Sumário: 1.Oportunidade do assunto – 2. A questão é de realce – 3. Regulamentação e controle - 4. Conceito de capital estrangeiro – 5 - Princípios de isonomia – 6. Registros – 7. Remessa de lucros – 8. Propriedades no exterior -9. Disposições cambiais – 10. Reciprocidade – 11. Empresas multinacionais.
1.Oportunidade do assunto
Por volta de 1960 a questão do capital estrangeiro inflamava as discussões políticas, jurídicas e econômicas. No auge do noticiário foi apresentado o projeto de lei para a regulamentação e controle do capital estrangeiro, que vingou, transformando-se na Lei 4131/62, que ainda hoje é conhecida como a Lei do Capital Estrangeiro. Os debates continuaram após a lei e de forma acalorada.
Havia comícios públicos, com oradores vibrantes e carros-chefes circulando pelas ruas. Os muros e paredes eram pichados com slogans repelindo o capital estrangeiro, as multinacionais, com os deputados exigindo o corte da remessa de lucros ao exterior e taxação da entrada de capitais do exterior no Brasil. Algumas leis foram promulgadas, restringindo os poderes do capital estrangeiro e das multinacionais, como a proibição de entrar em licitações públicas. Era comumente invocada a figura do Presidente da República que se suicidara em 1954 quando estava no poder e soltara um comunicado dizendo que fora lançado ao desespero pelo capital estrangeiro.
Todavia, na era do maior ardor da campanha contra o capital estrangeiro, ela começou a declinar. Os movimentos políticos da esquerda sustentavam essa campanha, mas uma série de eventos foi abrandando o ímpeto. Começou com a eleição da Prefeita de São Paulo, pertencente às esquerdas e arauto do nacionalismo e repulsa ao capital estrangeiro. Parecia que a campanha iria pegar fogo ante essa vitória e o capital estrangeiro seria banido do país.
Uma semana após a posse, nossa prefeita começa a percorrer o mundo como de chapéu na mão, pedindo capitais estrangeiros para investimentos na cidade, repercutindo como ducha fria na campanha nacionalista. Apesar disso, continuou ainda a onda antiestrangeira.
Quando as esquerdas foram investidas no poder cessou totalmente a discussão sobre capital estrangeiro. Concomitantemente se notava o incremento da influência estrangeira na economia do Brasil. Os dois velhos inimigos, esquerda/capital estrangeiro acalmaram-se e estabeleceram uma convivência pacífica. O país inteiro sentiu os efeitos dessa colaboração e silenciou sobre o assunto. Nas faculdades de direito não é ele mais discutido; em algumas delas não há a cátedra de Direito Econômico e quando houver não há o ponto referente ao capital estrangeiro. A questão passou a ser de somenos ou irrelevante.
2. A questão é de realce
Não havia razões para o país pegar fogo de forma tão sensacionalista, a não ser por motivos de agitações políticas, que, em parte, provocou o golpe militar de 1964, que as esquerdas dizem ter sido provocado pelo capital estrangeiro. Contudo, este assunto não é tão irrelevante; o capital estrangeiro tem participação ativa em nosso desenvolvimento econômico e nas atividades produtivas; muitas vezes traz novas tecnologias industriais, novos produtos, novas empresas; mais empregos. Provoca aumento da produção e da produtividade; cria novas oportunidades de negócios e novos empregos, levando o progresso a regiões carentes do país. Traz também reações desfavoráveis, críticas e divergências políticas e econômicas. Por tudo isso é um problema de alta relevância.
É tradição do Brasil. Quando nos tornamos país independente em 1822, quase que de imediato, pedimos ao Barão de Rothchild investimentos no Brasil, que vieram como empréstimos e aplicações em serviços coletivos, como a Estrada de Ferro Mauá. Porém, a era mais sugestiva do capital estrangeiro foi com o estabelecimento da indústria automobilística no Brasil, carreando para nosso país muitas indústrias e formando grande massa de trabalhadores.
Há, naturalmente, o reverso da medalha: temos que remunerar o capital estrangeiro, com a evasão de divisas e remessa ao exterior dos lucros que ele obtiver em nosso país. Tudo isso realça a importância do tema e devemos então estudá-lo e discuti-lo. Devemos examinar toda a extensa legislação, mormente das normas expedidas pelo Banco Central do Brasil e alguns órgãos públicos, como o DECEX-Departamento de Comércio Exterior do Banco do Brasil, formando longo cipoal legislativo. Deve o assunto ser discutido na imprensa e nos círculos econômicos, aperfeiçoando-se e alargando-se constantemente. Este tema deve ser realçado no programa das faculdades de direito, como também de economia e administração.
Vamos então recomeçar os debates sobre o capital estrangeiro com este artigo, com a esperança de que ele despertará a atenção e o interesse dos acadêmicos, dos economistas e de todos aqueles que se interessem pela vida brasileira.
3. Regulamentação e controle
É este um assunto de larga abrangência, envolvendo vários ramos do direito, nele se integra o problema da dívida externa brasileira e das multinacionais. Assunto de tamanha magnitude exige o estabelecimento de um regime jurídico e de controles que permitam ao país acompanhar sua atividade econômica. Esse regime jurídico foi instituído pela Lei 4131/62, regulamentada pelo Decreto 55.762/63 e por variada gama de normas regulamentares, como portarias, resoluções, circulares e outros atos emanados de vários órgãos, como o Ministério da Fazenda, Conselho Monetário Nacional, o INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, mas principalmente do Banco Central.
O Banco Central do Brasil – BACEN – é órgão regulador e fiscalizador do fluxo do capital estrangeiro no Brasil, graças a um setor especializado: o FIRCE – Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros. Nesse órgão devem ser registrados todos os investimentos estrangeiros no Brasil, sob qualquer forma, bem como os reinvestimentos, ou seja, os lucros proporcionados pelo capital investido, que permaneceu no Brasil. Deve ser registrada também a evasão de capital no Brasil, como a remessa de lucros e a repatriação do capital. Registre-se ainda a remuneração do capital estrangeiro, como royalties, juros, comissões e outros pagamentos feitos com dinheiro brasileiro que toma caminho do exterior.
O Banco Central do Brasil – BACEN – é também órgão legislador nesta área. Emite normas constantes e variadas formas de registros e controles, bem como tipos de certificados.
4. Conceito de capital estrangeiro
Considera-se capital estrangeiro o dinheiro pertencente a pessoas físicas e jurídicas, domiciliadas no exterior, e que entre no Brasil para aqui ser aplicado como investimento, com objetivo ou não de lucro. Nessa concepção, não se considera capital estrangeiro o dinheiro que um turista traz para gastar no país, pois ele é aplicado de forma efêmera e não permanente. Não é, pois, obrigatório o registro de valores desse tipo.
O dinheiro investido não precisa ser em pecúnia, mas poderá ser em bens, como equipamentos industriais, navios e aviões e demais bens corpóreos. Os bens incorpóreos, como marcas e patentes, e os diversos tipos de tecnologia não se incluem nesse conceito de capital, mas podem gerar lucros que se transformam em capital estrangeiro. A transferência desses bens deverá ter uma finalidade econômica, isto é, destinar-se a incrementar a produção de bens ou serviços. O dinheiro em pecúnia é usualmente introduzido no Brasil sob a forma e empréstimos, como os aportes financeiros do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Eximbank, de grupos de bancos como o Clube de Paris. Os investidores estrangeiros podem ser pessoas físicas ou jurídicas, desde que domiciliadas no exterior. Poderá ser de qualquer nacionalidade, até mesmo a brasileira, desde que seja domiciliada, residente ou sediada no exterior, ou seja, tenha emigrado do Brasil.
5. Princípio da isonomia
O artigo 2º da Lei 4131/62 adota o princípio da isonomia, ao estabelecer que “ao capital estrangeiro que se investir no Brasil será dispensado tratamento idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei”. Esse princípio foi reafirmado pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, ao dizer que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros, residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Mais adiante, no inciso XII desse mesmo artigo de nossa Constituição que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Ficou claro, contudo, que a Lei 4.131/62 estabeleceu discriminações entre capital nacional e estrangeiro, inclusive regulamentando, disciplinando e definindo o que seja capital estrangeiro. Impõe a ele obrigatoriedade de registro num órgão especial do BACEN e outras exigências de que o capital nacional está isento.
Este artigo dá margem a muitas interpretações, pois é muito vago, o que faz com que outras leis criem discriminações, que se chocam com a redação deste artigo. O capital estrangeiro enfrenta sérias restrições na comercialização do petróleo; não pode se dedicar à exploração e aproveitamento de minerais de energia atômica e minérios de ferro, navegação de cabotagem no transporte de mercadorias, a produção de armas e munições, não pode manter empresas de navegação aérea, sendo tolerados até 20% do capital delas. Não pode manter empresas de comunicação, como jornais, rádio e TV, empresas de pesca, indústria de material bélico ou aeronáutico. Pessoas físicas e jurídicas estrangeiras não podem ter terras nas zonas fronteiriças com outros países e só em casos especiais podem adquirir imóveis rurais. Foram criados documentos e exigências para que empresas controladas por capital estrangeiro tivessem acesso a certos órgãos, ou a concorrências públicas. Uma empresa de capital estrangeiro não pode dedicar-se á vigilância, nem à manutenção de serviços de gás, nem aos transportes públicos em geral.
A regulamentação que mais agitou o relacionamento do Brasil com os demais países, mormente os EUA, é a estabelecida para a reserva de mercado da informática. A Lei 7.232/84 reservou apenas para as empresas com maioria de capital nacional a exploração desse moderno e importante ramo industrial, discriminando ainda empresas que há anos operavam no Brasil. A legislação brasileira proíbe a existência de trading company (companhia comercial exportadora) dominada pelo capital estrangeiro. Presentemente, desencadeiam-se em todo o Brasil campanhas para emendar a Constituição Federal no que tange a certos monopólios, como o do petróleo.
6. Registros
Os artigos 3º e 7º da lei 4.131/62 formam o capítulo denominado “Do registro dos capitais, remessas e reinvestimentos”, apontando a movimentação de capitais estrangeiros no Brasil, que deverão ser registrados no FIRCE. Submetem-se a esse registro todos os investimentos estrangeiros no Brasil: especificam-se os contratos de mútuo, ou seja, empréstimos de dinheiro feitos por organizações sediadas no exterior a organizações do Brasil.
Devem se registrados também os reinvestimentos, ou seja, os lucros que o capital estrangeiro tenha obtido no Brasil, mas que aqui permaneceram. Considera a Lei como reinvestimentos as quantias que poderiam ter sido legalmente remetidas para o exterior, a título de rendimento, e não o foram, sendo aplicadas na própria empresa de que procedem ou em outro setor da economia nacional. Os reivestimentos, aplicados na própria organização portadora do capital ou em outros empreendimentos, poderão produzir lucros transferíveis ao exterior.
Não só o dinheiro que entra está submetido a registro, mas também o dinheiro que sai. Os rendimentos do capital registrado, como juros, dividendos, comissões, royaties e demais formas de lucro sujeitam-se também a registro. Essa medida é natural e necessária, pois o Brasil poderá conhecer e controlar a evasão de divisas do país.
7. Remessa de lucros
Os artigos 8º a 16 regulam a remessa de juros, royalties e remuneração de assistência técnica. Assim, um contrato de empréstimo de dinheiro deverá ser feito por um contrato de mútuo, devidamente registrado no BACEN, em que consta quais serão os juros cobrados, que não poderão ser superiores aos juros praticados no mercado financeiro nacional. Qualquer valor acima da taxa vigorante poderá ser vetado pelo Banco Central ou então ser considerado como amortização de empréstimo.
As transferências de dinheiro para o exterior serão controladas pelo Banco Central, para que se mantenham de acordo com o contrato registrado. Este controle exige, pois, que todo contrato celebrado entre organização do exterior e outra do Brasil seja registrado no FIRCE, ou não será autorizada a transferência dos rendimentos. Igualmente, para que o Banco Central autorize a transferência, o investidor precisará provar o pagamento do Imposto de Renda.
Restrição importante ficou prevista no artigo 14, vedando o pagamento de royalties pelo uso de patentes de invenção e marcas de indústria e comércio, entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior ou quando a maioria do capital da empresa no Brasil presença ao titular do recebimento dos royalties no estrangeiro. Também não será permitida a dedução do Imposto de Renda, o que será escusado, pois se não há pagamento não poderia haver dedução.
Essa redução poupa muitas divisas nacionais, porquanto grande parte das empresas estrangeiras, que se instalam no Brasil, podem trazer sua tecnologia, suas patentes de invenção e marcas de indústria e comércio. Por exemplo, a Ford iria transferir divisas para sua matriz no exterior, pelo uso da marca Ford ou de seus modelos de veículos. Além disso, nenhuma empresa estrangeira iria criar modelos para seus produtos, nem criar tecnologia no Brasil ou usar marcas nacionais sem contrariar os interesses da matriz.
O artigo 15 estabelece duras sanções para qualquer empresa, sem especificar se nacional ou estrangeira, que fizer importação de mercadorias com sub ou superfaturamento na exportação ou importação. É considerada fraude aduaneira ou cambial e importará aos responsáveis a multa de até dez vezes o valor das quantias sub ou superfaturadas ou da penalidade de proibição de exportar ou importar no prazo de um a cinco anos. Considera esse artigo tais operações como fraude por ensejar a transferência ilegal de divisas ou evasão de dinheiro para fora do país. Assim, uma empresa no Brasil importa mercadorias por valor vem superior ao preço real desses bens; a diferença é então remessa disfarçada de dinheiro do Brasil para o exterior. Igualmente, se uma empresa do Brasil exporta com subfaturamento, ou seja, mercadorias com valor menor do que o preço praticado no mercado internacional. Este último caso é mais difícil de acontecer. Uma vez que o preço das mercadorias nacionais é conhecido.
Outras medidas nesse sentido constam de outras normas. Como os contratos de câmbio devem ser realizados por intermédio de bancos, estes também são atingidos por pesadas multas se for constatada fraude numa operação de importação ou exportação, pois a participação do banco na fraude é presumida, mesmo por desídia. Apesar de tanto rigorismo, não se evitaram fraudes. Os meios de comunicação anunciaram vultosas transferências de divisas para o exterior, no final de 1989, sob a forma de importações fictícias. Os contratos de câmbio foram realizados por um banco privado e por dois bancos estatais, o de Alagoas e do Rio de Janeiro. Foram abertos diversos inquéritos e anunciadas rigorosas medidas. Contudo, o governador de Alagoas foi eleito Presidente da República e o presidente do banco privado envolvido na fraude tornou-se depois Ministro de Estado.
8. Propriedades no exterior
Os artigos 17 e seguintes estabelecem disposições sobre bens que pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Brasil tenham no exterior. Elas deverão declarar ao Banco Central quais os bens que possuem ou que vão comprando no exterior, principalmente os depósitos bancários. Se for constatado que alguém possui depósitos bancários ou outros bens fora do Brasil, sem estarem registrados no Banco Central, serão esses bens considerados frutos de enriquecimento ilícito; poderão ser objeto de processo de busca e apreensão e repatriação para o Brasil.
É uma disposição muito séria e delicada, mas parece ter sido inócua. Quase ninguém registrou até agora depósitos de dinheiro ou aquisição de quaisquer bens no exterior. Também não se sabe se o governo brasileiro exerceu qualquer ação de busca e apreensão desses bens; não será tampouco fácil descobrir a existência deles e o exercício de ações judiciais. Tanto na Suíça como nos EUA, como em grande parte dos países, vigora o regime de sigilo bancário. A ação judicial também não é simples, porquanto a aquisição de bens e os depósitos bancários são operações realizadas em observância às leis do país em que se realizaram. Um Presidente da República, quando esteve em Portugal declarou aos órgãos de comunicação possuir muitas propriedades naquele país: no Banco Central não havia qualquer registro dessas propriedades.
9. Disposições cambiais
Os artigos 23 a 36 formam capítulo das “disposições cambiais”, o mais longo da Lei. É uma questão mal colocada na Lei, porquanto deveria o contrato de câmbio ser regulamentado em legislação específica e pelas normas baixadas pelos órgãos regulamentares da Lei, como o Banco Central, o DECEX, o Conselho Monetário Nacional ou o Ministério da Fazenda. Aliás, as operações de câmbio são rigidamente regulamentadas por normas mais flexíveis e minuciosamente controladas. Essas normas formam um manual denominado Consolidação das Normas Cambiais.
A Lei 4131/62 destinou-se a regulamentar o capital estrangeiro no Brasil e ficou muito incompleta ao perder-se em questões não totalmente relevantes a este assunto. As operações de Câmbio e outras de comércio exterior são mais praticadas por empresas nacionais, sem vinculação com o capital estrangeiro; não caberiam, portanto, na regulamentação da lei em apreço. Como essas disposições atingem principalmente os bancos, caberiam mais no enquadramento do Direito Bancário.
As operações de câmbio devem ser obrigatoriamente realizadas por intermédio de bancos e encaminhadas aos mesmos por uma corretora de títulos e valores mobiliários. Os bancos devem informar diariamente o BACEN de todas as operações cambiais, sob pena de multa. O objetivo dessa disposição é manter arquivo sobre as transferências de fundos para o exterior sempre atualizado, graças ao registro das operações. Outro objetivo é a segurança que possa o Governo obter com o resguardo que os bancos adotarão ao formalizarem as operações cambiais sob o temor de pesadas multas. Além dos bancos comerciais, são ainda envolvidas as sociedades corretoras de valores mobiliários, pois os contratos de câmbio devem ser encaminhados aos bancos pelas sociedades corretoras.
Se houver necessidade imperiosa, em vista de provável desequilíbrio no balanço de pagamentos, poderá o Governo Federal dar monopólio ao Banco do Brasil para a realização das operações de câmbio, ou impor restrições à remessa de rendimentos de capitais estrangeiros e ao pagamento de royalties.
10. Reciprocidade
Estabelece a Lei restrições à atividade dos bancos estrangeiros cuja sede esteja situada em país que adote para bancos estrangeiros restrições semelhantes. Assim, se um país não permitir a instalação de banco brasileiro em seu território, a qualquer banco desse país ficará vedado instalar agência no Brasil. Se, mesmo permitindo instalação de agência, um país adotar restrições, os bancos desse país encontrarão idênticas restrições em suas agências no Brasil. É a aplicação do princípio da reciprocidade e da equidade.
11. Empresas multinacionais
No problema do capital estrangeiro no Brasil integra-se também o das empresas multinacionais, também chamadas transnacionais ou simplesmente empresas estrangeiras. Não há um conceito uniforme para essas empresas e, por comodidade, iremos conceituá-las sob os critérios jurídicos de nosso direito.
Nossa legislação considera empresa brasileira aquela que for constituída de acordo com a legislação brasileira e seja registrada na Junta Comercial. Por outro lado, os artigos 1.134 a 1141 do Código Civil de 2002, formam um capítulo denominado “Da Sociedade Estrangeira”, regulamentando seu funcionamento. A sociedade estrangeira é caracterizada pelo faro de seus atos constitutivos terem sido registrados em outro país que não o Brasil e elaborados segundo a lei desse país. Este é o critério adotado. Não poderá entretanto exercer atividades no Brasil senão depois de obter autorização do Governo Federal.
Um aspecto, entretanto, é previsto pela nossa lei, que apresenta uma empresa brasileira constituída nos moldes nacionais e registrada no órgão de Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, cujo capital esteja total ou parcialmente em nome de pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no exterior.É o que vemos no nome de certas empresas como General Motors do Brasil, Volkswagen do Brasil, Volvo do Brasil, Mercedes Benz do Brasil e muitas outras. São empresas brasileiras, cujos atos constitutivos foram elaborados no Brasil e aqui registrados. O capital de tais empresas, entretanto, está subscrito quase que totalmente por pessoas jurídicas ou físicas situadas no exterior. Nessas condições, o cérebro pensante, as decisões, sistema de administração, poder de voto, enfim, as diretrizes gerais, não são brasileiras. Dentro de nosso esquema, são empresas brasileiras de capital estrangeiro, vulgarmente designadas como EBCE.
O regime jurídico a que se submetem essas empresas é assunto não só importante, mas polêmico, com posições muitas vezes radicais. Doutrinariamente, contudo, a empresa estrangeira é analisada sob múltiplas formas, mas sua existência é levada em consideração. Embora seja empresa atuando normalmente no Brasil, devidamente registrada no órgão do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, segundo a Lei 8.934/94, considera-se empresa estrangeira se o poder de controle acionário estiver nas mãos de estrangeiro, ou seja, mais da metade do capital votante pertence a pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no exterior. Para essa doutrina vigora o critério do domicílio e não da nacionalidade.
Modalidade especial de empresa perante o Direito Internacional é a binacional, como é o caso da Itaipu Binacional. Trata-se de uma empresa formada por capitais brasileiros e sediada no Brasil e outra por paraguaios e sediada no Paraguai. É, por isso, chamada de empresa bicéfala. Não há dúvida de que se trata de empresa multinacional ou internacional, já que sua constituição e administração estão submetidas a dois regimes jurídicos, pois seus problemas se submetem ao foro de dois países, por haver duas diretorias, uma em cada país. O parque de operações, precisamente a usina, está situado nos dois países e sua produção, segundo o Estatuto da empresa, destina-se aos dois países. É também considerada uma empresa multinacional, por ter parque de operações situado em dois países.
Outro exemplo de empresa binacional foi a formada pela inglesa Shell e a holandesa Royal Dutch, constituindo a binacional Royal Dutch Shell. Não se conhece bem a estrutura jurídica dessas empresa, mas foi constituída pela fusão de uma empresa inglesa e outra holandesa, com capitais de dois países e sua direção está sediada nos dois países.
Tem características de multinacional o tipo de empresa formada por capitais de dois países, a chamada vulgarmente joint ventures , sendo comum na indústria eletrônica brasileira. Forma-se normalmente com base numa empresa brasileira, em conjunto com outra estrangeira, sendo o capital constituído por ambas, e os representantes das duas participam da direção. A peculiaridade maior é a de que a empresa detém e fornece para a joint venture sua tecnologia avançada. É o que aconteceu com grande parte das indústrias brasileiras de material eletrônico. A empresa brasileira entra com sua estrutura, sua tradição e conceito, e seu conhecimento do mercado brasileiro; a estrangeira entra com sua tecnologia, seus produtos e renome internacional.
Para vários juristas, o que parece lógico, há diferença entre empresa multinacional ou plurinacional e empresa estrangeira. Dentro dos critérios mais adotados, uma empresa brasileira também pode ser multinacional. Para alguns, a multinacional é aquela que tem parques industriais situados em dois ou mais países. Para outros, a multinacional é uma empresa de várias nacionalidades, de acordo com a própria etimologia da palavra. Outros alegam que não há empresa multinacional, uma vez eu todas elas têm uma nacionalidade, que pode ser apurada por suas origens, seus domicílios, a nacionalidade da maioria de seus acionistas e outros fatores. Assim considerando, a Mercedes Benz não é uma multinacional, mas uma empresa alemã, porquanto foi fundada na Alemanha, por alemães, e lá está sediada; lá se encontra sua diretoria; seus acionistas são, em sua maioria, alemães. O mesmo acontece com a Volkswagen. Juridicamente, a Mercês Benz do Brasil é uma empresa brasileira, submetida à lei do Brasil; contudo, sua principal acionista está sediada na Alemanha e detém mais de 50% de seu capital votante. É, portanto, uma EBCE, ou seja, empresa brasileira de capital estrangeiro.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. Capital estrangeiro é ainda tema relevante do Direito Econômico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 mar 2012, 07:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28229/capital-estrangeiro-e-ainda-tema-relevante-do-direito-economico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Luis Carlos Donizeti Esprita Junior
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Roberto Carlyle Gonçalves Lopes
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