Resumo: O presente trabalho objetiva analisar, didaticamente, o instituto da estabilidade provisória sindical, elencada, no artigo 8°, VIII, da CF/88, explanando conceitos e conjunturas históricas. Ademais, figura, como foco central, a problemática concernente à possibilidade de extensão da supracitada estabilidade provisória sindical aos dirigentes de centrais sindicais. Para tanto, abordaremos o papel das referidas centrais sindicais, trazendo à lume a legislação e doutrina pertinentes, assim como, jurisprudência correlata. Entrementes, será também discutida a posição das centrais perante o sistema confederativo sindical, realizando uma abordagem, principalmente, constitucional da questão, relatando inclusive o posicionamento de nossa Corte Maior.
Palavras chave: central sindical; estabilidade provisória; garantia de emprego; organização sindical.
Abstract: The present study aims to analyze, didactically, the institute of the syndical provisory stability, listed in Article 8, VIII, of CF/88, explaining concepts and historical conjunctures. Moreover, figure as the central focus, the issue concerning the possible extension of the syndical provisory stability to the leaders from syndical central. For this purpose, we discuss the role of these centrals, bringing to light the relevant legislation and doctrine, as well as related case law. Meanwhile, the position of the centrals towards the confederative syndical system will also be discussed, making an approach, especially the constitutional question, including reporting the positioning of our supreme court.
Keywords: syndical central; provisional stability; guarantee of employment; syndical organization.
1. INTRODUÇÃO
Diante das consequências prejudiciais da disparidade econômica do empregador para com seu empregado, o legislador constituinte, bem como, o responsável pelos diplomas infraconstitucionais não poderiam olvidar da questão sindical. Os sindicatos apresentam, desde sua criação, certa função instrumental, visto que possuem como escopo a obtenção da melhoria das condições de trabalho de um modo geral, mesmo que esta se dê através de meios conflituosos.
Considerando tamanha influência dos sindicatos, abriu-se azo à possível perseguição dos empregadores àqueles que visassem participar de modo mais dinâmico na atividade sindical, dispondo a candidatarem-se para representantes dos mais diversos sindicatos. Destarte, urgia a necessidade de efetivar-se uma maior proteção aos obreiros mais ligados ao sindicalismo, resguardando, desta forma, a organização sindical. Tal proteção, como será vista adiante, fora instituída sob a denominação de estabilidade sindical (ou garantia de emprego).
Com efeito, uma das funções primordiais de tal entidade consiste em erigir sólida proteção para o obreiro perante eventual persecução patronal. De fato, tornar-se-ia inviabilizada a exposição dos anseios de determinada categoria profissional sem a participação do sindicato nas negociações, uma vez que, caso determinado trabalhador assumisse papel de porta-voz de sua categoria profissional, sem que, para tanto, tivesse sido eleito como representante sindical, este não gozaria de respaldo legal, tampouco de proteção jurídica, restando vulnerável aos desmandos de seu empregador.
2. BREVE HISTÓRICO DO SINDICALISMO NO BRASIL
A história do sindicalismo no Brasil, como nos demais países estrangeiros, deu-se de forma conturbada, uma vez que, a priori, o interesse sindical, avança de encontro ao interesse patronal, de forma a importunar as pretensões dos grandes detentores de capital. E sob a égide desse conhecido conflito, foram introduzidos em nosso ordenamento jurídico os Decretos n° 979/1903 e 1.637/1907, norteando juridicamente e servindo de intróito ao fomento da organização sindical.
O Decreto n° 979, de 06/01/1903, inovando no ordenamento jurídico pátrio quanto à organização sindical, efetivou o reconhecimento jurídico-formal dos primeiros sindicatos instalados no Brasil, albergando aqueles ligados à agricultura e à pecuária, atividades predominantes na época frente a uma indústria ainda incipiente. Desta forma, o referido decreto “possibilitou que os profissionais de agricultura e indústrias rurais organizassem sindicatos para o estudo, custeio e defesa de seus interesses”.[1]
Já o Decreto n° 1.637, de 05/06/1907, atraiu um enfoque isonômico para o Direito Sindical, ao estender o direito de sindicalização a todos os trabalhadores, inclusive aos profissionais liberais, firmando, assim, sua importância no contexto histórico. Com este marco, o progresso tornou-se eminente, resultando no Decreto n° 19.770/31, baixado durante a Revolução de 1930, o qual dispôs, de forma pormenorizada, sobre organização sindical, e, posteriormente, culminando na CLT (Decreto-Lei n° 5.452/43).
Sob esta conjuntura, a ilustre autora Vólia Bomfim resume didaticamente as referidas circunstâncias históricas:
Apesar da Carta de 1934 ter autorizado a pluralidade sindical, tal fato nunca chegou a se concretizar. A Constituição de 1937 impôs a unicidade sindical, instituiu o imposto sindical compulsório e considerou a greve e o lockout como recursos nocivos e antissociais. A Lei Maior de 1946 manteve os ditames da anterior, mas garantiu a liberdade de associação e o direito de greve. A Constituição de 1967 previu eleições sindicais obrigatórias e garantiu o direito de greve.[2]
Nesse contexto, a promulgação da Constituição Cidadã, em que se pese não ter sido esta a pioneira a elevar os direitos trabalhistas a status constitucional, consistiu em verdadeiro marco para o Direito do Trabalho, posto ter retomado a valorização do coletivo, do social e da dignidade da pessoa humana. Em igual passo, a CF/88 trouxe, em seu artigo 7°, rol exemplificativo de direitos dos trabalhadores de forma a solidificar os que lá se apresentam, sem, contudo, restringir a instituição de outros direitos.
Já no que concerne especificamente ao direito sindical constitucionalmente resguardado, nossa Carta Magna estabeleceu, em seu artigo 8°, dispositivos balizadores do sistema sindical, fazendo constar, dentre outros, a unicidade sindical, a contribuição sindical compulsória, bem como, a manutenção do sistema confederativo. Destaque-se, por oportuno, que, a despeito de ter criado regulamentação que, de certa forma, engessa o direito sindical, consoante se observa da leitura do artigo 8° supracitado, o legislador constituinte buscou legislar de forma a conferir maior liberdade aos sindicatos.
3. GARANTIA DE EMPREGO AO DIRIGENTE SINDICAL
Feita essa observação preliminar, passemos a analisar a possibilidade de dispensa de empregado durante a vigência de mandato para o qual tenha sido eleito em Central Sindical. De plano, fundamental é ter em mira inicialmente o seguinte mandamento presente na Constituição de 1988:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observando o seguinte:
(…)
VIII- é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Do texto da norma constitucional acima transcrita, depreende-se que o constituinte de 1988 buscou conferir ao trabalhador a garantia do emprego em função do exercício de mandato de dirigente sindical, criando verdadeira garantia de emprego ou estabilidade provisória, como entende a doutrina.
Registre-se que o art. 543 da CLT estabelece, em seu caput e em seus parágrafos, normas de importância fundamental para o tema da garantia de emprego ao dirigente sindical. Eis o teor do referido dispositivo legal:
Art. 543 - O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 1º - O empregado perderá o mandato se a transferência for por ele solicitada ou voluntariamente aceita. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 2º - Considera-se de licença não remunerada, salvo assentimento da empresa ou cláusula contratual, o tempo em que o empregado se ausentar do trabalho no desempenho das funções a que se refere este artigo. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 3º - Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação. (Redação dada pela Lei nº 7.543, de 2.10.1986)
§ 4º - Considera-se cargo de direção ou de representação sindical aquele cujo exercício ou indicação decorre de eleição prevista em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.223, de 2.10.1984)
§ 5º - Para os fins deste artigo, a entidade sindical comunicará por escrito à empresa, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, o dia e a hora do registro da candidatura do seu empregado e, em igual prazo, sua eleição e posse, fornecendo, outrossim, a este, comprovante no mesmo sentido. O Ministério do Trabalho e Previdência Social fará no mesmo prazo a comunicação no caso da designação referida no final do § 4º. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 6º - A empresa que, por qualquer modo, procurar impedir que o empregado se associe a sindicato, organize associação profissional ou sindical ou exerça os direitos inerentes à condição de sindicalizado fica sujeita à penalidade prevista na letra a do art. 553, sem prejuízo da reparação a que tiver direito o empregado. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967).
De acordo com as prescrições normativas acima transcritas, verifica-se que a garantia de emprego do dirigente sindical, na forma prevista pela CLT, abrange, além da manutenção no emprego (§3º do art. 543), a prestação de serviços no mesmo local de trabalho (caput do art. 543). Vólia Bonfim Cassar em sua obra “Direito do Trabalho” assim preleciona quanto ao tema:
O empregado eleito para cargo de direção sindical, titular ou suplente, tem estabilidade no emprego desde o registro de sua candidatura e, se eleito, até um ano após o término do mandato, salvo se cometer falta grave devidamente apurada e comprovada em prévio inquérito judicial – art. 543, § 3°, da CLT c/c art. 8°, VIII, da CRFB c/c Súmula n° 379 do TST. Aliás, a garantia de emprego destinada aos dirigentes sindicais está em consonância com as Convenções n° 98/49 (Decreto Legislativo n° 49/52) e n° 135 da OIT.
A estabilidade só atinge os membros do conselho administrativo, não sendo aplicável aos do conselho fiscal, já que se limitam a fiscalizar a gestão financeira do sindicato, na forma do art. 522, § 2°, da CLT, não atuando diretamente na defesa dos interesses da categoria – OJ n° 365 da SDI-I do TST.
A garantia também se estende aos dirigentes das federações e confederações, pois também sofrem pressão pelo cargo que exercem, dentro do limite contido no art. 522 da CLT.[3]
Conforme consignado na doutrina em referência, a estabilidade sindical se deve reconhecida não somente em relação aos dirigentes, titulares ou suplentes, dos sindicatos, mas, também, aos dirigentes das federações e confederações. Em outras palavras, a garantia de emprego (ou estabilidade provisória) em foco abrange os trabalhadores que se encontram eleitos para cumprir mandato em entidade pertencente ao sistema sindical, composto pelos sindicatos, federações, confederações. Nesse sentido:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. FEDERAÇÕES. Os membros efetivos e suplentes da Diretoria e do Conselho Fiscal de Federações, entidades sindicais de grau superior também usufruem a garantia de emprego prevista no art. 543 da CLT. Não foram excepcionados pelo legislador. Há que se observar, contudo, que a garantia de emprego foi instituída à vista da quantidade de diretores e da duração do mandato prevista no art. 538, § 1 º da CLT. São estáveis, portanto, até um ano após o término do mandato apenas três membros da Diretoria de Federação Sindical, três membros do conselho fiscal e igual quantidade de suplentes. Assim decidiu corretamente a OJ 266 da SDI-I do Colendo TST[4]. (grifo nosso)
4. CENTRAL SINDICAL E A (IM)POSSIBLIDADE DE ESTABILIDADE PROVISÓRIA DE SEUS DIRIGENTES
Cumpre nesse passo, determinar se o mandato desempenhado nas centrais sindicais também erige o trabalhador à condição de beneficiário da estabilidade provisória prevista no art. 8º, VIII, da Lei Fundamental e art. 543 da CLT.
As centrais sindicais exercem atualmente um importante papel na coordenação da representação dos trabalhadores e na discussão de assuntos de interesse dessa categoria.
Abordando a importância assumida pela centrais, decorrente de suas atribuições, faz-se mister apresentar a lição do ilustre magistrado Luciano Martinez:
As centrais sindicais são entidades associativas de direito privado compostas por organizações sindicais de trabalhadores e que têm o objetivo de coordenar a representação operária e de participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores.[5]
Tais características redundaram no reconhecimento formal de tais entidades pelo Poder Público através da Lei Federal n° 11.648/08, que assim dispôs em seu art. 1º:
Art. 1° - A central sindical, entidade de representação geral dos trabalhadores, constituída em âmbito nacional, terá as seguintes atribuições e prerrogativas:
I - coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas; e
II - participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores.
Parágrafo único - Considera-se central sindical, para os efeitos do disposto nesta Lei, a entidade associativa de direito privado composta por organizações sindicais de trabalhadores.
Dissertando sobre o diploma legal em alusão, Mauricio Godinho Delgado assim preleciona:
Finalmente, quase vinte anos após a Carta Magna de 1988, a ordem jurídica infraconstitucional veio produzir novo avanço no processo de transição democrática do sistema sindical brasileiro, ao realizar o ‘reconhecimento formal das centrais sindicais’ – embora sem poderes de negociação coletiva (Lei n° 11.648, de 31.3.2008 – ementa).
A teor do Direito brasileiro, portanto (Lei n. 11.648, art. 1°, caput e parágrafo único, combinado com art. 2°), considera-se central sindical a entidade de representação dos trabalhadores, constituída em âmbito nacional, como ente associativo privado, composto por organizações sindicais de trabalhadores e que atenda os requisitos de filiação mínimos legalmente estabelecido”.[6] (itálico constante no original)
Embora seja certo que as centrais sindicais gozem hodiernamente de reconhecimento formal, a leitura das disposições normativas da Lei Federal nº 11.648/08 indica que o legislador pátrio não definiu tais pessoas jurídicas como entidades sindicais, nem conferiu a tais entes as mesmas prerrogativas conferidas às entidades integrantes do sistema sindical brasileiro (sindicato, federações e confederações). Desse modo, carecem as centrais sindicais de poderes para firmar acordos ou convenções coletivas, homologar rescisões contratuais e propor dissídio coletivo.
De outra parte, verifica-se que as centrais sindicais não são organizadas em sistema de monopólio, não respeitam o paralelismo sindical, tampouco, organizam-se por categoria. Na realidade, as centrais sindicais são associações civis de direito privado que buscam contribuir com os interesses de uma classe, e não especificamente com os de uma categoria, como se dá com os sindicatos. Tais entidades ocupam posição em tese superior às das confederações. Segundo aponta Vólia Bomfim:
Alguns doutrinadores, como Gabriel Saad, defendem que não há espaço para as centrais sindicais em nosso país, diante da proibição constitucional de pluralidade sindical. Aparentemente defendem a inconstitucionalidade da Lei n° 11.648/08.
Outros, dentre eles Amauri Mascaro, afirmam sua constitucionalidade, sob o argumento de que a Carta garantiu a livre associação profissional e sindical (art. 8°, caput). Amauri Mascaro explica que a Carta impõe a unicidade sindical na categoria e não acima dela (posição das centrais sindicais), isto quer dizer que, nosso sistema admite, segundo suas palavras, a pluralidade na cúpula e impõe a unicidade na base sindical. Imputa às centrais sindicais o caráter ‘político-institucional’ com o objetivo de praticar o diálogo social de forma tripartite (governo, empresários e trabalhadores) para ajustar pactos sociais, afirmando que elas não pertencem ao sistema confederativo, pois estão acima dele e estão reunidas sob a forma ‘supracategoria’ e não por categoria.[7] (grifo nosso)
Constata-se, portanto, que as centrais sindicais não pertencem ao sistema confederativo, o qual é sabidamente composto apenas pelos sindicatos, federações e confederações.
Registre-se que este entendimento foi perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal quando dos julgamentos da ADI n° 1969/DF[8] e da ADI n° 1442/DF[9].
Nesta última ação, o relator, Ministro Celso de Mello, manifestou-se, de forma categórica, ao aduzir “que as centrais sindicais, no contexto normativo referido, constituem entidades institucionalmente estranhas ao sistema confederativo”[10]. No intuito de embasar seu voto, o Ministro Celso de Mello mencionou o escólio de Eduardo Gabriel Saad:
Eduardo Gabriel Saad, por sua vez, ao versar esse mesmo tema concernente às Centrais Sindicais – que, no Brasil, compreendem, dentre outras, a própria CUT, a CGT e a Frente Sindical -, enfatiza, ante o postulado constitucional do monismo sindical, a estraneidade dessas Centrais em face do sistema confederativo delineado na Carta Política:
“A norma sob comentário é de uma clareza exemplar ao estender o princípio de unitarismo aos três graus da hierarquia sindical: sindicato, federação e confederação.
É isto que ela quer dizer quando estatui ser ‘vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau... ’.
(...)
Já assinalamos que a Carta Magna impõe o monismo sindical nas entidades de grau superior. Destarte, um dado segmento da economia só pode gerar uma federação no plano estadual ou uma confederação no plano nacional. Semelhante dispositivo constitucional não deixa espaço para que as centrais sindicais se organizem legitimamente. Numa palavra, é inadmissível que haja pluralismo sindical na cúpula do sistema sindical (CUT, CGT, etc.) e unitarismo nos planos inferiores’.”[11] (grifo constante no original)
No mesmo voto, em igual clareza, arremata o magistrado na Suprema Corte:
“Arnaldo Sussekind, ao analisar o tema das Centrais Sindicais – enfatizando a sua exclusão do sistema confederativo sindical -, expendeu o magistério irrepreensível:
‘A Constituição de 1988 conservou a estrutura da organização sindical adotada no Brasil desde 1939 (Lei n° 1.402) e mantida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – 1943). Daí ter elevado a nível constitucional:
a) O princípio da unicidade de representação sindical, com o que ficou ‘vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria econômica ou profissional, na mesma base territorial’ (art. 8°, n. II).
b) O ‘sistema confederativo de representação sindical’ (art. 8°m n° IV).
Destarte, a nova Carta Magna recepcionou, por evidente compatibilidade, as normas da CLT concernentes à unicidade sindical compulsória e à estruturação do sistema confederativo sindical. Aliás, o colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu que:
‘o citado inciso II do art. 8° da Constituição estabelece o princípio da unicidade sindical em qualquer grau, ou seja, no plano dos sindicatos, das federações e das confederações. Representa, assim, uma limitação à liberdade de organização de confederações’ (Ac. do Pleno, de 03/05/89, no MS n° 20.829-5, rel. Célio Borja, ementa in DJ de 223/06/89).
Esse sistema configura a seguinte estruturação hierárquica sindical:
a) Cada categoria formada por atividades econômicas (empresas) ou profissionais (trabalhadores) específicas é representada, em determinada base territorial, por um sindicato. Excepcionalmente, o sindicato pode aglutinar atividades similares ou conexas;
b) Cada grupo de atividades idênticas, similares ou conexas, numa área geográfica, em regra estadual, pode formar a respectiva federação sindical;
c) Cada ramo da economia nacional (indústria, comércio, agricultura, etc.), no plano dos empresários e no dos trabalhadores, pode constituir a correspondente confederação sindical.
Este é o sistema confederativo sindical referido na Constituição, que tem como pressuposto fundamental a unicidade obrigatória de representação ‘em qualquer grau’ da sua estrutura hierárquica.
E as chamadas centrais sindicais (CUT, CGT e USI)?
É inquestionável, em face do exposto, que elas não integram esse sistema, não possuindo, portanto, natureza sindical. Basta ter-se em conta que existem três e o princípio do monismo sindical é compulsório ‘em qualquer grau’ da organização sindical (art. 8°, n° II, da Constituição).”[12] (grifos constantes no original).
Com a crescente importância das Centrais Sindicais, fomenta-se uma corrente defensora de que estas sejam integradas ao sistema sindical. Entretanto, verifica-se que tal inclusão não poderá se efetivar ao arrepio dos ditames constitucionais, devendo, para tanto, o constituinte derivado encarregar-se desta incumbência. De fato, uma vez que o sistema sindical encontra-se albergado pelo art. 8°, II, III, IV, da CF/88, a viabilidade da modificação deste sistema, na forma em que se encontra atualmente, carece indubitavelmente de emenda constitucional. Em consonância ao apresentado, destaque-se a posição do ilustre autor trabalhista Sérgio Pinto Martins, in verbis:
Diante da necessidade de reforma trabalhista, nada mais importante do que estabelecer a pluralidade sindical reconhecendo as centrais sindicais; mas para isso é preciso alterar a Constituição para admitir as centrais sindicais no sistema sindical.[13] (grifo nosso)
Considerando a premissa acima fixada de que as centrais sindicais (embora com essa denominação) não se revestem da natureza de entidade sindicais, não integrando o sistema de organização sindical brasileiro, é possível inferir que os diretores das referidas centrais não estão acobertados pela imunidade sindical (estabilidade provisória ou garantia de emprego). Frise-se que a jurisprudência das Cortes Trabalhistas não destoa dessa conclusão como ilustram os julgados assim ementados:
GARANTIA DE EMPREGO. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO E SECRETÁRIO DE CENTRAL SINDICAL. REINTEGRAÇÃO, SALÁRIOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA. Integrantes do Conselho Fiscal não têm estabilidade no emprego durante o mandato por não exercer um cargo de administração sindical, haja vista que a atuação desses trabalhadores se restringe, consoante o disposto no artigo 522, õ 2º da CLT, à fiscalização da gestão financeira do sindicato, não se estendendo à defesa dos direitos da categoria, atividade típica dos cargos de direção e representação sindical. (OJ 365, SDI-1, TST). Já a União Geral dos Trabalhadores (UGT) detém natureza de central sindical, entidade de cúpula da estrutura sindical, e atua na representação de outras entidades sindicais, inexistindo garantia de emprego para seus dirigentes. Improcedência dos pedidos de estabilidade provisória, salários vencidos e vincendos, e de indenização por danos morais.[14] (grifo nosso)
ESTABILIDADE. MEMBRO DA CENTRAL SINDICAL. As centrais sindicais têm natureza jurídica de associações de direito privado, compostas por organizações sindicais. Assim, como representam exclusivamente as organizações sindicais destes, os dirigentes da CUT que possuem garantia no emprego são apenas aqueles eleitos dirigentes sindicais diretamente por seus sindicatos. Ademais, a reclamante tampouco faz parte da diretoria executiva da CUT, razão pela qual não poderia ser enquadrada no inciso VIII do art. 8º da CF.[15] (grifo nosso)
Na realidade, uma vez que as centrais sindicais não representam os trabalhadores diretamente, mas, sim, as organizações sindicais destes (sindicato, federação e confederação), resta inviabilizada a concessão de garantia de emprego aos seus dirigentes. Com efeito, para que seus membros detivessem a imunidade sindical prevista no inciso VIII do art. 8º da CF seria necessário que os mesmos ostentassem a qualidade de dirigentes sindicais eleitos diretamente em seus próprios sindicatos e, após, indicados para integrarem as centrais sindicais.
5. CONCLUSÃO
Diante de todas essas considerações, deve-se afastar a possibilidade de se reconhecer com base no art. 8º, VIII da CF/88 e no art. 543 da CLT a estabilidade sindical ao empregado dirigente de central sindical, entidade de cúpula não integrante do sistema confederativo sindical.
Por último, acrescente-se que, a despeito da empresa empregadora não estar obrigada, esta poderá acordar licença, remunerada ou não, para o eventual empregado dirigente exercer seu mandato em central sindical, caracterizando interrupção do contrato de trabalho, caso a licença seja remunerada, ou, suspensão do contrato de trabalho, caso a licença se dê sem remuneração, de forma a possibilitar que o obreiro exerça as atividades de direção junto à respectiva central sindical. Cumpre-nos transcrever, quanto ao tema, a lição de Sérgio Pinto Martins:
É claro que, se as partes acordarem, poderá haver suspensão ou interrupção do contrato de trabalho; basta que haja pagamento de salário e contagem do tempo de serviço no afastamento de empregado para configurar a interrupção, ou nenhuma dessas hipóteses, e o afastamento será considerado como suspensão do contrato de trabalho.
A licença remunerada seria uma hipótese típica de interrupção dos efeitos do contrato de trabalho, embora não haja prestação de serviços pelo empregado, pois o empregador terá de pagar salários e o tempo de serviço será computado.[16]
Por todo o exposto, em que se pese termos levado em consideração, no cenário atual, o salutar papel das centrais sindicais e seus dirigentes, restou compravado que a estes não se extendem os efeitos da estabilidade provisória. Destarte, uma vez que a extensão de tal estabilidade só tende a gerar consequências benéficas ao sindicalismo brasileiro, faz-se mister sua inclusão no sistema sindical pátrio mediante diligência do constituinte derivado.
6. REFERÊNCIAS
CASSAR, Vólia Bomfim, Direito do Trabalho, 5. Ed. Niterói: Impetus, 2011.
DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 10ª ed. São Paulo: LTr, 2011.
MARTINEZ, Luciano, Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 672.
MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. Jurisprudência. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 12 de setembro de 2011.
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO – TRT2. Jurisprudência. Disponível a partir de: <http://www.trt2.jus.br/>. Acesso em: 12 de setembro de 2011.
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO – TRT4. Jurisprudência. Disponível a partir de: <http://www.trt4.jus.br/>. Acesso em: 12 de setembro de 2011.
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO – TRT14. Jurisprudência. Disponível a partir de: <http://www.trt14.jus.br/>. Acesso em: 12 de setembro de 2011.
[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 701.
[2] CASSAR, Vólia Bonfim, Direito do Trabalho, 5ª ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 1299.
[3] CASSAR, Vólia Bonfim, op. cit., 2011, p. 1188.
[4] TRT 2ª Reg. 6a T., RO 29633200290202005, Rel. Lauro Previatti, DJ/SP 21/02/03.
[5] MARTINEZ, Luciano, Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 672.
[6] DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 10ª ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 1270.
[7] CASSAR, Vólia Bonfim, op. cit., 2011, p. 1302/1303.
[8] STF, ADI 1969/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 31.08.2007.
[9] STF, ADI 1442/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 29.04.2005.
[10] STF, ADI 1442/DF, Voto Min. Celso de Mello, DJ 29.04.2005, p. 125.
[11] SAAD, Eduardo Gabriel, Constituição e Direito do Trabalho, 2ª ed., LTr, p.179/180, apud, STF, ADI 1442/DF, Voto Min. Celso de Mello, DJ 29.04.2005, p. 127/128.
[12] SUSSEKIND, Arnaldo, apud, STF, ADI 1442/DF, Voto Min. Celso de Mello, DJ 29.04.2005, p. 127/128.
[13] MARTINS, Sérgio Pinto. op. cit., 2007, p. 728.
[14] TRT 14ª Região – RO n° 0000651-62.2010.5.14.0003/RO - Rel. Desembargador Vilmar de Araújo Coêlho Junior.
[15] TRT 4ª Região – RO n° 0000345-35.2010.5.04.0371/RS - Rel. Juiz convocado André Reverbel Fernandes.
[16] MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit., 2007, p. 322.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Diego Santiago de. Extensão da estabilidade provisória ao Dirigente de Central Sindical: (im)possibilidade? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev 2012, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27861/extensao-da-estabilidade-provisoria-ao-dirigente-de-central-sindical-im-possibilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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