1. Trata-se de análise acerca da possibilidade legal de inclusão de dependentes curatelados de servidores públicos federais no plano de assistência à saúde suplementar oferecido pelos órgãos da Administração Pública, além do direito destes ao pagamento de auxílio decorrente da curatela, previsto na Portaria Normativa nº 1/2007.
2. Inicialmente, cumpre destacar as orientações sobre assistência à saúde suplementar do servidor ativo, inativo, seus dependentes e pensionistas, aos órgãos e entidades da Administração Federal, elaboradas pela Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e definidas pela Portaria Normativa nº 1, de 27 de dezembro de 2007:
Art. 5º. Para fins desta Portaria, são beneficiários do plano de assistência à saúde:
I – na qualidade de servidor, os inativos e os ocupantes de cargo efetivo, de cargo comissionado ou de natureza especial, de emprego público e os profissionais contratados temporariamente, na forma da Lei nº 8.745, de 09 de dezembro de 1993, vinculado a órgão ou entidade do Poder Executivo Federal;
II – na qualidade de dependente do servidor:
a) o cônjuge, o companheiro ou companheira de união estável;
b) o companheiro ou companheira de união homo-afetiva, comprovada a co-habitação por período igual ou superior a dois anos;
c) a pessoa separada judicialmente ou divorciada, com percepção de pensão alimentícia;
d) os filhos e enteados, solteiros, até 21 (vinte e um) anos de idade ou, inválidos, enquanto durar a invalidez;
e) os filhos e enteados, entre 21 (vinte e um) e 24 (vinte e quatro) anos de idade, dependentes economicamente do servidor e estudantes de curso superior regular reconhecido pelo Ministério da Educação; e
f) o menor sob guarda ou tutela concedida por decisão judicial, observado o disposto nas alíneas ‘d’ e ‘e’.
3. Consoante se entrevê do teor do documento acima, não foi considerada, dentre os dependentes, a pessoa que vive às expensas do servidor na condição de curatelado.
4. Diante disso, há que se verificar a possibilidade de inclusão do curatelado dentre os dependentes do servidor. Para isso, mister o estudo do instituto da curatela.
5. A curatela é o instituto jurídico que objetiva a proteção de incapazes. Difere-se da tutela pelo fato de que esta se aplica exclusivamente aos filhos menores. Assim, nos termos do art. 1.767 do Código Civil:
Art. 1.767. Estão sujeitos à curatela:
I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V – os pródigos.
6. Vale ressaltar que o próprio Código Civil difere o tratamento conferido aos curatelados com fundamento nos incisos III, IV e V, daqueles cuja curatela se fundamenta nos incisos I e II, todos do art. 1.767.
7. Em relação aos curatelados dos incisos III e IV, prescreve o mesmo Código, desta feita em seu art. 1.772, que “pronunciada a interdição das pessoas a que se referem os incisos III e IV do art. 1.767, o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela, que poderão circunscrever-se às restrições constantes do art. 1.782”.
8. Para a hipótese do inciso V, do art. 1.767, ou seja, no caso de pródigos, o art. 1.782, também do Código Civil, prescreve:
Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.
9. Da análise desses dispositivos se depreende que nem todos os casos de curatela possuem uma mesma identidade de efeitos. Na verdade, a curatela decorre do reconhecimento pelo juiz, em processo de interdição, da situação jurídica daqueles que não estejam em condições de gerir seus interesses pessoalmente. Segundo Orlando Gomes (in Direito de Família, Forense, RJ, 1997, p. 399), “a curatela é deferida pelo juiz em processo de interdição, que tem por fim a apuração dos fatos que justificam a nomeação de curador”.
10. Assim, a sentença de interdição, devidamente fundada em laudo pericial (arts. 1.771 e 1.772 do Código Civil), deverá fixar os contornos da curatela, especificando, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interditado, os limites de sua incapacidade.
11. O art. 1781 dispõe expressamente que “as regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao da curatela, com a restrição do art. 1.772, 1782 e 1783”.
12. Muito embora esse dispositivo permita inferir que esses dois institutos se assemelhem, o certo é que o Código pretendeu apenas aproximá-los quanto ao exercício, isto é, as regras referentes ao processo de concessão de tutela e de interdição para fixação da curatela.
13. Nesse sentido, não é possível concluir, com foco naquele dispositivo, que haja identidade, ou sequer semelhança, quanto aos direitos decorrentes da tutela e da curatela.
14. De tal modo, o exame da extensão do direito à inscrição de tutelado, dependente de servidor público federal, ao curatelado, de quem este mesmo servidor seja curador, passa ao largo dos pontos de congruência entre os dois institutos.
15. Isso porque a possibilidade jurídica de inclusão, como dependente, no plano de saúde de servidor público federal, do curatelado, com base na aplicação da analogia para interpretação da norma que permite a inscrição do tutelado, está ligada ao exame da legalidade dessa opção pelo administrador.
16. O estudo da legislação pertinente ao tema – assistência à saúde do servidor público – começa, por óbvio, com a Lei nº 8.112/1990, que, em seu art. 230, prevê:
Art. 230. A assistência à saúde do servidor, ativo ou inativo, e de sua família, compreende assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica e farmacêutica, prestada pelo Sistema Único de Saúde – SUS ou diretamente pelo órgão ou entidade ao qual estiver vinculado o servidor, ou, ainda, mediante convênio ou contrato, na forma estabelecida em regulamento. (grifou-se)
17. Regulamentando esse artigo está o Decreto nº 4.978, de 3 de fevereiro de 2004, verbis:
Art. 1o A assistência à saúde do servidor ativo ou inativo e de sua família, de responsabilidade do Poder Executivo da União, de suas autarquias e fundações, será prestada mediante:
I - convênios com entidades fechadas de autogestão, sem fins lucrativos, assegurando-se a gestão participativa; ou
II - contratos, respeitado o disposto na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 1º O custeio da assistência à saúde do servidor de que trata o caput deste artigo é de responsabilidade da União, de suas autarquias e fundações e de seus servidores.
§ 2º O valor a ser despendido pelos órgãos e entidades da administração pública federal, suas autarquias e fundações públicas, com assistência à saúde de seus servidores e dependentes, não poderá exceder à dotação específica consignada nos respectivos orçamentos.
(...)
Art. 2o Fica autorizada a inclusão de pensionistas de servidores abrangidos por este Decreto nos respectivos planos de assistência à saúde, desde que integralmente custeada pelo beneficiário.
Art. 3º Compete à Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão supervisionar os convênios celebrados na forma do art. 1o e expedir as normas complementares à execução deste Decreto. (grifou-se)
18. Como se depreende da leitura dos artigos acima, o oferecimento de planos de assistência à saúde de servidores envolve um custo orçamentário e as normas complementares à aplicação dessas regras estão a cargo da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MPOG).
19. Com vistas a regulamentar a forma e os limites para concessão daquele direito ao servidor e a seus dependentes, a SRH/MPOG editou a Portaria Normativa nº 3, de 30 de julho de 2009, que segue anexa a esse arrazoado.
20. A respeito do tema em comento, a referida Portaria dispôs:
DOS BENEFICIÁRIOS DO PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE SUPLEMENTAR
Art. 4º. Para fins desta Portaria, são beneficiários do plano de assistência à saúde:
I – na qualidade de servidor, os inativos e os ocupantes de cargo efetivo, de cargo comissionado ou de natureza especial e de emprego público, da Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações;
II – na qualidade de dependente do servidor:
a) o cônjuge, o companheiro ou companheira de união estável
b) o companheiro ou companheira na união homoafetiva, obedecidos os mesmos critérios adotados para o reconhecimento da união estável;
c) a pessoa separada judicialmente. divorciada, ou que teve a sua união estável reconhecida e dissolvida judicialmente, com percepção de pensão alimentícia;
d) os filhos e enteados, solteiros, até 21 (vinte e um) anos de idade ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
e) os filhos e enteados, entre 21 (vinte e um) e 24 (vinte e quatro) anos de idade, dependentes economicamente do servidor e estudantes de curso regular reconhecido pelo Ministério da Educação; e
f) o menor sob guarda ou tutela concedida por decisão judicial, observado o disposto nas alíneas ‘d’ e ‘e’.
III – pensionistas de servidores de órgãos ou entidades do SIPEC.
Parágrafo único. A existência do dependente constante das alíneas ‘a’ ou ‘b’ do inciso II desobriga a assistência à saúde do dependente constante da alínea ‘c’ daquele inciso.
(...)
Art. 6º. A operadora poderá admitir a adesão de agregados em plano de assistência à saúde, limitado ao terceiro grau de parentesco consaguíneo e ao segundo grau de parentesco por afinidade, com o servidor ativo ou inativo, desde que assumam integralmente o respectivo custeio.
21. Note-se que a norma acima reproduz, com alguns pequenos ajustes, a regulamentação da Portaria Normativa nº 1, de 27 de dezembro de 2007, a qual restou expressamente revogada pelo art. 40 da Portaria nº 3.
22. Constata-se do estudo acima que o órgão competente para disciplinar a aplicação do art. 230 da Lei 8.112/1990 é a SRH/MPOG, e que, no exercício desse poder normativo, que lhe foi conferido legalmente, não houve extrapolação dos limites legais, porquanto não inovou no ordenamento jurídico, tendo sido fiel ao seu paradigma de validade, na hipótese em comento, a Lei e o Decreto supramencionados.
23. Diante disso, verifica-se que, com fundamento exclusivo nos efeitos do instituto da curatela, não foi concedido direito ao curatelado dependente de servidor, regido pela Lei nº 8.112/1990, de inclusão em plano de assistência à saúde na condição de dependente deste.
24. Destarte, a bem do princípio da legalidade, segundo o qual o administrador só está autorizado, no âmbito público, a realizar aquilo que estiver expressamente autorizado por lei (em seu sentido lato, isto é, leis, decretos, regulamentos, etc), não se vislumbra possibilidade jurídica de, por meio de aplicação de analogia, se estender ao curatelado a qualidade de dependente de servidor para fins de inclusão em plano de assistência à saúde, na medida em que a norma regente assim não o fez.
31. Pelo exposto, não se apresenta como legítima a inclusão de curatelado, no conjunto de dependentes do servidor público federal, para fins de alcance do direito ao plano de assistência à saúde, por se tratar de rol taxativo e que, portanto, não admite interpretação extensiva.
Procuradora federal em exercício no Departamento de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Especialização em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Roberta Lima. A impossibilidade de extensão do direito aos planos de assistência à saúde suplementar aos curatelados dependentes de Servidores Públicos Federais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2012, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28050/a-impossibilidade-de-extensao-do-direito-aos-planos-de-assistencia-a-saude-suplementar-aos-curatelados-dependentes-de-servidores-publicos-federais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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