RESUMO: No presente trabalho será realizado um estudo aprofundado sobre o fenômeno publicitário sob a ótica da sociologia e da história. Ciências estas que auxiliarão para a compreensão da repressão jurídica a esta atividade. Assim, perpassando pela história do desenvolvimento da publicidade no Brasil e no mundo, será identificado o contexto social no qual ela se insere atualmente, considerando, além disso, as influências do âmbito econômico que afetaram a nova conjuntura social.
Palavras-chaves: história da publicidade. Sociedade de consumo em massa. Meios de comunicação. Direito do consumidor
ABSTRAT: In this work will be held a depth study about the phenomenon of advertising form the perspective of sociology and history. Sciences that will assist in understanding of the legal repression of this activity. Thus, passing through the history of the development of advertising in Brazil and worldwide, will be identified the social context in which it falls now, furthermore, the influences of the economic situation that affected the new social conjucture.
Keywords: history of advertising. Mass consumption society. Ways of comunication. Consumerism Law.
1 INTRODUÇÃO
O século XX inaugurou uma nova realidade para o mercado mundial: a chamada sociedade de consumo. Esta, bem especificada pela expressão mass consumption society, diverge do que até então era conhecido pelo homem no que tange à realidade mercantil. A sociedade de consumo em massa (konsumgesellschaft) se identifica por um modelo de mercado que foi além da ceara comercial e, literalmente, dita e regula a vida da sociedade atual, especialmente da ocidental.
Dentro deste novo modelo de produção em massa, os consumidores sofrem, cotidianamente, verdadeiros atentados ideológicos, diretamente ou indiretamente, e até de forma subconsciente, vindos dos fornecedores. Estes, em busca do crescimento econômico e da homogenia no mercado, não medem esforços para a conquista dos consumidores e conseqüente ampliação do poder de alcance de seus produtos.
Nessa situação, são muito comuns violações a direitos e garantias fundamentais passarem despercebidas, seja por interesse econômico – tendo em vista a sociedade atual que é pautada no consumo –, seja por falta de instrução do consumidor – em que se verifica uma falha de tutela estatal inerente à educação –, seja por ausência de instrumento tutelar protetor (jurisdicional ou legislativo).
Certamente, a arma mais comum dos fornecedores para tal conquista, e que melhor expressa o contato direto do consumidor com as mercadorias, é a publicidade. Neste ponto é importante ressaltar que a dita sociedade de consumo em massa cresceu, no século XX, sob a noção ideológica da globalização. Desta noção se extrai a idéia de um mundo cada vez mais sintonizado por meios de comunicação e são estes os caminhos para a propagação da publicidade.
Sendo a publicidade o principal meio dos fornecedores alcançarem os consumidores e daí, cativá-los, dominá-los e persuadi-los, é de fácil dedução que, diante de toda essa submissão do consumidor ao fornecedor, é muito provável a ocorrência das tais violações aos direitos e garantias antes mencionadas. A partir daí é que surge a obrigação do Direito de tutelar e proteger esta classe que, na sociedade atual, por todo o exposto, é claramente a parte enfraquecida da relação.
No Brasil, os vestígios de tutela ao consumidor se encontram desde a Era Imperial. Contudo, nenhuma forma de tutela ao consumidor foi tão eficaz quanto à trazida pela Carta Cidadã de 1988, que, no rol de direitos e garantias constitucionais elencados no artigo 5º, determinou, no inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Nesta época já crescia o entendimento da necessidade a esta tutela, vez que os primeiros escritos do Código de Defesa do Consumidor – CDC, dataram de antes do vigor da nova Constituição.
2. DESENVOLVIMENTO DA PUBLICIDADE NO BRASIL E NO MUNDO
Antes de ser tão sofisticada quanto se apura nas técnicas publicitárias atuais, o discurso de persuasão e divulgação de produtos é tão antigo quanto a própria atividade de comércio. É claro que por atividade comercial aqui não se entende o escambo, feito pelos humanos desde a pré-história como mecanismo de subsistência, mas se fala do comércio surgido junto com as cidades, que possibilitaram a criação de feiras e a utilização de moedas de troca – como antigamente se usava o sal, antes de se inventarem a moeda. Período histórico este que compreende a antiguidade, conforme inúmeros estudiosos referenciam:
A atividade publicitária teve início na Antigüidade Clássica, onde se encontram os primeiros vestígios, conforme demonstram as tabuletas descobertas em Pompéia. As tabuletas, além de anunciarem combates de gladiadores, faziam referências às diversas casas de banhos existentes na cidade [...] [1].
Importante salientar que, antes do surgimento da imprensa, no final da idade média, a publicidade era feita, sobretudo, por anúncios orais. Mas, pela informação obtida da citação acima, se pode entender que os primeiros indícios de publicidade veiculada na forma escrita começaram até mesmo antes. Posteriormente à antiguidade, será no período histórico da idade média que, inclusive, as logomarcas, logotipos e demais símbolos vão começar a surgir:
Naquela época as casas não possuíam número e as ruas não eram identificadas. O comerciante se obrigava, então, a identificar o seu estabelecimento com um símbolo; ou seja, uma cabra simbolizava uma leiteria e um escudo de armas significava a existência de uma pousada [2].
Ao final do período medieval a publicidade passará a ser reconhecida após o surgimento da imprensa, criada por Johann Gutenberg no século XV. A partir daí se tem notícias de alguns eventos que fizeram evoluir a concepção da atividade publicitária: em 1482, surge o primeiro cartaz que se tem conhecimento, anunciando uma manifestação religiosa na cidade francesa de Reims; mais de um século depois, “[...] em 1625, apareceu no periódico inglês Mercurius Britannicus o primeiro anúncio publicitário de um livro. Em 1631, na França, Thèophraste, Renaudot cria na sua gazeta uma pequena seção de anúncios” [3].
Até então a publicidade tinha o mero condão informativo, isto é, não se falava aí em técnicas mirabolantes e sugestivas, mas, se limitava a dar a informação da existência do produto ou serviço e de apontar suas qualidades. Foi nos Estados Unidos, somente no século XIX, que a atividade publicitária alcançou, finalmente, o âmbito profissional:
O primeiro publicitário e criador da primeira agência foi Voley B. Palmer que ficou conhecido ao planejar a publicidade de vários anunciantes em 1841, na Filadélfia e Boston, cobrando dos periódicos 25% do custo dos anúncios. A primeira campanha publicitária teria sido planejada por John Wanamaker, destinada a um estabelecimento de roupas masculinas na Filadélfia, dando um apoio publicitário, até então nunca visto, utilizando, além dos anúncios de imprensa, de gigantescos painéis exteriores, desfiles de carros decorados e oferta de bandeirolas [4].
Interessante citar que o surgimento da atividade publicitária profissional coincidiu com a expansão mundial da Revolução Industrial – que teve início já no século XVIII –, bem como da ascensão do Estado Liberal. É de fácil dedução, portanto, que a publicidade surgiu como atendimento à demanda industrial da época, que cresceu absurdamente, em virtude da substituição da produção manufaturada para a produção em massa, produzida por todo um aparato maquinário, mudando toda a lógica mercantil que até então se teve conhecimento na história da humanidade. Como poderá ser verificado mais a frente, o Brasil será um dos países afetados pelo o que mais tarde seria denominado como o american way of life, o que certamente influenciará no âmbito publicitário.
Como toda história brasileira, o desenvolvimento da publicidade aqui seguiu de eventos inteiramente pitorescos. A publicidade em Pindorama [5] tem início com o surgimento dos mascates [6] e vendedores ambulantes, que, de forma oral, anunciavam seus produtos em concorrência com os demais [7]. Os primórdios da publicidade também estão presentes no âmbito religioso no Brasil, que precedeu, após a difusão da imprensa, do primeiro jornal brasileiro:
[...] antes de haver jornais no Rio de Janeiro, os anúncios eram lidos pelos padres nas missas, pregados nas portas das igrejas ou recitados nas ruas pelos "cegos das folhinhas" (só os cegos anunciavam nas ruas e podiam vender folhinhas). Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, foi fundada a Impressão Régia, que passou a publicar o primeiro jornal do país, a Gazeta do Rio de Janeiro. Concomitantemente, era fundado em Londres, por Hipólito da Costa, o Correio Braziliense, que circulou clandestinamente no Brasil até 1822 [8].
A imprensa no Brasil teve uma maior repercussão após a independência do país, em 1822, que culminou para o surgimento de inúmeros veículos de imprensa, atribuindo mais forma à atividade publicitária no país. Neste contexto, é interessante mencionar que os contratados para a elaboração dos anúncios publicitários – os publicitários da época – eram os próprios artistas, tais como poetas, pintores e compositores. Do mesmo jeito, na Grécia Antiga, "[...] os oradores, que normalmente discursavam sobre temas políticos e filosóficos em praça pública, também eram empregados para fazer anúncios comerciais [...]" [9], afinal, eles possuíam o “dom da oratória”.
No Brasil, o primeiro poeta a escrever anúncios foi Casimiro de Abreu. Logo após, inúmeros outros adotaram tal função[10], dentre eles, grandes nomes como Monteiro Lobato e até Olavo Bilac, carioca, jornalista, poeta e fundador da Academia Brasileira de Letras, que, dentre vários versos publicitários [11], redigiu este: “Bacalhau feito na brasa/ Com cebolas de Linhães/ Tudo isto tem na casa,/ Na casa dos Guimarães” [12].
Tal como na história da publicidade no mundo, foi por influência norte-americana que a atividade publicitária no Brasil ganhou aspecto profissional, isto já no século XX. “O marco desse fenômeno foi a abertura do departamento de publicidade da empresa General Motors no Brasil, em 1926, que já tinha aqui um escritório de vendas” [13]. A montadora automobilística americana, que tinha se estabelecido inicialmente nas terras tupiniquins no ano anterior, possibilitou a instalação de diversas outras agências estrangeiras de publicidade. A atividade profissional publicitária, a partir daí, ganhou ainda mais força na chamada Era do Rádio (Golden Age of Radio), período que compreende o auge da radiodifusão: nos Estados Unidos se deu nas décadas de 20 e 30, enquanto que no Brasil, nas décadas de 40 e 50, até o surgimento da televisão.
Assim, da mesma forma que os Estados Unidos influenciaram a economia no Brasil, expandindo também para cá as revoluções nas áreas industriais – que propiciaram ao fenômeno do consumismo –, também trouxeram os sofisticados mecanismos de comunicação e métodos de atividade publicitária. Esta parte histórica é fundamental, principalmente, para introduzir o tema da sociedade consumista mundial, que, da influência norte-americana, se identifica na atual conjuntura brasileira.
3. O CONTEXTO CAPITALISTA E A SOCIEDADE DE CONSUMO
O Estado Liberal trouxe, junto ao capitalismo posteriormente, uma economia segundo a lógica da “mão invisível” do filósofo iluminista Adam Smith, em que figurava um Estado mínimo, pouco interventor – o mínimo possível. A economia também se pautava na livre iniciativa, que derivava a livre concorrência – que, ao contrário de liberdade, o que se enxergava e o que atualmente se enxerga, é uma concorrência selvagem, desleal e bruta, e, aí sim, livre, de punições de um Estado que, renunciando de seus preceitos básicos e originais do contrato social, não intervém como deveria.
Abrem-se parênteses aqui para salientar que, na continuidade da parte histórica que estava sendo contada, verificaríamos as ocorrências de inúmeras ilegalidades e abusos cometidos através das publicidades. Tudo isso por conta da lógica social e econômica acima descrita, que, ausente de qualquer mecanismo de regulação – conseqüência de um Estado “fraco” –, possibilitava veiculações enganosas e abusivas. Deste contexto sócio-político brevemente explicado no primeiro parágrafo é que nasce a publicidade, como principal arma de combate nesta guerra que o mercado liberal chama de “livre concorrência”.
O chamado american way of life ganhou força no chamado golden age of capitalism, expressão americana que designa o período do apogeu do mercado capitalista segundo a lógica consumista. Este período percorreu do fim da Segunda Grande Guerra até o início da década de 70.
A respeito dos “anos dourados do capitalismo”, os até então professores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Stephen A. Marglin e Juliet B. Schor, em obra específica sobre o tema, identificaram dois momentos históricos cruciais para a emergência dos Estados Unidos como grande potencia econômica naquela época: a Grande Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. A respeito do primeiro, assim explicaram:
The first legacy of the Depression was the commitment to the welfare state. The trauma of unemployment on a scale too wide to be plausibly blamed on the shortcomings and failures of the individual worker permanently changed the way people throughout Europe and North America would think about the role of the government. [14]
Assim, a contribuição dada pela experiência da Crise de 1929 foi o compromisso com o Estado de Bem-Estar Social, preconizado pelos americanos naquela era gloriosa do capitalismo. Como dito na supracitada sentença, tal compromisso nasceu da mudança que ocorreu na mentalidade das pessoas a respeito de como pensavam a respeito do papel do Estado na sociedade. Isto é, a idéia de Estado mínimo, nascida da lógica da Revolução Industrial, entra em declínio no momento em que a “mão invisível” não garantiu o emprego de milhões de cidadãos pelo mundo inteiro.
No Brasil, os efeitos da Crise de 1929 foram igualmente drásticos, quase levando o país à falência. Basta recordar a famosa atitude do governo de Getúlio Vargas de comprar e queimar milhões de sacas de café com o intuito de restringir a oferta e manter o preço do produto em um nível mínimo, o que, naqueles tempos de crise, ocasionaram num benefício à economia nacional.
Retomando a cadeia histórica do capitalismo, o segundo momento que influenciou para seu apogeu, segundo os estudiosos já citados, foi a Segunda Guerra Mundial:
[...] World War II made the United States the dominant power economically as well as politically. It has been observed that for many years after the cessation of hostilities, there was a wise range of goods which only the United States could produce competitively. [15]
Numa tradução livre, “a Segunda Guerra Mundial fez os Estados Unidos a potência dominante, tanto economicamente, quanto politicamente”. Isto porque, após a cessação dos conflitos, mesmo anos depois disso, os Estados Unidos se manteve numa posição estratégica quanto ao fornecimento de recursos no mercado mundial, abastecendo os países afetados e impulsionando sua economia.
Ambos estes fatores, juntos, causaram uma mudança de paradigma, o que resultou numa cultura pautada no discurso democrático, da livre iniciativa, da livre concorrência, da autonomia da vontade; um discurso, sobretudo, que legitimou os Estados Unidos, por anos, como a “terra das oportunidades”. Aproveitando-se disso, a publicidade no país ganhou uma posição fundamental na propaganda dos ideais consumistas. [16]
Pode-se observar que, com a lógica consumista padronizando o comportamento social atual, a cultura da nossa sociedade muda, sendo esta voltada ao mercado e às práticas de consumo. Para um chamado ainda mais forte da sociologia nesta parte do trabalho, é como Zygmunt Bauman definiu:
A atual fase de transformação progressiva da idéia de “cultura” – desde sua forma original, de inspiração iluminista, até sua reencarnação líquido-moderna – é estimulada e administrada pelas mesmas forças que promovem a emancipação dos mercados em relação aos vínculos remanescentes de natureza não econômica: os vínculos sociais, políticos, éticos, etc. Para conquistar sua emancipação, a econômica líquido-moderna, centrada no consumidor, se baseia no excesso de ofertas, no envelhecimento cada vez mais acelerado do que se oferece e na rápida dissipação de seu poder de sedução – o que, diga-se de passagem, a transforma numa economia da dissipação e do desperdício. [17]
Assim, a tal cultura consumista então será pautada numa função publicitária de “suscitar desejos e fisgar vontades” [18], enquanto que estas serão estrategicamente e previamente difundidas pela mídia, para assim serem objeto de comércio. A cultura, tão belamente definida no capítulo anterior deste trabalho, “se transforma num armazém de produtos destinados ao consumo, cada qual concorrendo com os outros para conquistar a atenção inconstante/errante dos potenciais consumidores” [19].
Tal como o american way of life era e é idealizado pelos americanos como um estilo de vida que representa um ideal de liberdade, a cultura consumista atual – que no Brasil também se apresenta forte – também se transforma nesta lógica de consumo, sendo “feita na medida da liberdade de escolha individual (voluntária ou imposta como obrigação). É destinada a servir às exigências desta liberdade. A garantir que a escolha continue a ser inevitável: uma necessidade de vida e um dever” [20].
Neste contexto, a publicidade fará o papel que alavancará o que por Bauman foi chamado de “capitalismo parasitário”, vez que “a cultura líquido-moderna não tem ‘pessoas’ a cultivar, mas clientes a seduzir” [21].
4. A INFLUÊNCIA DA TELEVISÃO NO SEIO SOCIAL BRASILEIRO
Dando continuidade à abordagem histórica feita no início deste capítulo, o surgimento da televisão, que finalizou a chamada Era do Rádio e se inseriu no mercado principalmente após o término da Segunda Guerra Mundial, é passível de ser considerado o segundo grande marco histórico da evolução da atividade publicitária, depois, é claro, da criação da imprensa por Johannes Gutenberg há cerca de 500 anos antes.
No Brasil a primeira transmissão pública televisiva ocorreu em 28 de setembro de 1948, em terras mineiras, na cidade de Juiz de Fora. Quem promoveu tal façanha foi o operador de câmera, Olavo Bastos Freire, que, naquele dia, diante de testemunhas e se utilizando de equipamentos desenvolvidos por ele mesmo, exibiu nas telas a partida de futebol entre os clubes Tupi (time local) e Bangu (time carioca) [22].
A partir deste momento, a televisão se torna o meio de comunicação mais eficaz para a difusão da mensagem publicitária, sendo assim a maior aliada dos agentes que concorrem e fomentam o mercado capitalista e, conseqüentemente, a sociedade do consumo. Antes de se aplicar o estudo da semiótica, é importante dar continuidade à abordagem sociológica para se entender que a televisão, no contexto social brasileiro, deixa de ser um mero objeto e meio de comunicação para se tornar um verdadeiro oráculo das famílias brasileiras, que atribuem imensa credibilidade ao que se transmite nas telas pelo simples motivo de lá estarem.
Gino Giacomini Filho aponta alguns atributos que levam a televisão a ser o meio de comunicação mais influente na nossa sociedade:
O Brasil, país formado por uma população desacostumada ao consumo de livros, também retrata sua falta de hábito de leitura pelas minguadas tiragens de jornais e revistas, se comparadas a centros mais desenvolvidos. Além disso, a aquisição dos exemplares, diariamente ou semanalmente, demandaria um dispêndio alto para a maioria dos brasileiros. Neste sentido, os meios de audiovisuais parecem exercer maior fascínio, pois permitem a assistência coletiva de sons e imagens a partir da aquisição isolada do aparelho, cujo consumo de energia é difundido nas demais despesas da residência; o imediatismo da informação e a linguagem desses meios, acessíveis a quase todas as camadas sociais e etárias, propiciam uma utilização geral por parte da sociedade brasileira [23].
A crítica realizada se baseia no fato de que não há dispêndio ou qualquer tipo de esforço intelectual para se ter informações da televisão. Isto é, não se necessita de instrução, uma vez que a televisão lida com a transmissão de imagens e sons – recursos audiovisuais –, além, é claro, do fato de trazer vantagens econômicas, conforme o comentado acima.
Ademais, a televisão se torna ainda mais poderosa quando inserida no contexto da sociedade de consumo, explanada anteriormente. Por conta de ser o meio de comunicação mais presente na sociedade brasileira, será ela a escolhida para a difusão dos estilos de vida considerados pelo mercado capitalista como os vantajosos para a proliferação de seus produtos.
No Brasil, se pode dizer que a televisão superou outras instituições, tais como a família, as instituições educacionais ou o próprio Estado – mínimo como deve ser na lógica de nosso sistema. Assim, todo o transmitido pelas telas ganhará imenso crédito pelo telespectador, “[...] não pelo conteúdo das mensagens, mas simplesmente pelo fato de que elas lhe são transmitidas pela televisão” [24].
Um exemplo disso são as próprias “modas” surgidas de programas de alto índice de audiência, como as telenovelas, seriados ou filmes. Isto porque, as pessoas, em contato com alguma programação televisiva ou algum enredo fictício criado, se refletem num determinado personagem, desejando adotar suas posturas e costumes. Assim, “[...] a televisão é mencionada como o “espelho” do telespectador, sugerindo uma posição de identidade assumida por ele [...]” [25].
Já no âmbito da publicidade, tal capacidade de sedução será estrategicamente aproveitada: por exemplo, considerando que o personagem de um filme, no contexto sociológico brasileiro, funciona como o “espelho do telespectador”, o que aconteceria se fosse inserido, no decorrer da longe metragem, o consumo por ele de alguma marca específica?
Chega-se, finalmente, à grande problemática que envolve toda a abordagem jurídica ao discurso publicitário: até onde alcança a liberdade de expressão dos publicitários sem violar princípios jurídicos ou morais?
Ora, os publicitários descobriram meios verdadeiramente vantajosos de se alcançar os consumidores. Um exemplo disso é o do parágrafo acima, da inserção de um produto no decorrer de um seriado ou de um filme, se aproveitando da alta credibilidade e sensibilidade que alcança um personagem ao telespectador de seu programa favorito – técnica essa conhecida pelo meio jurídico como merchandising. Ademais, também se descobriu que é mais vantajoso difundir a publicidade no decorrer de uma programação do que se fazer nos horários comerciais – momento em que o telespectador já se encontra em postura defensiva e resistente: muitas vezes é o momento também de se conferir o que se passa noutros canais.
A eficácia da publicidade na televisão ganha força ainda maior pelo outro fator apontado anteriormente por Gino Giacomini Filho: o da forma de transmissão das mensagens, usando apenas de recursos audiovisuais, sem necessidade de dispêndio mental, funcionando, praticamente, como uma atividade terapêutica.
Trabalhando então com uma transmissão lingüística multifacetada, o consumidor telespectador é bombardeado por signos quando deparado com a publicidade televisiva. São tantos que, muita das vezes, a maioria passará de forma despercebida – assim nos aproximamos cada vez mais do tema principal desta pesquisa. É como Fabiano Del Masso pondera:
[...] quando se liga a televisão, por exemplo, mesmo que não se assista a nenhum programa, muitas vezes o telespectador fica diante da tela por algum tempo, já que o meio recebido de alguma forma relaxa o receptor, que não precisa de nenhum empenho intelectual para a decodificação das mensagens recebidas [26].
A comunicação realizada pela televisão para com seu telespectador se baseia numa mostra de imagens, trabalhando unicamente com recursos audiovisuais. Como o doutrinador acima destacou, não se necessita de nenhum empenho intelectual para que as mensagens sejam codificadas, basta que o receptor saiba ver e ouvir – habilidade que nasce com todo ser humano. De modo diferente se capta a mensagem transmitida por um livro, eis que a habilidade de leitura é uma atividade intelectual, pois se aprende a técnica de se entender um idioma e se comunicar por ele.
5. A ABORDAGEM JURÍDICA
No início, a publicidade não tinha grandes atenções do mundo jurídico, mas era simplesmente vista como uma atividade de propaganda comercial, isto é, um meio de anúncio de produtos, com o único objetivo de informar ao público-alvo a existência e disponibilidade no mercado.
No entanto, como o observado no tópico da abordagem sociológica, a lógica do nosso sistema mudou: após a conjuntura inaugurada pela Revolução Industrial, consumir um produto, hoje em dia, vai além de satisfazer alguma necessidade fisiológica ou algum capricho. O sistema consumista atual faz parte da cultura de uma sociedade onde consumir não é mais uma faculdade, mas uma afirmação pessoal – é marginalizado aquele que não se enquadra nesta lógica –, isto porque não se consomem mais produtos, mas estilos de vida.
Assim, a atividade publicitária não mais teve o objetivo meramente informativo. Pode-se perceber isso na própria evolução história trazida neste trabalho, que observou que no século XIX – quando a publicidade já era uma profissão reconhecida –, já havia uma bruta concorrência das marcas pela conquista do mercado. Os consumidores, por exemplo, ficavam à mercê de veiculações enganosas e abusivas [27].
Em suma, “não há sociedade de consumo sem publicidade” [28], esta, assim, “[...] pode, de fato, ser considerada o símbolo próprio e verdadeiro da sociedade moderna” [29]. Assim, “como decorrência de sua importância no mercado, surge a necessidade de que o fenômeno publicitário seja regrado pelo Direito“ [30].
O parágrafo acima, compilado através da mais respeitada doutrina do Direito do Consumidor brasileiro – o Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto –, faz a devida conexão de toda a abordagem interdisciplinar realizada com a análise jurídica a ser feita do fenômeno publicitário.
Antônio Herman V. Benjamin [31] leciona que, a respeito do regramento da atividade publicitária pelo Direito, este encontra fundamento em quatro modelos:
Controla-se a publicidade com o intuito de: a) favorecer e ampliar a concorrência entre os diversos agentes econômicos (modelo concorrencial); b) garantir um fluxo adequado de informações sobre produtos e serviços (modelo informativo); c) evitar abusos no exercício do seu poder de persuasão (modelo de manipulação de preferências); d) limitar seu potencial de modificação de padrões culturais (modelo cultural).
Importante ressaltar aqui que o controle da publicidade e seu regramento pelo Direito não afronta princípios inerentes à livre manifestação de pensamento ou à liberdade de expressão. Isto porque, conforme diferenciado no início do primeiro capítulo deste trabalho, a publicidade é uma técnica de fins unicamente comerciais, se incluindo assim na esfera econômica do âmbito jurídico.
Difere-se, pois, do que se entende por propaganda ou por qualquer outra difusão de mensagens de conteúdo ideológico. Presume-se que a publicidade, ao invés disso, tem a única intenção de se vender o produto para o qual ela foi criada, de seduzir os consumidores em potencial.
Noutras palavras, por ser nada mais que a representação comercial e econômica de uma empresa, a publicidade, no Direito, é observada exclusivamente sob a ótica da defesa do consumidor, se enquadrando constitucionalmente no título da Magna Carta dedicado à ordem econômica e financeira da nação:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
V - defesa do consumidor; [32]
A Constituição de 1988, assim, possibilitou o assentamento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que seria promulgado praticamente dois anos depois, por intermédio da Lei de nº. 8.078 de 11 de setembro de 1990, com fulcro, além do dispositivo supracitado, no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição, e no artigo 48 de suas Disposições Transitórias:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...]
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor [33].
Antes da Carta Cidadã, com os dispositivos referenciados, possibilitarem a primeira e real forma de controle da publicidade no Brasil – quando finalmente foram definidas as formas ilícitas de publicidade enganosa e abusiva –, existiam normas espaças, em textos legais distintos, que, aqui e acolá, formavam a nossa precária regulamentação da publicidade no âmbito jurídico. Destas leis, bastam citar:
[...] a Lei nº. 6.001/73 (Estatuto do Índio), a Lei nº. 4.680/65, o Decreto nº. 57.960/66 e, já no âmbito da auto-regulamentação, o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, de 1978. No que tange especificamente à proteção do consumidor, vale mencionar a Lei nº. 4.728/65, a Lei nº. 5.768/71 e a Lei nº. 6.463/77 (que traça normas para a divulgação de preços dos bens e serviços). Na área penal, há o próprio Código Penal, com as figuras do charlatanismo (art. 283), a Lei das Contravenções Penais, com a perturbação do sossego alheio (art. 42) e com o anúncio de meio abortivo (art. 20), e a Lei de Economia Popular, com o crime de veiculação de informação falsa no mercado financeiro (art. 3º, VII). [34]
Vale lembrar que tais normas, obviamente, não caíram em desuso com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Este diploma legal tão somente reconheceu a necessidade de se regular a atividade publicitária na sociedade de consumo, isto é, levando em conta todos os fatores sociológicos e históricos apresentados neste mesmo capítulo.
O controle no Código aparece na seção dedicada à publicidade, que abrange os artigos 36, 37 e 38. Segundo a doutrina dos autores do anteprojeto, tal seção teve influência do Direito dos Estados Unidos e da França. Isto porque, conforme a abordagem histórica e sociológica feita a respeito da publicidade, esta não se difere entre os países, ou seja, todos estes fazem parte da mesma sociedade de consumo. Ademais, como dito acima, não haviam precedentes sistemáticos de controle publicitário no Brasil:
Os diversos projetos que deram origem à Lei nº. 8.078/90 sofreram grande influência dos Direitos francês e norte-americano. Daquele, por meio do Projet de Code de la Consommation. Deste, pela utilização do art. 5º, do Federal Trade Comission Act e, fundamentalmente, da regulamentação e decisões administrativas da própria Federal Trade Comission, bem como da jurisprudência mais recente dos tribunais. De grande importância foi, igualmente, a Diretiva nº. 84/450, da Comunidade Econômica Européia, de 10 de setembro de 1984. [35]
No artigo 37 há a definição das formas ilícitas de publicidade, a enganosa – que também pode ser por omissão – e a abusiva:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. [36]
A referência francesa que o legislador brasileiro encontrou para reprimir a publicidade enganosa se encontra no artigo 48 do Projet de Code de la Consommation [37], além de também encontrar suporte no artigo 27 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária [38]. Quanto à publicidade abusiva, esta, muito embora seu regramento tenha influência no Projet, neste não encontra dispositivo semelhante tal como a publicidade enganosa. Contudo, no âmbito da autorregulamentação publicitária se encontra ampla dedicação [39].
Justamente por esta falta de respaldo no Direito Comparado é que a publicidade abusiva é considerada uma grande novidade no mundo jurídico. Trata-se de uma proteção que vai além aos valores econômicos mencionados anteriormente, que têm suporte nos princípios de ordem econômica e financeira, na justa concorrência, na lógica da sociedade de consumo, etc.
A repressão à chamada publicidade abusiva vai além e visa proteger, não só consumidores em potencial, mas toda a sociedade – suscetível sempre à se deparar com mensagens publicitárias – de ofensas à valores sociais, éticos e morais. É sabido que, por mais que um indivíduo não esteja interessado em comprar um produto, ainda sim se confrontará com as publicidades, isto porque estas não atingem apenas seu público-alvo. Neste é que pode alcançar sua finalidade, mas, antes disso, afetará toda uma população. Para caracterizar tal ilicitude, como se pode observar da leitura do próprio parágrafo 2º do artigo 37, o legislador foi bem amplo, e buscou ser exemplificativo, com a ambição de ser o mais eficaz possível.
A respeito da publicidade na sua forma enganosa, esta possui dois tipos básicos, por comissão e por omissão:
Na publicidade enganosa por comissão, o fornecedor afirma algo capaz de induzir o consumidor em erro, ou seja, diz algo que não é. Já na publicidade enganosa por omissão, o anunciante deixa de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo, induz o consumidor em erro, isto é, deixa de dizer algo que é. [40]
A forma comissiva é, no caso, a mais comum de ser percebida quando se fala na enganosidade publicitária. Já a forma omissiva é um cuidado que o legislador teve ao redigir o parágrafo terceiro do artigo 37, que explicitamente a dispõe. O legislador, ao dispor sobre a publicidade enganosa, buscou caracterizá-la expressamente, dando sua ilicitude e redigindo um texto que, além de amplo e exemplificativo, possibilita a idéia de que “[...] não se exige prova de enganosidade real, bastando a mera enganosidade potencial (“capacidade de indução ao erro”) [...]” [41].
5.1 PRINCÍPIOS INERENTES À PUBLICIDADE
É possível identificar, não só da leitura dos três artigos que compõe à específica seção da publicidade, mas da leitura sistemática de todo o código, que os legisladores encontraram respaldos em alguns princípios, bases para a criação dessas leis. Os princípios referentes ao controle jurídico da atividade publicitária podem ser divididos em três categorias: os relacionados à veiculação da publicidade; os relacionados aos direitos oriundos da veiculação da publicidade; e os relacionados às medidas cabíveis para o controle da publicidade.
Partindo da primeira categoria destacada acima, são três os princípios relacionados à veiculação da publicidade: o princípio da identificação da publicidade, o princípio da veracidade da publicidade, e o princípio da não abusividade da publicidade. Os princípios relacionados à veiculação da publicidade são aqueles observáveis na própria difusão da mensagem publicitária pelos canais de mídia. Isto é, são requisitos jurídicos criados para a legal transmissão da publicidade. Funcionam, praticamente, como elementos essenciais à legalidade da publicidade.
O primeiro deles é o princípio da identificação da publicidade, que ordena que a publicidade seja veiculada de um modo que o consumidor rapidamente a identifique como tal – a publicidade que o violar será considerada clandestina. É o presente no caput do artigo 36 – que, diga-se de passagem, também possui respaldo expresso na legislação francesa supracitada [42]:
Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. [43]
Sobre isso, se entende que “[...] a identificação há de ser imediata (no momento da exposição) e fácil (sem esforço ou capacitação técnica)”. Importante dizer que tal conceito se aproxima da idéia que o legislador conferiu à publicidade enganosa na sua forma omissiva. Sem se aprofundar muito no tema da publicidade clandestina, que já possui bastante polêmica, a importância em realizar tal adequação com a publicidade enganosa omissiva, além da possibilidade de aplicação de sanção prevista, seria a possibilidade de se analisar e caracterizar a clandestinidade conforme sua potencialidade de violar o princípio da identificação, e não partindo do pressuposto fático de que efetivamente o violou – tal tarefa seria impossível.
Os dois outros princípios que, conjuntamente ao da identificação da publicidade, formam a categoria de princípios relacionada à veiculação da mensagem publicitária, são o da veracidade e o da não abusividade da publicidade. Nada mais são do que os princípios presentes no artigo 37, que definem a ilicitude da publicidade nas formas enganosa e abusiva.
Em segundo plano, estão os princípios relacionados aos direitos oriundos da veiculação publicitária. Isto é, estes já são analisados num momento posterior: enquanto a primeira categoria – donde se inserem os princípios da identificação, não abusividade e veracidade – se tratavam de elementos que conferiam legalidade à própria difusão da publicidade, esta segunda categoria tratará dos direitos que vão surgir após a devida e legal veiculação.
O primeiro deles é o princípio da veiculação contratual da publicidade, que se refere ao disposto nos artigos 30 e 35 do Código de Defesa do Consumidor [44]. O segundo e último princípio desta categoria é o da transparência da fundamentação da publicidade, que, na mesma lógica do princípio da veracidade, tem como idéia central a transparência de correta informação ao receptor da mensagem publicitária, entrando aí o dever da informação necessária. Tal princípio é o expresso no parágrafo único do artigo 36, que obriga o fornecedor a manter em seu poder, para devida informação de qualquer interessado, os dados fáticos, técnicos e científicos que sustentem a publicidade transmitida.
Por fim, sobram os princípios relacionados às medidas cabíveis para o controle da publicidade. Como o próprio nome da categoria sugere, são princípios de ordem coercitiva. O primeiro deles, sendo correlacionado a princípio geral do Direito do Consumidor brasileiro, é o da inversão do ônus da prova. Na realidade, a base jurídica para esse princípio de ordem publicitária é o artigo 38 [45], que enfatiza e reafirma um direito já existente na ordem jurídica do consumo.
O segundo princípio é o da correção do desvio publicitário. Este encontra fundamento na idéia de que, uma vez difundida a publicidade ilícita, além das eventuais reparações cíveis advindas de ato ilícito e da repressão, tanto penal, quanto administrativa, o Estado deve tentar, ao máximo possível, eliminar os efeitos maléficos daquela ilicitude já difundida. “Tal tem lugar através da contrapropaganda (corrective advertising), também acolhida pelo Código (art. 56, XII) [46]” [47].
Por último, há o princípio da lealdade publicitária. Este encontra suporte expresso no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, onde definem os princípios basilares para regramento jurídico das relações de consumo definidas pelo sistema:
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; [48]
Muito embora seja um princípio de ordem geral do Código, não se pode negar que, o âmbito mais propício à ocorrência deste tipo de ilicitude é o da própria publicidade. Como já falado anteriormente, a publicidade no mundo jurídico é observada sob a ótica da sociedade de consumo, do mercado capitalista, da ordem econômica e, conseqüentemente, no campo da livre concorrência. É na atividade publicitária também que ocorrerá, conforme o texto do inciso supracitado, a utilização de inventos, marcas industriais e signos distintivos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, assim, que a publicidade é uma atividade profissional intimamente atrelada à atual conjuntura social e econômica mundial: a sociedade de consumo em massa, formada pela ideologia capitalista, surgida a partir do Estado Liberal e dos ideais da Revolução Industrial – que mudou a lógica de produção e comercialização mercantil.
Neste cenário, a publicidade se torna a principal arma na concorrência do mercado de consumo. Por intermédio dela, como foi explicado, os produtos anunciados se tornam meios de se alcançar estilos de vida almejáveis e socialmente aceitáveis na vida em comunidade.
Conforme o também explanado, os meios de comunicação são usados de forma estratégica para se realizar tal mutação – do consumo do produto para a aquisição de um estilo de vida. A televisão, que teve ênfase no presente trabalho, se mostra a mais eficaz no cenário brasileiro. Isto porque a comunidade já entrega grande credibilidade ao que se passa diante das telas. Ademais, personagens fictícios, que, pela análise sociológica, são como espelhos de personalidade dos espectadores, são alvos eficazes para a sedução publicitária.
Portanto, não é difícil que se encontre nas publicidades veiculadas alguma ilicitude que se enquadre na violação de princípios básicos jurídicos, tais como a liberdade de escolha e o direito de ser informado. Assim, o Direito se viu motivado à regulamentar com mais precisão o fenômeno publicitário, sob a ótica da defesa do consumidor.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Alzira Alves de; PAULA, Christiane Jalles de. Dicionário histórico-biográfico da propaganda no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum Saraiva. 11. Ed. atual. - São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
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CONAR. Código brasileiro de autorregulamentação publicitária. Disponível em <www.conar.org.br>. Acesso em 10/10/2011.
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus propaganda. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1991.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
MARGLIN. Stephen A; SCHOR, Juliet B.. The golden age of capitalism: reinterpreting the postwar experience. Oxford: Clarendon Press, 1990.
MASSO. Fabiano Del. Direito do consumidor e publicidade clandestina: uma análise jurídica da linguagem publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
MUNIZ, Eloá. Publicidade e propaganda: origens histórias. Publicado no Caderno Universitário, Nº 148, Canoas, Ed. ULBRA, 2004.
RODRIGUES, Flávio Lins. Os primeiros sinais: 1948, a televisão chega a Juiz de Fora. Disponível em <www.metodista.br>. Acesso em 31/10/2011.
SANTOS, Gilmar. Princípios da publicidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
[1] MUNIZ, Eloá. Publicidade e propaganda: origens histórias. Publicado no Caderno Universitário, Nº 148, Canoas, Ed. ULBRA, 2004.
[2] MUNIZ, Eloá. Op. Cit., nota 1.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] Pindorama (em tupi-guarani pindó-rama ou pindó-retama: "terra/lugar/região das palmeiras") é uma designação dada às regiões que posteriormente compreenderiam o território brasileiro. Por extensão de significado, é o nome indígena que designa o Brasil.
[6] “Mascates” eram os vendedores, tanto ambulantes, quanto “de porta-a-porta”, que atuavam no Brasil colônia. Eram também chamados de “turcos da prestação”, eis que a origem do termo advém do árabe El-Matrac, o vocábulo usado para designar os portugueses que, auxiliados pelos libaneses cristãos, tomaram a cidade de Mascate (no atual Omã) em 1507, levando mercadorias.
[7] SANTOS, Gilmar. Princípios da publicidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 35.
[8] Ibidem. p. 35-36.
[9] Ibidem. p. 31.
[10] "De então até hoje, escritores de grande prestígio, como Emílio de Menezes, Bastos Tigre, Hermes Fontes, Coelho Neto, Guimarães Passos, Basílio Viana, Lopes Trovão, Guilhreme de Almeida, Orígenes Lessa, Álvaro Moreira, Ribeiro Couto, Menotti Del Picchia, Guilherme Figueireso, J. G. de Araújo Jorge, foram responsáveis por algumas das mais importantes páginas de propaganda publicadas no país". (ABREU, Alzira Alves de; PAULA, Christiane Jalles de. Dicionário histórico-biográfico da propaganda no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007).
[11] Neste mesmo tempo circulava, nos bondes do Rio de Janeiro, o que por muitos foi considerado o melhor anúncio publicitário da história do Brasil: Veja ilustre passageiro/ O belo tipo faceiro/ Que o senhor tem ao seu lado./ Mas, no entanto, acredite/ Quase morreu de bronquite./ Salvou-o o Rum Creosotado! (GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus propaganda. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1991. p. 32).
[12] Ibidem. p. 10.
[13] SANTOS, Gilmar. Op. Cit., nota 7. p. 37.
[14] MARGLIN. Stephen A; SCHOR, Juliet B.. The golden age of capitalism: reinterpreting the postwar experience. Oxford: Clarendon Press, 1990. p. 4.
[15] Ibidem. p. 10.
[16] Em 1951 a Revista Life divulgava um famoso concurso da época, chamado “Crosley ‘American Way’ Contests”, que oferecia prêmios (sobretudo eletrodomésticos) para quem melhor respondesse à pergunta: “What the american way of life means to me!”. No flyer do concurso assim exemplificava um modelo de resposta: “To me the American way of life means freedom most of all. I’m free to worship and speak as I believe, free to work at whatever I enjoy, free to elect the members of my Government, and free to profit from my own ideas and efforts.” (October 15, 1951)
[17] BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 35.
[18] BAUMAN, Zygmunt. Op. Cit. p. 36.
[19] Ibidem. p. 33-34.
[20] Ibidem. p. 36-37.
[21] Ibidem. p. 36.
[22] Só em 1948 acontece a primeira experiência pública, registrada pelo jornal vespertino Diário da Tarde, no mesmo dia da transmissão, em 28 de setembro: “Juiz de Fora, pioneira da televisão no Brasil” com o “magnífico êxito nas experiências realizadas hoje pela manhã” onde estavam presentes “altas autoridades civis e militares”. As transmissões de Olavo Bastos Freire foram realizadas “entre o Clube Juiz de Fora, onde fora instalada a estação transmissora e a Casa do Rádio, na Av. Getúlio Vargas, local em que ficou o aparelho receptor” (Diário da Tarde, 28 de setembro de 1948, p.1). RODRIGUES, Flávio Lins. Os primeiros sinais: 1948, a televisão chega a Juiz de Fora. Disponível em <www.metodista.br>. Acesso em 31/10/2011.
[23] GIACOMINI FILHO, Giano. Op. Cit.. nota 11. p. 90.
[24] COMPARATO, Fábio Konder. Apud MASSO. Fabiano Del. Direito do consumidor e publicidade clandestina: uma análise jurídica da linguagem publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
[25] MASSO, Fabiano Del. Op. Cit.. nota 24. p. 79.
[26] DEL MASSO, Fabiano. Op. Cit.. nota 24. p. 74.
[27] Um exemplo é o anúncio veiculado pelo medicamento “Xarope de Honório do Prado” no Brasil no Século XIX: “Eu era assim. (figura de uma pessoa doentia). Cheguei a ficar quasi assim!!! (figura de uma cabeça de caveira). Soffria horrivelmente dos pulmões, mas graças ao milagroso Xarope peitoral de alcatrão e jatahy, preparado pelo pharmaceutico Honorio de Prado consegui ficar assim!! (figura de um homem são). Completamente curado e bonito. Esse xarope cura tosses, bronchites, asthma, rouquidão e escarros de sangue. Preço do vidro 1$500. Único depósito na Capital Federal. J. M. Pacheco & Comp. Rua dos Andradas, nº. 58” (GIACOMINI FILHO, Giano. Op. Cit.. nota 11. p. 29).
[28] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 310.
[29] Ibidem. p. 310.
[30] Ibidem. p. 310.
[31] Apud MASSO, Fabiano Del. Op. Cit. nota 24. p. 123.
[32] BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum Saraiva. 11. Ed. atual. - São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
[33] Ibidem.
[34] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. Cit. nota 28. p. 325.
[35] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. Cit. nota 28. p. 326-327.
[36] BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. In: Vade Mecum Saraiva. 11. ed. atual. - São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
[37] Il est interdite toute publicité comportant, sous quelque forme que ce soit, dês allégations, indications ou présentations fausses ou de nature à induire en erreur, lorsque celles-ci portent sur un ou plusieurs des éléments ci-après: existence, nature, composition, qualités substantielles, teneur en principes utiles, espèce, origine, quantité, mode et date de fabrication, propriétés, prix et conditions de vente de biens ou services qui font l'objet de la publicité, conditions de leur utilisation, résultats qui peuvent être attendus de leur utilisation, motifs ou procédés de la vente ou de la prestation de services, portée des engagements pris par l'annonceur, identité, qualités ou aptitudes du fabricant, des revendeurs, des promoteurs ou des prestataires. (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op Cit. nota 28. p. 336-337)
[38] “O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido, conforme disposto nos artigos seguintes desta Seção, onde estão enumerados alguns aspectos que merecem especial atenção” (CONAR. Código brasileiro de autorregulamentação publicitária. Disponível em <www.conar.org.br>. Acesso em 10/10/2011).
[39] São exemplos: Artigo 20: Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. Artigo 23: Os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade. Artigo 24: Os anúncios não devem apoiar-se no medo sem que haja motivo socialmente relevante ou razão plausível. Artigo 25: Os anúncios não devem explorar qualquer espécie de superstição. Artigo 26: Os anúncios não devem conter nada que possa conduzir à violência. (Ibidem)
[40] GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. Cit. nota 28. p. 339
[41] Ibidem. p. 338.
[42] O artigo 46 do Projet assim determina: “La publicité doit pouvoir être netterment et instantanément distinguée comme telle” (BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 236).
[43] BRASIL. Op. Cit. nota 36.
[44] “Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. [...] Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.” (BRASIL. Op. Cit. nota 36).
[45] “Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina” (BRASIL. Op. Cit. nota 36).
[46] “Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: [...] XII - imposição de contrapropaganda” (Ibidem).
[47] BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit. nota 42. p. 235.
[48] BRASIL. Op. Cit. nota 36.
Estudante do curso de Direito na Faculdade de Direito de Vitória - FDV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICTOR OLIVEIRA SARTóRIO, . O contexto histórico e social da intervenção jurídica na atividade publicitária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2011, 07:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27049/o-contexto-historico-e-social-da-intervencao-juridica-na-atividade-publicitaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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