Sumário: 1. Importância do problema – 2. A força do Rio Jordão – 3. O exemplo do Rio Reno – 4. A poluição por hidrocarbonetos – 5. A reação mundial –6. A situação legislativa do Brasil
1. Importância do problema
O jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em número de 29-10.2010, publicou artigo de advertência a respeito da poluição do mar, destruindo certos genomas e ecossistemas, de consequências futuras das mais graves. Segundo dizem cientistas especializados, não há possibilidade de produção de água; a água que o mundo tem é esta que existe agora, não se podendo aumentar o volume. Por outro lado, a água é indestrutível, ou seja, o volume d água é eternamente do mesmo. Entretanto, a água pode ser inutilizada para o uso humano, graças á ação do ser humano e não terá reposição, motivo pelo qual o problema tem preocupado as organizações internacionais e os países.
Não é sem razão que grande parte das cidades surgiu à beira do mar, dos rios e dos lagos. São Paulo junto ao Rio Tamanduateí; Rio de Janeiro à beira de um rio que tomou o nome do mês em que foi descoberto; Recife à beira do Capibaribe; Porto Alegre na Lagoa dos Patos e junto ao Rio Jacuí, Roma do Tibre, Paris do Sena, Lisboa do Tejo, Madri do Rio Manzanares, Nova York do Hudson, Buenos Aires do Rio de la Plata; Viena, Budapeste e Belgrado à beira do Danúbio, Moscou do Rio Moscou, que lhe deu o nome. Verifica-se também no Nordeste do Brasil, região seca e quando se abre um canal d’água logo florescem cidades e plantações. Era famosa na antiguidade a afirmação de que o Egito é um dom do Nilo.
A alimentação de muitos países depende, em muito, dos frutos do mar. No plano dos transportes, as águas dos rios, mar e lagos constituem autênticas estradas marítimas. Enquanto isso a pesca predatória das baleias vem liquidando essa espécie animal e várias outras espécies marítimas. A contínua poluição das águas está fazendo diminuir ou extinguirem-se outras espécies.
Muitos fatores contribuem para essa poluição. A intensa industrialização provoca a formação de resíduos industriais, como por exemplo, de metais pesados que se acumulam no fundo das águas. O esgoto da população mundial, orçada em quase sete bilhões de pessoas, é lançado nas águas e estas vão normalmente se dirigindo ao mar. Até coisas aparentemente simples são fatores perigosos de poluição, como por exemplo, os desodorantes do tipo spray, cujo gás é tóxico e expelido na atmosfera, subindo até as nuvens e depois caem com a chuva, atingindo as águas e fatalmente irão ao mar. As pilhas e baterias, como as usadas em rádio de pilha, são produzidas com ácido altamente tóxico, que se liberta quando a pilha se deteriora no lixo.
Produtos químicos vários podem causar danos ao mar. Vamos citar como exemplo a produção de açúcar como nos Estados de Alagoas e Pernambuco, em que é lançado nos rios um resíduo à base de soda cáustica, chamada de lixívia, produto que mata toda a flora vegetal e animal, até mesmo o ser humano. Assim também ocorre na produção de papel e celulose, em que é empregada a mesma solução de soda cáustica que é lançada depois, como resíduo nos rios. Há anos atrás na cidade de Mogi Guaçu uma indústria deixou vazar um tanque desse resíduo, no Rio Mogi Guaçu, matando 200 quilômetros do rio, por seis meses.
2. A força do Rio Jordão
É muito conhecido nosso esse rio, pois foi nele que Jesus Cristo foi batizado por João Batista. A bíblia várias vezes se refere a ele e no decorrer da história tantos eventos foram notados em decorrência dele e nas suas confluências. Há anos atrás, constatou-se que os árabes estavam desviando o curso do Rio Jordão. Imediatamente Israel invadiu a região banhada pelo rio, como as colinas de Golan, na Síria, apoderando-se dela e a mantem até agora. Por que um pequeno rio, de menos de 300 quilômetros, menos do que a metade do nosso Tietê, haveria de provocar uma guerra? É que seria o fim de Israel, pois país algum pode sobreviver sem água.
É sugestivo um trecho da ópera Nabuco, de Giuseppe Verdi, denominado Canto dos Escravos Hebreus, em que eles se referem ao Rio Jordão como sendo sua pátria.
Se a falta de um estatuto sobre o Rio Jordão provocou uma guerra e suas sérias consequências, como a dominação sobre um território, urgia sanar esta falha para resolver tão grande impasse e, acima de tudo, evitar dificuldades futuras e maiores conflitos. Esse litígio provocou entendimentos, mesmo oblíquos, entre Israel e seus vários inimigos, resultando em convenções várias para harmonizar os vários interesses e trazer maior tranqüilidade entre nações. Foram negociações de paz entre nações beligerantes e essas negociações falaram mais alto, resultando num estatuto jurídico para o Rio Jordão.
3. O exemplo do Rio Reno
É sugestivo o estatuto do Rio Reno: um conjunto de convenções referentes a este rio, mormente quanto à poluição de suas águas. O Rio Reno tem 1.300 ks. e é banhado por cinco países: Alemanha, França, Suíça, Liechstentein e Holanda, havendo 60 milhões de pessoas vivendo às suas margens, em cidades importantes. Recebe o esgoto dessa população e às suas margens funcionam seis usinas atômicas. É intensa a navegação em suas águas, com barcos e navios movidos a óleo diesel e outros combustíveis hidrocarbonetos. A preocupação dos países limítrofes é realmente preocupante.
Essa preocupação vem de longa data, tendo, em 1868, havido a Convenção de Mannheim, que fora prevista no Congresso de Viena. Foi criada nesse encontro uma fundação de direito público, com capitais dos países envolvidos, a fim de se dedicar ao tratamento do Rio Reno, fazendo o monitoramento do rio pela fundação e mantendo estações de tratamento de água. Muitas convenções foram celebradas, sendo a principal a de Bruxelas, de 1969, atualmente em vigor, denominado Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos.
Pela convenção, cada país se comprometeu a manter as águas do Rio Reno em bom estado de conservação e ao passá-las para outro país, deveria entregar água potável. Notável exemplo é dado pela Holanda, país no qual a Reno desemboca, junto à cidade de Roterdã, não havendo, portanto, país para receber as águas do Reno. No entanto, a Holanda mantém estações de tratamento, graças às quais lança no mar as águas do Reno despoluídas.
4. A poluição por hidrocarbonetos
A mais grave forma de poluição das águas é pela contaminação dos hidrocarbonetos, assim designados o petróleo e seus derivados, como a gasolina, o querosene, os plásticos, os detergentes domésticos, parafina, resinas, biocombustíveis, solventes, ceras, tendo centenas de aplicações na nossa vida. Os hidrocarbonetos constituem o maior veneno para a vida aquática, mormente do mar, vegetal, animal e até humana. O transporte de petróleo por mar tem ensejado desastres ecológicos, tendo sido o último o naufrágio e um petroleiro no golfo do México. Consta que na última guerra mundial (1939-1945) muitos navios foram afundados no Mar Mediterrâneo e no Oceano Atlântico, como também na guerra do Japão, com tanques cheios de combustível à base de petróleo. Se os tanques desses navios se romperem serão incalculáveis os danos causados ao meio ambiente.
Inúmeros produtos químicos, principalmente hidrocarbonetos são lançados a cada minuto às águas, que fatalmente darão no mar. Bastaria citar a grande quantidade de sacos e sacolas plásticas, que são provenientes do petróleo, os detergentes domésticos e outros solventes. Grande parte dos tecidos usados na fabricação de roupas são hidrocarbonetos. Os objetos de plástico não apodrecem e não são, portanto, biodegradáveis. Um saco plástico, por exemplo, é eterno, mas, exposto ao sol, ele vai sendo queimado lentamente e exalando um gás letal que se introduz na atmosfera e depois cai ao mar com a chuva.
5. A reação mundial
Lentamente, o mundo foi tomando consciência do problema e há meio século atrás, por volta de 1950/1960 o assunto atraiu muito a atenção de alguns países, que se reuniram chegaram a acordos e levaram o assunto à ONU, que fora criada em 1945. Foi quando surgiram os primeiros rudimentos do Direito Internacional do Mar e do Direito Internacional do Meio Ambiente, hoje já sedimentados no Direito Internacional. Os fatos, os acidentes, e a preocupação das coletividades que sofreram as consequências dos desastres estimularam o aparecimento desses subramos do Direito Internacional, aparecimento baseado no bem divulgado brocardo romano: da mihi facti dabo tibi jus=dê-me os fatos, dar-te-ei o direito.
Sensibilizados pelos efeitos de desastres ecológicos, mormente pelo naufrágio de navios petroleiros, muitos países estabeleceram convenções para a defesa das águas. A decisão mais importante foi tomada pela ONU, partindo da Resolução 2.398/68, realizando primeiro uma conferência mundial sobre o ambiente, realizada em Estocolmo. Outra importante foi a Convenção de Bruxelas de 1969 sobre a poluição do mar por hidrocarbonetos. Uma segunda Convenção de Bruxelas sobre o mesmo assunto foi realizada para complementar a primeira. Estas convenções tiveram depois a adesão de muitos países, como o Brasil, que as promulgou pelo Decreto Lei 79.437/77 e a regulamentou pelo Decreto 83.540/79.
O estatuto master dessa política protetora do mar foi a Convenção Internacional sobre Direito Marítimo, realizada em 1982, em Montego Bay (Jamaica), servindo de base para muitas outras convenções. Realizada por decisão da ONU, essa convenção aplica-se a todos os países membros, que representam a quase totalidade dos países do mundo, e declarou a responsabilidade dos Estados pela poluição de suas águas e também ao navio causador de acidente, identificado pela nacionalidade. Estabeleceu ainda o direito das vítimas à indenização dos prejuízos, que deverá caber, em última instância, aos Estados. Estendeu também a responsabilidade não apenas pelo petróleo mas de outros detritos e resíduos que possam poluir. É o vértice da pirâmide legislativa.
Igualmente relevante, complementando a de Montego Bay, foi a de Londres, em 1978, que até forneceu elementos a ela, denominada Convenção Internacional para prevenção da Poluição do Mar por Navios, conhecida como MARPOL. Esta convenção foi adotada pelo Brasil ao ser promulgada pelo Decreto 2.508/98. Essas convenções se desenvolveram em inúmeras outras posteriores, a ponto de podermos dizer que é bastante rica a legislação internacional sobre a responsabilidade da poluição marítima.
Merece citação ainda a convenção realizada em Bruxelas, em 1969, denominada Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Poluição por Óleo, e conhecida como CLC (Civil Liability Convention), promulgada no Brasil pelo Decreto 79.437/77 e regulamentada pelo Decreto 83.540/79.
Entretanto, apesar da extensa e minuciosa legislação o mar continua sendo poluído, por ser ineficaz, com penas inexpressivas e falta de poder superior de controle, e jurisdição insegura.
A ONU não se tem revelado enérgica na punição aos infratores. Não há uma jurisdição internacional para julgar as infrações. Alguns conflitos tem sido resolvidos por arbitragem, mas não tem sido eficiente esse sistema de resolução, pois as vítimas são em número elevado, tornando-se difícil o embate contra Estados ou proprietários dos navios (armadores). Talvez seja conveniente dar essa atribuição ao recém criado Tribunal Penal Internacional, uma vez que a poluição das águas constitui crime, tanto pelas convenções internacionais, como pela legislação interna da maioria dos países.
Outra dificuldade, embora superada pelas convenções, foi adotar competências estatais e a responsabilidade: se cabe ao Estado costeiro, ao Estado de bandeira do navio, ao Estado emque navega o navio, e outros fatores. Por isso, em 1982, 18 países firmaram o Protocolo deParis sobre o Controle dos Navios pelo Estado do Porto. Esse protocolo realça a responsabilidade de cada Estado e sua obrigação de averiguar todo navio transportador de petróleo que entrar em seu porto, se ele está de acordo com as normas estabelecidas pelas convenções internacionais; por exemplo, um navio transportador de hidrocarbonetos deve ter casco duplo e essa exigência deve ser constatada pelas autoridades do país em que o navio aportar.
Essa iniciativa teve repercussão nos países da América Latina, tendo sido celebrado o acordo de Viña del Mar sobre controle de navios pelo estado do porto na América Latina. Este acordo prevê a responsabilidade do infrator que derramar nas águas óleo e outras substâncias poluentes e nocivas à vida humana, animal ou vegetal e estabelece a obrigação de reparar os prejuízos causados ao meio ambiente e de indenizar as atividades econômicas e o patrimônio público e privado por prejuízos decorrentes do vazamento desses resíduos. O acordo de Viña Del Mar consta do Decreto 2.870/98 e na Lei 9.966/2000.
6. A situação legislativa do Brasil
É igualmente muito rica a legislação brasileira sobre o assunto em pauta, embora quase totalmente fulcrada nas convenções internacionais. O Brasil faz parte da OMI-Organização Marítima Internacional, que controla o tráfego marítimo internacional de navios e aderiu a quase todas as convenções internacionais. Entretanto, podemos apontar duas leis básicas internas como a mais importante, começando pela Lei 9.966/2000, que regulamentou no Brasil várias convenções já promulgadas, mormente as duas principais:
MARPOL 73/78 – Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por navios, concluída em Londres, em 2.11.1973, alterada pelo Protocolo de 1978, concluído em Londres, em 17.2.78, e emendas posteriores, ratificadas pelo Brasil, a aprovadas pelo Decreto Legislativo 4/87 e promulgada pelo Decreto 2.508/98.
CLC/69 – Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados pela Poluição por Óleo, de Bruxelas, ratificada pelo Brasil, e promulgada pelo Decreto 79.437/77.
Convenção Internacional sobre o Preparo, Resposta, e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo, celebrada em Londres, em 1990, promulgada no Brasil pelo Decreto 2.870/98.
A Lei 9.966/2000 declara como crime a poluição das águas, de responsabilidade dos Estados, armadores e outros, com o lançamento nas águas de qualquer substância nociva ou perigosa; qualquer substância que, se descarregada nas águas, é capaz de gerar riscos ou causar danos à saúde humana, ao ecossistema aquático ou prejudicar o uso da água e de seu entorno. É infração à lei qualquer descarga de substância nociva ou perigosa decorrente de fato ou ação intencional ou acidental que ocasione risco potencial, dano ao meio ambiente ou à saúde humana.
Essa lei aplica-se às embarcações nacionais, portos organizados, instalações portuárias, dutos, plataformas e suas instalações de apoio, em caráter complementar à MARPOL-73/78; às embarcações, plataformas e instalações de apoio estrangeiras, cuja bandeira arvorada seja ou não de país contratante da MARPOL-73/78, quando em águas sob jurisdição nacional. Aplica-se ainda às instalações portuárias especializadas em outras cargas que não óleo e substâncias nocivas ou perigosas e aos estaleiros, marinas, clubes náuticos e outros locais e instalações similares.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. As águas serão em breve ponto crítico do Direito Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2012, 11:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27647/as-aguas-serao-em-breve-ponto-critico-do-direito-internacional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
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