Este artigo visa fazer uma breve explanação, acerca da aplicação do que determina os parágrafos 6º e 8º, do art. 477 da CLT no caso de reconhecimento do vínculo de emprego judicialmente.
Objeto de indagação diária no cenário jurídico trabalhista mostra-se, à aplicação dos preceitos contidos nos parágrafos 6º e 8º do art. 477 da CLT, que assim dispõe:
Art. 477 - É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja esse dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma indenização paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.
(...)
§ 6º - O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:
até o 1º dia útil imediato ao término do contrato; ou
até o 10º dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.
§ 8º - A inobservância do disposto no § 6º deste Artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTNs, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
Referidos parágrafos foram inseridos em nosso ordenamento jurídico, pelo legislador constituinte, com a edição da Lei nº 7.855 de 24.10.1989, em uma época histórica, de exacerbada inflação.
De modo que, a inclusão no texto consolidado, visou a nosso ver, uma maior efetividade no pagamento da rescisão contratual dentro dos prazos ali estabelecidos, a fim de que não houvesse a absorção dos valores constantes da rescisão, em decorrência dos altos índices de inflação diária.
Assim, conforme previsão na alínea “a” do parágrafo 6º, caso o empregado seja dispensado tendo cumprido o aviso prévio (trabalhado), as verbas rescisórias deverão ser pagas até o primeiro dia útil, imediato ao término do contrato de trabalho.
Todavia, determina a alínea “b”, que em caso de dispensa do cumprimento do aviso prévio (indenizado) pelo empregador, indenização do mesmo, ou ausência, o empregador terá até o décimo dia (corrido), contado da data da notificação da demissão para efetuar o pagamento das verbas rescisórias ao trabalhador.
Via de regra, a aplicação do parágrafo 8º, decorre do descumprimento pelo empregador, dos prazos estabelecidos nas alíneas “a” e “b” do parágrafo 6º, do art. 477 da CLT.
Até então, não existem grandes dificuldades, basta fazermos uma interpretação literal da lei.
As controvérsias surgem quando nos deparamos com situações que fogem à previsão legal, exigindo uma análise mais aprofundada, e utilização, muitas vezes, da doutrina, jurisprudência, costumes e princípios de direito; como no caso a seguir, que passaremos a comentar as possibilidades, comumentemente observadas, em breve explanação, sem o objetivo de esgotar o assunto, mas apenas trazer elementos para reflexão e abertura de novas discussões.
A incidência da multa do art. 477, § 8º da CLT, no caso de reconhecimento judicial do vínculo de emprego, a nosso ver, tem sido a maior discussão acerca da aplicabilidade do instituto.
Tanto é assim, que após inúmeras decisões nos Tribunais Regionais do Trabalho, diga-se, divididas, onde, algumas Turmas entendiam que uma vez reconhecida à relação de emprego, o pagamento da multa prevista no parágrafo, 8º, do art. 477 da CLT é conseqüência lógica. Já outras, entendiam que a relação somente veio a ser reconhecida em juízo, logo, era controvertida, de modo que, não se aplica a multa em referência.
Destaca-se, que durante anos essa discussão foi objeto de controvérsia, inclusive, dentro do próprio TST, onde às Turmas, também, eram divididas, proferindo, a exemplo dos TRT’s, decisões em ambos os sentidos.
Desse modo, talvez seguindo os parâmetros estabelecidos para o art. 467 da CLT, e em conformidade com as decisões majoritárias daquela Corte, naquele momento, foi editada a Orientação Jurisprudencial nº 351 pela Seção de Dissídios Individuais 1 (2007), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que passou a vigorar com a seguinte redação:
“Multa. Art. 477, § 8º, da CLT, Verbas rescisórias reconhecidas em juízo. (DJ 25.04.2007) (Cancelada pela Res. 163/2009 – DEJT 20.11.20009) Incabível a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, quando houver fundada controvérsia quanto à existência da obrigação cujo inadimplemento gerou a multa”.
A jurisprudência pacificada, em referência, perdurou até 23/11/2009, quando então foi cancelada.
A nosso ver, o cancelamento já era previsível, pois a Orientação Jurisprudencial, em comento, não se adequava aos princípios do direito do trabalho, que visam à proteção do trabalhador.
Corroborando com a nossa assertiva, os ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado[1]:
“Houve linha jurisprudencial que alargou a exceção excludente da multa rescisória para situações em que houve fundada controvérsia quanto à existência da obrigação cujo inadimplemento gerou a multa (OJ 351, SDI-1/TST). Tamanho alargamento da exceção (inteiramente fora dos limites da lei, note-se) não se justificava, porém: afinal, a sentença judicial que reconhece o vínculo de emprego é meramente declaratória de prévia situação socioeconômica e jurídica, e não constitutiva dessa situação - o Judiciário não criou a relação empregatícia examinada; ao contrário, esta relação teve que ser reconhecida judicialmente, após solene processo público, exatamente em face da recusa do devedor de cumprir espontaneamente a ordem jurídica. De toda maneira, caso se tratasse de juízo de equidade, este jamais poderia se transmutar em regra geral, uma vez que deve ser manejado sempre, necessariamente, na estrita dependência das singulares peculiaridades do caso concreto. Ademais, o subjetivismo inerente à ressalva examinada já colocaria em questão sua pertinência. Não bastasse, a diretriz estimulava a maior chaga da ordem social e econômica do país – a informalidade -, favorecendo o aberto não cumprimento do Direito do Trabalho. Mais do que isso, lançava dúvida contraditória aos milhares de bons empregadores da sociedade brasileira, que buscam cumprir com exatidão suas obrigações. Finalmente, estimulava a recorribilidade sem peias, acentuando manifesto defeito do sistema judicial do Brasil. Era, em suma, interpretação que comprometia um dos mais relevantes objetivos de todo o direito e do próprio Poder Judiciário, a busca da mais pronta efetividade de seus ramos jurídicos materiais e processuais.
Felizmente o Tribunal Superior do Trabalho, em sessão plenária de 16.11.2009, cancelou a Orientação Jurisprudencial 351”.
Mesmo na vigência da Orientação Jurisprudencial nº 351, os Tribunais Regionais Trabalhistas, estavam fazendo uma interpretação teleológica da lei[2], decidindo contrariamente a jurisprudência pacificada do TST.
Para tanto, trazemos à colação julgados dos Tribunais Regionais da 2ª e 3ª Regiões, sucessivamente:
“Cominação do art. 477, parágrafo 8º, da CLT. Relação de emprego reconhecida judicialmente. O empregador que tenta camuflar o verdadeiro vínculo empregatício age em fraude à legislação trabalhista, razão pela qual se sujeita ao pagamento da multa do art. 477, parágrafo 8º, da CLT, ante o reconhecimento judicial do pacto laboral, mormente quando não há controvérsia válida acerca do liame empregatício” (TRT 2ª Região, RO-Ac nº 20070979248, Relator Adalberto Martins, 12º Turma, publicação no DOU 30/11/2007).
“MULTA DO ART. 477 DA CLT – RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO – CABIMENTO – A multa do art. 477 da CLT não pode ser afastada pelo fato de as partes não terem espontânea e reciprocamente considerado a relação de trabalho empregatícia. Seja porque não há excludente no texto legal, seja ainda porque “data vênia” dos entendimentos em sentido contrário, esta concepção inverte a lógica de todo sistema jus laboral, premiando o empregador negligente, que não considerou o vínculo empregatício no curso do contrato de trabalho e sequer quitou verbas rescisórias trabalhistas. Logo, não pairam dúvidas de que no caso de reconhecida a fraude , a controvérsia quanto à existência de relação de emprego não pode servir como argumento para elidir a aplicação da multa do art. 477 da CLT (TRT 3ª Região, RO - Proc. nº 01126-2008-012-03-00-0, Relator Jorge Berg de Mendonça, 6ª Turma, publicação no DEJT 25/05/2009).
Particularmente, pensamos que as decisões dos Regionais representam melhor o objetivo social que permeia o direito do trabalho, bem como apresenta uma situação mais justa para o trabalhador que necessitou recorrer a via judicial, para ter reconhecida sua relação de trabalho e os correspondentes consecutórios legais.
Vale destacar que o próprio TST, no caso de relações fraudulentas, decorrentes da intermediação de mão-de-obra, por pseudo cooperativas de trabalho, já vinha dando interpretação diversa, ao conteúdo da OJ nº 351, da SDI-1, in verbis:
“MULTA DO ART. 477 DA CLT. FRAUDE CONTROVÉRSIA INFUNDADA QUANTO À EXISTÊNCIA DO VÍNCULO. Nos casos de reconhecimento do vínculo de emprego diante de nítido atentado aos preceitos trabalhistas, mediante a utilização de um processo fraudulento de terceirização, vedada pela incidência do artigo 9º da CLT. Decisão consoante com a Orientação Jurisprudencial nº 351 da SBDI-1. Não conhecido” (RR – 1827/2006-076-15-00.1 – Relator Ministro Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Publicação no DEJT 13/11/2009).
“MULTA DO ART. 477, § 8, DA CLT AUSÊNCIA DE FUNDADA CONTROVÉRSIA. OJ 351 SBDI-1 do TST. Impossível divisar-se razoabilidade na controvérsia, quando o Regional Revela que a contratação ocorreu ao arrepio da Lei nº 5.764/1971. Não se pode premiar a conduta antijurídica da empresa, que se mostra em mora, assim merecendo a penalidade a que alude o art. 477, § 8º, da CLT. Recurso de Revista conhecido e desprovido” (RR – 771180/2001.0 – Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Publicação no DEJT 03/10/2008).
Outro argumento, que a nós parece ser o mais justo, e mesmo antes da edição da Orientação Jurisprudencial nº 351 do TST, nós já vínhamos defendendo, o fato de que a multa prevista no parágrafo 8º do art. 477 da CLT guarda relação com o atraso no pagamento de verbas rescisórias, de modo que, a ação que reconhece o vínculo de emprego, nada mais é do que uma ação declaratória, e como tal, produz efeito ex tunc, retroagindo até a época em que se formou a relação jurídica.
Desse modo, a relação de emprego passou a existir no momento da contratação, apenas sendo formalizada em juízo.
Com efeito, se o empregado tivesse sido registrado; no momento da demissão; em caso de atraso no pagamento das verbas rescisórias, teria direito a multa em referência, sendo que, o indeferimento da multa, poderia sim, estimular o mau empregador ao descumprimento da norma legal, posto que, não sofreria qualquer penalidade.
Seguindo essa linha de entendimento, pronunciou-se em recentes decisões o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
“Prevê o artigo 477, parágrafo 8º, da CLT sanção pecuniária ao empregador que não efetua o adimplemento das verbas rescisórias dentro do prazo estabelecido pelo parágrafo 6º do mesmo dispositivo. Única exceção há quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora. Parte da jurisprudência entende incabível a multa debatida quando o vínculo de emprego é reconhecido judicialmente. Entrementes, a decisão que o reconhece declara, meramente, sua existência, não o constitui. Sabe-se que as sentenças declaratórias produzem efeitos ex tunc, retroagindo à época da formação da relação jurídica. Logo, não só o vínculo de emprego como, também, as verbas rescisórias já existiam antes de sua prolação. De outro lado, a exclusão da multa somente beneficiária o empregador relapso em detrimento daquele pontual e, também, do empregado, criando-se um estímulo ao descumprimento da norma legal. O enorme número de empregos informais existentes revela a deficiência da fiscalização em impedir a fraude. Constatando-a, cabe, portanto ao judiciário onera-la, incentivando o cumprimento da legislação. O empregador, ao negar o vínculo, assumiu o risco de uma decisão judicial desfavorável, isenta-lo da multa estar-se-ia premiando sua sonegação. Por tais fundamentos, entendo que, no caso dos autos, a controvérsia sobre a existência da relação de emprego não exime o empregador da multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias” (TRT 2ª Região, RO-Ac nº 20080664134, Relatora Lizete Belido Barreto Rocha, 1ª Turma, publicação no DOU 19/01/2010) – (grifamos).
“MULTA POR ATRASO DE QUITAÇÃO. A inexistência de fundada controvérsia quanto à obrigação cujo inadimplemento gerou a multa implica a incidência do art. 477, parágrafo 8º, da CLT (OJ nº 351 da SDI-1 do TST, interpretada a contrario sensu). Além disso, o reconhecimento judicial do vínculo de emprego e da fraude aos direitos trabalhistas tem eficácia ex tunc, não tendo sentido atribuir referida cominação ao empregador que atrasa o pagamento das verbas rescisórias e eximir aquele que tenta camuflar a verdadeira relação de emprego (TRT 2ª Região, RO-Ac nº 20090136572, Relator Adalberto Martins, 12ª Turma, publicação no DOU 13/03/2009) – (grifamos).
Ademais, conforme dito até aqui, o assunto é controvertido, de modo que, respeitamos quem defenda pela não incidência dos parágrafos 6º e 8º, do art. 477 da CLT, em decorrência da controvérsia judicial, nos termos dos julgados abaixo, inclusive, alguns prevalecem, mesmo após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 351 do TST, é o que se observa do primeiro julgado abaixo:
“A existência do próprio vínculo empregatício era matéria controvertida nos autos, razão pela qual não há falar na existência de verbas rescisórias incontroversas a serem pagas em primeira audiência. Também diante da tese defensiva de inexistência de vínculo de emprego, questão sub judice, entendo não ser devido o pagamento da multa de um salário contratual não havia certeza que ensejasse o cumprimento do parágrafo 6º do dispositivo legal retromencionado” (TRT 2ª Região, RO-Ac nº 20100505699, Relatora Maria Inês Ré Soriano, 15ª Turma, publicação no DOU 08/06/2010).
“RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. MULTA DO ART. 477 DA CLT. DESCABIMENTO. Indevida a multa do art. 477, § 8 º da CLT, quando há controvérsia sobre a relação jurídica havida entre as partes” (TRT 2ª Região, RO-Ac nº 20080797029, Relatora Lilian Lygia Ortega Mazzeu, 8ª Turma, publicação no DOU 30/09/2008).
“EXISTÊNCIA OU NÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MATÉRIA CONTROVERTIDA. INDEVIDAS A MULTA DO ART. 477 DA CLT E APLICAÇÃO DO ART. 467 DA CLT. A multa pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias, bem como a aplicação do art. 467 da CLT são indevidos quando se tratar de matéria controvertida. A discussão em torno reconhecimento ou não do vínculo empregatício foi matéria controvertida no processo” (TRT 2ª Região, RO-Ac nº 20080104554, Relator Carlos Roberto Husek, 4ª Turma, publicação no DOU 19/02/2008).
Particularmente, porém, entendemos que o indeferimento da multa viria a beneficiar o mau empregador, em detrimento do bom empregador, estimulando o descumprimento da norma legal, renunciando ao objeto para o qual foi criado o instituto.
Por isso, pensamos que a situação que melhor se enquadra aos preceitos do ordenamento jurídico trabalhista, uma vez reconhecido o vínculo de emprego em juízo, assim como os consecutórios legais decorrentes do referido reconhecimento, é também o pagamento da multa prevista no § 8º, do art. 477 da CLT.
Advogado. Vaz & Funari Advogados . Pós - Graduação - Direito do Trabalho. Faculdades Metropolitanas Unidas (UNIFMU). Sólida experiência na área Jurídica, decorrente da execução de diversos cursos, estágio em renomado jurídico de grande empresa, com excelentes profissionais, atuação efetiva na área como advogado, realização de estudos e atualizações permanentes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FUNARI, Régis Neves. A polêmica aplicação dos parágrafos 6º e 8º, do art. 477 da CLT quando o vínculo de emprego é reconhecido judicialmente e o cancelamento da orientação jurisprudencial nº 351 da SDI-1 do TST Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2012, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28748/a-polemica-aplicacao-dos-paragrafos-6o-e-8o-do-art-477-da-clt-quando-o-vinculo-de-emprego-e-reconhecido-judicialmente-e-o-cancelamento-da-orientacao-jurisprudencial-no-351-da-sdi-1-do-tst. Acesso em: 23 dez 2024.
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