Conforme o artigo 42 da Lei 8.213/91, invalidez constitui “a condição apresentada pelo indivíduo de incapacidade e insuscetibilidade de reabilitação profissional para o exercício de atividade capaz de garantir a subsistência”. A forma ampla e inespecífica como a legislação pátria trata esse conceito acaba por possibilitar interpretações diversas e por vezes contraditórias acerca do instituto da aposentadoria por invalidez. Sendo assim, a configuração jurídica desse benefício previdenciário leva ao entendimento de que para fazer jus a essa aposentadoria, faz-se necessária a comprovação de uma incapacidade total e definitiva para o trabalho. É exatamente nesse sentido que surgem as controvérsias no que tange à atuação das seguradoras privadas em relação ao pagamento das indenizações.
Quanto à ocorrência ou não de invalidez total e permanente, a doutrina e a jurisprudência consagraram o entendimento de que o seguro é contratado de modo abrangente e visa à proteção do segurado contra eventuais danos pessoais que possam trazer contratempos futuros, causando-lhe dificuldades financeiras. Contudo, as seguradoras não têm seguido as posições dos tribunais, opondo obstáculos ao segurado ou a seus beneficiários, sempre que são chamadas a indenizar-lhes pela ocorrência do evento acobertado pelo seguro. Os diversos julgados, por sua vez, têm-se manifestado no sentido de caracterizar a invalidez total e permanente para fins de recebimentos do referido seguro quando o indivíduo se torna inválido para a prática do trabalho que exercia e não para toda e qualquer atividade remunerada.
A invalidez do segurado, para que faça ele jus à indenização securitária, deve ser aquela que o impeça de exercer as funções laborais anteriormente desempenhadas, ainda que não lhe impossibilite a prática de toda e qualquer atividade remunerada. A aposentadoria concedida pelo INSS, precedida de exames de inegável rigidez, é prova hábil à comprovação da invalidez do segurado, ainda que as regras regentes dos benefícios ofertados pelo órgão previdenciário oficial e aqueles oferecidos pelos seguros privados não se confundam quanto às suas naturezas.
Assim é que, impedido o segurado de realizar as atividades anteriormente praticadas em virtude de acidente ou doença, a seguradora torna-se responsável pelo pagamento da indenização prevista em contrato, conforme a melhor orientação jurisprudencial:[1][2]
SEGURO - CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO - INVALIDEZ TOTAL DO AUTOR PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE MOTORISTA - NEGATIVA DA SEGURADORA EM ADIMPLIR O PRÊMIO DE SEGURO POR INVALIDEZ, SOB A ESCUSA DE ESTAR O CONTRATANTE CAPACITADO PARA O EXERCÍCIO DE OUTRAS ATIVIDADES - DEVER DA SEGURADORA DE EFETUAR O PAGAMENTO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
Não se pode esquecer que sendo motorista o segurado, quando da celebração do contrato de seguro pretendia a proteção contra os riscos advindos de sua atividade, bem como contra os que pudessem frustrar o seu exercício. Por tal, não se pode crer que teria o autor celebrado o pacto de seguro, se quisesse excluir eventual indenização, em caso de incapacidade que frustrasse o exercício de sua atividade laboral.
AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO. SEGURADO APOSENTADO PELO INSS POR INVALIDEZ PERMANENTE. NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO SOB O ARGUMENTO DE NÃO TER FICADO DEFINITIVAMENTE INCAPACIRADO PARA EXERCER QUALQUER ATIVIDADE REMUNERADA.
Aposentado o segurado por invalidez permanente e por doença, lícita não se apresenta a negativa da seguradora em efetuar a cobertura do seguro sob o argumento de que a aposentadoria não implica reconhecer que o aderente haja restado definitivamente incapacitado para o exercício de qualquer atividade remunerada.
Verifica-se, portanto, que as seguradoras se recusam ao pagamento do título sob a alegação de não ter o segurado comprovado o estado de total e definitiva incapacidade laboral, ressaltando que os sinistros em questão não se enquadram no conceito de IPD – Invalidez Permanente por Doença, onde é necessário que o segurado fique total e permanentemente inválido em consequência de doença para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com recursos terapêuticos disponíveis.
Entretanto, a jurisprudência tem considerado absurda tal exigência, defendendo que se fosse levar a efeito a pretensão da seguradora, nos moldes em que lança sua defesa, qual seja, de ser devida a indenização apenas no caso de impossibilidade total e irreversível para qualquer atividade remunerada, seria necessário que o mal acometido à pessoa a deixasse em estado vegetativo e que nada mais pudesse ser realizado pela mesma.
Observa, ainda, que não é esse, de fato, o sentido da cobertura do seguro, pois não se pode exigir que a incapacidade seja total para qualquer profissão, mas sim, a incapacidade que o inabilite para o desempenho de seu trabalho.
Destarte, conforme pensamento jurisprudencial dominante, não é razoável exigir que o segurado se torne incapaz para toda e qualquer atividade para só então ter direito à indenização, até porque é sabido que o ser humano se submete aos mais forçados trabalhos em troca de sua subsistência. Aquele que contrata o seguro e paga regularmente os prêmios estipulados, quando acometido por doença tal que lhe obrigue a deixar de executar as tarefas diárias laborativas, tem direito à devida contraprestação da seguradora, na forma do benefício, pois o seguro é contratado visando à tranquilidade e à estabilidade financeira. Nesse sentido, a invalidez do segurado para o trabalho que anteriormente exercia basta para caracterizar o dever da seguradora de indenizar.
Em muitos julgados, as seguradoras ponderam que a invalidez alcançada pelas coberturas contratadas há de ser aquela capaz de incapacitar também para as demais funções, inclusive domésticas e de locomoção, de caráter irreversível, e, assevera que o conceito de invalidez utilizado para fins previdenciários, cujo benefício pode ser revisto ou interrompido, difere do seguro, em que o pagamento da indenização extingue definitivamente a relação contratual. Recusam-se ao pagamento sob a constante alegação de que o segurado não comprovou estar total e definitivamente incapacitado, não se admitindo como parâmetro os critérios de aposentação pelo INSS. As seguradoras, em suas contestações suscitam, em muitos casos, a ocorrência de cerceamento de defesa tendo em vista a não realização de exame pericial no segurado e a oitiva de testemunhas, muitas vezes dispensados pelos julgadores em face de considerarem desnecessárias para seu convencimento.
Os tribunais, no entanto, têm entendido que a invalidez declarada pelo INSS para aposentar o segurado já basta para convencer o Juiz da necessidade de a seguradora indenizá-lo, mormente pelo rigor com que realiza seus exames. Desse modo, se o indivíduo se encontra aposentado pelo INSS, por invalidez, é certo que se submetera às etapas normais de perícia e outros procedimentos junto ao Órgão previdenciário, chegando-se, após acurada avaliação, à conclusão de estar ele incapacitado permanentemente para o serviço, do que decorreu sua aposentadoria. As jurisprudências consideram notória a seriedade e o elevado grau de exigência da perícia médica do INSS, nos casos de aposentadoria por invalidez por doença, realizando todo o procedimento em consonância com o Código Internacional de Doença (CID), restando assim, ato perfeito e acabado. Com efeito, a invalidez acha-se comprovada pelo simples fato de ter a Previdência Social concedido sua aposentadoria, não havendo, diante disso, qualquer dúvida com relação à sua incapacidade para exercer suas atividades laborais.
Assim, se o segurado é incapaz para o seu trabalho em razão da doença, a seguradora deve pagar-lhe o seguro de vida e acidente de que trata a hipótese.
Nesse mesmo sentido, destacam-se os seguintes julgados:[3][4]
CERCEAMENTO DE DEFESA - REALIZAÇÃO DE PERÍCIA - PROVA DESPICIENDA - DOCUMENTO COMPROVANDO APOSENTADORIA POR INVALIDEZ JUNTO AO ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO - PROVA HÁBIL À PRETENSÃO DEDUZIDA.
A aposentadoria por invalidez constitui prova hábil ao reconhecimento da incapacidade laborativa do segurado, posto ser consabido que a concessão do benefício é precedida por longo período de acompanhamento e exames.
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS ÀEXECUÇÃO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO.INVALIDEZ PERMANENTE COMPROVADA.ATESTADO MÉDICO. CONCESSÃO DE APO- SENTADORIA. NEGATIVA DE COBERTURA PELA SEGURADORA. DIREITO AO RECEBIMENTO INTEGRAL DA VERBA SECURITÁRIA.
1 - É devida a verba indenizatória em sua totalidade, desde que provada a invalidez permanente do segurado, demonstrada por atestado médico anexado a inicial da execução e não impugnado, não podendo a seguradora se escusar ao pagamento do total do quantum indenizatório, uma vez que tal incapacidade deu causa até mesmo à aposentadoria pelo Órgão Previdenciário
Federal. Recurso conhecido e improvido.
As seguradoras alegam, ainda, em suas contestações, a validade das cláusulas contratuais, salientando que o segurado tinha conhecimento das suas exigências e critérios ao contatarem seus serviços. Defendem que é lícito ao segurador estabelecer cláusulas e condições de exoneração, limitação ou particularização dos riscos pelos quais se responsabiliza com a emissão da apólice, de modo que não há que se falar em cláusulas abusivas anuláveis pelo CDC.
No entanto, tal argumento não tem sido aceito, pois as cláusulas do contrato de seguro de vida são interpretadas da forma mais favorável ao segurado, a teor do que estabelecem os arts. 46, 47, 51, IV e 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor.
Dessa forma, o magistrado aplica os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e enquadra a seguradora como prestadora de serviços.
O que se admite atualmente em relação a esta questão é que os contratos de seguro são resultantes do mútuo consenso do segurado e do segurador, que estabelecem entre si direitos e obrigações. Ocorre que determinadas cláusulas têm sido repudiadas pelos Tribunais porquanto consagram e promovem o desequilíbrio entre as partes.
De modo que, levando-se em consideração o fato de que os contratos de seguro, em sua maioria, são de adesão, há de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor no contrato firmado entre as partes.
Dispõe o artigo 47 do CDC que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Conforme se infere do dispositivo legal, o contrato de seguro deve ser interpretado em benefício do segurado. As dúvidas que se apresentem a respeito da questão nos autos discutida, e seus desdobramentos, devem ser interpretadas favoravelmente ao segurado, por ser este indubitavelmente hipossuficiente frente à empresa de seguros. Além do que, o risco da atividade exercida pela empresa de seguro é inerente à própria gênese dessa atividade. Risco do qual só se poderá liberar em provando de forma inequívoca ter, o segurado, ao contratar, ferido o basilar princípio da boa-fé.
Em se tratando de contrato de adesão, onde o segurado se limita a assinar um formulário pré-impresso, se a seguradora aceitar a proposta e passar a cobrar o prêmio devido, sem exigir qualquer exame médico prévio do segurado ou assegurar-se das informações por ele prestadas, assume o risco de arcar com a correspondente indenização em caso de sinistro.
Corroborando com esse entendimento, tem-se o julgado:[5]
APELAÇÕES CÍVEIS. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA. COBERTURA DO RISCO DE INVALIDEZ PERMANENTE. NEGATIVA POR PARTE DA SEGURADORA. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
1. O objeto principal do seguro é a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte do segurador. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, caracterizada pela sinceridade e lealdade nas informações prestadas pelo segurado ao garantidor do risco pactuado, cuja contraprestação daquele é o pagamento do seguro.
2. Desse modo, o segurador só poderá se exonerar de sua obrigação se ficar comprovado o dolo ou a má-fé do segurado, ou se houver agravamento do risco, ante o desequilíbrio da relação contratual, tendo em vista que aquele receberá um prêmio inferior ao risco garantido, em desconformidade com o avençado.
3. No caso em concreto, a concessão pelo Instituto Nacional de Previdência Social da aposentadoria por invalidez implica na presunção quanto à caracterização da incapacidade total e permanente do segurado.
4. Ademais, cabe tão-somente ao Juiz, analisando o conjunto probatório colacionado nos autos, valorar os elementos de convicção trazidos pelas partes, embora a conclusão da perícia realizada em Juízo tenha sido no sentido de que a incapacidade do postulante seja apenas parcial.
5 Omissis.
6. Omissis.
7. Litigância de má-fé. Descabimento. Ausência dos requisitos previstos no art. 17 do Código de Processo Civil.
Repetição do indébito – prêmio indevidamente descontado
8 Omissis.
9. Omissis .
Negado provimento ao apelo da ré e conhecido em parte o recurso da autora para, na parte conhecida, dar parcial provimento ao apelo.
As seguradoras alegam, ainda, ser necessário ao segurado esgotar todos os recursos terapêuticos atualmente disponíveis para a recuperação da saúde antes de ter sua condição definida como incapacidade total e permanente para qualquer tipo de atividade.
Defendem que o fato de o segurado ter sido aposentado pelo INSS não lhe garante a procedência de seu pedido da indenização securitária tendo em vista que a aposentadoria previdenciária não tem cunho definitivo para a invalidez permanente, pois o beneficiário é obrigado a submeter-se regularmente a exames a fim de verificar se a causa que o levou a aposentar-se ainda permanece, pois, caso a invalidez desapareça, o benefício e a aposentadoria serão cancelados.
Desse modo, atentou-se para o fato de que, uma vez pago o prêmio, não há como recebê-lo de volta, caso o segurado venha a recuperar a saúde e volte a trabalhar, situação que demonstra que o pagamento requerido junto às seguradoras não pode ser vinculado à aposentadoria do órgão previdenciário.
Em resposta a essa alegação, os tribunais têm entendido que o segurado não tem que esgotar todos os recursos terapêuticos para ter direito à cobrança pleiteada nos autos, muito menos mostra-se correta a sua exigência no sentido de que este somente poderá receber o seguro se a invalidez permanente for total. Defendem que não se pode exigir que a incapacidade seja total para qualquer profissão, mas, sim, a incapacidade que a inabilite para o desempenho de seu trabalho.
Quanto à alegação de que a aposentadoria possa vir a ser revertida pelo INSS, enquanto que o dinheiro do seguro, uma vez pago, não tem como ser cobrado de volta, salientam que esta preocupação não tem razão de ser, visto que o seguro visa exatamente resguardar uma renda para o segurado no momento em que a invalidez se manifesta.
Por fim, surge, frente às seguradoras, outra questão, que é a incidência de fraudes, na tentativa de receber a indenização. Tal situação torna ainda mais complexa a relação entre os segurados e as seguradoras, constituindo mais um elemento a obstar ou dificultar o acesso ao seguro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se, portanto, que as dificuldades conceituais advindas da configuração jurídica da aposentadoria por invalidez, as cláusulas contratuais abusivas bem como as constantes fraudes ao sistema constituem verdadeiros obstáculos à obtenção das indenizações por parte dos segurados que acabam por ter dificuldades de acesso ao seu direito. Os tribunais, no entanto, têm apresentado uma interpretação por vezes favorável aos segurados, no intuito de restituir o equilíbrio da relação jurídica que se estabelece neste contexto.
[1] Ap. Cív. n. 1998.010835-7, de Chapecó, Rel. Des. Orli Rodrigues, j. 26/08/1999
[2] TJRS, 6ª CC, Rel. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira - AC nº 17 70003277738, j. Em 13/03/02.
[3] Ap. Cível. n. 2002.004020-7, de Palhoça, Rel. Des. Wilson Augusto Do Nascimento, j. 30/04/2003).
[4] TJGO – 1ª CC., AC nº 82234-3/188 , Ac. 12/04/2005, Rel.Des. Vítor Barboza Lenza
[5] Apelação Cível, nº 70028008290 , Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 21/01/2009.
Pós-graduanda em Direito Constitucional e Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Márcia Lima Santos. O reflexo do conceito previdenciário de invalidez adotado no Brasil na atuação das seguradoras privadas e o entendimento jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 abr 2012, 08:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28402/o-reflexo-do-conceito-previdenciario-de-invalidez-adotado-no-brasil-na-atuacao-das-seguradoras-privadas-e-o-entendimento-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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