Coautor: Flávio Martins da Silva
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. O dever fundamental de pagar o tributo; 2. CIDADANIA FISCAL; 3. Políticas Públicas tributárias; 4. JUSTIÇA SOCIAL; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
O Estado existe para prover a boa qualidade de vida, não simplesmente a vida. Assim podemos conceituar o Estado como uma instituição que tem por objetivo organizar a vontade do povo politicamente constituído dentro de um território definido, tendo como uma de suas características o exercício do poder coercitivo sobre os membros da sociedade, objetivando o bem comum.
Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório, pois os que ocupam cargos eletivos (presidente da República, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores) nas democracias são substituídos periodicamente de acordo com a vontade do povo. A finalidade do Estado é a realização do bem comum, como, por exemplo, a garantia dos “direitos sociais, da educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados”, de acordo com a Constituição Federal de 1988 no seu art. 6º.
O Estado tem por finalidade a realização do bem comum por meio da administração pública, que executará as políticas públicas, planos de ação para que o Estado funcione tendo como referência a sociedade. Simultaneamente com as atividades políticas, sociais, econômicas, administrativas, educacionais, policiais, etc., que constituem a sua finalidade própria, o Estado exerce também uma atividade financeira, visando à obtenção, a administração e o emprego de meios patrimoniais que lhe possibilitem o desempenho daquelas outras atividades que se referem à realização dos seus fins.
A União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas competências e no exercício de sua autonomia, exercem uma atividade financeira, traduzida na procura de meios que possam satisfazer as necessidades públicas, que são muitas: saúde, educação, segurança, justiça, saneamento, Reforma agrária, entre outras. Contudo, as atividades estatais não são auto-sustentáveis, assim o Estado passou a carecer de recursos além daqueles proporcionados pela exploração de seu próprio patrimônio, passando a interferir na Riqueza individual para obtenção dos recursos necessários a consecução de suas atribuições.
O fenômeno da tributação mexe de forma direta na riqueza individual. O Estado, através dos tributos, retira parcela da riqueza privada transferindo-a para a coletividade. É claro que ao Estado são permitidas outras formas de interferência na riqueza privada, tais como a desapropiação e o confisco, estas sempre usadas como meios de exceção. Contudo apenas a tributação tem o condão de retirar sistematicamente parcela da riqueza individual dentro da estrita legalidade que o sistema normativo permite.
Sendo assim, a tributação é fato jurídico-econômico-social que transcende a vontade individual. Toda a sociedade e entes privados são impelidos a contribuir para a manutenção do Estado, através do pagamento de tributos. Claro que a participação financeira individual com a manutenção do ente estatal deve se ater aos limites materiais, em respeito à capacidade econômica individual. Então pode considerar o tributo como um encargo de todos para que o Estado possa cumprir a sua finalidade de realizar o bem comum. A partir daí, de um lado, tem-se a necessidade de todos contribuírem com os encargos tributários, pois onde todos pagam, todos pagam menos. E de outro, o respeito aos direitos e garantias fundamentais pelo poder tributante, que deve observar os princípios constitucionais limitadores do poder de tributar. Nisto a tributação tem, portanto, estreito vínculo com a cidadania.
O Estado, para fazer frente a suas despesas, tais como, serviços à população, necessita de recursos. Esses recursos são retirados da riqueza produzida pela população e entidades privadas na forma de tributos. Entretanto, nem sempre foi dessa forma, pois somente uma parcela da população pagava tributos.
Essa situação é marcante na transição do Estado Feudal para o Estado Moderno. Conforme explica Torres (apud Godoi, 2005, pág.152):
À medida que iam se formando os Estados Modernos, os monarcas percebiam que as receitas espontâneas arrecadadas da nobreza e os recursos eventuais obtidos em pilhagens e assaltos já não se mostravam suficientes para o custeio da expansão territorial de seus domínios. Abria-se assim o caminho para a instituição de prestações constantes e obrigatórias a serem exigidas dos cidadãos.
Era o início da idéia de que todos, indistintamente, deveriam contribuir com a manutenção do Estado. No dizer de Godoi (2005, pág. 152), nesse período, “desenvolveu-se a noção de representatividade, de auto-imposição, de livre consentimento da tributação, que marcará desde então de maneira indelével a ordem constitucional das nações ocidentais”.
Agora, o Estado tinha garantido recursos permanentes para custear suas despesas, recursos esses advindos da cobrança legal de tributos da população. É o que Godoi (2005) denominou de “Estado Fiscal”. Nesse diapasão, como observa Sousa Franco (apud Godoi, 2005, pag 153) houve a “afirmação do tributo como dever fundamental de cidadania no contexto de uma nova dimensão do princípio da igualdade de todos perante a lei (fim dos privilégios odiosos das imunidades fiscais do patrimonialismo pretérito)”. Entretanto, se para o cidadão, agora, é um dever pagar seus tributos, para o estado nasceu à obrigação de aplicá-los de forma eficiente.
O dever fundamental de pagar tributos possibilita, assim, o meio pelo qual o estado cumpre o seu objetivo, protegendo um bem coletivo, possibilitando a efetivação dos direitos sociais prestacionais. Portanto, o ideal de justiça tributária se traduz no fundamento de que a todos está designado um dever de pagar impostos na medida da capacidade contributiva individual.
Nesse contexto, o Brasil se encaixa como um “Estado Fiscal”, possuindo uma Constituição na qual vem expresso todos os tributos que podem ser cobrados da população e das entidades privadas. Entretanto, essa cobrança não ocorre de forma desmedida, anualmente, o Poder Legislativo aprova o volume de recursos que devem ser retirados dos contribuintes na forma de tributos para fazer frente os gastos públicos.
Mas, como garantir a participação da sociedade nesse processo complexo? Como despertar o interesse da população para as questões tributárias? Quais mecanismos podem ser utilizados para mostrar ao povo que em média o Estado fica com aproximadamente 40% (quarenta por cento) do que se ganha como salário? Enfim, como mitigar esse estado de inatividade no qual estamos inseridos? Importante enfatizar que a Constituição de 1988, em seu art 150, § 5º, prevê que “Lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Com a edição dessa lei, espera-se haja que mais mais informações sobre a carga tributária incidente em casa produto adquirido.
O principal meio através do qual um povo desperta para suas carências é a educação. Nesse sentido, uma educação onde são ensinadas questões relativas à cidadania cria condições para florescer esse sentimento, portanto, necessário se faz uma cidadania fiscal.
É perceptível que a concepção de cidadania vem passando por mudanças que, não se limitam apenas a participação nas eleições, como aduz a Constituição Federal em seu artigo 3º. Assim, a cidadania passa por mudanças de valores, assumindo expectativas de valores no seio da sociedade, de modo a tornar-se as determinações que vem assumindo em cada movimento.
A solidariedade pode ser entendida sob diferentes ângulos em que passa pela idéia de pertença na sociedade, de partilha, bem como a consciência de pertencer a tal sociedade. O atendimento das demandas sociais tem característica de inclusão; de pertencer a uma comunidade, reconhecendo, portanto, a luta pelo reconhecimento da cidadania fiscal. Pondera Barcellona (2000, Pág. 60), que:
É a de que o reconhecimento de certos direitos de segurança, de certas formas de garantia do lucro, seja o puro e simples resultado das relações de força que subsistem na sociedade entre os grupos que detêm o controle do processo produtivo e as organizações dos trabalhadores ou outras organizações aliadas. Em suma, a decisão que está na base da política governativa é o “resultado de uma luta.
A cidadania fiscal, por sua vez, requer uma compreensão dos tributos, bem como de sua aplicação na sociedade, pois vive-se uma alienação fiscal e a transparência no dispêndio dos recursos públicos é algo inacessível ao cidadão comum, tendo em vista que essas informações são necessárias para uma maior compreensão da atividade financeira do Estado, e portanto, da cidadania fiscal
A cidadania fiscal, assim, visa apontar à necessidade de simplicidade e transparência na atividade financeira do Estado e a partir daí fazer surgir um cidadão que participe mais ativamente das coisas públicas. É neste contexto que emerge a educação fiscal destinada a induzir no cidadão o devido reconhecimento do seu sacrifício financeiro na manutenção do Estado, especialmente diante da pífia presença social do Estado.
O Estado atua no seio da sociedade por meio de políticas públicas. Oliveira (2007, pág. 260), conceitua as políticas públicas como sendo:
As providências necessárias tomadas pelo Estado para que os direitos se realizem, para que as satisfações sejam atendidas, para que as determinações constitucionais saiam do papel e se transforme em utilidades aos governados. Em última análise, cabe ao executivo implementar os direitos formalmente previstos na Constituição. Transformar em proveito social e individual os direitos traçados essenciais à vida em sociedade. Dar educação, saúde, habitação, saneamento básico, transporte, iluminação, etc.
A atividade administrativa do Estado se vale de vários gêneros de políticas públicas. Lopes (apud Oliveira, 2005, pág. 65), traz a seguinte classificação:
a) Políticas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos, tais como a saúde, educação, segurança e justiça; b) políticas sociais compensatórios, tais como a previdência e assistência social, seguro-desemprego, etc.; c) políticas de fomento, tais como a concessão de crédito e incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc.; d) as reformas de base, como a reforma urbana e agrária e ainda; e) políticas de estabilização monetária, sem prejuízo para tantas outras mais específicas ou genéricas.
A política tributária vem a ser o processo pelo qual o Estado, analisando suas funções gerais, decide a forma pela qual será realizada ou não a imposição tributária, e ocorrendo essa imposição como ela se dará. O Estado ao constatar que sem a cobrança ou redução de tributos alcançará as finalidades a ele conferidas no ordenamento jurídico, deverá adotar políticas tributárias que beneficiem ao cidadão, especialmente porque o desenvolvimento social e individual efetivam a dignidade da pessoa humana.
Certamente que a política tributária deve também exercer atividades de controle, perseguindo os não cumpridores das normas tributárias, deixando claro aos contribuintes que neste caso poderão ser punidos. No entanto, resta saber se essa atividade não será implementada mediante a criação de bodes expiatórios para instalação de um clima de intimidação dos demais contribuintes. Logo, são fundamentais as atividades de educação relativas ao cumprimento das obrigações tributárias, para que fomente a aceitação social do tributo, especialmente, quando os cidadão vêem a melhora na qualidade dos serviços públicos prestados.
A ideia de justiça social está ligada a satisfação de necessidades básicas de uma população. Barzotto (apud Ferreira, 2007, pág. 109), entende a justiça social como a “atribuição a todos de bens (que formam o conteúdo do bem-estar) necessários ao pleno desenvolvimento de sua personalidade”.
A justiça social surge com o Estado Social em reação Estado Liberal. Conforme Yamashita (2005, pg 56), “O pano de fundo desta reafirmação do Estado Social como componente necessário ao Estado de Direito decorre da crise pela qual o Estado Liberal burguês passou durante o século XX”.
Assim, a justiça social foi a forma encontrada pelo Estado Social de distribuir melhor a riqueza produzida por um país em oposição a centralização de riquezas inerente ao sistema capitalista.
Há diversos mecanismos através do qual um Estado pode realizar a justiça social, dentre os quais podemos citar o sistema tributário. Por meio desse conjunto de leis, o Estado pode, por exemplo, tributar aquelas pessoas que auferem maiores ganhos ou aplicar uma tributação maior sobre o lucro das empresas e transferir os recursos advindos dessa tributação para as camadas menos favorecidas da população, através de programas sociais.
Por outro lado, a injustiça social indica uma certa fragilidade social, como a pobreza, a concentração de renda, a exclusão social, e etc. Segundo Ferreira (2007, pág. 110):
Como mecanismos estatais de fomento a injustiças sociais, encontram-se, dentre outras, políticas públicas sociais frágeis e incompletas, políticas econômicas que privilegiam apenas o crescimento econômico em detrimento que privilegiam apenas o crescimento econômico em detrimento da criação de empregos e renda, e políticas tributárias desprovidas de parâmetros jurídicos e econômicos socialmente justos.
Esse tema é destaque atualmente. Na Carta Política brasileira de 1988, por exemplo, tem como um de seus objetivos fundamentais “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. E traz em seu bojo, o art. 193, que trata o tema da seguinte forma: “ A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
Como podemos observar, a ordem constitucional brasileira caminha no sentido de priorizar a justiça social, buscando sempre minimizar as diferenças sociais com uma distribuição mais justa das riquezas produzidas no País. Pondera Silveira (2002, pág. 102):
Tanto para a busca de uma tributação mais justa, quanto para elaboração mais adequada do orçamento público, é necessário que a população interfira nesse processo, seja participando diretamente dessas decisões. Mas, para que isso aconteça, é preciso que o cidadão entenda o mecanismo de funcionamento da Administração Pública.
Esses objetivos vão de encontro às injustiças sociais causadas por distorções na aplicação dos recursos públicos e na formulação de políticas públicas mal sucedidas. Conforme ensina Ferreira ( 2007, pág. 110):
Como mecanismos estatais de fomento a injustiças sociais, encontram-se políticas públicas sociais frágeis e incompletas, políticas públicas econômicas que privilegiam apenas o crescimento econômico em detrimento da criação de empregos e renda, e políticas públicas tributárias desprovidas de parâmetros jurídicos e econômicos socialmente justos.
Portanto, somente com a efetivação de políticas públicas eficientes, bem como a participação da população, um país consegue fazer justiça social, buscando, assim, uma tributação mais justa.
É através dos tributos, previstos na Constituição Federal, que o Estado brasileiro arrecada os recursos para custear os bens, serviços e equipamentos prestados à população.
Neste sentido, a sociedade tem um dever fundamental de manter financeiramente o Estado, mas possui também o direito fundamental de ser destinatária dos recursos arrecadados pelo Estado, de controlar, em última instância, a aplicação dos recursos públicos dentro de um contexto que melhor represente o bem comum.
Logo, são fundamentais as atividades de educação relativas ao cumprimento das obrigações tributárias, para que fomente a aceitação social do tributo, especialmente, quando os cidadãos vêem a melhora na qualidade dos serviços públicos prestados, exercendo, portanto, sua cidadania.
Porém, os tributos devem ser cobrados de modo a não embaraçar o desenvolvimento econômico e social, assim o poder público deve utilizar de políticas públicas fiscais que promovam este crescimento, já que ele representa um dos objetivos fundamentais do nosso Estado nos termos do art. 3º, inciso II da Constituição Federal de 1988.
O cidadão não pode se ausentar desse processo, pois ele é o maior fornecedor de recursos para o Estado, e, apesar do Brasil ser uma Democracia Representativa, necessário se faz que o povo saiba o peso da tributação, principalmente, a tributação indireta, pois essa, quando mal direcionada, pode ser causadora de graves injustiças sociais.
Assim, O Estado ao retirar parcela da riqueza individual das pessoas, tem o dever de auferir aos seus cidadãos condições de vida digna, utilizando das políticas públicas tributárias para atender às demandas da coletividade, posto que, é um dos objetivos da nossa Constituição Federal a justiça social.
BARCELLONA, Pietro. L’individuo e la comunità. Roma: Edizioni Lavoro, 2000.
BARZOTTO, L. F. . Justiça Social - Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. Revista Jurídica Digital, Internet, v. 4, 2003.
FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. Política tributária e justiça social: relações entre tributação e os fenômenos associados à pobreza/Alexandre Henrique Salema Ferreira. – Campina Grande: UEPB, 2007.
GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In : GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coords.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 141-167.
OLIVEIRA, Antonia Teresinha de. Políticas públicas e atividade administrativa/ Antonia Teresinha de Oliveira. – São Paulo: Fiuza Editores, 2005.
OLIVEIRA, José Marcos Domingues (coordenador). DIREITO Tributário e Políticas Públicas. São Paulo: MP Editora. 2007.
SILVEIRA, Rogério Zanon de. Tributo, educação e cidadania: a questão tributária no ensino fundamental como fator de desenvolvimento da cidadania participativa no Brasil. 2. ed. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 2002.
YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em direito tributário. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coords.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 53-67.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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