Coautor: Fábio Santos de Lima
RESUMO: Trata-se de ensaio que sugere uma exegese que não se limite só à legislação tributária, mas a ela se chegue após estudar todo o sistema normativo em que se insere o princípio da função social e as regras que lhe dão corpo. Por fim, o trabalho concentrar-se-á na função social da propriedade imóvel e a interação desse princípio com o Imposto Territorial Rural.
Palavras-chave: Propriedade. Função Social. ITR
Introdução
O imposto sobre a propriedade da terra foi instituído no Brasil pela Constituição Republicana de 1891, vigorando em âmbito estadual. A responsabilidade dos estados pela cobrança e administração do imposto foram mantidas nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Em 1961, com a promulgação da Emenda Constitucional nº.5, o ITR foi transferido aos municípios e, em 1964, com a Emenda Constitucional no. 10, ocorreu a transferência para a competência da União. A promulgação do Estatuto da Terra em 1964 impôs funções extrafiscais ao imposto que passa, em princípio, a auxiliar as políticas públicas de desconcentração da terra.
Um dos motivos de atribuir ao ITR à competência da União Federal deveu-se especialmente à possibilidade de sua utilização como instrumento de "revolução agrária", mas diante de todos os problemas anteriormente apresentados, não é isso que observamos, pelo contrário, por ter um cálculo relativamente difícil, exigindo na sua feitura de conhecimento especializado, a arrecadação deste tributo se mostra extremamente difícil, tornando complicado o disciplinamento estatal da propriedade rural e conseqüentemente dificultando o combate aos latifúndios improdutivos.
A seguir, serão descritas brevemente as mudanças ocorridas nas três fases que sucederam à implantação do Estatuto da Terra. Esta retrospectiva histórica permite que sejam analisadas as razões que levaram às principais modificações.
Após a promulgação do Estatuto da Terra (Lei no. 4504, 30 de novembro de 1964), a cobrança do ITR tornou-se responsabilidade do INCRA. a alíquota básica era de 0,2%, corrigida por coeficientes relacionados à dimensão, localização, condições sociais e produtividade, o que determinava uma carga tributária dada pelo valor da terra nua. Dadas as faixas de variação de cada coeficiente, a alíquota variava de 0,24% a 3,456%. Entretanto, verificou-se que os objetivos que pautaram o desenho do imposto estavam longe de ser alcançados. Concluía-se, assim, que o ITR nunca chegou a constituir uma boa fonte de receita e tampouco conseguiu promover as mudanças desejadas no meio rural. Dado o pequeno impacto do ITR (e tributos paralelos) sobre o lucro e taxa de retorno dos imóveis rurais e, dado o não cumprimento das obrigações fiscais por grande parte dos contribuintes, pode-se inferir que o referido imposto não contribui e dificilmente contribuirá para alterar as relações econômico-sociais na agricultura brasileira.
Do ponto de vista de categorias de imóveis, o ITR apresenta incoerências, ao tributar mais pesadamente o minifúndio do que o latifúndio que, em inúmeros casos, trata a empresa rural com mais rigor do que os latifúndios. A razão de tais inversões decorre da sistemática de cálculo do imposto que não discrimina o contribuinte segundo categoria de imóveis (minifúndio, empresa rural e latifúndio).
A categorização de imóveis rurais adotada pelo INCRA para definir minifúndios, empresa rural e latifúndios não tinha contrapartida na realidade.
A pretendida variação de alíquotas legais não era observada. Isto se deve ao fato de os coeficientes de dimensão, localização, condições sociais e produtividade não se adequarem à realidade da estrutura rural brasileira.
O sistema de atualização do valor da terra nua, nos anos entre recadastramento, segundo índice de correção monetária, não reflete o comportamento da base tributária no tempo". Enfim, o quadro que se estabelecia nos anos 70, resumidamente apresentado acima, evidencia uma série de problemas com a implementação do ITR. Nessa época, em virtude da importância dos problemas operacionais, responsáveis por grandes distorções, questões de natureza mais estrutural não ocupavam o espaço devido nas discussões. Acreditava-se, e estas crenças ainda persistem, que os problemas envolvidos com o ITR são apenas de ordem operacional.
O Imposto Territorial Rural (ITR), tem por objetivo auxiliar as políticas públicas de desconcentração da terra. Entretanto, observou-se um grau elevado de evasão que atingiu sua eficácia como instrumento de política fundiária.
Diante de uma situação onde há terra ociosa, como ocorre no Brasil, o modelo teórico desenvolvido mostra que o uso do ITR como único instrumento tributário não é capaz de implementar o esquema ótimo. Henry George foi o primeiro autor que atribuiu o desemprego e os baixos salários a uma escassez artificial de terras e ao mau funcionamento do mercado. Essa escassez, segundo o autor "seria o resultado de uma distribuição desigual das terras públicas e de atividades especulativas".
Deste modo, George propõe a utilização do imposto sobre a propriedade da terra para dinamizar o mercado de terras, sendo capaz de induzir ao pleno uso do solo, sem distorcer os incentivos marginais.
A propriedade da terra, teria, segundo o autor, duas finalidades básicas. De um lado pode ser utilizada para a produção agrícola mas, por outro, é usada para fins especulativos, considerando seu valor como colateral, em uma economia com mercado de crédito imperfeito, ou como ativo financeiro, que se valoriza principalmente em momentos de inflação alta.
Assim, usar apenas o ITR é adequado quando a informação do governo é completa ou quando não há, em equilíbrio, terra ociosa; caso contrário, pode-se implementar o modelo de tributação como uma combinação entre o ITR e outro tributo.
1 Breve histórico da função social da propriedade
Antes de iniciarmos a exposição sobre o que vem a ser a chamada função social da propriedade, deve-se esclarecer que o princípio da função social tem como pressuposto necessário a propriedade. Daí, é de bom alvitre cuidar simultaneamente, do liame existente entre função social e direito de propriedade.
O Código de Napoleão qualificou o direito de propriedade, na esfera privada, como o "direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos".
De sua vez, a aplicação do princípio da função social da propriedade descaracteriza o acerto dessa velha concepção civilista, imantando o direito de propriedade com um dever de agir, e não apenas uma obrigação de não fazer (função social ativa). Assim, a propriedade, modernamente, converteu-se em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que transcendem o simples interesse do proprietário.
Porém, não se confunde a função social com as limitações da propriedade contidas no direito civil, tampouco com as limitações administrativas. Mesmo sendo inválido afirmar que se resumem a prestações de não fazer, as limitações constituem condição de exercício do direito. Já a função social está ligada aos deveres inerentes ao exercício da propriedade, convertendo-se em "elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade".
As limitações administrativas têm fundamento não na função social da propriedade mas no poder de polícia, e são externas ao direito de propriedade, interferindo tão-somente no exercício do direito, enquanto a função social interfere no conceito e na estrutura do direito de propriedade. Mesmo a desapropriação, instituto bastante associado à função social, com ela não se pode baralhar, ainda que o descumprimento desta possa implicar a decretação de desapropriação.
Compulsado-se as obras de direito agrário é que melhor se remonta o retrospecto da função social da propriedade. Percebe-se que a evolução do instituto andou de mãos dadas com o desenvolvimento do direito de propriedade.
Com base na obra do ilustre professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás Benedito Ferreira Marques, "As origens do princípio da função social" podemos verificar que foi Aristóteles, o primeiro a entender que aos bens se deveria dar uma destinação social. Depois, a idéia só foi impulsionada por Tomás De Aquino. O conceito tomista de propriedade possuía três planos distintos na ordem de valores.
No primeiro deles, o homem teria um direito natural ao apossamento de bens materiais, dada sua natureza de animal racional, como forma de manter sua própria sobrevivência.
No segundo, considerou-se que o homem não poderia refletir apenas acerca de sua sobrevivência imediata, como ocorre com os animais irracionais, porque deveria pensar também no amanhã, pois, para que fosse verdadeiramente livre, precisaria estar ao abrigo das surpresas econômicas.
Num terceiro plano, permitir-se-ia o condicionamento da propriedade em razão do momento histórico de cada povo, desde que não se chegasse a negá-lo. Embora a propriedade consistiria num direito natural, o proprietário não poderia abstrair-se do dever do zelar pelo "bem comum".
Em seguida, operaram-se várias fases da evolução do conceito de direito de propriedade, até que o Código de Napoleão o fixasse com características quase absolutas, conforme dispunha o já transcrito art. 436. E foi com base nessa clássica definição francesa que os códigos civis que se sucederam buscaram inspiração, inclusive o brasileiro. Porém, foi com Duguit, escorado no pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à idéia de que a propriedade era, em si, uma função social."
Deve-se registrar, ainda, a influência das teorias marxistas a apregoar a coletivização da propriedade individual.
No Brasil, desde a concessão das chamadas sesmarias, já havia preocupação com o cumprimento da função social, pois os sesmeiros deveriam cultivar a terra e daí tirar-lhe aproveitamento econômico. Também as Ordenações Manoelinas e Filipinas já se ocupavam de questões ligadas ao uso do solo e a técnicas agrícolas.Após a independência, a Constituição de 1824 não se dedicou especificamente ao tema, afirmando o direito de propriedade "em toda sua plenitude", ressalvada uma "única" exceção: o uso público indenizado do bem, quando legalmente necessário (art. 179, XXII).
Sob o governo republicano da Constituição de 1891, pouco se evoluiu, salvo na parte em que prevista a desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Outrossim, muito influenciado pelo Código de Napoleão, o Código Civil de 1916 não incrementou a função social da propriedade, limitando-se a regular genericamente os casos de necessidade e de utilidade pública, para fins de desapropriação(art. 590 e §§1º e 2º), e de requisição de bens por autoridade pública (art. 591 e par. único).
A seguir, a função social só ganhou algum espaço na Constituição de 1934, cujo artigo 113, n. 17,estabelecia que o direito de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo,na forma da lei. Nenhum desenvolvimento se fez sentir na Constituição de 1937, mas a Constituição de 1946 condicionou o uso da propriedade ao "bem-estar social" (art. 147), dando então margem a regulamentação por meio da Lei 4.132, de 10/09/62, que até hoje cuida dos casos de desapropriação por interesse social.
Os trabalhos legislativos culminaram com a aprovação da desapropriação por interesse social na CF/46.
Então, editado o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/64), seu artigo 2º expressamente tratou da função social do imóvel rural. Daí por diante, a expressão "função social" foi incorporada nas Constituições posteriores, até se chegar à atual Constituição de 1988. Nesta, a inspiração mais próxima, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, deve-se à doutrina social da Igreja Católica, especialmente às Encíclicas "Mater et Magistra", do Papa João XXIII, e "Populorum Progressio", do Papa João Paulo II, nas quais se associou a propriedade a uma função social, ou seja, à função de servir como instrumento para a criação de bens necessários à subsistência de toda a humanidade.
1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL
A função social da propriedade recebeu importantes contribuições da Constituição de 1988. Mas, nem bem analisadas as implicações da atual Constituição em relação à antiga legislação civil, veio a lume o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), que promoveu significativas mudanças acerca da matéria.
Como é de conhecimento geral, a progressividade do ITR não tem função fiscal ou arrecadatória, mas sim função extrafiscal, servindo como instrumento garantidor da função social da propriedade, estando prevista no 153, VI, § 4º, I da CF/88.
A alíquota do imposto varia de 0,03% até 20% em função da área do imóvel e do grau de utilização. A alíquota cresce na medida em que diminui a proporção da área utilizada, em relação á área total do imóvel, de sorte que para um imóvel com área superior a 5.000 hectares, com até trinta por cento utilizada, o imposto tem alíquota de 20%, o que significa dizer que em cinco anos, se persisti a situação, o imóvel estaria confiscado. Deste modo o tributo teria efeito confiscatório, e sua constitucionalidade poderia ser questionada em face do art.150, inciso IV, da CF, que veda à União, aos Estados e Município, utiliza tributo com efeito confiscatório.
Preambularmente, insta esclarecermos que a expressão "função social da propriedade rural" é muito criticada pelos estudiosos do direito agrário. Defendem eles que a expressão utilizada pelo Constituinte não satisfaz plenamente as preocupações com a total dimensão do problema agrário, o qual não se resume só à questão da propriedade, pois engloba também a função social da posse e dos contratos agrários.
Argumenta-se que a expressão genérica "função social da terra" ou "função social do imóvel rural", seriam espécies a "função social da posse agrária" e a "função social dos contratos agrários". Ocorre que essa discussão que exorbita o campo da função social do imóvel rural.
A posse de imóvel rural não mais pode ser encarada como simples exercício de um dos poderes inerentes ao domínio, mas sim como um comportamento em relação à coisa que tenha por pressuposto o cumprimento da função social. Essa nova concepção de posse agrária vem contaminando a jurisprudência dos tribunais estaduais, não sendo raro encontrar assentado em acórdãos que "não se concebe mais a posse como mera emanação do domínio. O poder fático sobre a coisa (posse), a partir do regramento constitucional, se caracteriza pelo uso econômico do bem". Ressalte-se, porém, não serve esse raciocínio de incentivo a invasões de terra praticadas a pretexto de fazer cumprir a função social.
Conforme nossa jurisprudência pátria, podemos observar:
"O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimarse- á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade." (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/04/04)
Não houve maior preocupação da Constituição com a concretização das normas que dispõem acerca do princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. Enfocando os imóveis urbanos, o tratamento um pouco mais específico que a Constituição lhes reservou não impediu fosse o tema tratado com alto grau de abstração.
Dispõe o art. 182, §2º, da CF/88, que a "propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (CF, art. 182, §2º). Desse modo, restou ao legislador municipal ampla margem de poder para dizer como será cumprida a função social.
A Constituição também cuida da edição de leis municipais específicas (no §4º do mesmo artigo) que poderão regulamentar exigências menos genéricas - se comparadas às previsões do plano diretor - , nos termos definidos na recente Lei 10.257, de11/07/2001, sob pena de serem aplicadas as sanções previstas nos incisos I a IV do mesmo parágrafo 4º do art. 182 da CF/88.
No tocante aos imóveis rurais, entretanto, a Constituição foi menos generosa para com o legislador. De início, percebe-se que só a União Federal possui competência material para promover a desapropriação por descumprimento da função social do imóvel rural (caput do art. 184), bem como para legislar sobre os requisitos a serem atendidos (caput do art. 186). E dessas restrições, com base na teoria dos poderes implícitos, pode-se extrair outra: só a União detém atribuição para fiscalizar e controlar a observância da função social do imóvel rural.
Conforme consta do artigo 2º da Lei 8.629, de 25/02/93, a atribuição para ingressar no imóvel rural,em nome da União, para fins de levantamento de dados, é realizada por intermédio de "órgão federal competente" (§2º do art. 2º), tarefa essa que vem sendo observada por uma autarquia federal,no caso, o INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Nada indica, porém, essa competência de controle tenha sido dada com exclusividade à União, motivo pelo qual se afigura válida a possibilidade de delegação a Estados-membros, Distrito Federal ou a municípios.
Voltando à Constituição, percebe-se que o art. 185 estabelece zona de imunidade à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, mesmo que a função social não esteja sendo observada, em relação: (a) à pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; e (b) à propriedade produtiva.
A conceituação de pequena e média propriedade rural só veio a ser estabelecida com o art. 4º da Lei 8.629/93, pelo qual ficou assentado que pequena propriedade é aquela com área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais e média propriedade é o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais.Critica-se a dimensão dessa imunidade expropriatória em relação à grande propriedade produtiva,dizendo que a produtividade é apenas um dos elementos da função social, motivo pelo qual não basta ser produtivo o imóvel rural para que seja considerado cumpridor do princípio.
Contudo, defende Celso Ribeiro Bastos a opção da Constituição, afirmando que parcelar "a propriedade produtiva é prenúncio quase certo de diminuição da produção com conseqüente degradação dos níveis sociais já atingidos." Desse modo, mesmo que sem o aplauso de toda doutrina pátria, o fato é que essa imunidade expropriatória da terra produtiva foi expressamente consagrada pela Constituição, que previu ainda a edição de lei que garanta tratamento especial ao imóvel rural produtivo, fixando normas para o cumprimento dos requisitos da função social (par. único do art. 185).
Neste ponto, cabem breves digressões em torno dos pressupostos a serem observados no atendimento da função social do imóvel rural. A começar das regras enumeradas pelo art. 186 da Constituição, o imóvel rústico deverá simultaneamente satisfazer os seguintes requisitos: (a) aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
De conseguinte, fala-se que o preenchimento da função social do imóvel rural exige a presença simultânea de requisitos espalhados em três óticas: (a) econômica, ligada à "produtividade" do imóvel rural, ou seja, seu aproveitamento racional e adequado; (b) social, abraçando as disposições que regulam as relações de trabalho e as que contemplam o bem-estar dos que exploram a terra(incluídos aí não só os proprietários e trabalhadores, mas os que detém a posse direta do imóvel); (c)ecológica, relacionada com a preservação do meio ambiente, concebido como direito fundamental de terceira geração, garantido-o à presente e futuras gerações.
Por óbvio, a Constituição, no caput do art. 186, previu que esses requisitos fossem fixados por lei, de modo a atender às peculiaridades da região onde se situa cada imóvel rural. E essa tarefa foi confiada à Lei 8.629/93.Em linhas gerais, o esquema legislativo de fixação dos critérios de cumprimento da função social do imóvel rural, conforme estabelecidos pela Lei 8.629/93.
O reconhecimento da produtividade da gleba exige sejam atingidos, cumulativamente, nos termos do art. 6º da Lei 8.629/93: (a) um percentual mínimo de 80% do grau de utilização da terra (GUT), e; (b)um percentual igual ou superior a 100% do grau de eficiência da exploração econômica (GEE).
O cálculo do índice do GUT considera a área efetivamente utilizada do imóvel, em cotejo com a área potencialmente utilizável, excluídas, desse último conceito, por força do art. 10 da Lei 8.629/93, as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros semelhantes; as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal; as áreas sob efetiva exploração mineral; as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.
De sua vez, o GEE é obtido por meio da aplicação de sistemática de cálculo que leva em consideração a destinação econômica da gleba em face de índices de rendimento considerados medianos, de acordo com a região onde se localiza o imóvel.
Assim, determina o art. 6º, §2º, da Lei 8.629/93, que, para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso I); para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA)do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso II).
Então, a soma dos resultados obtidos na forma anterior é dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determinando-se assim o grau de eficiência na exploração (GEE) do imóvel rural. Dessa forma, um imóvel com níveis de exploração econômica mais eficientes que aqueles relativos à média exigida pelos órgãos oficiais poderá obter um percentual superior a 100% de GEE.
Nada obstante, não há registro de que o Poder Público venha respeitando a regra do art. 11 da Lei 8.629/93, que mesmo antes da alteração determinada pela MP 1.577/97, já exigia que, na fixação dos parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade fosse ouvido também o Conselho Nacional de Política Agrícola.
De outro lado, mostra-se razoável a Lei 8.629/93, ao não retirar a qualificação de propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie (art. 6º, §7º).
Assim, os danos à produtividade decorrentes de esbulho da área podem ser considerados albergados por essa norma legal, como já reconheceu o STF. Pela ótica social, considera a lei que a terra, mesmo produtiva, poderá estar desatendendo à função social se quem a explora o faz com desrespeito às leis trabalhistas, às disposições dos contrato sagrários, bem como se não forem observadas as normas de segurança do trabalho ou provoca conflitos e tensões sociais no imóvel (§§4º e 5º do art. 9º da Lei 8.629/93).
O último dos requisitos, mas nem por isso menos importante, a ser brevemente analisado diz respeito à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.
De efeito, considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade (§2º do art. 9º da Lei 8.629/93).
E por preservação do meio ambiente deseja a lei a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (§3º do art. 9º da Lei 8.629/93).
Assim, na fixação dos requisitos da função social do imóvel rural, a lei há de observar uma razoabilidade interna que permita a eleição de critérios adequados tanto sob a ótica econômica quanto ecológica, daí o motivo de a Constituição mencionar, em ambos os casos, a questão da adequabilidade.
Destarte, a fixação do GUT e o GEE não pode perder de rumo a vedação à exploração econômica depredatória. É preciso saber se os parâmetros de produtividade que vêm sendo fixados pelos órgãos do Executivo não estão trabalhando com padrões por demais genéricos, ou que não levem em consideração certas peculiaridades ligadas à localização dos imóveis rurais.
Essa importante questão, aliás, sujeita-se ao controle judicial não só para verificar se o "núcleo essencial" do direito de propriedade está sendo preservado, diante de eventuais imposições concretamente inatingíveis, mas principalmente para que não se exijam graus de exploração econômica mais elevados que a própria capacidade de regeneração natural do imóvel rural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Diante de tudo que fora exposto, fica de alguma forma mais claro que o tributo em questão não tem atingindo uma de suas finalidades, já que sabemos que o principal intuito de estabelecer a cobrança do ITR não é a arrecadação de meios financeiros, e sim utilizá-lo como forma de política agrária.
Mesmo que não houvesse nenhum problema na administração do imposto, o modelo atual da forma que se encontra demonstra a incapacidade do ITR para combater os altos níveis de evasão e sub-tributação. A discussão sobre a eficácia do ITR precisa ser redirecionada. Além de considerar os aspectos operacionais, vitais para a obtenção dos resultados desejados, a abrangência do instrumento em um ambiente como o da agricultura brasileira também precisa ser questionada.
Deve-se destacar ainda que uma expressiva parcela dos proprietários rurais são isentos ou imunes ao pagamento do ITR, o que frustra eventual expectativa de elevação na arrecadação do ITR pelos Municípios.
E, como visto anteriormente, os municípios que mais se beneficiariam com este formato são aqueles com população entre 5 mil e 10 mil habitantes (0,09%), seguidos pelos municípios com população entre 10 mil e 20 mil habitantes (0,08%) e por aqueles com população entre 20 mil e 100 mil habitantes (0,07%).
Com o advento da Lei 11.250/2005, os municípios que optarem pela cobrança e fiscalização do ITR, devem estar atentos, pois a União estará transferindo uma responsabilidade que é sua, por excelência e, devido ao caráter extrafiscal do ITR, os municípios não obterão um efetivo incremento na captação de receita e ainda terão que criar mecanismos que tornem viável tal pretensão, aumentando seus custos com o desenvolvimento de sistemas e com a contratação e capacitação de novos fiscais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena: Dicionário Jurídico, Saraiva, São Paulo, 1998.
"Função social da propriedade e preservação ambiental", Boletim dos Procuradores da República, n.19, p. 10-18, nov. 1999.
"IPTU Progressivo" - Advogados de SP dizem que o IPTU PROGRESSIVO é inconstitucional. Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2002 .Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/12138,1. Material da 1ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Impostos em Espécie, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário - UNISUL - REDE LFG.
MACHADO, Hugo de Brito: Curso de direito tributário, Malheiros, São Paulo, 2007.
_________: O conceito de Tributo no Direito Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro,1988.
_________: Comentários ao Código Tributário Nacional, 1º v., Atlas, São Paulo, 2003.
"O papel do Poder Judiciário na efetivação da função social da propriedade". In: Cadernos Renap - Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares n. 2, nov. 2001.
SILVA, José Afonso da: Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998,
p. 276.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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