SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A HISTÓRIA DA LEI 11.277 E SUA FUNÇÃO. 2. ANÁLISE CRÍTICA DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 285-A DO CPC. 2.1 Requisitos para aplicação da norma do 285-A. 2.1.2 Necessidade de matéria unicamente de direito. 2.1.3 Demandas idênticas. 2.1.4 Matéria anteriormente apreciada no mesmo juízo. 2.1.5 Julgamento pela total improcedência do pedido. 2.1.6 Repetição da sentença de improcedência. 2.2 Processo e procedimento que podem incidir a aplicação da norma. 2.3 Críticas dos desdobramentos práticos da aplicação do artigo 285-A do CPC. 2.3.1 Insegurança jurídica. 2.3.2 Havendo rejeição do Recurso. 2.3.3 Acolhimento do Recurso com citação do Réu. 2.3.4 Entendimentos do Tribunal da instância recursal. 3. CONFRONTO DOS POSICIONAMENTOS ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 285-A DO CPC. 3.1 Corrente da inconstitucionalidade. 3.2 Corrente da constitucionalidade. 3.2.1 Não afronta ao princípio do contraditório. 3.2.2 Ofensa ao princípio da isonomia e segurança jurídica. 3.2.3 Afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. 3.2.4 Ofensa ao devido processo legal. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
Há muito tempo o processo civil brasileiro vem clamando por uma maior celeridade na busca de se tornar um processo mais efetivo e justo. E, a inclusão do art. 285 – A Código de Processo Civil, pela lei 11.277, está voltada justamente para dar maior racionalidade e celeridade na prestação jurisdicional, na busca de que o processo não seja demasiadamente alongado; para atingir a garantia constitucional da razoável duração do processo, a referida norma permite que o julgador profira a sentença de plano pela total improcedência do pedido, sem que sequer o réu seja citado, desde que seja a matéria exclusivamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos. No entanto, apesar de possibilitar uma verdadeira abreviação do procedimento naqueles casos em que já existem precedentes jurisprudenciais consolidados o suficiente para permitirem que se anteveja a sorte daquele que pede tutela jurisdicional ao Estado-juiz, a grande discussão que se faz é se nessa busca pela celeridade processual alguns princípios constitucionais garantidores de direitos fundamentais estariam sendo desrespeitados quais sejam a isonomia, a ampla defesa, o devido processo legal a inafastabilidade da jurisdição e a segurança jurídica.
A Lei nº 11.277/2006 deu origem ao artigo 285-A do Código de Processo Civil, o qual recebeu a seguinte redação:
Art. 285-A - Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensadas a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
1° Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
2° Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. (BRASIL, Lei nº 11.277/2006).
Tal lei foi apresentada no ano de 2004, no dia 15 de dezembro, pelo presidente da República, fazendo parte da série de mudanças programadas à época. Assim, tramitou pela Câmara dos Deputados, sendo essa a casa iniciadora, pelo n. 4.728/2004, figurando como relator o Deputado João Almeida; já no Senado, o projeto foi analisado sob o nº 101/05, figurando como relator o Senador Aloízio Mercadante, cumprindo assim, os trâmites legais.
Desde logo, percebe-se que o referido artigo faz parte da já mencionada reforma processual civil, cujos objetivos são a celeridade e efetividade do processo, bem como a economia de atos processuais, que se pauta pela doutrina de julgamento sumário de mérito, improcedência prima facie, sentença proferida inaudita altera parte, dentre outras.
Pela leitura do artigo, é mister a observância de alguns requisitos para que a norma possa ser aplicada, devendo ser a matéria objeto da causa ser tão-somente de direito, ou seja, apenas as pré-constituídas, não cabendo dilação probatória. Ademais, a terminologia “casos idênticos” deve ser entendida como sendo casos de mesmo objeto e causa de pedir, devendo o juiz adotar a mesma tese jurídica para a resolução do litígio.
Por tudo isso, tal dispositivo criado pela lei em comento constitui-se em modalidade específica de sentença liminar do mérito. O Julgador não estará adstrito às decisões tomadas anteriormente; assim, é facultado ao Juiz renovar seus pensamentos e seus entendimentos sobre os mais variados temas, não estando obrigado a apreciar liminarmente o mérito, mesmo que presentes todos os requisitos legais para o julgamento de improcedência.
Assim sendo, desde que aplicado de forma correta, haverá uma economia de tempo e energia do Julgador e, assim, poderá dedicar-se a outros processos e litígios, afastando a renovação de demandas ou processos repetitivos que versem sobre temas que já se encontram pacificados.
A Lei nº 11.277/2006, que introduziu o artigo 285-A no CPC, inovou a sistemática processual civil brasileira no sentido de que sentenças já proferidas pelo juízo possam ser usadas como parâmetro para novas decisões, desde que se tenha a mesma tese jurídica.
Uma questão que imediatamente se suscitou, antes mesmo da efetiva entrada em vigor, é que tal sentença será prolatada sem ao menos o réu ser citado, não fechando o triângulo (autor, Estado, réu) no processo.
Percebeu-se, de imediato, que, a despeito das mudanças nas regras processuais estabelecidas pelo dispositivo supracitado imporem, concretamente, uma maior rapidez e efetividade à prestação do direito, atendendo, desse modo, aos princípios da economia processual e efetividade do processo, provocaram aos operantes do direito um grande alvoroço, uma vez que a aplicação da norma poderia comprometer inúmeros princípios constitucionais, em especial o do duplo grau de jurisdição, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da isonomia, da segurança jurídica e, até mesmo, do direito de ação.
Pela grande divergência a cerca da constitucionalidade do referido artigo, inevitável a análise constitucional perante o Supremo onde já está sendo objeto de controle de constitucionalidade por meio da ADI 3.695, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB.
Dentre as diversas justificativas, há aquela que argumenta que o dispositivo em comento criaria uma espécie de sentença de primeiro grau vinculante, sendo que, como é de conhecimento geral, a própria súmula vinculante, emanada de entendimentos da suprema corte, já sofreu severas críticas por partes dos operadores do direito; o que se diria, então, de sentenças de primeiro grau com caráter vinculante?
Assim, se a própria súmula vinculante não obteve a receptividade que se esperava, é bem justificada a grande discussão a respeito da constitucionalidade do artigo 285-A do CPC, na medida em que se atribui isoladamente a um magistrado de primeiro grau o poder de prolatar sentenças de improcedência de forma liminar, sendo, de certa forma, vinculadas a demandas de casos idênticos.
É certo que o tema não é pacifico, sendo que a própria súmula vinculante, proveniente de entendimento do STJ e STF, sofreu diversas críticas; muito mais sofre a aplicação do artigo 285-A, por se tratar de uma sentença de primeiro grau vinculante.
Como dito, a lei nº 11.277/2006 deu origem ao artigo 285-A do Código de Processo Civil, o qual recebeu a seguinte redação:
Art. 285-A - Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensadas a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
1° Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
2° Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. (BRASIL, Lei nº 11.277/2006)
A norma presente no artigo 285-A do CPC está a autorizar, por isso mesmo, um caso, até então inédito, de “improcedência liminar” do pedido do autor. O juiz, tão logo receba a petição inicial, tem condições de verificar que o autor não tem o direito que reclama ter e, por isso, à falta de qualquer peculiaridade ou especialidade do caso concreto, indefere a petição inicial com fundamento no art. 269, inciso I, por força do que lhe autoriza o art. 285-A.
Assim, é possível que as alterações legislativas evidenciadas possam trazer resultados concretos de celeridade processual, que vão de encontro ao que se pretende com a reforma. Porém, para que a norma possa ser aplicada, o julgador deve observar todos os requisitos estabelecidos no corpo do artigo 285-A do CPC, que passaremos a analisar.
2.1.1 Matéria deve ser controvertida
No início do artigo, o legislador foi claro ao descrever a necessidade de que a matéria levada ao juízo deva ser controvertida.
Neste ponto, para que haja a aplicabilidade da norma, devemos primar pela vontade da lei e entender que houve equívoco do legislador, pois não pode existir “matéria controvertida” sem a devida formação do processo, ou seja, a parte deve ser devidamente citada para integrar a lide.
Assim, se a parte não for devidamente citada para integrar o polo passivo da relação, não há que se falar em “matéria controvertida”, vez que ainda não existe, no mundo jurídico, o conflito de interesses.
É mesmo uma situação tragicômica. Além disso, impropriedades namenclaturais, no artigo, denunciam a radicalidade do jejum jurídico do redator do texto. O artigo começa com a seguinte redação: “Quando a matéria for controvertida”... Ora, a controvérsia só ocorre havendo lide (Carnelutti), com existência de controversistas (partes), atendido o princípio da dualidade processual, conforme se vê dos arts. 263e 219 do CPC. Aqui o legislador admite “controvérsia” com uma só parte (o autor) (LEAL, 2007, p. 264).
Dessa forma, houve lamentável equívoco do legislador na confecção da lei. Deve-se, então, interpretá-la extensivamente; caso contrário, não poderia haver aplicabilidade, sendo que, de fato, a matéria não é controvertida.
Assim, é a partir do despacho saneador que os pontos controvertidos da lide são fixados. Então, não existindo matéria controvertida fixada no momento processual em que a lei atua, não há sequer que se verificar se essa matéria é de direito ou de fato.
Necessário ressaltar, nessa ocasião, que a
norma padece de falta de técnica, pois somente a citação válida torna a coisa litigiosa (CPC, art. 219, caput), isto é, implica situação processual de existência de matéria controvertida. Como a norma prevê decisão do juiz sem citação, a matéria ainda não se tornou controvertida (NERY JÚNIOR; NERY, 2007, p.555).
Inicialmente, nota-se que houve um novo equívoco na terminologia adotada pelo legislador, pois é impossível que haja matéria unicamente de direito na petição inicial do autor; assim, o que pode haver é uma questão predominantemente de direito, uma vez que existirá a questão de fato, independentemente da ação. Assim, a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é o suficiente para que haja questão de fato no caso concreto.
Analisando novamente a vontade da lei, o que se pretende, na verdade, é que a matéria de fato alegada não necessite ser comprovada, sendo apenas relevante saber qual o direito aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não geram controvérsia entre as partes e perante o juiz. São aqueles casos que se caracterizam muito mais pela questão jurídica do que por qualquer peculiaridade fática. É o que se dá, dentre outros, nos casos de complemento de aposentadoria, inconstitucionalidade de tributo, abusividade de uma específica cláusula de contrato de adesão ou índices de correção monetária.
Tais situações levarão sempre ao “julgamento antecipado da lide” (art. 330, I), justamente porque a questão a ser resolvida é “unicamente”, ou predominantemente, de direito, porque os fatos, em si mesmo considerados, nada têm de peculiar ou característico. Eles são constantes porque têm, por definição, a mesma origem.
A esse respeito, o renomado Moacyr Amaral Santos expõe que, inexistindo a necessidade de prova, por não haver entre as partes divergência “a questão de mérito é unicamente de direito. Certos os fatos, trata-se de aplicar o direito” (SANTOS, 1991, p. 262).
A questão de fato é alheia a qualquer questionamento, a qualquer dúvida; ela é padronizada ou, quando menos, padronizável; a situação de fato não traz em si maiores questionamentos quanto à sua existência, seus contornos e seus limites. O que predomina, assim, é saber qual o direito aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não geram controvérsia possível ou séria entre as partes e perante o juiz.
Outro requisito para a aplicação do artigo 285-A é de que no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, ou seja, a “tese jurídica” ventilada na ação em curso seja exatamente igual a de outra ação em que se tenha julgado improcedente o pedido.
Pertinente ressaltar que, no campo técnico/processual, a identidade de ações depende de três elementos: as partes, o pedido e a causa de pedir.
A esse respeito, ensina Rodrigues (2001, p. 251):
Para se verificar se uma ação é idêntica à outra, devemos verificar os elementos constitutivos de uma ação, enfim, os pontos que lhe trazem identidade. São eles: as partes, o pedido (mediato e imediato) e a causa de pedir (próxima e remota). Havendo tríplice identidade estaremos diante de ações iguais.
Naturalmente, para que não se configure o fenômeno da coisa julgada ou até mesmo litispendência, ensejando a extinção do processo sem a resolução do mérito, a identidade da demanda se dará apenas no pedido e na causa de pedir, sendo as partes por evidente diferentes das da demanda modelo.
Assim, os casos devem ser idênticos quanto ao direito, sendo os fatos irrelevantes para a formação da decisão do julgador; esclarece Theodoro Júnior (2007, p. 17) que “a identidade portanto, que se reclama, para aplicar o art. 285-A, localiza-se no objeto da causa, isto é, na questão (ponto controvertido) presente nas diversas ações seriadas”.
É grande a divergência doutrinária para entender a inteligência da lei no que se refere ao “mesmo juízo”. Nesse ponto não é apenas uma discussão terminológica, mas de grande relevância para a aplicabilidade da lei. Sendo assim, faz-se necessário entender e definir o que venha a ser mesmo juízo.
Pelo artigo, pacifico está a inaplicabilidade do dispositivo em sentenças proferidas por juízos diferentes. Miller (2007, p. 30): “Segundo Vicente de Paula Ataíde Júnior o ‘mesmo juízo’ significa não o ‘mesmo juiz’, mas a mesma ‘unidade de competência territorial, ou seja, a comarca ou a subseção judiciária’”.
Assim, deve-se entender que juízo não é o titular da jurisdição, não a pessoa, mas sim o órgão que ela incorpora. Por isso mesmo que determinado titular da jurisdição que não tenha ainda apreciado “tese” semelhante poderá proceder ao julgamento de plano, se utilizando da decisão de outro magistrado como paradigma, desde que pertencente à mesma unidade de competência territorial.
Gajardoni (2006, p. 84), por sua vez, sustenta, acertadamente, que “exige-se para o julgamento antecipadíssimo da lide que as decisões paradigmas tenham sido proferidas no mesmo juízo, isto é, na mesma Vara onde tramite a ação”. Com efeito, a análise dos dispositivos destacados revela que o paradigma que autoriza a atuação do julgador é, nesta perspectiva, evitar a prática de atos processuais desnecessários, já que o desfecho da causa, do incidente ou do recurso é, de antemão, conhecida, tem fundamento no entendimento consolidado e reiterado, sumulado ou, ao menos, predominante, dos Tribunais Superiores ou, no mínimo, do Tribunal recursal respectivo.
Para que haja uma melhor interpretação e aplicação do dispositivo, faz-se necessário que, sistematicamente, a sentença de improcedência seja de entendimento consolidado; assim teríamos uma forma de assegurar o amplo e prévio contraditório.
Neste ponto o CPC dispõe no sentido de que somente poderá ser aplicado o art. 285-A se a sentença anteriormente prolatada se der pela total improcedência do pedido, e nessa, diferentemente da maioria das sentenças que também põem fim ao processo sem a sua formação, denominadas terminativas, possui aptidão para resolver o mérito da questão.
Assim posicionam-se Nery Júnior e Nery (2006, p. 482): “Improcedência total. O pedido anterior deve ter sido julgado totalmente improcedente. A improcedência parcial do pedido não autoriza a incidência da norma sob comentário”. Porém, a aplicação do art. 285-A garante a resolução do mérito sem a formação plena do processo, ou seja, sem a citação da parte ex adversa para constituir o polo passivo da ação e exercer o direito ao contraditório.
Assim sendo, tal sentença produzirá todos os efeitos caso fosse decorrente de um processo com a devida formação triangular processual.
Como visto, a sentença do julgador, com extinção liminar e julgamento do mérito, precisará ser de improcedência e jamais de procedência; o detalhe é que a improcedência deve ser total, pois a improcedência parcial gera, obrigatoriamente, a citação do réu, visto que, nesse caso, parte do seu direito seria atingido sem ao menos ter ele tomado ciência.
Nesse sentido ensina Theodoro Júnior (2009, pp. 406/407):
A improcedência somente favorece o réu, eliminando pela res iudicada qualquer possibilidade de extrair o promovente alguma vantagem do pedido declarado sumariamente improcedente. Limitando-se ao exame da questão de direito na sucessão de causas idênticas, para a rejeição liminar do novo pedido ajuizado por outro demandante, pouco importa que o suporte fático afirmado seja verdadeiro ou não. Pode ficar de lado esse dado, porque no exame do efeito jurídico que dele se pretende extrair a resposta judicial será fatalmente negativa para o autor em benefício do réu. [...] É por isso que o artigo 285-A somente permite o julgamento liminar de causas repetitivas ou seriadas quando se tratar de improcedência da pretensão. Em tais hipóteses, é perfeitamente possível limitar o julgamento a questão de direito, sem risco algum de prejuízo para o demandado e sem indagar a veracidade ou não dos fatos afirmados pelo autor. Se a questão no plano de direito não lhe favorece, pode a pretensão ser denegada prima facie, sem perigo de prejuízo jurídico algum para o demandado que ainda não foi citado.
Improcedência total só pode ser entendida como rejeição total do pedido do autor. O autor, dirá a sentença, não tem direito nenhum, nada do que ele afirma com sua petição inicial merece guarida perante o Estado-juiz.
Nesse mesmo diapasão, outra questão importante é a de que o “julgamento paradigma” não precisa ser necessariamente de improcedência absoluta, desde que o pedido da parte que tenha sido julgado improcedente seja o único objeto discutido na nova ação posta para julgamento.
Nos casos de aplicação do art. 285-A, basta que a sentença anterior seja paradigmática. Tal sentença, que justifica a “improcedência liminar”, deve ser “reproduzida” nos autos do processo. Esta reprodução da sentença anterior deve ser entendida, em nome dos princípios da economia e da eficiência processuais, amplamente. Uma mera cópia “autenticada”, pelo próprio juiz ou pelo escrivão, da sentença anterior atende, no particular, à exigência da lei. Em tempos de informática, não há como recusar, até mesmo, que o magistrado se limite a “imprimir” a sentença já proferida para o novo caso.
O que deve ser feito, contudo, não obstante o silêncio da regra, é que o juízo prolator da sentença diga por que o “processo novo” admite sua rejeição liminar nos moldes do art. 285-A, providência inafastável à luz do “modelo constitucional do processo civil”, o que levará, em qualquer caso, a se justificar concretamente a aplicação da regra. Terá de dizer, portanto, que o caso não traz, em si, nenhuma diferença em relação aos demais já julgados.
Depois da introdução, passar-se-á a uma análise técnica do artigo, seus requisitos de aplicação e em quais processos e procedimentos é cabível.
O artigo 285-A do CPC possui natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento, podendo ser aplicado em qualquer ação. Apesar do fato do 285-A do CPC se encontrar topicamente inserido no procedimento ordinário comum, do Livro de processo do conhecimento, o dispositivo ora em comento possui natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento, razão pela qual é possível sua aplicação em qualquer ação, pouco importando a competência do juízo e do rito procedimental que se imprima à ação usada como parâmetro.
Desse modo, pode-se, tranquilamente, aplicar o dispositivo presente no 285-A do CPC julgando liminarmente a improcedência da ação repetida nos processos de conhecimento e cautelar nos procedimentos comum (ordinário e sumário) e sumaríssimo (juizados especiais federal e estadual), bem como nas ações que se processam por rito especial (mandado de segurança, ação civil pública, ação popular, ações coletivas, ações de locações, ações de falência, ações de embargos do devedor e outras).
Como por evidente, a confecção do referido dispositivo legal surgiu da preocupação com a celeridade do processo e com o atraso na prestação de tutela jurisdicional, ocasionado pela alta demanda de ações no poder judiciário.
O objetivo de combater a morosidade do processo é nítido ao pretender julgar a demanda ainda em seu nascedouro, desde que atendidos os requisitos do art. 285-A. Sabe-se que em nenhum outro momento da história a celeridade processual foi tão discutida; porém, a questão é que talvez a busca pela celeridade do processo possa custar as garantias fundamentais asseguradas pela Constituição da República.
Nesse diapasão, nota-se que o legislador desejou assegurar a celeridade e a economia processual de maneira incondicional, tendo a norma legal natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento. No entanto, a partir da aplicação do dispositivo, algumas críticas inevitavelmente começaram a ser feitas:
Sabe-se que a aplicação do artigo 285-A está restrita aos precedentes do próprio juízo, e isso independe se as sentenças de total improcedência foram proferidas por juiz titular ou substituto.
Tem-se afirmação da Ordem dos Advogados do Brasil no sentido de que administrativamente, o aparelho judiciário é disposto com juízes em varas diversas, sendo que, em algumas, pode haver, além do titular, um substituto auxiliar. Assim, por vezes, varas se sujeitam à ausência de titular por extenso intervalo de tempo, podendo passar por elas diversos juízes substitutos em intervalos nem sempre longos, proferindo incontáveis sentenças.
Pelo fato de a aplicação do referido artigo permitir o uso de decisões proferidas em outro processo, desde que no mesmo juízo, para resolver processos posteriores, é instituída, entre os jurisdicionados, uma sentença vinculante, que obsta o desenvolvimento de processos em primeiro grau. Devido a isso é que há entendimentos de que tal norma afeta o princípio da isonomia.
Ocorre que é possível a existência de juízos em que atuem juízes com diferentes formas de entendimento em relação a uma mesma matéria e, assim, se faria com que a regra do artigo 285-A fosse aplicada para algumas pessoas e para outros não, mesmo que a situação de ambos seja substancialmente igual.
Continuando na mesma linha, sabe-se que o autor, no caso da resolução do mérito por força da aplicação do artigo 285-A, ao ver rejeitada sua pretensão inicial, pode interpor recurso de apelação com base no parágrafo primeiro.
Nogueira Júnior (2007) pondera ainda que:
O réu-apelado, em sua situação jurídica, sem que tenha podido exercer plenamente sua defesa, seja ampliando a matéria objeto da decisão, reconvindo, oferecendo pedido contraposto, ou alegando algumas das hipóteses previstas no art. 269, IV do CPC; seja ampliando a profundidade da cognição exercida, através de sua atividade probatória, delimitada segundo as margens fixadas em sua defesa, e não de acordo com aquelas traçadas pelo Tribunal; no limite, nem mesmo poderá o réu excepcionar o Juízo (NOGUEIRA JÚNIOR, 2007, p. 244 ).
Interposto o recurso, poderá o juízo retratar-se da sentença que proferiu no prazo de cinco dias, caso em que determinará o prosseguimento do processo, e não da ação, como diz o § 1° do art. 285-A (CÂMARA, 2007).
Curioso é que, caso se mantenha a sentença, assim sendo, o juiz não se retrate da decisão, ordenar-se-á a citação do réu para responder ao recurso, em conformidade com o artigo §2° do art.285-A do CPC.
Assim, o demandado deverá demonstrar nas contrarrazões toda a matéria de defesa como se fosse a própria contestação. Dessa forma, observa-se a criação de uma figura estranha no âmbito processual, que são as contrarrazões recursais contendo com a pretensão inicial do autor; ademais, a lei acabou tendo o efeito contrário do pretendido.
Em outras palavras, a crítica que se faz é que o autor tendo o seu pedido julgado imediatamente improcedente, não podendo sequer discutir o mérito, acabará recorrendo aos Tribunais por via de recursos, e, em sede de segundo grau é que vai ser discutido o mérito, servindo as contrarrazões recursais como verdadeiras contestações, o que poderá sobrecarregar os Tribunais com discussões que deveriam ser realizadas no juízo de primeiro grau.
Por esse motivo, uma corrente acredita que a aplicação de tal norma transfere para os Tribunais ações que deveriam ser resolvidas em na primeira instância, criando caminho mais difícil para a resolução das demandas dos jurisdicionados, vez que, sendo provida, voltará para o juízo de primeiro grau para ser discutida. Assim, pode-se gerar maior morosidade da resposta judicial.
A partir dessa linha de pensamento, cogita-se que se a lei nº 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, quisesse ter mais eficiência no combate da demora na prestação da jurisdição, deveria atacar os inúmeros recursos protelatórios que estão à disposição.
Mais críticas e indagações perseguem o artigo 285-A e sua aplicação. Diz-se ainda que, para que se tenha a aplicação correta da norma em questão, somente deve ser resolvido o processo tendo-o como improcedente se a matéria de direito discutida já tenha uma posição dominante no Tribunal da instância recursal, quiçá já editado súmula a respeito.
Apesar de não seguido, critica-se que tal entendimento seria o mais correto para se aplicar a norma, vez que, se não respeitado, o julgador tem o poder de sempre julgar improcedente o pedido, até mesmo nos casos em que os Tribunais entendam de maneira diversa do juiz a quo. Nesse caso, a aplicação do artigo não contribuiria em nada para a efetividade do processo, já que o Tribunal superior iria reformar a decisão, delongando mais a lide.
Nesse mesmo sentido, devido ao precedente, é relevante informar a proposta levantada por Cássio Scarpinella Bueno, colocando como imprescindível atuação, na formação do paradigma, do amicus curiae:
Se, para as considerações que nos ocuparam no item anterior, a “abertura”, que tipifica o “paradigma” do direito de hoje, justifica-se por uma necessária interação entre o órgão competente para aplicar a norma jurídica e os valores reinantes na sociedade civil e no próprio Estado – até mesmo pela complexidade, até mesmo técnica, que, cada vez mais, tem caracterizado o objeto do regramento jurídico – não há como negar uma crescente importância ou, quando menos, maior dificuldade, no papel hermenêutico, do aplicador da norma jurídica. Também desse prisma de análise, o amicus curiae tem o condão de desempenhar adequadamente sua função instrumental (BUENO, 2006b, p. 84-85).
Assim, a alternativa que se mostra mais correta para que se possa legitimar uma vinculação futura de uma sentença é a efetiva participação da sociedade (amicus curiae) que irá discutir o tema para a formação do paradigma.
Segundo esta tese a lei 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, acrescentou errônea e impensadamente o artigo 285-A no Código de Processo Civil, pelos fundamentos a seguir detalhados.
A corrente que defende a inconstitucionalidade da lei nº 11.277 afirma que, com seu ingresso, introduziu-se ao ordenamento jurídico a possível apresentação de defesa e a renovação de sentenças paradigmas, ferindo assim preceitos fundamentais da constituição quais sejam art. 5º, caput, e incisos XXXV, LIV e LV, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Assim, defende que deve ser respeitada, em primeiro lugar, a aplicação dos princípios que regem a constituição, ou seja, a supremacia da Constituição frente às demais normas, o que não parece estar sendo respeitado com a edição da norma.
Nesse sentido Nery Júnior e Nery afirmam (2007, p. 556):
O CPC 285-A é inconstitucional por ferir as garantias da isonomia (CF 5, caput, e I), do devido processo legal (CF 5, caput e LIV), do direito de ação (CF 5, XXXV) e do contraditório e ampla defesa (CF 5 LV), bem como o princípio dispositivo, entre outros fundamentos, porque o autor tem o direito de ver efetivada a citação do réu, que pode abrir mão de seu direito e submeter-se à pretensão, independentemente do precedente jurídico do juízo. Relativamente ao autor, o contraditório significa o direito de demandar e fazer-se ouvir, inclusive produzindo provas e argumentos jurídicos e não pode cerceado nesse direito fundamental. De outro lado, o sistema constitucional não autoriza a existência de “súmula vinculante” do juízo de primeiro grau, impeditiva da discussão do mérito de acordo com o due process.
Sendo assim, tal corrente entende que a norma em questão fere o princípio da isonomia, vez que através dela abre-se o precedente para que os juízes tenham seus próprios paradigmas como sentenças vinculantes, aumentando o grau de subjetividade de suas decisões, podendo isso resultar em arbitrariedade.
Nesse sentido, salienta-se que a Constituição vigente assegurou a igualdade entre todos – temos assim o princípio da isonomia. Dessa forma, Câmara (2005, pp. 40-41) lembra que o princípio da isonomia é respeitado apenas quando é assegurado às partes o ingresso na lide com “igualdade” de condições.
Entende-se, ainda, que a aplicação da referida lei contraria, também, o princípio da segurança jurídica, no que se refere ao procedimento judicial, uma vez que o processo mais demorado ou breve "segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não forma partes naquele feito não existe." (Petição Inicial ADI 3695, 2006, p. 6). Também diminui o "princípio do direito de ação. [...] O direito de ação é, pela norma fustigada, limitado, restringido, ante a eliminação que se faz do processo normal pela pronta prolação da sentença emprestada." (p. 7).
Ademais, salienta-se que o princípio do contraditório é, com toda certeza, um dos mais fundamentais para o devido processo legal, conforme dispõe Câmara (2005), quando assevera que não existe lide imparcial que não se dê com defesa da contraparte, pois é assim que se afiança a validade do “exercício do poder, que se obtém pela participação dos interessados na formação do provimento jurisdicional” (p. 41).
Nesse sentido, Mitidiero (2007, p. 105) proferiu duras críticas.
[...] Com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos efeitos, pretende o legislador sufocar o caráter dialético do processo, em que o diálogo judiciário, pautado pelos direitos fundamentais, propicia ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica e conseguinte obtenção de decisões justas. Aniquila-se o contraditório, subtraindo-se das partes o poder de convencer o órgão jurisdicional do acerto de seus argumentos. Substitui-se em suma a acertada combinação de uma legitimação material e processual das decisões judiciais por uma questionável legitimação pela eficiência do aparato judiciário, que de seu turno, pode facilmente desembocar na supressão do caráter axiológico e ético do processo e de sua vocação para ponto de confluência de direitos fundamentais [...]
Destarte, a decisão do julgador seria proferida na inobservância dos princípios constitucionais, quais sejam o do devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa; assim, não se deveria dispensar a citação e por fim ao processo sem sequer dar voz ao beneficiário de seu juízo.
Em suma, o princípio constitucional do contraditório deve ser entendido como uma garantia de participação no processo judicial; só assim irá ser legítimo o provimento estatal instaurado.
Para os que adotam essa linha, a norma legal em questão fere o devido processo legal no que diz respeito a sua abreviação, fundamentando decisões em sentenças sem nenhuma publicidade; daí, dá-se fim ao processo sem analisar as alegações do autor.
Ao que parece, não se deu ouvidos à advertência de Kazuo Watanabe:
o direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade e de outros corolários, do conceito de "devido processo legal", assegurado pelo art. 5º., LIV, da Constituição Federal. "Devido processo legal", é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios. (WATANABE, 2005, p.142-143)
Dessa forma, analisando o objetivo da norma, percebe-se que o legislador restringe o caráter dialético do processo para que, dessa forma errônea, ganhe velocidade a sua conclusão, maculando direitos fundamentais que, somente se obedecidos, ter-se-iam decisões mais justas.
Assim, a aplicação dessa lei feriria não apenas os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mas ainda macularia o devido processo legal, atingindo as garantias individuais.
Críticas ferrenhas estão sendo feitas ao artigo 285-A, do CPC, publicada pela lei nº 11.277/2006, mormente para colocar em cheque a sua constitucionalidade, tendo, inclusive, Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta contra a referido dispositivo legal, ADI nº 3.695.
Os fundamentos da mencionada ADI indicam que a lei atenta contra o contraditório, a isonomia, a segurança jurídica, ao direito de ação e ao devido processo legal. Porém, apesar da grande discussão, a tese que defende a constitucionalidade é a mais correta com base nos fundamentos que passa a expor:
Conforme os fundamentos da mencionada ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o dispositivo legal é inconstitucional na medida em que afeta o contraditório, visto que esse último deve ser visto como garantia para a perfeita participação das partes no desenrolar de toda a demanda, com total igualdade em todos os elementos que tenham relação com o objeto da causa e que, em qualquer momento do processo, poderá ser decisiva para a sentença.
Porém, há quem sustente que tal norma não afronta o princípio do contraditório, entendido como a garantida para se defender e ter conhecimento do pleito da parte ex adversa de algo que lhe possa ser desfavorável.
Assim, nesse sentido, se a sentença for de improcedência, não há que se falar em prejuízo do réu, já que ele sairá vencedor da demanda, e isso, sem a necessidade de alegar qualquer defesa. Então, por evidente, também não há desrespeito ao contraditório.
Theodoro Júnior (2009, p. 406) defende que não há qualquer lesão à contraparte: “a improcedência somente favorece o réu, eliminando pela res iudicata qualquer possibilidade de extrair o promovente alguma vantagem do pedido declarado sumariamente improcedente”.
Porém, de outra forma, é certo que não existem dúvidas de que o contraditório deve ser visto, também, como uma garantia para que o autor da lide possa exercer ativamente seu direito fundamental.
Entretanto, dúvida alguma deve existir de que nenhum princípio é absoluto. Sendo que, na questão do art. 285-A, CPC, o que se torna evidente é a preponderância de outros princípios sobre o contraditório.
Dessa forma é que, no artigo em questão, vemos a prevalência do princípio da efetividade processual, assim sendo, a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF), que passou a fazer parte da nossa Constituição Federal pela Emenda 45/2004.
Para o legislador, não se justifica a morosidade do processo, vez que já existem teses jurídicas repetidas, sendo desnecessária a continuidade da fase instrutória se o julgador já tem um convencimento formado sobre o assunto por força de julgados anteriores.
Isso não significa que o contraditório está sendo deixado de lado, facilmente é perceptível, pela redação dos §§ 1º e 2º do art. 285-A, que continua sendo preservada a garantia do interesse do autor, sendo que, nesse momento, o juiz poderá retratar sua decisão determinando que o réu seja citado. E, nessa hipótese, se a sentença for mantida, o réu será, da mesma forma, citado para contrarrazoar o recurso interposto pelo autor, e, dessa forma, a possibilidade do contraditório é respeitada.
Dessa forma, o direito ao debate é preservado, com as partes podendo contribuir para a formação do convencimento do juiz, mesmo que isso se dê em grau de recurso. Visto isso, fica claro que o contraditório está sendo perfeitamente respeitado, porém, de maneira postergada.
Assim sendo, é interessante a discussão doutrinária que se faz em torno do dispositivo legal em comento; porém, tal debate não o torna um regramento inconstitucional. Como já dito, o que houve foi a ponderação de princípios em que a efetividade do processo através da sua duração razoável foi posta acima do contraditório, com o fim de beneficiar as partes com uma solução mais rápida e justa para a demanda.
Ademais, levanta-se hipóteses de que também outros princípios estariam sendo feridos pelo dispositivo legal, sendo eles a isonomia e a segurança jurídica, vez que a norma que é inferior a constituição, estaria autorizando que processos “Debatendo o mesmo tema, mas distribuídos a diferentes magistrados, tenham curso normal ou abreviado, conforme tenha sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no juízo” (Petição Inicial da ADI nº 3.695).
Tais efeitos, para a crítica, causam insegurança jurídica aos que não fizeram parte no processo anterior; porém, tais críticas estão embasadas em fundamentos frágeis, sendo incapazes de convencer de que a tese da inconstitucionalidade é, de fato, acertada, pois as hipóteses de ocorrência de haver julgamentos diferentes, por juízos diversos, que versem sobre o mesmo tema é muito alta e isso acontece com frequência no mundo jurídico. Tal fato não ocorre devido à aplicação do artigo 285-A, pois é da própria essência do processo.
Nesse diapasão, informa Cássio Scarpinella Bueno:
Na exata medida em que o proferimento de ‘sentenças idênticas’ para ‘casos idênticos’ (e é esta a expressão utilizada pelo caput do art. 285-A) garante ‘resultados idênticos’, não há como vislumbrar qualquer ofensa ao princípio da isonomia, muito pelo contrário (BUENO, 2006a, p. 191).
Ademais, é certo que os efeitos do dispositivo legal não afetam o princípio da segurança jurídica, sendo que o que se busca é garantir aos jurisdicionados maior certeza a cerca do entendimento do juiz sobre um referido assunto.
Inclusive, esse mesmo pensamento é bem compartilhado pelo Procurador-Geral da República, visto que, nos autos da ADI 3.695, por via de seu parecer, afirmou que “o art. 285-A fortalece a segurança jurídica, na medida em que assegura maior previsibilidade das sentenças a serem prolatadas pelos juízos monocráticos”.
Sobre o princípio da inafastabilidade da jurisdição, há também os que afirmam que o dispositivo é inconstitucional por afrontá-lo, sendo esse, inclusive, o entendimento do Conselho Federal da OAB, que, escreve, em sua peça inicial na ADI 3.695, que deve haver “o direito de provocar o surgimento da relação processual triangular autor-juiz-réu”.
Entretanto, referidos entendimentos acerca da inconstitucionalidade da lei com base nesse fundamento também se mostram sem razão pela fragilidade de seus argumentos.
Primeiro, porque é um equívoco cogitar que, somente com a formação triangular do processo (juiz, autor, réu) existe o direito de ação, tanto que são muitos os casos em que a triangulação não se forma e, mesmo assim, o direito de ação é preservado, como nas hipóteses de indeferimento da petição inicial, art. 295, do CPC.
Segundo, porque é um pensamento errôneo achar que o direito de ação garante ao autor uma decisão a seu favor. Referido direito apenas garante ao autor o acesso à justiça, com decisão justa e num prazo razoável; porém, não necessariamente se lhe concederá vitória no processo.
Neste sentido ensina Souza (2006, p. 50):
Não prejudica nem restringe o direito de ação como poderia parecer à primeira vista. O direito de ação é exercido e o juiz prestará a jurisdição julgando o mérito. Se o juiz julgar o mérito é porque reconhece a presença do direito de ação e, em atenção ao seu exercício, julga o mérito logo de início. O que o autor não vai ter é o julgamento ao seu favor, mas o mérito da causa é julgado e a jurisdição prestada. Mas isso não tem nada a ver com as garantias constitucionais do direito de ação.
Assim sendo, por todo o alhures mencionado, se garante ao autor, pelo referido dispositivo legal a jurisdição, de forma que a alegação de inconstitucionalidade fundamentada no princípio da inafastabilidade da jurisdição se torna frágil, vez que, por evidente, tal princípio não está sendo desrespeitado.
Por derradeiro, é também um enorme equívoco sustentar a inconstitucionalidade do referido artigo sob alegação de ferir o princípio do devido processo legal, que é o princípio maior do processo. Assim, pelo status de “liderança” concedido ao referido princípio e por todos os desdobramentos da aplicação do dispositivo que foram analisados, percebe-se, claramente, que não há desrespeito ao princípio pelo dispositivo legal ora em comento, como deixa claro o jurista Theodoro Júnior (2009, p.408):
O julgamento liminar, nos moldes traçados pelo artigo 285 – A, não agride o devido processo legal, no tocando as exigências do contraditório e ampla defesa. A previsão de juízo de retratação e do recurso de apelação assegura ao autor, com a necessária adequação, um contraditório suficiente para o amplo debate em torno das questões de direito enfrentada e solucionada in limine litis. Do lado do réu, também, não se depara restrições que possam se considerar incompatíveis com o contraditório e ampla defesa. Se o pedido do autor é rejeitado liminarmente e o decisório transita em julgado, nenhum prejuízo terá suportado o demandado, diante da proclamação judicial de inexistência do direito subjetivo que contra este pretendeu exercitar o demandante. Somente como vantajosa deve ser vista, para o réu, a definitiva declaração de certeza negativa pronunciada contra o autor.
Em linhas estritas, o referido princípio garante o efetivo cumprimento das normas processuais codificadas. Dessa forma, o que se observa é exatamente isso, visto que o art. 285-A é um dispositivo legal devidamente estabelecido em lei e, sendo assim, deve ser respeitado. Pelo contrário, é o seu desrespeito que pode gerar afronta ao princípio do due process of law.
Ademais, pelo exposto, não existem dúvidas de que as garantias constitucionalmente estabelecidas não estão sendo afetadas pela norma do art. 285-A. Foi visto que o direito do autor em movimentar o Judiciário na busca pelo seu direito será respeitado, havendo devida apreciação, de forma idêntica a outras demandas que passaram por aquele juízo. Assim, tal direito está sendo plenamente respeitado.
O efeito que ocorrerá, por força do dispositivo legal, é que o réu será o vencedor da demanda, mesmo que para tanto não tenha havido sequer citação dele; não nos esquecendo de que, caso seja interposta apelação, o réu será ouvido para defender-se das alegações da parte ex adversa.
Destarte, não há inconstitucionalidade do artigo 285-A, pois, conforme palavras de Ataíde Júnior (2010, s/n):
O novo dispositivo não padece de inconstitucionalidade. É medida salutar que contribui para a realização do direito fundamental à duração razoável do processo, conforme inciso LXXVIII, do artigo 5 da CF: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Ora, se em casos idênticos ao proposto pelo autor, em que não se controverte sobre matéria de fato, o juiz tem proferido sentença de total improcedência, não se vê grande utilidade em exigir a participação do réu, a qual não provocará significativa influência. O autor já tem resposta jurisdicional imediata à sua postulação, não precisando aguardar mais tempo para obter a mesma providência.
A sentença liminar de mérito nos termos do artigo 285-A, do Código de Processo Civil, presente no ordenamento através da lei n. 11.277/2006, provoca diversos questionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da sua aplicação que supostamente ofenderia vários princípios constitucionais, sendo proposta, inclusive, a ADI nº 3.695, visto ser grande a discussão de sua constitucionalidade.
Dessa forma, em decorrência das informações históricas estudadas no primeiro capítulo, verifica-se que a busca por um processo célere, econômico e justo é desejo dos legisladores, pois entende-se que justiça tardia não é justiça. Assim, o processo deve ser visto como um instrumento de solução rápida das demandas, para, até mesmo, impedir que direito pleiteado pereça pelo tempo.
Ademais, a legislação processual pátria passou por diversas mudanças, visto que foram surgindo novas concepções sobre o direito, sendo que, principalmente, com o advento da CF/1988, aumentou-se o rol de garantias e princípios fundamentais.
Por meio das ondas reformadoras do Código de Processo Civil observa-se a vontade do legislador em afastar o formalismo processual, uma vez que isso teria o condão de dar celeridade e efetividade a prestação jurisdicional.
Como visto, há uma corrente muito ativa dos que se manifestam pela inconstitucionalidade do dispositivo; no entanto, pelos fundamentos jurídicos aqui estudados, a ideia da inconstitucionalidade não aparenta ser a mais correta. Por outro lado, há a corrente dos doutrinadores que defendem a constitucionalidade, pois, através de seus argumentos jurídicos conclui-se que a aplicação da regra do 285-A, CPC, é perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico pátrio, sobretudo a Constituição Federal.
Entende-se a tese da constitucionalidade como mais plausível, pois não há que se falar em desrespeito das garantias e princípios constitucionais, sobretudo o contraditório, ampla defesa e devido processo legal; sendo que a sentença de plano somente pode ser feita em casos de total improcedência do pedido. Assim sendo, apesar de inexistir citação do réu, não formando a relação triangular do processo (autor, juiz e réu), não há cerceamento de defesa, pois o réu não precisa ser citado, visto que não há qualquer prejuízo para ele.
Foi analisado também que o contraditório é garantia constitucional para que tanto o autor quanto o réu ingressem em juízo com paridade de armas, ou seja, que ambos tenham a oportunidade de apresentar toda matéria de defesa que julgar pertinente para influenciar o juízo a fim de ver sua pretensão acolhida. Dessa forma, o objetivo do referido princípio é o de que as partes possam se manifestar apresentando argumentos e provas para ver seu direito acolhido; porém, nos casos do artigo 285-A, a manifestação do réu se torna dispensável, pois a decisão do juiz lhe será totalmente favorável. Em outra análise, também não há ofensa ao devido processo legal, visto ser expressa a previsão que possibilita o recurso de apelação e de juízo de retratação.
Ademais, no que tange ao direito de ação, não existe violação, vez que nada obsta o ingresso na justiça pelo autor, ou seja, o autor tem liberdade para buscar a tutela jurisdicional. Assim sendo, para o direito de ação ser respeitado, pouco importa a decisão final do julgador, basta o efetivo acesso à justiça; em outras palavras, o que não pode haver é a recusa do juiz em analisar a matéria, pois, nesse caso, haveria sensível desrespeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Em relação aos fundamentos que defendem que com a aplicação do artigo 285-A houve violação à isonomia, inclusive argumentos usados na própria ADI, conclui-se que só vieram confirmar, ainda mais, que o referido princípio está sendo perfeitamente respeitado, pois, com a aplicação do artigo 285-A, CPC, os processos de casos idênticos terão respostas igualmente idênticas e, assim, há um tratamento igual a todos garantindo a plena segurança jurídica.
Deve-se frisar que é estritamente necessária a utilização séria e responsável do artigo 285-A pelos julgadores; isso porque, para que haja uma aplicação correta, os juízes devem observar qual o entendimento do juízo superior. Mesmo que o pedido do autor, com base em decisão anterior da vara de origem, seja julgado totalmente improcedente, se o entendimento da corte superior for diferente, a sentença do juízo a quo, será, logicamente, prejudicada em um eventual recurso, tornando a lide mais demorada e custosa, o que justamente se quer evitar com a aplicação do artigo.
Portanto, concluímos ser perfeitamente constitucional o artigo 285-A, uma vez que sua aplicação não ofende as garantias e direitos constitucionais fundamentais. Assim, a existência do referido artigo no mundo jurídico não ofende os princípios constitucionais nem a essência da Constituição.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Elino Gomes. O combate ao tempo-inimigo e a constitucionalidade do artigo 285-a do CPC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2012, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29129/o-combate-ao-tempo-inimigo-e-a-constitucionalidade-do-artigo-285-a-do-cpc. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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