1. INTRODUÇÃO
Inúmeras divergências entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça pontuam o reconhecimento e a aplicação do princípio da insignificância no caso concreto.
Porém, no Brasil, a partir do julgamento do habeas corpus n. 84.412/SP, julgado em 19/10/2004, da lavra do Min. Celso de Melo, houve uma tentativa de se fixar vetores para o reconhecimento e aplicação do princípio em comento, quais sejam:
a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
b) nenhuma periculosidade social da ação;
c) o reduzidíssimo grau de reprovação do comportamento envolvido;
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Ainda que se trate de requisitos tidos como objetivos, para efeito de se reconhecer ou não a incidência do princípio da insignificância, aqueles condicionantes parecem-nos por demais abstratos, de modo que a delimitação material de cada um desses cânones requer uma análise casuística.
Corroborando esse caráter dinâmico de que se reveste o princípio da insignificância, no sentido de que a sua aplicação deve ser excepcional e aferida sempre à luz do caso concreto, temos o seguinte julgado da lavra do Min. Eros Grau:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPARAÇÃO DO DANO. ATENUAÇÃO DA PENA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO DISPOSTO NO ART. 34 DA LEI N. 9.249/95, VISANDO À EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RELAÇÃO AOS CRIMES DESCRITOS NA LEI N. 8.137/90. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. Hipótese em que a impetrante se limita a argumentar tão-somente com o valor do bem subtraído, sem demonstrar a presença dos demais requisitos (...) (HC 92.743-2/RS, Rel. Min, Eros Grau, 2ª Turma, unânime, julgado em 19/08/2008, DJ, 14/11/2008).
No que tange às frequentes dissidências entre os tribunais na aplicação do direito, e ainda, às cisões, que não raro, verificam-se entre as diversas Turmas do mesmo tribunal, registramos aqui a preocupação do Min. Humberto Gomes Barros, integrante do Superior Tribunal de Justiça:
I - "PROCESSUAL – STJ - JURISPRUDÊNCIA - NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA. O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la"
(Agravo regimental no agravo n. 353152/SP, Rel. Min. Humberto Gomes Barros, 1ª Turma, julgamento em 25/06/2002, DJ 26/08/2002)
Isto posto, passemos a elencar os principais temas sobre os quais divergem o Supremo Tribunal Federal e o Superior tribunal de Justiça, quanto ao reconhecimento e aplicação do princípio da insignificância.
2. DELITOS ENVOLVENDO DROGAS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR
Uma das fontes de dissenso no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal é aplicação do princípio em tela na seara da justiça castrense, como nos lembra Rodrigo Leite e Miguel Josino (2011, p. 277) ao se referirem à seguinte decisão do Min. Dias Toffoli:
As questões relativas à incidência do princípio da insignificância aos crimes relacionados ao uso ou porte de substâncias entorpecentes no âmbito da justiça militar e à aplicação da Lei 11.343/06 a esses crimes não estão pacificadas na jurisprudência dessa corte, motivo pelo qual a Segunda Turma, por ocasião do julgamento do HC nº 94.685/CE, Relatora a eminente Ministra Ellen Gracie, afetou os temas ao tribunal Pleno.(habeas corpus 104851/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/09/2010, DJe 20/09/2010)
Assim, no sentido de se acolher o princípio da insignificância envolvendo uso ou porte de drogas sujeito à apreciação da justiça militar cite-se:
EMENTA: HABEAS CORPUS. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PEQUENA QUANTIDADE. APLICAÇÃO PRINCÍPIO DA INSGINIFICÂNCIA.
Não constitui crime militar trazer consigo quantidade ínfima de substância entorpecente (4,7 gramas de maconha), em atenção ao princípio da insignificância.Ordem concedida para absolver o paciente. (HC 91.074/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 19/12/2008).
Contudo, temos que “no próprio Supremo, porém, há decisões não admitindo a aplicação do princípio da insignificância aos delitos de tóxicos” (LEITE; JOSINO, 2011, p. 278):
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL MILITAR: PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINSTRAÇÃO MILITAR (ART. 290 DO CPM).NÃO-APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES RELACIONADOSA A REVOGAÇÃO TÁCITA DO ART. 290 DO CÓDIGO DE PENAL MILITAR.NÃO OCORRÊNCIA.PRECEDENTES.HABEAS CORPUS DENEGADO (HC 91759/MG, Rel. Min. Menezes Direito, Primeira Turma, julgamento em 09/10/2007, DJe 30/11/2007 - (grifo nosso).
3. CRIMES ENVOLVENDO DROGAS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA COMUM
3.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No âmbito do Supremo Tribunal Federal não há posição clara acerca da incidência ou não da aplicação do princípio da insignificância quando a infração for punível segundo a Lei 11.343/2006, consoante ensina André Estefam:
O Pretório Excelso ainda tem travado interessante discussão sobre a aplicação do princípio (da insignificância) ao crime de porte de droga para consumo pessoal. As duas turmas do STF têm divergido a respeito do assunto. Assim, enquanto 1ª Turma tem negado a incidência do princípio do crime de porte de droga para consumo próprio, a 2ª Turma o tem admitido (ESTEFAM, 2010, parte geral, p. 120).
Em referência à aplicação do princípio da insignificância envolvendo a conduta de tráfico de drogas julgou o Pretório Excelso:
EMENTA: 1. Princípio da insignificância e tráfico de entorpecentes. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não se aplica o princípio da insignificância ao delito de tráfico de entorpecentes: precedentes. De qualquer sorte, as circunstâncias do caso, especialmente se considerada a espécie da substância apreendida e a forma como estava acondicionada, não convencem de que o fato pudesse ser considerado penalmente insignificante.
2. Tráfico de entorpecentes: ausência de dados concretos que justifiquem a afirmação de inexistência de justa causa para a ação penal ou de atipicidade da conduta imputada ao paciente.
(...)
(HC 88820/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 05/12/2006, DJe 19/12/2006, p. 41).
3.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Superior Tribunal de Justiça tem-se inclinado no sentido de não admitir a incidência do princípio da insignificância no que tange a crimes previstos na Lei 11.343/06, ainda quando se tratar de uso ou porte de drogas.
Neste diapasão, revela Rodrigo Leite e Miguel Josino (2011, p. 275) que
o argumento central do STJ em não aplicar o princípio da insignificância aos delitos envolvendo entorpecentes é de que se trata de crime de perigo abstrato e que a apreensão de pequena quantidade de droga é da essência da natureza do crime de posse de entorpecente para uso próprio, por exemplo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não aplica o princípio da insignificância às condutas de possuir, portar, usar (art. 28, Lei n. 11.343/06 ou traficar drogas (art. 33, caput e § 1º e 34, Lei n. 11.4343/06).
A esse respeito, julgou-se:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE DROGAS PARA USO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. RÉU REVEL. NEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRINCÍPIO DA I INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
(...) Inaplicável o Princípio da Insignificância ao delito de uso de entorpecentes, tendo em vista tratar-se de crime de perigo presumido ou abstrato, sendo totalmente irrelevante a quantidade de droga apreendida em poder do agente. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal...”
(RHC 22.372/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15/12/2009, Dje 08/02/2010).
4. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Nesta seara, quer nos parecer que as divergências entre nossos tribunais superiores são tênues. Verifica-se uma forte tendência por parte do Supremo Tribunal Federal em afastar a aplicabilidade do princípio da insignificância para os crimes contra a Administração Pública, mas ainda assim, há registros de julgados (isolados) em sentido contrário. Por outro lado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é pacífica a rejeição do princípio em questão quando o sujeito passivo da infração for a Administração Pública.
4.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A ilustrar a controvérsia acima mencionada, temos que neste caso o Pretório Excelso admitiu a incidência do princípio sob comento à hipótese de crime praticado por funcionário público contra a Administração:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQÜÊNCIAS DA AÇÃO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE.
1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar.
2. Hipótese em que o paciente não devolveu à Unidade Militar um fogão avaliado em R$ 455,00 (quatrocentos e cinqüenta e cinco) reais. Relevante, ademais, a particularidade de ter sido aconselhado, pelo seu Comandante, a ficar com o fogão como forma de ressarcimento de benfeitorias que fizera no imóvel funcional. Da mesma forma, é significativo o fato de o valor correspondente ao bem ter sido recolhido ao erário.
3. A manutenção da ação penal gerará graves conseqüências ao paciente, entre elas a impossibilidade de ser promovido, traduzindo, no particular, desproporcionalidade entre a pretensão acusatória e os gravames dela decorrentes. Ordem concedida. (HC 87.478/PA, j. 29/08/2006, p. 283- Rel. Min. Eros Grau).
4.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Este Egrégio Tribunal tem assim se posicionado acerca da matéria:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PECULATO. BENS AVALIADOS EM R$ 50.00. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. BEM JURÍDICO TUTELADO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DA 3ª. SEÇÃO DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1. A 3ª. Seção desta Corte possui jurisprudência pacífica sobre a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública, pois não se busca resguardar apenas o aspecto patrimonial, mas principalmente a moral administrativa. 2. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial (HC 115.562/SC, Rel. Min, Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/06/2010).
Ao se referirem ao tema, Rodrigo Leite e Miguel Josino (2011, p. 290) salientam que
o ponto central da divergência entre o STF e STJ, como podemos detectar, é a aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes previstos no Cap. I do Título XI do Código Penal (arts. 312 a 327). O STJ não admite a incidência nestes casos. O Supremo, ao contrário, possui decisões admitindo insignificância para o delito de peculato (HC 87.478/PA, j. 29/08/2006 e HC 92. 634/PE j. 27/11/2007, por exemplo) e recente decisão não admitindo a incidência da bagatela ao peculato (HC 10.715/SC, j. 27/09/2010).
5. ANÁLISE DE ASPECTOS SUBJETIVOS DO ACUSADO
Trata-se de investigar se na visão de nossos tribunais superiores a aplicação do princípio da insignificância é admitida a despeito de as circunstâncias subjetivas serem desfavoráveis ao agente. Neste viés, nota-se que nem o Supremo Tribunal Federal, tampouco o Superior Tribunal de Justiça, consolidaram jurisprudência para aplicar o postulado em análise quando o autor da infração penal possui maus antecedentes ou for reincidente.
5.1SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No sentido de afastar a apreciação dos aspectos subjetivos do autor do fato para incidência do princípio da insignificância temos o seguinte julgado da lavra da Ministra Helen Gracie:
EMENTA: DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANTECEDENTES CRIMINAIS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A questão de direito tratada neste writ, consoante a tese exposta pela impetrante na petição inicial, é a suposta atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base no princípio da insignificância. 2. Considero, na linha do pensamento jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, por ser mínima (ou nenhuma) a lesão, há de ser reconhecida a excludente de atipicidade representada pela aplicação do princípio da insignificância. O comportamento passa a ser considerado irrelevante sob a perspectiva do Direito Penal diante da ausência de ofensa ao bem jurídico protegido. 3. Como já analisou o Min. Celso de Mello, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP). 4. No presente caso, considero que tais vetores se fazem simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. 5. Não há que se ponderar o aspecto subjetivo para a configuração do princípio da insignificância. Precedentes. 6. Habeas Corpus concedido. (HC 102080/MS, Rel. Min. Helen Gracie, 2ª Turma, julgado em 05/10/2010, DJe 25/10/2010).
Por outro lado, em julgamento paradigmático, o mesmo Pretório Excelso já se pronunciou noutra direção, agora, tomando os aspectos subjetivos do agente como óbice bastante para inviabilizar a incidência do postulado em questão, como se verifica abaixo:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO E TENTATIVA DE FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. NOTÍCIA DA PRÁTICA DE VÁRIOS OUTROS DELITOS PELO PACIENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.
2. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.
3. O grande número de anotações criminais na folha de antecedentes do Paciente e a notícia de que ele teria praticado novos furtos, após ter-lhe sido concedida liberdade provisória nos autos da imputação ora analisados, evidenciam comportamento reprovável.
4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida.
5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 6. Ordem denegada (HC 102088/RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, 1ª Turma, julgado em 06/04/2010, DJe 21/05/2010).
5. 2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
De outra parte, considerando irrelevantes os aspectos subjetivos do acusado para aplicar o princípio da insignificância, cite-se este julgado da lavra do Min. Celso Limongi:
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS DE SUPERMERCADO AVALIADOS EM R$ 24,78 (VINTE E QUATRO REAIS E SETENTA E OITO CENTAVOS). PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL SUPERVENIENTE À SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. IRRELEVÂNCIA DOS ASPECTOS SUBJETIVOS DA PACIENTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
(HC 137740/SP, Rel. Min. Celso Limongi (desembargador convocado do TJ/SP, 6ª Turma, julgamento em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)
Na direção oposta, houve caso em que o comportamento social do agente voltado à prática delitiva rotineira constituiu entrave à aplicação do princípio da insignificância, conforme segue:
HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO RECONHECIMENTO. APLICAÇÃO DO PRIVILÉGIO (ART. 155, § 4º, DO CP). MANUTENÇÃO DA NEGATIVA PELA CORTE DE ORIGEM. BENS RELEVANTES. REITERAÇÃO CRIMINOSA. IMPORTÂNCIA PARA O DIREITO PENAL. CONDUTA TÍPICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO.
1. A aplicação do princípio da insignificância causa excludente de1tipicidade admitida pela doutrina e pela jurisprudência, demanda o exame do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do bem furtado e na favorabilidade das circunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e daquelas relativas à pessoa e conduta do agente, sob pena de restar estimulada a prática reiterada de furtos de pequeno valor.
2. Considerando-se que a negativa de aplicação do princípio da insignificância está fundada não só na lesão ao bem jurídico tutelado, mas também no comportamento do paciente, que em pequeno espaço de tempo cometeu dois furtos, demonstrando personalidade voltada à prática delitiva, e não se mostrando a res furtiva irrelevante para as vítimas e para o Direito Penal, não incorre em constrangimento ilegal a decisão do Tribunal impetrado que, com base nas provas dos autos, manteve a negativa de absolvição, por não preenchidos os pressupostos para o reconhecimento do crime de bagatela.
3. Ordem denegada.
(HC 92226/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgamento em 24/06/2008, DJe 04/08/2008)
6. CONSENSO JURISPRUDENCIAL: POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PARA CRIME DE DESCAMINHO
Por outro lado, deve-se consignar que as duas Cortes em tela alinharam suas jurisprudências para acolher o princípio da insignificância em relação ao delito de descaminho, previsto no art. 334 do Código Penal (crime praticado por particulares contra a Administração Pública).
O fundamento dos tribunais para o reconhecimento da bagatela, nesses casos, tem sido o art. 20, da Lei 10.522/2002, a qual dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais. Vejamos o que diz o citado dispositivo legal:
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Analisando-se os julgados, podemos entrever que a jurisprudência tem entendido que se a ilusão de impostos no montante inferior a R$ 10.000,00 constitui conduta irrelevante para o direito administrativo, o mesmo raciocínio deve ser adotado para impedir a intervenção do direito penal, em homenagem ao princípio da subsidiariedade.
A propósito, lê-se, na visão da Corte Suprema:
EMENTA: habeas corpus. Penal. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Suprema Corte, o princípio da insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) legalmente previsto no art. 20 da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei nº 11.033/04. 2. Ordem concedida. (HC 102935/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 28/09/2010, Dje 22/11/2010)
No mesmo sentido caminha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. DESCAMINHO. ATIPICIDADE MATERIAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSTO ILUDIDO (R$ 4.410,00) INFERIOR AO VALOR ESTABELECIDO PELA LEI11.033/04 PARA EXECUÇÃO FISCAL (R$ 10.000,00). CONDUTA IRRELEVANTE AO DIREITO ADMINISTRATIVO, QUE NÃO PODE SER ALCANÇADA PELO DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. NOVO ENTENDIMENTO DO STF. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PORÉM, PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.
1. De acordo com o entendimento recentemente firmado pelo STF, aplica-se o princípio da insignificância à conduta prevista no art. 334, caput, do CPB (descaminho), caso o ilusão de impostos seja igual ou inferior ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), estabelecido pelo art. 20, caput, da Lei 10.522/2002, alterado pela Lei 11.033/2004, para a baixa na distribuição e arquivamento de execução fiscal pela Fazenda Pública. HC 92.438/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJU 29.08.08, HC 95.749/PR, Rel. Min. EROS GRAU,
DJU 07-11-2008 e RE 536.486/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJU19-09-2008.
2. Segundo o posicionamento externado pela Corte Suprema, cuidando-se de crime que tutela o interesse moral e patrimonial da Administração Pública, a conduta por ela considerada irrelevante não deve ser abarcada pelo Direito Penal, que se rege pelos princípios da subsidiariedade, intervenção mínima e fragmentariedade.
(...)
(HC 116.293/TO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 18/12/2008, DJe 09/03/2009).
7. INFRAÇÕES PENAIS QUE NÃO SE COADUNAM COM PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
7.1 CRIMES PRATICADOS MEDIANTE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA
A aplicação do princípio da insignificância visa corrigir desvios e injustiças frutos do juízo de tipicidade formal, possibilitando uma análise casuística acerca da ameaça concreta ou efetiva lesão ao bem jurídico. Nesta esteira, não se presta o referido postulado a ratificar condutas incompatíveis com este desiderato.
A propósito, da mesma forma que o princípio da insignificância é invocado para se evitar flagrante injustiça, impondo-se ao autor do fato desnecessária sanção criminal, quando o conflito comporta solução extrapenal, o mesmo raciocínio vale, agora a contrariu sensu, para se evitar que o Estado dispense uma proteção deficiente ao bem jurídico protegido.
Por isso, a jurisprudência pátria é pacífica no sentido de negar aplicação ao princípio da insignificância quando o agente atua mediante violência ou grave ameaça, a exemplo do crime de roubo, conforme já julgou nossa Corte Suprema:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OFENSA REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO. NÃO-CABIMENTO DE RECURSO EXTRAODINÁRIO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE ROUBO.
(...).
3. Inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo (art. 157, CP), por se tratar de crime complexo, no qual o tipo penal tem como elemento constitutivo o fato de que a subtração de coisa móvel alheia ocorra "mediante grave ameaça ou violência a pessoa", a demonstrar que visa proteger não só o patrimônio, mas também a integridade pessoal (AI 557972 AgR/MG, Rel. Min. Helen Gracie, 2ª Turma, julgamento em 07/03/2006,DJe 31/03/2006).
7.1.1 APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
O Pretório Excelso entende ser incompatível a aplicação do princípio da insignificância quando a infração penal atinge o patrimônio da Previdência Social (art.168-A do vigente Código Penal Brasileiro), conforme se aduz:
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. BEM JURÍDICO TUTELADO. PATRIMÔNIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. ORDEM DENEGADA. I - A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. II - No caso sob exame, não há falar em reduzido grau de reprovabilidade da conduta, uma vez que o delito em comento atinge bem jurídico de caráter supraindividual, qual seja, o patrimônio da previdência social ou a sua subsistência financeira. Precedente. III - Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, o déficit registrado nas contas da previdência no ano de 2009 já supera os quarenta bilhões de reais. IV - Nesse contexto, inviável reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, que contribui para agravar o quadro deficitário da previdência social. V - Ordem denegada. (HC 98021/SC, Rel. Min. Lewandowski, julgamento em 22/06/2010, DJe 13/08/2010).
Em que pese o respeitável entendimento da nossa Corte Suprema acima ementado, data venia, esse posicionamento nos transparece incoerente, na medida em que o mesmo Tribunal acolhe o postulado da insignificância para afastar a tipicidade penal nos crimes contra a ordem tributária, quando o valor sonegado não superar R$ 10.000,00.
Desta feita, temos dificuldade em concluir que seja o patrimônio do Fisco menos importante do que o da Previdência Social para os fins do Estado, já que em ambas as situações o bem jurídico tutelado, latu sensu, é o erário público.
8. CONCLUSÃO
Nota-se, pois, por essa visão global, que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça divergem em vários aspectos quanto ao reconhecimento e aplicabilidade do princípio da insignificância. Isso se justificaria, em alguma medida, já que, como se buscou frisar ao longo desse trabalho, o reconhecimento da bagatela deve ser aferido de maneira casuística.
Mas é forçoso reconhecermos, por outro lado, que essas dissidências são indesejáveis, sobretudo do ponto de vista do princípio da segurança jurídica.
Nesta esteira, os vetores da “mínima ofensividade da conduta do agente”; “nenhuma periculosidade social da ação”; “reduzidíssimo grau de reprovação do comportamento envolvido” e “inexpressividade da lesão jurídica provocada” ainda não lograram estabelecer uma uniformização da aplicação do princípio da insignificância pelos juízes e tribunais, no que tange ao tratamento igual para situações fático-jurídicas semelhantes. Mas já constitui importante avanço.
BIBLIOGRAFIA
ESTEFAM, André. Direito Penal. parte geral. São Paulo: Saraiva 2010.
LEITE, Rodrigo; JOSINO, Miguel. Análise das divergências jurisprudências no STF e STJ: 2ª ed. Salvador: Jus Podivum, 2011.
Bacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo). Servidor público estadual.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Marcelo Gambi. Divergências jurisprudenciais entre o STF e STJ na aplicação do princípio da insignificância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2012, 07:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29173/divergencias-jurisprudenciais-entre-o-stf-e-stj-na-aplicacao-do-principio-da-insignificancia. Acesso em: 23 dez 2024.
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