Andando no Shopping Iguatemi de Fortaleza, no dia 13/02/2012, atraiu-me a atenção em uma loja, o comentário, sendo transmitido em uma televisão ligada, sintonizada no SBT, de um famoso jornalista, em que ele referia-se a um homicida de uma jovem adolescente, de 15 anos, assassinada em 2008 na sua residência no bairro de Jardim Santo André, em Santo André (Grande São Paulo), na presença de seus amigos feitos reféns pelo próprio assassino, com os seguintes predicados: “João ninguém”, “Zé Mané”, “um nada”. Fiquei a refletir sobre o que compreenderia a categoria semântica em relação a qual os três termos, referidos pelo ilustre comentarista, deveriam conotá-la. Iniciei pela expressão “um nada” tentando buscar a correlata significação que se aplicaria ao que, na circunstância em pauta, deveria definir conceitualmente o ente em questão. Então, Filosoficamente, no intento de definir tal conceito já me deparei com complicações aporéticas, pois, é complicado definir a essencialidade do inexistente. Logo percebi, eu deveria me reorientar, com vista ao meu esforço intelectivo, contextualizando de outra maneira o emprego dos referidos predicados. Dei-me conta que eu deveria singrar por uma perspectiva antropológica e, assim fazendo, acredito que alcancei o devido significado que se aplicara no caso. Aliás, entendi que as palavras usadas nesta classificação deveriam ser sinônimas, pois, na realidade, convergem para uma mesma conotação.
A impressão dominante em minha consciência é a de que o sentimento que movimenta esta percepção avaliativa em torno de um assassino frio e cruel é compartilhado pela quase totalidade do nosso povo. Digo quase totalidade porque a diversidade é inescapável. Há sempre alguém divergente em questões em relação as quais se espera unanimidade.
De repente eclode-me, num impulso de solidariedade, uma vontade de abraçar o referido jornalista num manifesto anseio de expressar-lhe minha comunhão consigo, não só quanto ao sentimento como também ao entendimento. Aproveitando o ensejo, quero externar-lhe minha sincera admiração pelo brilho de sua inteligência, por sua independência e coragem. Pude perceber em seu comentário o teor denunciativo referindo-se a uma mídia mais comprometida com os dividendos comerciais em decorrência da audiência buscada a qualquer custo do que com a seriedade e responsabilidade que deveriam nortear a postura jornalística.
Entendi o que ele quis dizer quando referiu que, “o meio é a mensagem”, uma tese defendida por um eminente estudioso da comunicação na década de 60 Hebert Marshall McLuhan, na qual professa que o meio, o canal, a tecnologia em que a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. E, referente a quem protagoniza um evento no qual desempenha o papel de facínora, ceifando a vida de uma adolescente, ainda quase criança, por razões ególatras e por pouco não matando outras pessoas, o que se pode dizer? Será possível apreender a mais esmaecida expressão de dignidade que possa, em alguma medida, configurar um ser humano, em um espécime que ousa levar às últimas consequências a disposição de banalizar a vida de uma jovem inocente promovendo uma tragédia? Acesse http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.33661&seo=1.
É compreensível a classificação em que o ilustre jornalista enquadra, utilizando-se dos referidos três termos, o homicida em torno do qual é criado um espetáculo glamouroso, promovendo uma áurea de fascínio a cerca de quem deveria ser alvo, apenas, de uma fria e controlada expectação da parte de todos os atores que participavam da dramática e perigosa situação, com vista a corroborar na não precipitação do que acabou acontecendo e não deveria ter acontecido, nem que para tal se optasse pelo extermínio do agente do mal que estava a promover essa situação em que punha em risco a vida de pessoas inocentes. Chamo aqui a atenção para um aspecto de extrema importância: a polícia em sua atuação tem que está sempre muito atenta para o fato de que, sob pena de arguirem-lhe inépcia operacional, e de ter que responder judicialmente por desídia e omissão no cumprimento do dever, não pode perder uma única oportunidade de exterminar o bandido, quando este coloca em risco iminente a vida de outrem. Esta prerrogativa amparada legalmente é exercida com o propósito de fazer valer o legítimo direito de defesa de terceiros. No caso da polícia, apurada uma inoperância de tal natureza, constitui falta gravíssima, passível de obrigar o Estado a pagar, com o dinheiro do contribuinte, uma verdadeira fortuna as famílias das vítimas. Não vou afirmar se este fora ou não o caso, cabendo a Justiça, se provocada, analisá-lo e decidir.
Como estamos acostumados a constatar, em nosso país tem que prevalecer sempre o paradigma da incompetência, da falta de compromisso, das intenções menos nobres, a começar por alguns daqueles que elegemos para representar nossos interesses de cidadãos agregados em sociedade. Somos depois traídos ou ignorados pelos mesmos, que ficam muito ocupados em administrar a partilha de pastas e cargos assim como de interesses particulares, não lhes sobrando tempo para exercerem a função precípua para qual foram colocados lá no Congresso Nacional, que é a de legislarem com o foco em nossa proteção de cidadãos contribuintes e não na dos facínoras ou meliantes que têm em nosso país o seu paraíso.
O nosso Ordenamento Jurídico retrata esta realidade lamentavelmente. Não se faz necessário ser um grande jurista, antropólogo ou filósofo para se perceber o quanto o conjunto de nossas leis é leniente, inócuo, quase um incentivador pelo menos dos crimes mais graves como os que atentam contra a vida. Neste ensejo eu invoco uma declaração do brilhantíssimo promotor de justiça Francisco Cembranelli, de São Paulo, manifesta num programa de Ana Maria Braga, quando ele lamentava que nossas leis dessem pouquíssimo valor a vida. Confira o link http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=.34490.
As tragédias se sucedem no seio das famílias, destruindo-as, em razão da investida de facínoras que depois, quando muito, arcam apenas com algum aborrecimento ou passam pouco tempo preso para que voltem a ser uma ameaça à sociedade. Nossos legisladores, apesar de viverem na mesma sociedade, simulam ignorar por completo tal quadro, não se debruçando sobre a tarefa urgente de rever todo o nosso Ordenamento Jurídico, incluindo também a nossa constituição, que da forma como está posta engessa todo o organismo jurisdicional, impedindo as mudanças imperativas que possibilitem uma dinâmica jurídica consequente face às exigências decorrentes do contexto sociocriminal com o qual nos defrontamos.
Tudo no cosmo evolui de alguma forma. Evoluem as espécies, as estrelas, as ciências, as tecnologias, evoluem até os crimes nas suas mais diversas dimensões. Só uma coisa não evoluiu, pelo menos em nossa realidade brasileira, que é o nosso código penal datado de 1940, época em que a realidade para qual ele fora criado não conservou para os dias de hoje nenhum ponto coincidente com a realidade que nos aflige, de forma a estabelecer a necessária compatibilidade na efetivação da justiça em sua expressão maior. De modo que falar em justiça realizada no contexto em que ela é possível no Brasil em que vivemos hoje soa algo canhestro. Chega a ser angustiante e frustrante.
No ano em que foi concebido o nosso código penal, o sistema de telefonia então operante, foi recepcionado como uma conquista fantástica e celebrado como um avanço revolucionário para a humanidade. Operacionalmente funcionava da seguinte forma; o aparelho era acionado por um sistema de manivela que nos punha em contato com a central telefônica para onde fazíamos a solicitação de uma linha mediante o anúncio de um número. Decorrido uns vinte minutos a telefonista da central nos retornava anunciando a conexão estabelecida. Naquela época isto era quase inacreditável. Um sonho realizado. O homem se comunicando a distância. Que maravilha! Então tanto a telefonia quanto o nosso código penal seguiram no curso do tempo protagonizando cada um a sua história de evolução face aos desafios que uma realidade cada vez mais exigente demandava. Se fizermos um paralelo entre as duas histórias, é possível admitirmos que o código penal de que dispomos, ou o ordenamento jurídico como um todo, a exemplo do que se pode constatar quanto ao que ocorreu no sistema de telefonia, no que tange a sua atualização evolutiva, de uns 72 anos para cá, atende as exigências da realidade criminal de hoje com eficácia e justiça? A criminologia de 1940 para cá terá acompanhado uma tendência evolucionária como se observa em tudo mais que é susceptível a um desempenho de superação demandado pelas exigências de uma realidade cada vez mais complexa e dinâmica? Será que os mais variados universos de realidades sofreram mudanças, menos o do crime? Se o universo criminal sofreu expressivas alterações quantitativas e qualitativas tanto em sua dinâmica quanto em seu caráter etiológico, o espírito de nossas leis se reacomodou a essa desafiadora reconfiguração do mundo do crime?
A impressão que me vem ao espírito é a de que o mundo legislatório se constitui em algo totalmente a parte de tudo que compreende a realidade do homem no seu esforço de tocar a vida. É como se ele fosse uma referência compreendida ontologicamente na dimensão do absoluto, atemporal, insusceptível de variações nos fundamentos de sua realidade ao longo do tempo.
Hoje as pesquisas nos mais variados campos do conhecimento associadas ao incremento tecnológico, abrem perspectivas revolucionárias que apontam para um mundo surpreendente em suas possibilidades de renovação e superação num contraste desconfortante com o que se observa no complexo legislatório e jurisdicional. Em verdade se diga que é muito raro se encontrar alguém que testemunhe satisfação quanto ao que resultou da justiça institucional, no trato de um julgamento em que a vítima foi barbaramente atropelada em seus direitos pelo agressor. Tomem-se como parâmetro as ocorrências mais hediondas como o estupro, alguém que fica condenado para sempre a uma cadeira de rodas, ou a perda da própria vida, em que a família da vítima além de amargar a dor avassaladora que se lhe abate em razão da perda, ainda sofre a humilhação de ver sua tragédia banalizada por uma punição, ás vezes, ridícula aplicada ao agressor. É inacreditável que hoje se aborde uma realidade sociocriminal com os recursos instrumentais jurídicos que foram criados para abordar outra de 72 anos atrás. Alguém pode argumentar que de lá para cá este instrumental jurídico já sofreu várias reformas. Eu invocaria aqui a bíblia em uma passagem que diz: não se remenda roupa velha com tecido novo por que não resolve. O acertado é confeccionar uma roupa toda de tecido novo. Então é necessário que se compreenda da imprescindibilidade de compatibilizar o complexo jurídico legislatório com tudo mais que resultou de superação em todas as mudanças e avanços que o mundo empreendeu no decorrer do tempo, com reflexo direto na reconfiguração da realidade, das mais diversas ordens, que são expressas num horizonte de valores, visões de mundo, paradigmas, critérios, ritmo e parâmetros que nos desarticularam com o que de obsoleto ficou para traz.
No âmbito da Justiça Institucional, compreendida em seu complexo jurídico legislatório, parece haver uma relutância por parte de seus promotores em se desarticularem de um mundo já superado para embarcarem em outro novo, mais ágil, em sintonia com os anseios e o sentimento de justiça da sociedade pós-moderna em que vivemos. Este descompasse perceptível neste setor organizado da sociedade já atingiu um limite cruciante difícil de ser suportado e com sérias implicações na credibilidade da justiça institucional. O perigo disto é da possibilidade do povo, um dia, vir a ser tentado a crer que a melhor opção aponta para uma justiça informal, ou seja, realizada pelas próprias mãos, o que seria uma tragédia e este risco deve ser afastado com alterações que promovam não só a otimização da dinâmica jurídica como também mudanças paradigmáticas que afirmem a eficácia das leis e as façam expressar uma feição de justiça que a sociedade almeja, pois, ela é soberana e é em seu interesse que tudo isto deve acontecer.
A título de estimular uma reflexão, passarei a destacar uma prescrição legal, comentando criticamente da sua pertinência na perspectiva da justiça como em suas consequências práticas na vida em sociedade. Refiro-me ao regime de progressão de pena. Neste caso, talvez, tendo que se remeter a necessidade de mudanças na nossa constituição que, há quem diga, foi elaborada em circunstâncias não muito democráticas, pois, foi confeccionada em gabinetes. Nossa constituição para refletir um caráter eminentemente democrático, deveria ter sido elaborada após um intenso debate, promovido num fórum de alcance nacional em que todos os setores organizados da sociedade pudessem ter tido a oportunidade de participar, com vista a instruírem os nossos representantes constituintes, em 1988, na produção de um texto constitucional que verdadeiramente expressasse o anseio legítimo e soberano do povo brasileiro, sem, absolutamente, nenhuma restrição quanto aos temas tratados, incluindo até mesmo assuntos sensíveis como a prescrição da pena capital e a prisão perpétua.
Entendo que esta teria sido a forma democrática de proceder-se na confecção de um instrumento normativo de consequências diretas na vida de um povo, respeitando-o em sua soberania, e não o infantilizando sob a alegação de não confiar em seu discernimento para fazer escolhas de grande envergadura. Debrucemo-nos sobre esta questão da progressão de regime prisional em casos de crimes hediondos e assemelhados. A Lei 8.072/1990, que introduziu no nosso ordenamento jurídico infraconstitucional a figura dos crimes hediondos e assemelhados, foi aprovada com o propósito de combater a chamada criminalidade clássica, que mais preocupa a população (estupro, latrocínio etc.) e tem fundamento na Constituição Federal (art. 5º inc.XLIII). Constitui um marco na legislação de caráter punitivo e que vem sendo adotada nas duas últimas décadas com grande amplitude em toda América Latina.
Esta Lei previa o cumprimento integral da pena em regime fechado para quem cometeu crime hediondo, mas em 2006, o STF analisou um habeas corpus impetrado por um condenado e alegou que impedir a chamada progressão de regime viola o princípio constitucional da individualização da pena, por conseguinte, a razão fundamental que justificou a criação da referida lei revelou-se inconstitucional sob a ótica de alguns ministros que constituíram maioria. Desta forma voltamos ao estágio em que nos encontrávamos anterior a criação de tal lei para o gáudio dos facínoras, psicopatas e perpetradores de crimes hediondos.
Com todo respeito aos ministros que pensam contrariamente, eu me alinho pelo entendimento dos ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim que votaram a favor da proibição como está posta no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.
Com certeza o mais razoável seria os nossos legisladores aprimorarem melhor a tipificação do crime hediondo em vez de ensejarem a anulação da eficácia de uma lei que já foi criada para atender ao clamor de uma sociedade que já não suporta mais ficar em desvantagem face aos facínoras. Eu pergunto: o que seria a individualização de um estupro? Por acaso a consideração de que tal crime seria atenuado, em caráter humanitário, em virtude do agressor no desespero de não conseguir mulher nem pagando ter cedido à tentação do delito? O que seria a individualização de um latrocínio? O facínora precisava levantar uma grana para comprar o leite para o seu filho? O povo não vai entender isso nunca!
A definição penal do crime hediondo teria que está estabelecida de forma pronta e acabada na codificação jurídica expressa em artigo, parágrafo e inciso com a clareza que positivasse a qualquer um o que configuraria tal crime. Assim disposto, dispensaria o filtro da subjetividade de um juiz para decidir sobre algo de cuja obviedade, no que tange a decisão a ser tomada, já estaria plasmada pela natureza do crime em questão.
Vejamos o que diz o Des. Debatin Cardoso (TJSP, Ap. 266.216-3/8-00, 6ª Câm., rel. j. 18-2-1999, v.u.,RT 764/555):
“O art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, ao estabelecer que o regime para cumprimento da pena para os crimes hediondos é o integralmente fechado, não pode ser considerado inconstitucional, pois não há ofensa ao princípio da individualização da pena diante da impossibilidade de ser progressivo o regime prisional, uma vez que a retirada da perspectiva de progressão, em face da caracterização legal da hediondez, não impede que o Juiz possa dar trato individual à fixação da reprimenda, inclusive no que se refere à sua intensidade”.
Todo mundo sabe que uma pena de trinta anos de reclusão sobre a qual se aplique a progressão de regime prisional se transforma em cinco anos como num passe de mágica. Isto no caso de crime hediondo é um absurdo, assim como um escárnio para com a sociedade.
Valei-nos Jesus, que não está nada fácil criar as condições de possibilidade para que a hegemonia do bem se estabeleça sobre o mal. A onde vamos chegar desse jeito? Quem sabe, o demônio tenha a resposta.
Profº de Filosofia c/ Pós-Graduação em Filosofia da Ciência e da Linguagem. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, José da Silva. Justiça & Evolução Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2012, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28108/justica-evolucao. Acesso em: 23 dez 2024.
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