Sumário: Introdução; 2- A não aplicabilidade do bis in idem no âmbito do Direito Penal; 3- A posição adotada pela jurisprudência; 4- Conclusão; 5- Referências Bibliográficas.
Palavras-chave: vedação ao bis in idem; Controvérsia; Melhor finalidade da pena.
1 - INTRODUÇÃO
Em diversas passagens do Código Penal Brasileiro, o legislador optou em sua atividade legiferante em utilizar várias hipóteses para aumentar a pena do indivíduo transgressor da norma jurídica, em especial destaco o concurso de pessoas e o emprego de arma no deslinde da empreitada criminosa. Entretanto, deixou de observar que assim procedendo estaria ferindo um princípio basilar do Direito Penal, o famigerado bis in idem.
Logo, como o operador jurídico deverá proceder quando depara-se com uma situação análoga em que os tipos penais incriminadores trazem em seu bojo elementares que poderão ser apreciadas duas ou mais vezes. Cabe, então, à Doutrina e à Jurisprudência resolver tal problemática tão corriqueira nas atividades ligadas ao estatuto repressivo.
Inicialmente, convém esclarecermos o que vem a ser o bis in idem, que segundo o magistério do professor Guilherme de Souza Nucci seria o preceito que ninguém deverá ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.
Impende gizar que não há consenso acerca da aplicabilidade ou não das mesmas circunstâncias integrantes do tipo penal.
2 – A NÃO APLICABILIDADE DO BIS IN IDEM NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL
Tomarei como exemplo o caso dos agentes que praticaram a empreitada criminosa insculpidas nos artigos 157, §2º, II, (roubo praticado com o emprego de arma) e 288, parágrafo único (quadrilha ou bando armado), in verbis:
Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
[…]
§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:
I – Se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II – Se há o concurso de duas ou mais pessoas;
[…] (negritei)
Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. (negritei)
Tais crimes tem suas penas aumentadas por conta de disposição legal e por conterem a elementar emprego de arma/armado. Entretanto, nos caso em testilha, a pena dos indivíduos seria elevada por causa especial de aumento de pena por conta do mesmo motivo.
Também poderá ser utilizado o pensamento em tela nas questões referentes no caso da ocorrência de roubo com a majorante por conta do concurso de pessoas em concurso de crimes com o crime de quadrilha ou bando, ou seja, haveria um agravamento substancial da pena por conta das mesmas circunstâncias.
A doutrina não é unânime em relação a estas hipóteses, há doutrinadores que pensam no sentido de não haver a figura do bis in idem, pois no caso em comento o Diploma Criminal tratou dos crimes em momentos distintos, ou seja, em trata-se de proteção de bens jurídicos diversos, quais seja, o patrimônio e a paz pública, e, ainda, visando a autonomia e independência dos delitos em testilha. Neste sentido, Rogério Greco, em sua obra, a fim de explicitar o pensamento de tal corrente doutrinária, traz à tona o pensamento de Weber Martins Batista, o qual versando sobre a qualificadora no concurso de agentes para o crime de roubo e o crime de quadrilha ou bando, aduz:
“A associação de quatro ou mais pessoas para a prática de crimes, indeterminadamente, não é imprescindível, não é meio necessário à prática de roubo em concurso de agentes.
A razão da incriminação daquele crime e o motivo de agravamento da pena deste último derivam de razões diferentes. Num caso, busca-se proteger o sentimento de tranquilidade e segurança das pessoas, bem jurídico que é atingido mesmo quando não se chega a ser praticado nenhum dos delitos que eram a razão da associação. No outro, no roubo qualificado pelo concurso de agentes, a punição mais severa visa a evitar maior facilidade do cometimento do crime, o que ocorre quando são dois o mais executores. Sendo assim, porque diversa a vontade do Estado, ao definir os fatos puníveis, e diferentes os bens jurídicos protegidos pelas pessoas atingidas, não há como falar, na hipótese, em progressão criminosa ou em crime progressivo, em ante-fato ou pós-fato impuníveis”. BATISTA, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal, p. 265-266.
No sentido inverso ao acima exposto está o pensamento de Rogério Greco, o qual preleciona que não há como nas situações em destaque não visualizarmos a presença do combatido bis in idem, pois a elementar está sendo valorada/levada em consideração por duas vezes, logo, não há, segundo o renomado autor mineiro, como visualizarmos a figura do concurso de crimes entre as elementares que aumentam a pena dos crimes de roubo e de quadrilha ou bando.
3 – A POSIÇÃO ADOTADA PELA JURISPRUDÊNCIA
A jusrisprudência, por sua vez, também não é pacífica sobre o tema enfocado, em seus julgados, ora acolhe ora não admite a figura do concurso dos crimes acima expostos.
No sentido do não acolhimento encontramos o seguinte julgado:
Não pode haver concurso entre quadrilha e roubo, ambos qualificados por concurso de pessoas ou emprego de armas, pois redundaria em dupla qualificação pelo mesmo fato (STF, RTJ 120/1056, 144/185, HC 62.563, DJU 30.8.85, p. 14346; HC 62.564, DJU 28.6.85, p. 10678).
Em sentido oposto, coadunando-se ao pensamento de Weber Martins, decidiu os Tribunais da seguinte maneira:
Pode haver concurso entre roubo qualificado pelo concurso de agantes e quadrilha, por serem tipos penais autônomos e com objetividades jurídicas diversas (TJSP, RTJSP 117/480).
Não há o que se falar em bis in idem na condenação por crime de quadrilha armada e roubo qualificado pelo uso de armas e concursos de pessoas, tendo em vista a autonomia e independência dos delitos ( STJ, 5ª T., Resp 819.773/TO, j. 17.8.2006, vu 0 DJU 11.9.2009, p. 343).
Nesta mesma toada, decidiu o STJ, in verbis:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONTINUIDADE DELITIVA. CONCURSO MATERIAL. QUADRILHA ARMADA E ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA.
I - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato de libidinagem que não se ajusta aos classificados de praeludia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução.
II - A ofensa a bens personalíssimos, contra vítimas diferentes, desde que os crimes sejam da mesma espécie, pode ensejar o crime continuado na forma preconizada no parágrafo único do art. 71 do Código Penal. Os requisitos devem ser examinados pelo Órgão Julgador (de estupro para estupro e atentado violento ao pudor para atentado violento ao pudor).
III - Na há que se falar em bis in idem na condenação por quadrilha ou bando armada e roubo majorado pelo emprego de arma, porquanto além de delitos autônomos e distintos, no primeiro o emprego da arma está calcada no perigo abstrato e, no segundo no perigo concreto (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Habeas corpus parcialmente concedido. (STJ, 5ªT., HC 35220 RS, Rel. Min. Felix Fisher, julgado em 5.10.2004 DJ 8.11.2004)
Tratando-se de ramo do direito que tem como objeto principal o direito de ir e vir do indivíduo, estampado pelo Direito Constitucional da Liberdade que é intrínseco a cada indivíduo, não podemos olvidar que quando colocamos em contraste o direito individual retromencionado e o jus puniendi pertencente ao Estado e em se tratando-se de antíteses doutrinárias e jurisprudenciais, deveremos aplicar a regra mais favorável à pessoa que estará sujeita ao poder de punição estatal.
Com efeito, devemos, ainda, considerar que os fundamentos do pena (repressão, prevenção e ressocialização do agente criminoso), hodiernamente, ou podemos ousar em dizer que nunca fizeram bem ao indivíduo que é levado ao cárcere por tempo demasiado. Logo, deveremos aplicar o in dubio pro reo, pois deveremos aplicar o entendimento que prejudique da menor maneira o sujeito ativo da empresa criminosa, destarte, estaremos agindo de maneira mais humana e poderemos alcançar mais facilmente os fins da aplicação da pena ao indivíduo.
4 – CONCLUSÃO
De mais a mais, verifica-se que não há consenso acerca da possibilidade ou não de haver as figuras do concurso de crimes entre roubo e quadrilha qualificados pelas mesmas circunstâncias, assim não há a pacificação acerca do tema se há ou não bis in idem nos casos supracitados.
No meu sentir, devemos estar coadunado com a parte da doutrina, que tem como adepto o nobre jurista mineiro Rogério Greco, e da jurisprudência que afasta a possibilidade do concurso, pois, desta feita, se estará espancando a possibilidade do aparecimento da figura indesejável da dupla punição pelo mesmo fato/circunstância.
Ante o exposto, percebe-se que agindo desta maneira estaríamos utilizando o Estatuto Repressivo de forma mais justa, a fim de que o agente não seja prejudicado por conta de interpretações muitas vezes feitas de forma equivocada.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III, 8ª Ed.Niterói, RJ: Impetus, 2011.
BATISTA, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010.
Estudante do Curso de Direito da Universidade Tiradentes, servidor conveniado do Ministério Público do Estado de Sergipe .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Giovanny de Oliveira. A não aplicabilidade do bis in idem no âmbito do direito penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2012, 08:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29359/a-nao-aplicabilidade-do-bis-in-idem-no-ambito-do-direito-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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