INTRODUÇÃO
O presente trabalho começa por uma breve análise sobre a legalidade na instituição das taxas prediais urbanas, levando-se em consideração o fato gerador e a forma como essa cobrança tem sido efetivada na prática.
Finalmente pretende-se questionar o porque de as taxas aumentarem gradualmente ano a ano, fato que nos faz indagar se essa tributação também se dá de forma progressiva, carente de instituto autorizante.
DA CONSTITUCIONALIDADE E BASE DE CÁLCULO:
Por determinação legal, para que haja a instituição de taxas, mister a obediência ao art. 77 do CTN, que assim dispõe:
art. 77: “As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas"
Mediante a leitura do dispositivo legal acima transcrito, podemos claramente visualizar duas premissas básicas:
1. As taxas não podem ter base de cálculo e fato gerador iguais aos dos impostos.
2. O fato gerador que possibilita a instituição da taxa é a utilização efetiva ou potencial, de serviço público especifico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
A mesma determinação vem disposta na Constituição Federal, no art. 145, II, in verbis:
Art. 145. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
Inc.II. taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (negritei)
Não bastasse as exigências supra-citadas, a Lei Federal, no intuito de proteger o contribuinte das arbitrariedades e da voracidade fiscal do ente público instituidor, ainda determinou a proibição da coincidência entre a base de cálculo de impostos e taxas, positivada no art. 145, § 2º da CF: “As taxas não poderão ter base de cálculo própria dos impostos.”
O que muito vem ocorrendo na prática, é a alegação por parte do Poder Público de que a simples coincidência entre a base de cálculo utilizada para a instituição de IPTU e as taxas prediais, não configuram propriamente uma identidade de base, mas apenas uma coincidência entre seus elementos. Data venia, esse argumento não deveria prosperar, pois seria o mesmo que trocar “seis por meia dúzia”, o que vem possibilitando a criação de outra espécie de tributo (sem permissão legal) sobre a roupagem “taxa”, e isso, segundo a própria disposição do CTN, que prevê em seu art. 4º:
Art. 4º . A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II- a destinação legal do produto da sua arrecadação. (grifo nosso)
Assim, podemos depreender que não importa se o nome dado ao tributo é taxa – se ele não for instituído tendo como base a prestação ou disposição de serviço público específico e divisível, de uso efetivo ou potencial, ou seja, que se possa determinar quem e o quantum o utilizou ou poderia utilizar, de forma individualizada, não se tratará da espécie taxa..
1. Da taxa de limpeza de vias públicas:
É de se realçar que a taxa de limpeza, proteção e conservação das vias públicas e logradouros públicos na prática é instituída por metro linear da testada do imóvel, ao arrepio do CTN, que dispõe sobre esse tributo em seus art. 77 a 80, não nos restando interpretação diversa de que sua constitução tem base de cálculo própria do IPTU, além do que estaria se considerando a capacidade contributiva, e não propriamente a existência de serviço de utilização específico e divisível posto a disposição do contribuite, o que é terminantemente proibido por nossa Lei Maior, em seu art. 145, §1º e § 2º.
Conclui-se a evidente ilegalidade na cobrança dessa taxa, visto que incide sobre a prestação de serviços “uti universi”, ou seja, tem por fato gerador a prestação de serviço inespecífico e indivisível, insuscetível de ser individualizado. A Jurisprudência do STF tem se firmado nesse sentido.
2. Taxa de prevenção e extinção de incêndios, buscas e salvamentos.
A taxa supracitada também nos parece estar à margem da legalidade, pois conforme os preceitos insculpidos nos arts. 145 da CF, 77 e 79 do CTN, visto que incapaz de ser individualizado.
Outro fator a ser levado em consideração é que esse serviço é de competência dos Estados-membros, e não dos municípios. Obedecendo as normas específicas de Direito Tributário, se em tese é o Estado que possui competência para a prestação desse serviço, somente ele tem competência para a instituição de uma contraprestação, sob pena de enriquecimento ilícito por parte da municipalidade.
Anote-se que o art. 8 do CTN, dispõe: “O não exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.”
Com inegável propriedade, sustenta o Ilustre Relator J. Martins, em apelação nº 939.728.5-2 TJ/SP, em síntese:
“A municipalidade alega a possibilidade de cobrança de referida taxa, em decorrência da existência de convênio entre esta e o Estado, viabilizando a cobrança.
A taxa de incêndio recai sobre serviço de competência estadual, não cabendo, portanto, cobrança na esfera municipal. Para validade da exação, a entidade tributante deve ser competente para a prestação do serviço público, e, no caso da taxa de incêndios ou de sinistros, o município não o é. Desse modo, o que se discute, não é a legalidade de tal tributo, mas sim a competência para instituí-los.
(...)
Sendo, portanto, o corpo de bombeiros um órgão eminentemente estadual, suas atribuições são exercidas em todos os municípios do Estado, e por isso custeadas pelos impostos instituídos por tal ente federativo.”
Infelizmente esse entendimento não é pacifico perante o Supremo a partir do julgamento do RE 206.777-6, de São Paulo, pelo Tribunal Pleno através do Min. Rel. Ilmar Galvão, havendo julgados em que o Tribunal entende que não há nenhuma incompatibilidade em que os serviços executados por bombeiros sejam custeados por impostos estaduais e taxas municipais, por julgarem tratar-se de serviço específico e divisível, utilizado e/ou posto a disposição do contribuinte.
3. Taxa de expediente ou emolumentos de carnê de IPTU
Seu fato gerador é a própria expedição do Carnê de IPTU! Isso mesmo! Através dessa taxa é indevidamente repassado ao contribuinte os custos pela utilização de papel fotográfico na emissão do Talão de IPTU, sendo que o contribuite é compelido a pagar o imposto, mais as despesas com a sua cobrança, sem previsão na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional.
Essa prática vem sido combatida pelos Tribunais, quando a matéria é posta em julgamento através de inúmeras ações postuladas nos últimos anos, intitulada de abusiva e ilegal. Nestes termos:
“Taxa de Expediente - expedição de documentos atinentes ao lançamento e cobrança de tributos – impossibilidade de ser exigida do contribuinte. (...)No que tange à taxa de expediente ou emolumentos, tratando-se de expedição de documentos atinentes ao lançamento e cobrança de tributos, não pode ser considerada como prestação de serviço público ao contribuinte e, portanto, torna-se impossível ser dele exigida, devendo ser suportados pela municipalidade os gastos com tais atividades sem transferência de encargos” (AP CÍVEL COM REVISÃO Nº 799.803-5/6-00 – TJ/SP 15ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, Rel. Des. Eutálio Porto, j. 12/02/2009.)
4. Taxa de Iluminação Pública
Os instituidores dessa taxa afirmam sua constitucionalide no fato de que todos os munícipes se beneficiam desse serviço posto à sua disposição, motivo pelo qual, pode ser tributado através de taxas.
A problemática surge no momento da sua denominação como taxa e da instituição de sua base de cálculo. Ora, se o serviço de iluminação pública fosse considerado Uti singuli, deveria haver a possibilidade da medição exata do uso individualizado do serviço por parte do contribuinte, o que não se verifica, posto que de uso universal.
Por ser impossível mensurar o uso de cada contribuinte, essa taxa vem sendo instituída de acordo com a metragem do imóvel, sem adequação legal.
O que se verifica a partir dessa constatação?
Verifica-se que a taxa é instituída de acordo com a capacidade contributiva do munícipe, além do que se utiliza da base de cálculo do IPTU que leva em consideração a metragem do imóvel, e a zona urbana onde está localizado, sendo terminantemente proibido pelo art. 142,§ 2º da CF as taxas terem a mesma base de cálculo dos impostos.
TJSP - Apelação: APL 9139811172003826 SP 9139811-17.2003.8.26.0000- Anulatória de Débito Fiscal - Taxa de Iluminação Pública - Fato Gerador que Considera Serviços Públicos Inespecíficos e Indivisíveis - Ilegitimidade da Cobrança - Recurso Provido.
Ementa: ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - FATO GERADOR QUE CONSIDERA SERVIÇOS PÚBLICOS INESPECÍFICOS E INDIVISÍVEIS - ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA - RECURSO PROVIDO
- É ilegal a cobrança da taxa de iluminação pública, tendo em vista a ausência de especificidade e divisibilidade dos serviços, tal como previsto nos arts. 77 e 79 do CTN. (negritei)
5. Taxa de coleta de lixo domiciliar
Mais uma vez não obedece os requisitos da divisibilidade e especificidade, e tem como base de cálculo levar a metragem do imóvel,com flagrantemente ilegalidade.
Analisando a inconstitucionalidade da instituição e cobrança da taxa de coleta de lixo, o Eminente Ministro Carlos Ayres Britto, profere o voto no RE 576321-taxa-lixo em 04-12-08- sentido de:
“...sem querer fazer trocadilho, hermeneuticamente, essa taxa não me cheira bem. Todas as vezes fico em dificuldade para compreender, como se pode, sem artificializar a mensuração, dividir e quantificar o consumo. E, às vezes, chego à conclusão de que, não raras vezes, a cobrança se torna uma ofensa ao princípio da razoabilidade porque, com frequência, há casas e apartamentos grandes de residências habitados por pouca gente e há casas e apartamentos menores habitados por muita gente. Então a produção de lixo não guarda conformidade com o imóvel.”
No mesmo sentido, é o voto do Excelentíssimo Senhor Ministro Marco Aurélio, in verbis:
“A taxa, Presidente, pressupõe, sempre, sempre, um custo a ser satisfeito. Indaga-se: é possível ter-se a taxa, consideradas as balizas da lei municipal, como enquadrável nessa disposição da Carta de 1988? Para mim, não, porque começa a taxa com uma presunção – e, aí, talvez, eu veja nessa taxa até um estímulo à diminuição da metragem quadrada dos imóveis! Ou seja, a presunção de que, se o imóvel tem uma metragem maior evidentemente se tem a taxa em valor superior, pouco importando o lixo produzido que deva ser recolhido nesse imóvel.
A meu ver, aqui, a problemática maior decorre do § 2º do art. 145 da Carta da República, ao vedar que tome como base de cálculo da taxa o que sirva à cálculo do imposto. A metragem quadrada é elemento fundamental relativamente ao IPTU.” (grifo nosso)
O STF editou a súmula vinculante nº 19, determinando que a taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não violaria o art. 145,II,CF, considerando-os específicos e divisíveis, que traz como precedente, dentre outros o RE 576321.
Posteriormente foi editada a súm. 29 STF para admitir a cobrança da taxa de coleta de lixo baseada no tamanho do imóvel.
DA COINCIDÊNCIA ENTRE FATO GERADOR DE TAXAS PREDIAIS E IPTU
Conforme verificou-se no decorrer desse trabalho, as taxas prediais urbanas são cobradas não de acordo com a quantificação do uso de cada cidadão, como demanda a lei, mas de acordo com a metragem de seu imóvel, mesmo parâmetro utilizado para a cobrança de IPTU.
CF e CTN determinam expressamente que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria dos impostos”. O Supremo Tribunal Federal, através da maioria dos ministros, julga ser “constitucional a adoção de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade de uma base e outra.”
DA PROGRESSIVIDADE POR VIA INDIRETA NO VALOR DAS “TAXAS”.
Como é sabido, a progressividade na cobrança do IPTU tem respaldo legal a partir da edição da EC 29/00.
As questões que se suscitam são: esses tributos municipais, que não se revestem das características legais de taxa, mas que assim são denominados, se são calculados em razão da metragem do imóvel, e não sobre o IPTU, não deveriam ter um valor fixo, ou se calculadas sobre o valor venal, que não fossem sobre o valor calculado já com as alíquotas progressivas do IPTU.
Se calculadas sobre o valor do imóvel não deveriam ter suas anuidades majoradas apenas no caso de valorização do mesmo?
Na prática o contribuinte se depara a cada início de ano com as alíquotas das “taxas” exacerbadamente majoradas sem nenhum fundamento.
Questiona-se se essa forma torta de individualizar a cobrança, mediante a metragem do imóvel tem o intuito de tentar revestir esse tributo com características de taxa (especificidade e divisibilidade), o que não convence, ou se é apenas mais uma maneira de intentar alargar as permissões legais para, data venia, abocanhar a renda do contribuinte. Conclui-se que se, de forma alguma pode-se convencer sobre a existência de especificidade e divisibilidade, se o caminho menos desonesto e ilegal não seria criar um valor fixo a ser cobrado do munícipe pela existência ou utilização do serviço, já que supostamente o que se busca é uma contraprestação pelo serviço, se não tributação da renda.
CONCLUSÃO
O que resta ao cidadão é apenas aguardar a edição de outra Súm. Vinc. Do STF para considerar legal essa forma de tributação, e finalmente reconhecer sua existência.
Conclui-se que, no intento de possibilitar a maximização da arrecadação do único imposto sobre a propriedade, cuja instituição e cobrança é atribuída aos Municípios que procuram lograr maior autonomina com relação à dependência das receitas transferidas pela União e Estados-Membros, o Judiciário vem fazendo tábula raza dos dipositivos legais acerca da instituição e cobrança de taxas, alargando sobremaneira a exegese sobre as permissões tributárias, negando aplicação as vedações, no argumento do interesse público, sem sequer se preocupar em aguardar que o legislativo modifique o ordenamento.
Esquece-se que alguns serviços devem ser suportados pelo Poder Público, que já recebe co-participação da renda dos Estados e da União exatamente para esse fim. As vedações legais existem e foram criadas para frear o alvoroço do Poder Público em arrecadar sem parâmetros.
O razoável e esperado é que quando essas questões fossem levadas ao Judiciário a ilegalidade fosse decretada e vedada, e não permitida e sumulada. Os aplicadores do Direito, que realmente aplicam o Direito e defendem a sociedade contra o arbítrio tributário estatal são minorias e nem sempre conseguem-se fazer vencer!
Indaga-se: para que se orgulhar de ter uma Constituição, que possui rigidez, que possui toda uma supremacia se esta não é seguida e seus próprios aplicadores e guardiões muitas vezes a desrespeita? É o interesse público superior ao ordenamento constitucional? E nos referimos a interesse público (cofres públicos) e não propriamente do cidadão, pois se aumento da carga tributária fosse razão para desenvolvimento e satisfação social, estaríamos no ápice do desenvolvimento global.
BIBLIOGRAFIA:
BALEEIIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense 1993;
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FABRETTI, Láudio Camargo. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL COMENTADO, 8ª. Atlas, 2008.
FÜHRER, Maximilianus C. A.. Resumo de direito tributário. São Paulo: Malheiros 1998
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia– disponível em 25 de março de 2012
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12.ed. São Paulo : Malheiros, 1997
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010
YOSHIKAWA, Daniela Parra Pedrozo. STD EDITA NOVA SÚMULA VINCULANTE Nº 19. Disponivel em www.lfg.com.br. Acesso em 26/03/2012.
Advogada formada pela Faculdade de Direito da Alta Paulista, especialista em Direito do Estado, com ênfase em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Danieli da Silva. Sistemática da Tributação Predial Urbana - breve análise da constitucionalidade das taxas e da suspeita de sua progressividade por via oblíqua Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2012, 08:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28415/sistematica-da-tributacao-predial-urbana-breve-analise-da-constitucionalidade-das-taxas-e-da-suspeita-de-sua-progressividade-por-via-obliqua. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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