RESUMO: Tentativa de crime é a execução do conjunto de atos necessários para constituí-lo que, embora sufucientes, não produzam o resultado esperado por motivos alheios à vontade do agente. Ou seja: é a execução, não intencionalmente falha, de todos os atos suficientes ao cometimento do crime. Segundo o código penal brasileiro, em seu artigo 14, diz-se do crime:"II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente."
Palavras-chave: Tentativa, conatus, direito penal.
ABSTRACT: Attempted murder is the execution of all acts necessary to constitute him that although sufucientes not produce the expected result for reasons beyond the control of the agent. That is, the execution is not intentionally fails, article 14, it is said of the crime: “II – tempted, when started running, in not consummated by circumstances beyond the control of the agent”.
Key words: Attempt, conatus, criminal law.
SÚMARIO: I. INTRODUÇÃO; II. NATUREZA JURÍDICA; III. TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DA TENTATIVA; IV. ESPÉCIES DE TENTATIVA; V. TENTATIVA E CRIMES DE ÍMPETO; VI. INADMISSIBILIDADE DA TENTATIVA.
I. INTRODUÇÃO
A definição da tentativa está descrita no artigo 14, inciso II do Código Penal, descrevendo que tentativa é o início de execução de um crime que somente não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
A tentativa é também conhecida por outros rótulos: conatus, crime imperfeito e, na preferência de Eugenio Zaffaroni crime incompleto.[1]
A estrutura da tentativa é composta de três elementos: (I) início da execução do crime; (II) ausência da consumação por circunstâncias alheias a vontade do agente; e (III) dolo de consumação.
A norma que define a tentativa é de extensão ou de ampliação da conduta. A adequação típica de um crime tentado é de subordinação mediata, ampliada ou por extensão, já que a conduta humana não se engloba prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se, para complementar a tipicidade, a interposição do dispositivo contido no artigo 14, inciso II do Código Penal. Opera-se uma ampliação temporal da figura típica.
O artigo 14, inciso II do Código Penal, não tem autonomia, pois não há tentativa por si só. Sua aplicação requer a realização de um tipo incriminador, previsto na legislação penal especial ou na parte Especial do Código Penal.
II. NATUREZA JURÍDICA
Trata-se de norma de extensão temporal da figura típica, causadora da adequação típica mediata ou indireta. Exemplos de normas de extensão são os artigos 29 e 13, §2º ambos do Código Penal.[2]
III. TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DA TENTATIVA
Sobre a punibilidade da tentativa, existem quatro teorias[3], a começar pela Teoria Subjetiva, Voluntarística ou Monista que ocupa-se privativamente com a vontade criminosa, que pode aparecer tanto na fase dos atos preparatórios, como também durante a execução. Essa teoria é adotada pelo Código Penal, nos casos dos crimes de atentado ou de empreendimento, artigo 352 do Código Penal.
A segunda teoria é a Sintomática, com ideologia baseada pela Escola Positivista de Ferri, Garofalo e Lombroso. Essa teoria estende a possibilidade de aplicação de pena para a tentativa, pois possibilita a punição dos atos preparatórios, porque a mera manifestação de periculosidade já pode ser considerada como tentativa, em consonância com a finalidade preventiva da pena.[4]
A terceira teoria é a Objetiva, Realística ou Dualista, em que a tentativa é punida em face do perigo proporcionado ao bem jurídico tutelado pela lei penal. A regra é o artigo 14 parágrafo único do Código Penal.
A quarta e ultima teoria é da Impressão ou Objetivo-subjetiva, teoria esta mencionada pelo Zaffaroni que entende que a punibilidade da tentativa só é admissível quando a atuação da vontade ilícita do agente seja adequada para comover a confiança na vigência do ordenamento normativo e o sentimento de segurança jurídica dos que tenham conhecimento da conduta criminosa.[5]
O instituto da tentativa existente na teoria geral do crime constitui-se em uma causa compulsória de diminuição de pena, incidindo na terceira fase de aplicação da pena privativa de liberdade. A autonomia do magistrado repousa unicamente no quantum da diminuição, sempre entre os limites legais, de 1 a 2/3, de acordo com a menor ou maior proximidade da consumação. (Distância percorrida do iter criminis).
IV. ESPÉCIES DE TENTATIVA
São espécies de tentativa:[6]
A Tentativa Branca ou Incruenta acontece quando o objeto material não é atingido pela conduta criminosa. Ocorre quando a vítima sai ilesa. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, sem acertá-lo.
A Tentativa Cruenta ou Vermelha incide quando o objeto material é alcançado pela atuação do agente. Acontece quando a vítima sofre o dano. Exemplo: “A”, com intenção de matar, atira em “B”, provocando-lhe ferimentos, contudo a vítima é socorrida e sobrevive.
A Tentativa Perfeita, Acabada ou Crime Falho é quando o agente esgota todos os meios executórios que estavam à disposição, e mesmo assim não sobrevém a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade. Exemplo: “A” dispara contra “B” todos os cartuchos do tambor do seu revólver, com a intenção de matá-lo, porém a vítima é prontamente socorrida e sobrevive.
A Tentativa Imperfeita, Inacabada ou Tentativa Propriamente Dita é quando o agente inicia a execução sem utilizar todos os meios que tinha ao seu dispor, e o crime não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Exemplo: “A”, com o propósito de matar “B”, sai a sua procura, portando um revolver municiado com oito cartuchos. Ao encontrá-lo, efetua dois disparos, atingindo-o. Quando, contudo, iria efetuar outros disparos, é pego pela Polícia. A vítima é socorrida e sobrevive.
Observa-se que a importância prática desta distinção entre as espécies de tentativa reside na fixação da pena, eis que na tentativa perfeita a pena será maior, pois esta é a que mais se aproxima do resultado pretendido pelo agente.
V. TENTATIVA E CRIMES DE ÍMPETO
Estes crimes acontecem sem premeditação, como decorrência de reação emocional repentina. Existem teorias no sentido de que o ímpeto do agente afasta a viabilidade de análise do iter criminis, porque a sua atuação repentina impossibilita o fracionamento dos atos executórios.[7]
Veja-se o exemplo do homem que, ao chegar em casa, encontra sua esposa mantendo relações sexuais com terceira pessoa. Revoltado, saca uma arma de fogo e efetua disparos contra a adúltera, não a acertando, embora desejasse matá-la. Para aqueles que não aceitam a tentativa nos crimes de ímpeto, seria impossível estabelecer, no plano concreto, se o traído não matou sua mulher por erro na pontaria ou pelo fato de não desejar alvejá-la efetivamente.
Existem posições pela inadmissibilidade da tentativa nos crimes com dolo eventual, com fundamento na redação do artigo 14, II do Código Penal: se o legislador definiu o crime tentado como aquele em que, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a vontade do agente, limitou o instituto ao dolo direto, para o qual adotou a teoria da vontade (artigo 18, I, 1° parte do Código Penal), excluindo-a do alcance do dolo eventual, em que se acolheu a teoria do consentimento ou do assentimento.[8]
Nelson Hungria entende que:
Não se deve levar para a doutrina do dolo e da tentativa o que apenas representa a solução de uma dificuldade prática no terreno da prova. A tentativa tanto existe nos crimes de ímpeto, quanto nos crimes refletidos. É tudo uma questão de prova (...). Se se verifica, em face das circunstâncias, que, nada obstante a instantaneidade da resolução, o agente, empregando os meios que empregou, ou por sua atitude, teve a consciência de que, com a sua ação, podia atingir o evento típico do crime, não há outra solução, na hipótese de não superveniência de tal evento, senão a de imputar-lhe o fato a título de tentativa.[9]
Existe tentativa nos crimes de ímpeto, pois a dificuldade de prova do início da execução de um crime que não se consuma por circunstancias alheias a vontade do agente é questão de natureza processual, em nada interferindo na tipicidade do fato.
VI. INADMISSIBILIDADE DA TENTATIVA
A regra é a compatibilidade dos crimes com o conatus, mas algumas espécies de infrações penais, todavia, não admitem a tentativa. Vejamos:[10]
Nos crimes culposos o resultado naturalístico é involuntário, contrário a intenção do agente, o que inviabiliza que o delito não se consume por circunstâncias alheias à sua vontade. Essa regra é excepcionada na culpa imprópria, está que deriva das descriminantes putativas por erro de tipo vencível. Na culpa imprópria o agente quis praticar um crime doloso, mas porque pensava agir amparado por uma excludente de ilicitude, além de incorrer em erro de tipo permissivo.
Nos crimes preterdolosos o resultado agravador é culposo, não desejado pelo agente. Por esse motivo não se compactuam com a tentativa. Exemplo é o crime de lesão corporal seguida de morte, quando se verifica o resultado agravador, pois caso contrário, o agente responde somente pelas lesões corporais dolosamente praticadas.
Nos crimes unissubsistentes não é possível a divisão do inter criminis, é inadmissível a tentativa. Exemplo é o desacato (artigo 331 do Cóigo Penal).
Os crimes omissivos próprios ou puros ingressam no grupo dos crimes inussubsistentes. Em uma omissão de socorro (artigo 135 do Código Penal), o sujeito pode: ou prestar assistência a vítima, e não há crime, ou deixar de prestá-la, e o crime estará consumado. Importante lembrar, que os crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, admitem a tentativa.
As contravenções penais não admitem o instituto da tentativa por expressa previsão legal (artigo 4° da Lei de Contravenções Penais).
Os crimes de atentado ou de empreendimento não há o que se falar em tentativa, uma vez que a figura tentada recebe igual pena destinada ao crime consumado.É o que se dá, por exemplo, no delito tipificado pelo artigo 352 do Código Penal – “evadir-se ou tentar evadir-se”.
Os crimes de perigo abstrato também se amoldam no quadro dos crimes unissubsistentes. No porte ilegal de arma de fogo, ou o agente porta a arma de fogo em situação irregular, e o crime estará consumado , ou não o faz, e o fato será atípico. Os crimes de perigo concreto, por sua vez, comportam a tentativa.
Os crimes condicionados são aqueles cuja punibilidade está sujeita à produção de um resultado legalmente exigido, tal qual a participação em suicídio, em que há punição se resultar morte ou lesão corporal de natureza grave.
Os crimes subordinados a condição objetiva de punibilidade, é o caso de que se o próprio crime completo não é punível caso não haja aquela condição, muito menos o será na sua forma tentada. Exemplo Lei n° 11.101/2005 – Lei de Falências, artigo 180.
Crimes com tipo penal composto de condutas amplamente abrangentes, em que no caso concreto é impossível dissociar a tentativa da consumação. Exemplo é o crime de parcelamento ou desmembramento irregular do solo para fins urbanos, tipificado pelo artigo 50, inciso I da Lei 6.766/1979.
Os crimes habituais são aqueles compostos pela reiteração de atos que demonstram um estilo de vida do agente. Cada ato, isoladamente considerado, representa um indiferente penal. É o caso do curandeirismo, artigo 284, I do Código Penal, em que o ato de prescrever , uma única vez, qualquer substância, é conduta atípica, pois a lei reclama a habitualidade. Mas há entendimentos minoritários no sentido de se admitir, ao menos excepcionalmente, a figura da tentativa nos crimes habituais.
Os crimes materiais, formais e de mera conduta admitem a tentativa, desde que sejam plurissubsistentes, isto é são aqueles cuja conduta se exterioriza por meio de dois ou mais atos, que se somam para alcançar a consumação. É o caso do crime de homicídio praticado por diversos golpes. É possível a tentativa justamente em virtude da pluralidade de atos executórios.
[1] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Derecho Penal – Parte Geral.2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 809.
[2] NORONHA, E. Magalhães. Questões acerca da tentativa. Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a Nélson Hungria. Rio de Janeiro: Forense, 1962.p. 247.
[3] NORONHA, E. Magalhães. Questões acerca da tentativa. Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a Nélson Hungria. Rio de Janeiro: Forense, 1962.p. 261-274.
[4] PUGLIA, Fernando. Da tentativa. Trad. Octavio Mendes. 2. ed. Lisboa: Clássica, 1907. p. 118.
[5] ZAFFARONI, Eugenio Rául. Manual de Derecho Penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 814.
[6] ZAFFARONI, Eugenio Rául. Manual de Derecho Penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 836.
[7] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: Parte Geral. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.p. 158.v.3.
[8] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 263.
[9] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. I,p. 261.
[10] ZAFFARONI, Eugenio Rául. Manual de Derecho Penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 789.
Especialista em Direito Penal, com título outorgado pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná - FEMPAR. Pós-Graduaduado. Membro do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Faculdade UFPR . Curitiba/PR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICHALIZEN, Fernando. Instituto da tentativa na teoria geral do crime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 abr 2012, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28539/instituto-da-tentativa-na-teoria-geral-do-crime. Acesso em: 23 dez 2024.
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