1. INTRODUÇÃO
A 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho foi uma realização da Anamatra, juntamente com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENAMAT), e o apoio do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho (CONEMATRA). O evento presencial aconteceu nos dias 21, 22, e 23 de novembro de 2007, na sede do TST.
Entre os enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, destaca-se o de nº 74, in verbis:
74. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do Trabalho para a execução de contribuições à Seguridade Social (CF, art. 114, § 3º) nas ações declaratórias, condenatórias ou homologatórias de acordo cinge-se às contribuições previstas no art. 195, inciso I, alínea “a” e inciso II, da Constituição, e seus acréscimos moratórios. Não se insere, pois, em tal competência, a cobrança de “contribuições para terceiros”, como as destinadas ao “sistema S” e “salário-educação”, por não se constituírem em contribuições vertidas para o sistema de Seguridade Social.
O presente trabalho busca fazer uma reflexão sobre o entendimento sedimentado no enunciado em apreço. Para tanto, faz um breve escorço histórico da competência material executória da Justiça do Trabalho e expõe o alcance desta à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; expõe as contribuições executáveis de ofício pelo Judiciário Trabalhista; mostra as razões pelas quais é possível uma interpretação extensiva do inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, para considerar que as contribuições destinadas a outras entidades e fundos são passíveis de execução de ofício pela Justiça do Trabalho.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Escorço histórico da competência material executória da Justiça do Trabalho
A Emenda Constitucional nº 20, de 1998, incluiu, no art. 114 da Constituição Federal, o § 3º, segundo o qual compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, foi alterada a redação do art. 114 da Constituição Federal, estabelecendo-se, em seu inciso VIII, a competência da Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
O Enunciado nº 74 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho afirma a “competência da Justiça do Trabalho para a execução de contribuições à Seguridade Social (CF, art. 114, § 3º) nas ações declaratórias, condenatórias ou homologatórias de acordo” (sublinhamos).
Todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se firmou no sentido de que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as contribuições sociais previdenciárias relativas ao vínculo empregatício reconhecido na sentença, mas sem condenação ou acordo sobre o pagamento das verbas trabalhistas que possam servir como base de cálculo, consoante julgados a seguir ementados:
EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. 1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir. 2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido. (RE 569056, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-05 PP-00848 RTJ VOL-00208-02 PP-00859 RDECTRAB v. 16, n. 178, 2009, p. 132-148 RET v. 12, n. 72, 2010, p. 73-85)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO TRABALHO. ACORDO HOMOLOGADO APÓS TRÂNSITO EM JULGADO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 114, VIII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a competência da Justiça do Trabalho restringe-se à execução, de ofício, das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças condenatórias e não alcança, assim, aquela relativa ao vínculo empregatício reconhecido na sentença, mas sem condenação ou acordo sobre o pagamento das verbas trabalhistas que possam servir como base de cálculo. [RE n. 569.056, Plenário, Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 12.12.08]. 2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 760826 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL-02389-08 PP-01587) (grifos nossos)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE OFÍCIO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE DO ART. 114, INC. VIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A competência da Justiça do Trabalho restringe-se à execução, de ofício, das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças condenatórias. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. (AI 757321 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 20/10/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC 13-11-2009 REPUBLICAÇÃO: DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT VOL-02409-11 PP-02630 RDDT n. 173, 2010, p. 178-180 RDECTRAB v. 16, n. 187, 2010, p. 142-146 LEXSTF v. 31, n. 372, 2009, p. 134-138)
COMPETÊNCIA - JUSTIÇA DO TRABALHO - CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS - EXECUÇÃO. A competência da Justiça do Trabalho pressupõe decisão condenatória em parcela trabalhista geradora da incidência da contribuição social. (RE 560930 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 28/10/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-08 PP-01574)
2.2. Contribuições sociais executáveis na Justiça do Trabalho
Conforme inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, são executáveis, de ofício, pela Justiça do Trabalho, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Reza o art. 195 da Lex Legum:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) (omissis)
c) (omissis)
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Os tributos referidos no art. 195, I, a, e II da Carta Magna são contribuições sociais destinadas à Previdência Social.
2.3. Contribuições destinadas a terceiros
Segundo o Enunciado nº 74 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, a competência material executória da Justiça do Trabalho não abrange “a cobrança de ‘contribuições para terceiros’, como as destinadas ao ‘sistema S’ e ‘salário-educação’, por não se constituírem em contribuições vertidas para o sistema de Seguridade Social.
Tal entendimento vem sendo albergado na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:
ERR 24300-40.2004.5.09.0089 - Min. Milton de Moura França
DEJT 25.11.2011 - Decisão unânime
ERR 134300-50.1998.5.15.0025 - Min. Lelio Bentes Corrêa
DEJT 21.10.2011 - Decisão unânime
ERR 468-57.2010.5.12.0000 - Min. José Roberto Freire Pimenta
DEJT 14.10.2011 - Decisão unânime
ERR 26200-02.2000.5.12.0029 - Min. José Roberto Freire Pimenta
DEJT 07.10.2011 - Decisão unânime
ERR 36285-46.2001.5.12.0018 - Min. João Batista Brito Pereira
DEJT 02.09.2011 - Decisão unânime
EEDRR 62740-84.2003.5.17.0003 - Min. Renato de Lacerda Paiva
DEJT 29.07.2011 - Decisão unânime
EEDRR 77500-71.2005.5.08.0115 - Min. Horácio Raymundo de Senna Pires
DEJT 24.06.2011 - Decisão unânime
ERR 1504741-94.2003.5.09.0012 - Min. Renato de Lacerda Paiva
DEJT 24.06.2011 - Decisão unânime
ERR 88700-04.2003.5.09.0023 - Min. Aloysio Corrêa da Veiga
DEJT 03.06.2011 - Decisão unânime
ERR 229700-75.2004.5.09.0663 - Min. Horácio Raymundo de Senna Pires
DEJT 13.05.2011 - Decisão unânime
ERR 27340-30.2004.5.09.0089 - Min. Carlos Alberto Reis de Paula
DJ 06.05.2011 - Decisão unânime
EEDRR 40140-27.1998.5.04.0029 - Min. Maria de Assis Calsing
DEJT 25.03.2011 - Decisão unânime
ERR 87000-77.2002.5.15.0017 - Min. João Batista Brito Pereira
DEJT 17.12.2010 - Decisão unânime
ERR 470100-30.2003.5.09.0002 - Min. Aloysio Corrêa da Veiga
DEJT 10.12.2010 - Decisão unânime
ERR 37741-78.2006.5.03.0059 - Min. Aloysio Corrêa da Veiga
DEJT 04.02.2011 - Decisão unânime
Ibrahim (2012, p. 741), contudo, averba:
É fato que esta concepção está de acordo com a literalidade da Constituição, que limita a competência da Justiça do Trabalho à execução das contribuições previdenciárias (art. 195, I, a, e II da Constituição), mas acredito que uma interpretação extensiva seria facilmente defensável nesta hipótese. Os motivos justificadores para a ampliação da competência trabalhista são igualmente aplicáveis a estas contribuições de terceiros, que tradicionalmente são arrecadadas em conjunto com as previdenciárias. Ademais, caso não sejam cobradas no juízo trabalhista, gerarão um trabalho e custo dobrado ao estado, pois caberá ao Fisco federal verificar novamente tais decisões, agora, para demandar as contribuições de terceiros. Em uma Constituição que adota a eficiência como princípio da Administração Pública, tal concepção adotada pelo Enunciado 74 é inaceitável.
Com efeito, dispõe a Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009 (DOU de 17.11.2009):
Art. 101. Compete à Justiça do Trabalho, nos termos do § 8º do art. 114 da Constituição Federal, promover de ofício a execução dos créditos das contribuições previdenciárias devidas em decorrência de decisões condenatórias ou homologatórias por ela proferidas, devendo a fiscalização apurar e lançar o débito verificado em ação fiscal, relativo às:
I - contribuições destinadas a outras entidades ou fundos, conforme disposto no art. 3º da Lei nº 11.457, de 2007, exceto aquelas executadas pelo Juiz do Trabalho;
Art. 109. Compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), nos termos do art. 3º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação e cobrança da contribuição devida por lei a terceiros, ressalvado o disposto no § 1º do art. 111. (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.071, de 15 de setembro de 2010)
§ 1º Consideram-se terceiros, para os fins deste artigo:
I - as entidades privadas de serviço social e de formação profissional a que se refere o art. 240 da Constituição Federal de 1988, criadas por lei federal e vinculadas ao sistema sindical;
II - o Fundo Aeroviário, instituído pelo Decreto-Lei nº 270, de 28 de fevereiro de 1967;
III - o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo, instituído pelo Decreto-Lei nº 828, de 5 de setembro de 1969;
IV - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), criado pelo Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970; V - o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), gestor da contribuição social do salário-educação, instituída pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996.
§ 2º A contribuição de que trata este artigo sujeita-se aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios das contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, inclusive no que diz respeito à cobrança judicial.
§ 3º O disposto no caput aplica-se, exclusivamente, à contribuição cuja base de cálculo seja a mesma das que incidem sobre a remuneração paga, devida ou creditada a segurados do RGPS ou instituídas sobre outras bases a título de substituição.
§ 4º A retribuição pelos serviços referidos no caput será de 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do montante arrecadado, salvo percentual diverso estabelecido em lei específica, e será creditada ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975.
§ 5º A contribuição de que trata este artigo é calculada sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada a empregados e trabalhadores avulsos, e é devida:
I - pela empresa ou equiparada, de acordo com o código FPAS da atividade, atribuído na forma deste Capítulo;
II - pelo transportador autônomo de veículo rodoviário, na forma do art. 111-I; e
III - pelo segurado especial, pelo produtor rural pessoa física e jurídica, em relação à comercialização da sua produção rural, e pela agroindústria, em relação à comercialização da sua produção, de acordo com as alíquotas constantes do Anexo
Oliveira (2011), por sua vez, assere:
Contribuições devidas a outras entidades ou fundos
As contribuições destinadas a outras entidades ou fundos incidem sobre a mesma base de cálculo das contribuições destinadas à Previdência Social, sendo devidas pela empresa ou equiparado em relação a segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestam serviços.
Trata-se de contribuições sociais pagas pelo empregador sobre a folha de salário, para o custeio das instituições integrantes do 'Sistema S' (SENAI, SENAC, SESI, SESC etc.), as quais foram estabelecidas pelos diploma legais que criaram as referidas entidades, a exemplo do Decreto-lei n. 4840/42, que criou o SENAI. As entidades e fundos para os quais o sujeito passivo deverá contribuir são definidas em função de sua atividade econômica e as respectivas alíquotas são identificadas mediante o enquadramento desta na Tabela de Alíquotas por Códigos FPAS, prevista no Anexo II, da Instrução Normativa RFB nº 971/2009.
O recolhimento dessas contribuições deve ser efetuado juntamente com as contribuições devidas pelo sujeito passivo à Previdência Social.
No que concerne a tais contribuições, só há de ingressar nos cofres da Previdência Social, segundo disposto no art. 27, II da Lei nº 8.212/91, "a remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros", ou seja, os valores cobrados aos referidos terceiros como retribuição pelo serviço prestado de efetuar a fiscalização e a cobrança das contribuições a eles pertencentes, no montante de três e meio por cento sobre o total arrecadado a tal título, salvo percentual diverso estabelecido em lei específica (§ 1º do art. 3º da Lei nº 11.457/07).
Há grande cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício tais contribuições.
Uma corrente, atualmente majoritária, sustenta que, à luz do art. 240 da Carta Magna, é possível instituir a cobrança de contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculada ao sistema sindical intituladas de "terceiros". Tais contribuições, contudo, não seriam receitas da Previdência Social, não se enquadrando entre as contribuições previstas no art. 195, I, "a" II da Constituição, e à União competiria apenas arrecadar, fiscalizar e cobrar tais valores, repassando-os, posteriormente, às referidas entidades. Nesse sentido, a 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada nos dias 21, 22 e 23 de novembro, na sede do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, aprovou o seguinte enunciado:
74. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do Trabalho para a execução de contribuições à Seguridade Social (CF, art. 114, § 3º) nas ações declaratórias, condenatórias ou homologatórias de acordo cinge-se às contribuições previstas no art. 195, inciso I, alínea "a" e inciso II, da Constituição, e seus acréscimos moratórios. Não se insere, pois, em tal competência, a cobrança de "contribuições para terceiros", como as destinadas ao "sistema S" e "salário-educação", por não se constituírem em contribuições vertidas para o sistema de Seguridade Social.
Em outra linha de entendimento, Lima (op.cit., p. 22-23) pontifica:
O inciso VIII do artigo 114 da Constituição Federal, estabelece que as contribuições que serão executadas pela Justiça do Trabalho são aquelas previstas no art.195, inciso I, a e inciso II e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Não há menção no dispositivo constitucional, que atribua à Justiça do Trabalho a competência para execução de outras contribuições que não aquelas expressamente referidas, de forma que aquelas instituídas por força do artigo 149 e 240 da Constituição Federal, as denominadas contribuições do sistema "S" 27(SESI, SENAI, SESC, SENAC, SEBRAE, SENAR, SENAT), em princípio não estariam inclusas na competência da Justiça do Trabalho. Entretanto, a Jurisprudência vem interpretando de forma diversa, pois, embora o dispositivo constitucional do inciso VIII tenha se remetido apenas àquelas contribuições do artigo 195 e seus incisos, utiliza a expressão contribuições sociais, dentre as quais se incluem aquelas dos artigos 149 e 240 da Carta Magna. As contribuições devidas a terceiros se caracterizam pela finalidade que devem atingir. E são finalidades públicas como reforma agrária, valorização do trabalho humano, bem-estar social do empregado e melhoria do padrão de vida do mesmo e de sua família, redução das desigualdades sócio-educacionais, programas sociais como alimentação escolar, livro didático, assistência aos problemas dos trabalhadores, cursos, estágios, dentre outras.
Dessa forma, as contribuições devidas a terceiros enquadram-se como contribuições sociais, portanto, nos termos do inciso VIII, executáveis pela Justiça do Trabalho. Mesmo porque, não seria razoável o fracionamento da execução das contribuições previdenciárias e devidas a terceiros entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal, da mesma forma tal ocorreria no que se refere à atribuições da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
A par dos fundamentos acima esposados, há entendimento pretoriano no sentido da competência material da Justiça do Trabalho para executar a contribuição devida a terceiros porque a Lei nº 11.457/2007 deu nova redação ao parágrafo único do art. 876 da CLT, determinando que a contribuição previdenciária será executada de ofício relativamente a todo o pacto laboral; o seu art. 3º determina que as atribuições do art. 2º se estendem às contribuições para terceiros e que, diante disso, o mesmo entendimento sobre a cobrança de contribuição previdenciária deve ser estendido às contribuições para terceiros.
O constituinte derivado, em momento algum, pretendeu subtrair a execução das contribuições devidas a terceiros da novel competência material executória do Judiciário Trabalhista. As Emendas Constitucionais nº 20/98 e nº 45/2004 tiveram por escopo fazer que a Justiça do Trabalho executasse de ofício as contribuições do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, para que a União arrecadasse tudo o que lhe seria devido se o sujeito passivo houvesse cumprido suasoriamente as suas obrigações tributárias. Diante disso, data maxima venia,não se pode deixar de fazer uma interpretação ampliativa do art. 114, VIII da Carta Magna, para entender aí compreendida a competência de executar as contribuições destinadas a outras entidades ou fundos, sob pena de se movimentar a máquina fiscal para apurar e lançar, tão-somente, o débito a elas relativo, onerando-se, por conseguinte, a União e premiando o inadimplemento do sujeito passivo, para quem acaba por ficar mais barato só satisfazer débitos trabalhistas em juízo, sem falar na movimentação do aparato judiciário pelo ajuizamento de um novo processo só para cobrar as referidas contribuições. Com efeito, parte da jurisprudência tem interpretado o novo dispositivo constitucional em comento à luz dos princípios da proporcionalidade e da economia processual, conforme julgados abaixo ementados:
CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESTINADAS A TERCEIROS – EXECUÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competente para executar, de ofício, as contribuições sociais que são arrecadadas pelo INSS para repasse a terceiros (SENAT, SEST, INCRA, etc). Esse entendimento tem como suporte o §3º do art. 114 da Constituição da República e diversas disposições da legislação ordinária. O art. 94 da Lei nº 8.212/91 estabelece que o INSS poderá arrecadar e fiscalizar, mediante remuneração de 3,5% do montante arrecadado, contribuição por lei devida a terceiros, desde que o cálculo tenha a mesma base de apuração das contribuições incidentes sobre a remuneração paga ao segurado. O referido artigo acrescenta que tais contribuições ficam sujeitas aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios da contribuição previdenciária, inclusive no que se refere à cobrança judicial. E sentido convergente pode ser citado também o art. 7º da Lei nº 8706/93 que tratou da criação do SEST e do SENAT. Não é lógico, nem razoável, nem jurídico fracionar a cobrança em diversas ações distintas, em juízos diferentes, com enorme custo adicional, quando a lei expressamente atribuiu poderes ao INSS para proceder à arrecadação conjunta para repasse posterior’ (TRT 3ª Região, AP 972/2002, Rel. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira – MG, 11.6..2002)." (apud LIMA, 2008, p. 23 - grifei)
EMENTA: (...) CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO DE TERCEIROS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A regra inserida no art. 876 da CLT por força da Lei n° 11.457/2007, disciplinou a forma de execução das contribuições previdenciárias decorrentes de decisão judicial. Assim, ante o fato de as contribuições previdenciárias e as contribuições de terceiros possuírem o mesmo fato gerador, ou seja, a folha de pagamento, ou, no caso a decisão judicial, consiste atentado ao princípio da economia processual entender que dois órgãos distintos deverão proceder à execução de tais recolhimentos. Nego provimento. (TRT 23ª R. – RO - 00132-2008-036-23-00 – Rel. Des. Leila Calvo – in DJMT de 31/03/2009) (grifei)
Gize-se, ainda, que o entendimento do Enunciado nº 74 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho torna inviável economicamente a cobrança em separado das contribuições destinadas a terceiros, atraindo a aplicação da Portaria PGF nº 915, de 16 de setembro de 2009, cujo art. 3º assim dispõe:
Art. 3º Na cobrança de créditos das autarquias e das fundações públicas federais, ficam os Procuradores Federais dispensados de efetuar a inscrição em dívida ativa, do ajuizamento de ações e da interposição de recursos, bem como da solicitação de autorização para requerimento de extinção da ação ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, quando o valor atualizado do crédito for inferior ou igual a R$ 1.000,00 (mil reais), ressalvados os casos relativos a créditos originados de multas aplicadas em decorrência do exercício do poder de polícia, hipótese na qual o limite referido fica reduzido para R$ 500,00 (quinhentos reais)
Data venia, o Enunciado em apreço não combate a evasão de contribuições destinadas a terceiros, consubstanciando um estímulo para o empregador que descumpre suas obrigações trabalhistas e previdenciárias continue a perpetrar ilícitos, pois, se condenado pela Justiça do Trabalho, não será compelido a arcar com toda a carga tributária devida, tendo, assim, um ganho econômico.
3. CONCLUSÃO
Do quanto se expôs, conclui-se que o Enunciado nº 74 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho merece ser revisto, para que se dê interpretação ampliativa ao inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, em ordem a se admitir a execução de ofício das contribuições destinadas a terceiros, sob pena de se estimular uma cultura de descumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias.
REFERÊNCIAS
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CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 14ª ed., Santa Catarina: Conceito Editorial, 2012.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª. ed. Niterói: Impetus, 2012.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2008.
OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Execução de ofício de contribuições sociais na Justiça do Trabalho e identificação das partes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19280>. Acesso em: 17 abr. 2012.
SANTANA, Rafael Gomes de. A Advocacia-Geral da União e a extinção das ações de pequeno valor. Comentários sobre a Súmula nº 452 do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2539, 14 jun. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/15026>. Acesso em: 16 abr. 2012.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Comentários ao Enunciado nº 74 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2012, 09:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28549/comentarios-ao-enunciado-no-74-da-1a-jornada-de-direito-material-e-processual-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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