RESUMO: Ante ao desrespeito à probidade e à moralidade administrativa por pessoas que deveriam promovê-la, mostra essencial eleger valores primordiais e mecanismos que promovam a dignidade humana e aniquilem as chagas de uma sociedade parasitada por condutas desonestas e antiéticas. Neste contexto, a Ação Civil de Improbidade Administrativa e a Lei n.º 8.429/1992 são elementos importantes no combate à improbidade administrativa que precisam ser conhecidos e compreendidos.
Palavras-chave: Improbidade administrativa; Lei n.º 8.429/1992, Probidade.
A proteção constitucional da probidade administrativa está prevista no artigo 37, §4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), destacando o combate da improbidade administrativa na jurisdição civil valendo-se de legislação que verse sobre o assunto.
Neste sentido, a Lei 8.429/1992, conhecida como Lei da Improbidade Administrativa (LIA), responsável pela revogação das Leis n.º 3.164/1957 e n.º 3.502/1958, representou a tutela jurisdicional civil da probidade administrativa no âmbito infraconstitucional.
A LIA consiste em lei de natureza cível em sentido amplo que, através das sanções dispostas em seu texto, traduz esfera autônoma de responsabilização de qualquer agente público que atentam contra a moralidade e a probidade no exercício de sua função. Visto que a probidade administrativa é interesse transindividual, indivisível e de titulares indeterminados, pertencendo, portanto, à categoria dos direitos difusos, entende-se que o artigo 17 da LIA, ao prever o cabimento de uma ação civil, refere-se a uma ação de natureza pública.
Em outras palavras, não se pode olvidar que a ação civil de improbidade cuida da proteção de bens e princípios públicos, como o erário, a moralidade, a probidade. E mais detidamente, já que: (a) tutela do patrimônio público não é restrita a uma ou várias pessoas, e sim a todos quantos se relacionam com a Administração Pública; (b) o patrimônio público constitui um “objeto” indivisível, ou seja, insuscetível de separação em quotas atribuíveis individualmente aos interessados; (c) os efeitos deletérios das lesões ao erário mostram-se amplos e não circunscritos, conclui-se que o objeto da ação de improbidade, claramente, está inserido na órbita dos interesses difusos.
Diz-se ainda que, não obstante parte da doutrina tratar sob a denominação de ação de improbidade, esta constitui numa espécie do gênero ação civil pública quando proposta pela instituição do Ministério Público.
Rogério Pacheco Alves leciona que a caracterização da tutela do patrimônio público como um direito difuso possibilita a aplicação de toda a base teórica já produzida, no Brasil e fora dele, sobre o tema, bem como dos instrumentos legais já existentes no nosso ordenamento. Adotando tal linha, conjugada à aplicabilidade das normas previstas na LIA, em relação à ação de improbidade é cabível a incidência da Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85), da Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/1985), do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990), bem como a possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e Código Processo Penal. (GARCIA, ALVES, 2004, p.577)
A LIA prestigiou a probidade, o patrimônio público e o caráter normativo dos princípios, versando ao longo de seu texto sobre os sujeitos ativos e passivos dos atos de improbidade, os atos de improbidade administrativa (improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação aos princípios da Administração Pública), as sanções cabíveis, o procedimento administrativo e o processo judicial, bem como a prescrição da pretensão de levar a efeito as sanções previstas na lei.
O artigo 1º da Lei n.º 8.429/1992 indica os sujeitos passivos de atos de improbidade, ressaltando que tais condutas podem ser praticadas por qualquer agente público, servidor ou não, em face da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio concorra ou haja concorrido com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.
Quanto ao sujeito ativo, o legislador adotou o conceito amplo de agente público, de modo a agasalhar em seu comando legal quaisquer de suas espécies ou categorias. Importa apenas que o agente ao cometer os atos de improbidade esteja no desempenho de função pública.
Frisa-se, portanto, que a situação funcional de qualquer agente público reserva-lhe o dever de obediência à moralidade, não estando adstrita a definição dos sujeitos ativos ao âmbito da administração pública, enquanto função estatal, contemplando também aqueles que exercem função junto ao legislativo e ao judiciário, por exemplo.
A LIA ainda prevê, por equiparação, que as suas disposições “são aplicáveis, no que couber, àquele que mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. Assim, demonstrado o liame objetivo e subjetivo entre a pessoa física ou jurídica ao ato ímprobo, todos responderão solidariamente pela imoralidade nos termos da Lei n.º 8.429/1992.
Os artigos 9º, 10 e 11 da referida lei, por sua vez, se detiveram em definir condutas que encerram atos de improbidade administrativa. O artigo 9º define os atos de enriquecimento ilícito, o artigo 10, os atos que acarretam lesão ao erário, e o artigo 11, os atos que violam os princípios da administração.
Em relação à conduta descrita no artigo 9º, tida como a mais grave das espécies de improbidade, o enriquecimento ilícito consiste no fato de o agente público obter qualquer aumento indevido de seu patrimônio em decorrência do exercício de função pública.
Segundo Emerson Garcia, a proibição do enriquecimento sem causa reside em um dever moral que deve nortear as relações sociais, sendo um corolário do Direito e da Justiça. O autor elenca quatro características que possibilitam identificar o enriquecimento indevido: (a) o enriquecimento de alguém (de ordem material, intelectual ou moral); (b) o empobrecimento de outrem (que pode ser positivo quando, por exemplo, alguém perde determinado valor ou negativo, quando se deixa de receber por um serviço prestado); (c) ausência de justa causa; (d) relação de causa e efeito entre o enriquecimento e o empobrecimento. (GARCIA, ALVES, 2004, p. 266)
O artigo 10 da LIA, por sua vez, configura repressão à ruinosa gestão do patrimônio público.
O ato de danificar o patrimônio público por si só não representa improbidade administrativa, visto que não raro a atividade estatal é envolta em uma atmosfera de extremo risco, culminando algumas vezes no fracasso patrimonial de iniciativas públicas (ex. planos econômicos editados no Brasil que causaram danos ao patrimônio). (GARCIA, ALVES, 2004, p.277)
A lesão ao erário abordada neste trabalho refere-se àquela causada pela inobservância dos deveres legais e principiológicos que informam o agente público, por dolo ou culpa.
O legislador expressou tutelar o patrimônio econômico-financeiro, identificado como erário, mas ao utilizar os conceitos no texto legal o fez indiscriminadamente, sem rigor técnico, referindo-se à vasta amplitude do termo patrimônio.
A lesão ao erário (patrimônio) pode ser causada por ação ou omissão. Sabe-se que a maior parte dos atos que malferem o erário é causada por ações concretas como, por exemplo, o desvio ou apropriação de valores aos quais tenha posse, a dispensa irregular de licitação ou a sua fraude, a doação de bens ou valores de propriedade da administração sem observância das normas legais pertinentes, a concessão de benefício fiscal indevido, a permissão ou facilitação de permuta, aquisição ou locação de bem ou serviço por preço maior que o praticado em mercado ou a realização de operações financeiras ao arrepio das leis e regulamentos.
Cumpre acrescentar que é a única espécie de ato de improbidade administrativa que a lei expressamente admite a forma culposa.
Em relação aos atos previstos no artigo 11 da Lei n.º 8.429/92, inicialmente pontua-se que tão ampla quanto à atuação do Estado são as formas de corromper o poder a ele conferido. À Administração Pública são conferidos poderes necessários para gerir as necessidades de uma sociedade: saúde, educação, segurança, moradia, transporte, cultura etc. Neste cenário é impossível positivar todos os ilícitos passíveis de serem praticados pelos agentes públicos nos mais diversos setores. As notícias que assolam os brasileiros diariamente, explicitando a perspicácia e ousadia dos desvirtuados, comprovam tal assertiva.
Atento a isso o legislador tratou de combater atos que atentem contra os princípios da Administração Pública, não somente os do artigo 37 da CRFB/1988 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), mas os inerentes ao sistema, exemplificativamente arrolados no artigo 11 da Lei n.º 8.429/92 (honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade). A este grupo pode-se acrescentar os princípios da finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, igualdade, boa-fé etc., enfim, tudo que compõe a noção de moralidade e probidade administrativa.
O artigo 11 possui caráter residual, porque nele serão enquadradas as condutas que não importem enriquecimento ilícito (artigo 9º) nem causem prejuízo ao erário (artigo 10). Desempenha importante função de apanhar os atos que tenham passado pelas malhas daqueles artigos. Assim sendo, considerou ato de improbidade administrativa a violação aos princípios regentes da atividade estatal: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente [...]”.
A Constituição Federal de 1988 prevê que os atos ímprobos importarão em suspensão dos direitos políticos, a perda função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei.
Atendendo ao dispositivo constitucional, a Lei n.º 8.429/92 estabeleceu em seu artigo 12: a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente.
É cediço que o ressarcimento ao erário e a indisponibilidade dos bens não seriam propriamente sanções. O primeiro, com efeito, apenas significa o restabelecimento das coisas ao estado anterior.
Por todo o exposto, nota-se que o constituinte de 1988 considerou imperiosas a prestação proba do serviço público e a reparação dos danos causados ao erário. A Lei 8.429/1992, igualmente, corroborou a vontade política da sociedade de um adequado gerenciamento da coisa pública, da supremacia do interesse público e do combate aos atos de desonestidade.
Assim, a Lei de Improbidade Administrativa e Ação Civil de Improbidade Administrativa configuram temas importantes de estudo, sendo essencial a frequente visitação, afinal, lidam com um dos grandes desafios do país: o de extirpar da Administração Pública as condutas que violam os princípios da moralidade, da eticidade, da probidade e reaver aos cofres públicos as quantias retiradas indevidamente que culminam em lesão ao erário e ao desenvolvimento do Brasil.
Referências Bibliográficas:
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Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Danielle Mendes. A defesa da probidade administrativa estampada na Ação Civil de Improbidade Administrativa e na Lei n.º 8.429/1992 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29310/a-defesa-da-probidade-administrativa-estampada-na-acao-civil-de-improbidade-administrativa-e-na-lei-n-o-8-429-1992. Acesso em: 23 dez 2024.
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