissão do acusado, conforme se observa no Art. 158 do Código de Processo Penal, parte final, e esta é dependente da vontade do infrator, a sua produção poderá ser inviabilizada pelo mesmo, sem que isto lhe cause qualquer prejuízo. Esta norma também inserta no Tratado Internacional Pacto de são José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, em seu art. 8º (garantias judiciais), inciso 2, alínea ‘g’ (Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: ...d) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada). No Brasil esta alínea ‘g’ corresponde, extensivamente, à máxima ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo que representa o direito constitucional de permanecer calado [25].
Portanto, seguindo a linha de raciocínio de Croce, o exame clínico não é obrigatório, pois é amparado pelo princípio da não-autoincriminação, ou seja, o condutor do veículo no momento da realização do exame não é obrigado a abrir a boca para o perito sentir o hálito, falar palavras difíceis, dar corda num relógio, escrever textos, pois em todas essas situações estaria da mesma forma que no exame de sangue e no bafômetro, produzindo prova contra si, além do que, seguindo a linha de raciocínio desse doutrinador, a lei não permite condução coercitiva para a feitura de tal exame, portanto tal exame não é obrigatório.
Diante dessa situação, resta um único meio de prova para averiguação da embriaguez, o qual é a prova testemunhal. Nesse sentido cabe observar algumas decisões constatando a admissão da prova testemunhal em face da averiguação da embriaguez:
APELAÇÃO CRIMINAL – DELITOS DE TRÂNSITO – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – CARACTERIZAÇÃO – AGENTE QUE DIRIGIA DE MANEIRA ANORMAL SEU VEÍCULO EM VIA PÚBLICA POR INFLUÊNCIA DA INGESTÃO DE SUBSTÂNCIA ALCOÓLICA – FATO QUE, POR SI SÓ, PÕE EM RISCO A INCOLUMIDADE PÚBLICA, PRESCINDINDO DO PERIGO CONCRETO – AUSÊNCIA DE EXAME DE DOSAGEM ALCOÓLICA – IRRELEVÂNCIA – POSSIBILIDADE DE A EBRIEDADE SER DIAGNOSTICADA PELA OBSERVAÇÃO COMUM E POR PROVAS ORAIS – RECURSO DESPROVIDO Em delitos de trânsito, a ebriedade do motorista não se comprova tão-somente pelo exame de dosagem alcoólica, mas também pode ser diagnosticada pela observação comum, isto é, por intermédio da prova testemunhal. (Apelação Criminal 2005.006139-5 Relator 11lcoó d’Eça Neves. Data da decisão: 30.08.2005. Tribunal de Justiça de Santa Catarina)
PROCESSUAL E PENAL – PROVA – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ART. 306 DA LEI N. 9.503/97 – ACUSADO QUE DIRIGINDO EM ZIGUEZAGUE COLIDE COM OUTRO VEÍCULO QUE ESTAVA PARADO EM SEMÁFARO – ALEGAÇÃO DE INIDONEIDADE DO BAFÔMETRO – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO A embriaguez ao volante pode ser comprovada por qualquer dos meios admitidos em direito, não se exigindo exame de dosagem 11lcoólica. Andar inseguro, fala mole, hálito etílico, voz pastosa, direção insegura, em ziguezague, constatada por testemunhas, basta à certeza moral da embriaguez. ( Apelação criminal 01.000132-8. Relator: Antonio Fernando do Amaral e Silva. Data da Decisão: 13/03/2001. Tribunal de Justiça de Santa Catarina)
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ART.306 DA LEI Nº 9.503/97. EXISTÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL ATESTANDO A EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR. CONDENAÇÃO. SUFICIÊNCIA. ALEGAÇÃO DE IMPRESTABILIDADE DO LAUDO CLÍNICO. IRRELEVÂNCIA: - TRATANDO-SE DO CRIME PREVISTO NO ART. 306 DA LEI Nº 9.503/97, É SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO DO ACUSADO A EXISTÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL QUE ATESTE SUA EMBRIAGUEZ, SENDO IRRELEVANTE A ALEGAÇÃO DE IMPRESTABILIDADE DO LAUDO CLÍNICO. (Apelação Criminal Ementa: 121146. Relator: DI RISSIO BARBOSA, Data: 01/11/2001. Tribunal de Justiça de São Paulo)
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – ART. 306 DA LEI Nº 9.503/97 – CONDENAÇÃO COM BASE NA CONFISSÃO E PROVA TESTEMUNHAL – POSSIBILIDADE: - É POSSÍVEL A CONDENAÇÃO DO AGENTE PELO CRIME DO ART. 306 DA LEI Nº 9.503/97 COM BASE EM SUA CONFISSÃO E NA PROVA TESTEMUNHAL, VISTO QUE TAIS ELEMENTOS SUPREM A AUSÊNCIA DE EXAME DE DOSAGEM ALCÓLICA. (Ementa: 133044. Apelação. Relator: Pereira da Silva. Data: 08.04.03. Tribunal de Justiça de São Paulo)
Penal. Delito de Trânsito. Lesões corporais. 1. Embriaguez. Prova testemunhal. A embriaguez pode ser demonstrada por meio de prova testemunhal, principalmente porque o réu não é obrigado a submeter-se ao exame de sangue ou bafômetro. 2. Dolo eventual. Comprovado. Quem, estando embriagado, conduz veiculo na contramão, em alta velocidade, assume o risco da produção do evento danoso. A unanimidade negou provimento ao apelo defensivo. (6 fls.) (Acr nº 70000738146, Terceira Câmara Criminal, TJRS, relator: Des. Saulo Brum Leal, julgado em 04/05/2000).
Entretanto, ocorre que, como constatado, a Lei n° 11705/2008 adotou o critério de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue para averiguação da embriaguez, desse modo, assim como no exame clínico não tem como se adotar com precisão o nível de álcool do condutor, pior ainda seria a constatação por testemunhas.
Nesse aspecto, somente aqueles condutores explicitamente embriagados, que estejam de tal forma que qualquer pessoa pudesse constatar a embriaguez, é que poderão ser punidos, tudo isso em virtude dos princípios constitucionais citados que asseguram a não-autoincriminação.
Portanto, muito difícil encontrar um meio probatório capaz de comprovar a embriaguez do condutor, dessa forma, cabe observar algumas saídas possíveis, por exemplo, alguns dos legitimados para propor Ação Declaratória de Constitucionalidade ajuizarem tal ação visando declarar constitucional o artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro, alegando-se que o princípio da não-autoincriminação ingressou no ordenamento jurídico por força de decreto anterior a Emenda Constitucional n° 45, não sendo portanto recepcionado como norma constitucional [26].
Entretanto, essa constatação acima citada, teria probabilidade mínima de acontecer, em virtude de que há princípios constitucionais que asseguram o princípio da não-autoincriminação de forma implícita, como o direito ao silêncio. Nesse sentido, ensina Moraes:
O direito de permanecer em silêncio, constitucionalmente consagrado, seguindo orientação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que prevê em seu art. 8°, § 2º, g, o direito a toda pessoa acusada de delito não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada, apresenta-se como verdadeiro complemento do due process of law e da ampla defesa, garantindo-se dessa forma ao acusado não só o direito ao silêncio puro, mas também o direito a prestar declarações falsas e inverídicas, sem que por elas possa ser responsabilizado, uma vez que não se conhece em nosso ordenamento jurídico o crime de perjúrio [27].
Concordando com esse posicionamento, os defensores do princípio da não-autoincriminação vão além, dizendo que tal princípio, além do direito ao silêncio, está ligado aos princípios da ampla defesa, previsto no artigo 5°, inciso LV da Constituição Federal e princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5°, inciso LVII, CF [28].
Em segundo plano, se o Pacto de São José da Costa Rica, o qual assegura o princípio da não-autoincriminação, for tido como equivalente à Emenda Constitucional e que tal princípio não seja considerado como um direito e garantia individual, poderia surgir uma nova Emenda Constitucional abrindo exceções ao princípio da não-autoincriminação, na tentativa de valer a eficácia dos meios para averiguação da embriaguez, e consequentemente tornar aplicável o artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro, entretanto, da mesma forma que a hipótese anterior, o princípio da não-autoincriminação é assegurado pelo direito ao silêncio, direito este que se trata de direito e garantia fundamental.
Uma terceira hipótese, que ao meu sentir, seria a hipótese com maior propriedade, levando-se em consideração que o princípio da não-autoincriminação está implícito no direito ao silêncio, previsto no artigo 5°, inciso LXIII, CF e nos demais princípios constitucionais como o princípio da ampla defesa, art. 5°, inciso LV, CF e no princípio da presunção de inocência, art. 5°, inciso LVII, CF, constituindo um direito e garantia individual assegurado como cláusula pétrea, conforme artigo 60 § 4º, CF, em que nem mesmo uma Emenda Constitucional poderá modificá-lo, ou seja, somente uma nova Constituição Federal poderia criar exceções ao princípio da não-autoincriminação, fazendo ressalvas como por exemplo no caso da embriaguez ao volante, portanto, somente diante de tal situação é que poderia tornar-se obrigatória a conduta de obrigar o cidadão a se submeter aos exames para apuração da embriaguez.
Nesse sentido, cabe observar que a lei processual alemã prever as extrações de sangue e outras ingerências corporais admitidas para a constatação de fatos importantes para o processo, mesmo sem o consentimento do acusado, desde que não exista qualquer perigo [29].
Ainda sobre o assunto, constata-se que em alguns países, a solução para os casos de embriaguez já foram encontradas. É o que ilustra Gomes: “Outra medida interessante vem sendo adotada nos EUA: é um bafômetro dentro do veículo que impede a partida do carro quando se constata excesso de álcool, Constitui um tipo de nariz eletrônico: cheirou álcool o carro não funciona” [30].
Portanto, a solução apesar de ser bastante difícil, ela não é impossível, tanto é que nos exemplos citados de alguns países, torna-se obrigatória a conduta das pessoas serem submetidas aos testes de embriaguez.
REFERÊNCIAS
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[1] GOMES, Luiz Flávio et. al. Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. 1ed. São Paulo: Editora RT. 2008, p. 363.
[2] CROCE, Delton ; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de Medicina Legal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 98.
[3] MARANHÃO, Odon Ramos. Curso Básico de Medicina Legal. 8 ed. São Paulo: editora Malheiros. 2000, p. 397.
[4] Ibid., p. 397.
[5] CROCE; CROCE JUNOR. Op. cit., p. 100.
[6] Ibid., p. 100.
[7] SOUSA, José Carlos Pires de. A Lei Seca Mergulhada no Direito: Breves Comentários a Artigos da Lei n° 11705, de 19 de junho de 2008. 1ed. São Luís: Arco Íris Gráfica e Editora Ltda. 2008, p. 23 – 24.
[8] CONVENÇÃO americana sobre direitos humanos. Pacto de San José. Disponível em: http://www.professoramorim.com.br/amorim/dados/anexos/265.doc. Acesso em 19 set. 2008.
[9] ANTINORO, Fábio. Trânsito: Alcoolemia; Condução sob efeito de Álcool; Fiscalização; Prevenção e Medidas Sócio-Educativas. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/19920. acesso em 19 set. 2008.
[10] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15 ed. São Paulo: Saraiva. 2008, p.248.
[11] ASSIS, João Francisco de. Testes de alcoolemia no código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: http://www.dpp.uem.br/005.htm. Acesso em 18 set. 2008.
[12] GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. 6 ed. São Paulo: RT, 1997. P. 76.
[13] DAMÁSIO, Evangelista de Jesus. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da obrigatoriedade do teste do bafômetro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5338. Acesso em 17 set. 2008.
[14] ANTINORO, loc. Cit.
[15] CROCE; CROCE JUNOR. op. cit., p. 102.
[16] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Do direito à prova no Processo Penal: Tese livre docência. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1995. p. 113-115. apud DAMÁSIO, Evangelista de Jesus. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da obrigatoriedade do teste do bafômetro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5338. Acesso em 17 set. 2008.
[17] SILVA, Antônio Álvares da. Lei seca. São Paulo: Editora LTR, 2008. p. 40.
[18] Despacho DJ data-26-11-99 P-00137.
[19] Ibid.
[20] DAMÁSIO loc. Cit.
[21] GOMES, loc. Cit., p. 363
[22] HC 83.096, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/03.
[23] CROCE; CROCE JUNOR. Op. cit., p. 103.
[24] SOUSA, op. cit., p. 10.
[25] SOUSA, op. cit., p. 25.
[26] ANTINORO, loc. Cit.
[27] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. 8 ed. p. 294.
[28] SILVA, loc. Cit., p. 40.
[29] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Do Direito à Prova no Processo Penal: Tese livre docência. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1995.p. 118. apud ASSIS, João Francisco de. Testes de alcoolemia no Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: http://www.dpp.uem.br/005.htm. Acesso em 18 set. 2008.
[30] GOMES, op. cit., p. 359.
Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas Sociais e Aplicadas São Luís. Pós Graduado em Direito Tributário pela FIJ- Faculdades Integradas do Jacarepaguá. Advogado licenciado. Assessor de Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELLO, Marcelo José Mendonça Jansen de. Meios para averiguação da embriaguez ao volante e o princípio da não-autoincriminação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/26607/meios-para-averiguacao-da-embriaguez-ao-volante-e-o-principio-da-nao-autoincriminacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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