1 INTRODUÇÃO
O benefício assistencial é uma prestação estatal destinada às pessoas carentes e necessitadas de ajuda social, segundo critérios dispostos em lei específica, não se exigindo filiação nem contribuição prévia à Previdência Social. Engloba pessoas hipossuficientes que sejam portadores de deficiência ou idosos com idade igual ou superior a 65 anos.
Dessa forma, o público alvo do Benefício de Prestação Continuada consubstancia-se em pessoas que não têm meios de prover sua própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Portanto, para ter direito ao benefício, o beneficiário terá de caracterizar seu estado de miserabilidade.
Esta miserabilidade é aferida objetivamente, segundo a Lei Orgânica da Assistência Social, de acordo com o critério econômico estabelecido no artigo 20, §3º, da referida lei, sendo apurado sobre todas as rendas dos membros do grupo familiar, cujo resultado, por pessoa, deva ser inferior a ¼ do salário mínimo.
Nesse ínterim, a Lei n.8742/93 estabeleceu quem é ou não miserável e, dessa forma, quem tem ou não pressuposto para perceber o benefício assistencial de acordo com o padrão econômico.
Nesta ordem de idéias, o artigo 20, §3º, da LOAS, assegura que “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo” (grifo nosso).
Contudo, este requisito econômico, com o decorrer dos anos, tem sido alvo de grandes críticas, a ponto de já ter havido uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para averiguar se esse critério feria ou não os ditames constitucionais.
Ademais, outros programas assistenciais dispõem de padrões econômicos de miserabilidade diferentes, em que a hipossuficiência é aferida por uma renda bem maior do que a disposta na LOAS.
Nessa ótica, cita-se Bachur e Aiello (2009, p.351) :
Ainda, observa-se que a lei 8742/93 se contrapõe a outras leis federais que qualificam o conceito de miserabilidade de forma totalmente divergente, onde, muitas vezes, o critério aferidor da hipossuficiência prevê uma renda bem maior do que ¼ do salário mínimo ( a exemplo do FIES, bolsa família, etc.).
Assim, a discussão consubstancia-se em averiguar a constitucionalidade do critério econômico, vez que fere substancialmente o princípio da dignidade da pessoa humana, ao fixar uma renda tão baixa que chega a alijar muitos necessitados da Assistência Social.
Dessa forma, pretende-se demonstrar que a aplicação literal desse dispositivo não é capaz de promover a justiça social, pois fere a dignidade da pessoa humana e torna ineficaz o próprio direito à Assistência Social.
Ademais, a ausência de critério que afira fidedignamente a miserabilidade dos cidadãos na esfera administrativa, acaba por inchar demasiadamente o Poder Judiciário, já que sob a ótica dos Tribunais, a situação de hipossuficiência vem sendo analisada no caso concreto, relativizando a norma, conforme se verá adiante.
2 O CRITÉRIO ECONÔMICO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Antes de tudo, faz-se necessário demonstrar que a Constituição Federal elencou na cabeça de seu artigo 6º, dentre outros direitos sociais, a assistência aos desamparados.
Assim, assevera que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Nesse sentido, convém trazer à baila o ensinamento do brilhante constitucionalista Bonavides (2007, p.642), in verbis:
A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolável contextura formal, premissa indeclinável de uma construção materialmente sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importante com que fazer eficaz a dignidade da pessoa humana nos quadros de uma organização democrática da Sociedade e do Poder.
Nessa esteira, a dignidade da pessoa humana somente se tornaria eficaz a partir do momento em que os direitos sociais se materializarem solidamente na sociedade. Assim, devido ao seu grandioso grau de importância, a dignidade da pessoa humana é fundamento constitucional do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Nessa ótica, Silva (2006, p.105) afirma que “Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.
Este mesmo autor citando Gomes Canotilho e Vital Moreira (2007, p.105) aduz que:
[...] o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir “ teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana”.
É nesse sentido, que muito tem se mencionado na doutrina que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana norteia e embasa todas as determinações constitucionais, fato que, contudo, deve ser encarado com cautela.
Segundo Sarlet (2005, p.110) “basta um breve olhar sobre o nosso extenso catálogo de direitos fundamentais para que tenhamos dúvidas fundadas a respeito da alegação de que todas as posições jurídicas ali reconhecidas possuem necessariamente um conteúdo diretamente fundado no valor maior da dignidade da pessoa humana”.
Inicialmente, a dignidade da pessoa humana, imbricada às idéias cristãs, era tida como a qualidade que distinguia o homem das demais criaturas e, desse modo, todos os seres humanos seriam dotados da mesma dignidade.
Contudo, com o jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII, “a dignidade da pessoa humana, assim como a idéia do direito natural em si, passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade” Sarlet (2005, p.114).
Assim, definir efetivamente o que vem a ser dignidade da pessoa humana não constitui em tarefa fácil devido ao grau de imprecisão deste princípio. O fato é que ainda não há uma conceituação plenamente aceita em sua definição e, sendo assim, seu alargamento como base de todos os direitos fundamentais ainda deve ser analisado com cautela.
Contudo, e inegável a presença da dignidade da pessoa humana em alguns pontos de nossa Constituição Federal, como o respeito e proteção da integridade física dos indivíduos e, por isso, a proibição da pena de morte, da tortura, etc.
Nesse contexto, é imprescindível mais uma vez mencionar os grandiosos ensinamentos de Sarlet (2005, p.118) in verbis:
Uma outra dimensão intimamente associada ao valor da dignidade da pessoa humana consiste na garantia de condições justas e adequadas de vida para o indivíduo e sua família, contexto no qual assumem relevo de modo especial os direitos sociais ao trabalho, a um sistema efetivo de seguridade social, em última análise, à proteção da pessoa contra as necessidades de ordem material e à asseguração de uma existência com dignidade (grifo nosso).
Nesse ínterim, é de excepcional relevância a observação de Ibrahim (2009, p.14) a seguir:
Dentro do atual momento pós-positivista do direito, aliado à reconhecida força normativa da Constituição, os princípios jurídicos constitucionais são dotados também de eficácia positiva, além das clássicas eficácias interpretativa e negativa, permitindo a demanda judicial de seu núcleo fundamental. A concessão do benefício assistencial, nestas hipóteses, justifica-se a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual possui como núcleo essencial, plenamente sindicável, o mínimo existencial, isto é, o fornecimento de recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano.
Nessa esteira, em conformidade com o exposto acima, entende-se que a existência do limite legal estabelecido objetivamente na Lei n.8742/93 não poderia ter o condão de segregar e nem afastar a assistência social dos reais necessitados. Nesse caso, com as devidas vênias e com respeito à reserva do possível, o princípio da dignidade da pessoa humana é determinante para garantir o direito, ao menos, ao mínimo social.
3 O CRITÉRIO ECONÔMICO E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS
O Supremo Tribunal Federal, como é sabido, tem como um de seus objetivos a guarda e a correta interpretação da Constituição Federal, por isso muitos o chamam de Tribunal constitucional. Desenvolvendo esse raciocínio, tem-se que a última palavra sobre algum tema jurídico pertence àquela Corte. Ocorre que, nem sempre, este colendo Tribunal segue o posicionamento dominante desenvolvido pela doutrina jurídica.
Nesse contexto, urge mencionar o delineamento do critério econômico estabelecido no § 3º, artigo 20, da Lei n. 8742/93 nas decisões dos Tribunais pátrios, em face do posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Inicialmente, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF tendo por objeto aferir eventual inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 20 da Lei 8.743/93, que prevê “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.”
Nesta ação o Procurador Geral da República argumentou que o dispositivo limitaria e restringiria indevidamente o direito ao benefício assistencial.
Entretanto, a Liminar foi indeferida de plano, sob a alegação de que o legislador ordinário estava cumprindo o dever de editar a lei e, portanto, estabeleceu um parâmetro que deu eficiência a norma constitucional.
O Relator, Min. Ilmar Galvão, votou no sentido de que não é possível vislumbrar inconstitucionalidade no texto legal, uma vez que ele revela uma verdade irrefutável, ou seja, a de que é incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.
Contudo, tentou traçar entendimento de que esse critério não era absoluto, mas que poderia ser analisado no caso concreto. Por isso, seu voto julgou procedente apenas em parte a ação.
No entanto, esse entendimento não fora corroborado pelos demais ministros. Assim, fica claro o teor do voto vencedor do Min. Nelson Jobim, a seguir:
data vênia do eminente Relator, compete à lei dispor a forma da comprovação. Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da própria lei. O gozo do benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu de comprovar dessa forma. Portanto não há interpretação conforme possível porque, mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois depende da lei, da definição.
De outra forma, em que pese a posição do Pretório Excelso, muito se questiona se o critério econômico da lei em apreço é mesmo único meio de aferir a miserabilidade dos necessitados, ou se essa poderia ser medida subjetivamente.
Nessa seara, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o critério econômico não é absoluto, não sendo, dessa forma, o único meio de aferir a condição de miserabilidade. Em concordância com a afirmação, colaciona-se a seguir a recente decisão deste pretório:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O benefício de prestação continuada é uma garantia
constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas portadoras de deficiência ou idosas, desde que estas comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. A Terceira Seção deste Superior Tribunal, no julgamento de recurso especial repetitivo (REsp. 1.112.557/MG), firmou entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.(grifo nosso).
3. Agravo regimental improvido.
(STJ, AgRg no Ag 1285941 / SP, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, T6 - SEXTA TURMA, DJe 02/08/2010).
Corroborando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais editou a súmula n. 11 que admitia a concessão do benefício assistencial, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.
Por sua vez, essa súmula fora cancelada e, segundo a crítica de Ibrahim (2010, p.14/15), “em verdade, o cancelamento era conseqüência esperada, devido à intransigência do STF em não mitigar sua decisão sobre a matéria não admitindo as decisões que superam a questão objetiva da renda per capita”.
Ademais, com a nova composição do STF, pode-se perceber uma tendência a mudança do posicionamento decidido na Adin n. 1.232-1/DF, conforme se observa a decisão do ministro Gilmar Mendes, ao indeferir medida liminar em sede da reclamação n.4374/PE:
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição.
Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do §3 Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição.
A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do §3º do art. 20 da Lei n° 8.742/93 [...].
In concreto, os Tribunais Regionais Federais, assim como os Juizados Especiais Federais julgam essa questão conforme as condições econômicas da parte requerente e, dessa forma, não tomam como parâmetro o requisito econômico estabelecido legalmente, conforme se observa abaixo:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº. 8.742, DE 1993 (LOAS). REQUISITOS LEGAIS. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA OU IDOSA. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROVER A SUA PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. LEIS Nº 9.533/97 E Nº. 10.689/2003. CRITÉRIO MAIS VANTAJOSO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE APÓS PROLAÇÃO DA SENTENÇA. SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. DETERMINAÇÃO DE OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. CONCESSÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE.
1. As Leis nº 9.533/97 e nº. 10.689/2003, cujos beneficiários devem possuir renda mensal familiar inferior a ½ salário mínimo, estabeleceram critério mais vantajoso para análise objetiva da miserabilidade. Deve ser estabelecido igual tratamento jurídico no que concerne à verificação da miserabilidade para a concessão de benefício assistencial, a fim de se evitar distorções que conduzam a situações desprovidas de razoabilidade. Assim, deve ser considerada incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ½ salário mínimo.
2. O fato da renda familiar per capita ser superior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo não impede que outros fatores sejam considerados para a avaliação das condições de sobrevivência da parte autora e de sua família, fazendo com que a prova da miserabilidade necessária à concessão do benefício assistencial seja mais elástica.
3. A concessão administrativa de pensão por morte, por fato superveniente, após a prolação de sentença que julgou procedente o pedido de benefício assistencial ao idoso, por tratar-se de benefícios diversos, ainda que inacumuláveis, não implica em perda do objeto da presente demanda nem a improcedência do pedido, cabendo à parte autora, no entanto, em momento oportuno, a opção pelo benefício que lhe seja mais vantajoso, compensadas as parcelas eventualmente recebidas.
4. "Apesar de faltante o requerimento expresso da parte autora à concessão da tutela antecipada, deve ser mantido o benefício já implantado, eis que de acordo com as premissas da recente Resolução PRESI nº. 600-04, de 06 de março de 2008" (AC nº. 2008.01.99.001666-0/MT, Relatora Desembargadora Federal Neuza Alves, Segunda Turma, julgada, à unanimidade, em 21/05/2008).
Assim, sugere-se necessária a reavaliação da quantidade de ¼ do salário mínimo fixada na Lei n. 8742/93 para concessão do benefício assistencial, uma vez que ao julgar além dos limites fixados legalmente o juiz cria critérios próprios para aferir a miserabilidade, dependendo da benevolência ou concessões de cada aplicador, o que gera uma zona de incerteza em torno do direito ao benefício em apreço.
4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO AO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Os direitos sociais prestacionais têm por escopo estabelecer condutas positivas do Estado que levem os direitos aos seus cidadãos e, dessa forma, prezam pela garantia da igualdade material vinculados a tarefas de melhoria e distribuição de recursos a quem deles necessite.
Nesse sentido, Sarlet (2005, p.284) citando José E. Faria aduz que “os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios”.
Contudo, os direitos prestacionais para serem efetivados dependem de recursos financeiros e assim, seus custos assumem relevância na esfera econômica dos Estados Democráticos de Direito. Nessa esteira, as prestações sociais devem ser estabelecidas respeitando o princípio da reserva do possível.
Nesse sentido Gonçalves (2006, p. 198) afirma que:
O que a sociedade pode esperar razoavelmente, no que concerne aos serviços sociais e bens que lhes sejam disponibilizados, condiciona-se, de um lado, ao grau de desenvolvimento econômico-social do país e, de outro, às opções políticas realizadas tanto pelos poderes públicos quanto pela sociedade civil.
Ademais, é mister mencionar que o princípio da reserva do possível, antes de ser um limitador de políticas prestacionais pelo Estado, deve ser garantia de dignidade e não pode ser razão de condutas furtivas do Estado em estabelecer condições sociais básicas de vida. Assim, “cabe ao Legislativo, Executivo e à sociedade civil definirem a reserva do possível”. Gonçalves (2006, p.199).
Nessa seara, não obstante ao princípio da reserva do possível, incumbe precipuamente ao legislador estabelecer normas regulamentadoras que tornem eficazes os direitos fundamentais constitucionalmente dispostos. Contudo, no momento em que as determinações normativas tornam-se aquém de realizar as determinações constitucionais, o Poder Judiciário muitas vezes é instado a concretizá-las caso a caso.
Dessa forma, muitos direitos sociais prestacionais somente são efetivados por meio da esfera judicial, seja pela ausência de normas legais que se coadunam com a realidade fática da sociedade, seja pela ausência de políticas públicas plenamente viáveis.
Ademais, cabe ressaltar que a efetivação desses direitos pelo Poder Judiciário deve ser encarada com reservas a fim de que não haja violação ao princípio da separação dos poderes, conforme assegura Sarlet (2006, p.356):
[...] além de uma crescente conscientização por parte dos órgãos do Poder Judiciário que não apenas podem como devem zelar pela efetivação dos direitos fundamentais sociais, mas ao fazê-lo deverão obrar com a máxima cautela e responsabilidade, seja ao concederam ou não um direito subjetivo a determinada prestação social, seja quando declararem a inconstitucionalidade de alguma medida restritiva e/ou retrocessiva de algum direito social, sem que tal postura, como já esperamos ter logrado fundamentar, venha a implicar necessariamente uma violação do princípio democrático e do princípio da separação dos poderes.
No estudo em questão, o critério econômico para concessão do benefício assistencial é condição imposta normativamente, o que faz com que muitos benefícios requeridos administrativamente no INSS sejam indeferidos de plano. Em conseqüência, a demanda de ações judiciais objetivando a percepção do referido benefício tem sido fator preponderante para um maior inchaço do Poder Judiciário, tendo em vista a relativização desse critério na esfera jurisdicional.
Assim, face ao poder vinculante dos direitos sociais de impor ao Estado ações positivas de cunho prestacionais, entende-se que seja inevitável a reformulação legislativa do § 3º, do artigo 20, da Lei Orgânica da Assistência Social, com o escopo de se estabelecer um requisito econômico calcado no princípio da dignidade da pessoa humana e capaz de promover a justiça social.
Nesta ordem de idéias, afirma-se que cabe precipuamente ao legislador, e não ao juiz, estabelecer normas regulamentadoras dos direitos sociais. Oportuna, nesse sentido é a lição de marques (2009, p.91):
É por isto que, quando o intérprete/aplicador vai além do texto legal e cria outros meios que não aqueles fixados casuisticamente para a obtenção do direito social resguardado constitucionalmente, acaba malferindo todo o sistema constitucional da seguridade social, criando requisitos que, para outro intérprete/aplicador, podem ser excessivos ou extremamente abusivos.
Ademais, conforme caminha o ordenamento jurídico pátrio, em que as decisões judiciais cada vez mais ganham força vinculante, não seria desarrazoado que um critério mais amplo de aferição da miserabilidade fosse estabelecido por entendimento sumulado com força vinculante, fato que certamente ocasionaria maior segurança jurídica.
Contudo, há quem defenda a postulação de uma nova ação direta de inconstitucionalidade, tendo em vista o descompasso do valor fixado para o benefício assistencial em relação aos demais programas assistências, conforme citados alhures.
Assim, preza-se por uma atividade jurisdicional de efetivação dos direitos sociais de forma subsidiária, uma vez que esta deve ser realizada em conformidade com a aferição política e econômica desses direitos, a qual é afeta aos Poderes Legislativos e Executivo.
Doura banda, ressalta-se em boa hora o que Sarlet (2006, p.355) afirmou a seguir:
O que não se pode esquecer é que nem a previsão de direitos sociais na Constituição, nem sua positivação na esfera infraconstitucional tem o condão de, per si só, produzir o padrão desejável de justiça social, já que fórmulas exclusivamente jurídicas não fornecem o suficiente instrumental para sua concretização, assim como a efetiva implantação dos direitos sociais não pode ficar na dependência exclusiva dos órgãos judiciais, por mais que estes cumpram destacado papel nesta esfera.
Nesses termos, somente a partir de ações articuladas das três esferas de governo, de forma séria e comprometida com a justiça social, é que se pode formar e manter uma assistência social de qualidade e viável a todos que dela precisam, tendo em vista a necessidade em manter os elementares valores da vida e da dignidade da pessoa humana.
5 CONCLUSÃO
Procurou-se neste trabalho realizar análise doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, com o objetivo de demonstrar a necessária reformulação normativa da Lei Orgânica da Assistência Social, levando em consideração a concessão do benefício assistencial pelos Tribunais a partir de critérios subjetivos de miserabilidade.
Nessa esteira foi promulgada a Lei Orgânica da Assistência Social, a qual traz em seu bojo o critério econômico para concessão do benefício assistencial, critério este analisado à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e de acordo com os entendimentos jurisprudenciais.
Dessa forma, tentou-se demonstrar que a aplicação literal desse dispositivo não é capaz de promover a justiça social, pois fere a dignidade da pessoa humana e torna ineficaz o próprio direito à Assistência Social.
Ademais, a ausência de critério que afira fidedignamente a miserabilidade dos cidadãos na esfera administrativa, acaba por inchar demasiadamente o Poder Judiciário, já que sob a ótica dos Tribunais, a situação de hipossuficiência vem sendo analisada no caso concreto.
Por fim, conclui-se que somente através de ações articuladas das três esferas do governo de forma séria e comprometida com a justiça social é que se pode formar e manter uma assistência social de qualidade e viável a todos que dela precisam, tendo em vista a necessidade em manter os elementares valores da vida e da dignidade da pessoa humana.
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Assessora Jurídica junto à Defensoria Pública da União no Estado do Maranhão. Graduada em Direito. Unidade Federal do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Anny Cristine Castelo Branco. O critério econômico para concessão do benefício assistencial sob uma análise doutrinária e jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2011, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27142/o-criterio-economico-para-concessao-do-beneficio-assistencial-sob-uma-analise-doutrinaria-e-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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