1. INTRODUÇAO
Uma economia forte e dinâmica é um dos pilares que contribuem para que um país atinja sua soberania frente aos demais. Com isso, configura-se essencial a intervenção jurídica nas relações econômicas e, por conseguinte, sociais, no intuito de regulamentá-las, criando uma segurança jurídica entre as partes que se encontram em permanente negociação.
Temos, portanto, trazido pelo artigo 1º da Constituição de 1988, o princípio fundamental da livre iniciativa. Vejamos:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I- [...]
II- [...]
III- [...]
IV – os valores sociais do trabalho e o da livre iniciativa.
[...]
Com isso, podemos notar que a atividade comercial possui um grande espaço dentro de nossa economia, devidamente embasada em nossa Constituição Federal, que assegura a todos o livre exercício para a prática de qualquer atividade econômica, desde que essa não seja considerada ilícita.
Nesse sentido, restou demonstrada a limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios e administradores que se consolidou como fator de segurança e tranquilidade, servindo como estímulo ao desenvolvimento da atividade comercial (GAMA, 2009, p. xxi).
Sendo assim, tal criação, a personalidade jurídica, possui o objetivo de incentivar a criação de novos comércios, diminuindo os riscos do comerciante, no caso de um eventual insucesso dos seus negócios.
Nesse instituto, o patrimônio da pessoa jurídica e o dos seus representantes legais não se confundem, uma vez que, pelas obrigações dos sócios não será possível alcançar o patrimônio da empresa e pelas obrigações desta, não responde o patrimônio dos seus sócios, salvo hipóteses excepcionais e raras, e, mesmo assim de forma subsidiária (COELHO, 1989, p. 12).
Positivando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, trouxe o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990), em seu artigo 28, in verbis:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Neste particular, o direito material da desconsideração da personalidade jurídica também vem consagrado no artigo 50 do atual Código Civil, o qual estabelece, in verbis:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Com isso, insta lembrarmos os requisitos para que seja instaurado o processo de execução concursal denominada falência, quais sejam: a) devedor empresário; b) insolvência e c) sentença declaratória da falência, observando que todos esses devem ocorrer concorrentemente (COELHO, 2011, p. 350).
Assim, conforme artigo 966 do Código Civil caracteriza-se empresário aquele que sendo pessoa física ou jurídica exerce atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços.
Portanto, devedor empresário é aquele que explora de maneira empresarial, sua atividade econômica, ou seja, é aquele que investe capital, contrata funcionários, adquire insumos, desenvolve ou compra tecnologia, mas não conseguiu cumprir com suas obrigações pecuniárias no vencimento.
No que tange a insolvência, cumpre ressaltar que para que essa se configure como um dos requisitos para a decretação da falência, não basta que seja demonstrada na sua acepção econômica, ou seja, que o ativo seja inferior ao passivo. Mas é preciso que encontrem-se presentes as hipóteses trazidas nos incisos do artigo 94 da Lei 11.101/2005, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência, in verbis:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
De qualquer maneira, já se faz possível concluir que ao pesquisar sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, estudamos um tema que tem por finalidade o escopo das modernas tendências do direito processual civil, que é a busca da efetividade do processo quando estiverem presentes os elementos que demonstram ter sido a sociedade ou mesmo a decretação de falência dessa, utilizada com o intuito de prejudicar terceiros, em benefício dos sócios.
Não podendo, portanto, a personalidade jurídica ser um óbice à busca da justiça, nos casos em que tal instituto deve ser desconsiderado.
2. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO FALIMENTAR
O artigo 50 do Código Civil positiva a teoria da disregard doctrine no ordenamento jurídico brasileiro. Trazendo, portanto, os princípios basilares da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, foi extremamente sucinto, o ordenamento jurídico brasileiro, ao disciplinar a desconsideração da personalidade jurídica. Levando em consideração que, o artigo 50 do Código Civil, consagrando a prática jurisprudencial, possibilita a desconsideração nas hipóteses de “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”.
Na aplicação da teoria da desconsideração, o magistrado deve respeitar o sentido finalístico da norma na aplicação da lei ex vi do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica sempre que os sócios/administradores se utilizem dessa para fins fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída. Conforme disciplina Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 42):
[...] em suma, a aplicação da teoria da desconsideração não importa a dissolução ou anulação da sociedade. Apenas no caso específico, em que a autonomia patrimonial foi fraudulentamente utilizada, ela não é levada em conta, é desconsiderada o que significa a suspensão episódica da eficácia do ato de constituição da sociedade e não o desfazimento ou a invalidação desse ato.
Com isso, a desconsideração da pessoa jurídica reside naquelas circunstâncias previstas, nas quais o juiz deixa de aplicar a tradicional regra da separação entre a sociedade e seus sócios, pela qual, a pessoa jurídica é a responsável por seus danos e os sócios nada respondem (PEREIRA, 2003, p. 232).
Deste modo, a redação do artigo 50 do Código Civil, autoriza ao magistrado avaliar até que ponto o véu da pessoa jurídica pode ser levantado para atingir os seus representantes legais, nos casos de desvio dos estatutos ou contrato social em prejuízos de terceiro, visando restabelecer o equilíbrio jurídico ou, até mesmo, medidas coercitivas que atinjam a esfera jurídica alheia a pessoa jurídica (GAMA, 2009, p. 9).
Efetivamente, ao verificarmos o texto do artigo supracitado, entende-se que, a partir do momento em que os sócios agem contrariamente à finalidade da pessoa jurídica ou abusando da personalidade jurídica, acarretando prejuízos a terceiros, poderá o magistrado estender as obrigações da pessoa jurídica aos bens particulares dos seus administradores ou sócios, ou seja, quando a desconsideração é decretada pelo juiz com relação a uma determinada dívida da sociedade, os sócios passam a responder com seus bens por conta desta.
De tal forma, nos cabe ressaltar que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, estando permanentemente sujeita e limitada não só a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como também a teoria do abuso de direito e a teoria da fraude contra credores.
Diferente é o que ocorre nos casos das relações de consumo, nas quais existe a possibilidade da aplicação ex officio da teoria da desconsideração, tendo em vista que, as normas constantes do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública.
Por isso, podemos auferir que a desconsideração da personalidade jurídica: a) enseja a responsabilização do patrimônio pessoal dos sócios pelas dívidas da sociedade empresária; b) produz efeitos apenas no processo em que foi deferida e; c) visa coibir e punir o uso equivocado da pessoa jurídica.
Finalmente, importante salientar que a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida criada com o objetivo de evitar e/ou coibir fraudes, sendo que tal instituto não pode ser utilizado de forma generalizada, com o simples objetivo de captar patrimônio, para a efetividade do processo. Para que se possa aplicar a doutrina da disregard of legal entity é necessário que estejam presentes os pressupostos elencados no artigo 50 do Código Civil.
3. CONCLUSÃO
Tendo em vista que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem por finalidade evitar a fraude, posto que, em determinados casos a distinção patrimonial existente entre sócios e/ou administradores ultrapassa sua natureza e acaba por ser utilizada com a finalidade de prejudicar terceiros de boa-fé.
Enquanto, o instituto falimentar nada mais é que uma forma de execução coletiva para satisfação de créditos inadimplidos, conjugada a presunção de insolvência do empresário ou da sociedade empresária.
Temos, então, que são claras as antinomias e peculiaridades atinentes aos dois conceitos que devem ser estritamente observadas, com o fim de evitar a aplicação aleatória de ambos.
Isto porque, em regra, não são os sócios que devem responder pelas dívidas na falência, exceto nos casos das sociedades de responsabilidade ilimitada, nessas sim, há igualdade na responsabilização jurídica, decorrente ao artigo 81 da Lei de Falências.
Por conseguinte, nos deparamos com duas hipóteses distintas, quais sejam: a) a situação prevista no artigo 82 da Lei de Falências, que configura a responsabilização do sócio por ato ilícito e eventual dano causado à empresa falida; e b) a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, observando que essa se refere a uma situação específica que não objetiva extinguir a pessoa jurídica, mas apenas afastá-la em determinado caso concreto, e, que nos casos de falência, devem referir-se aos abusos praticados anteriormente à decretação do estado falimentar.
Situação essa que pode ser verificada incidentalmente no processo falimentar, conforme entendimento já pacificado no Superior Tribunal de Justiça.
Ademais de todo o exposto, é necessário que não deixemos que ocorra a vulgarização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, sob pena de se fomentar a crise do princípio da autonomia patrimonial, a qual se constitui imprescindível para a preservação da atividade empresarial.
Deste modo, buscando uma aplicação precisa do referido instituto, devemos aplicá-lo nos casos em que se configure fraude, má-fé ou abuso do administrador, não bastando, portanto, que a simples situação de insolvência seja o único requisito necessário para o emprego da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Logo, entendemos que a teoria da desconsideração dever ser utilizada em raras exceções, observando sua coerência e sistematização, ou seja, apenas nos casos em que estejam caracterizados os requisitos legais de sua aplicação, sob pena de desestimular o desenvolvimento da iniciativa econômica, inserido em nossa Constituição.
Além disso, faz-se imprescindível a modificação legislativa, no intuito de tornar clara a correta aplicação da teoria da desconsideração, especialmente no que tange aos efeitos e medidas da aplicação de tal teoria vinculada aos sócios e/ou administradores.
Contudo, ainda que visemos a preservação dos terceiros de boa-fé, devemos aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tão somente em casos excepcionais e, sempre atinentes, as regras legais.
Finalmente, insta ressaltar, que o uso indevido e exagerado da teoria da desconsideração pode gerar uma crise de insegurança jurídica, acarretando em uma possível diminuição dos investimentos em vários setores da economia.
Graduando na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARAIVA, Raphael. Desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29312/desconsideracao-da-personalidade-juridica-no-processo-falimentar. Acesso em: 23 dez 2024.
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