1 - Breve histórico da assistência social no Brasil
Sérgio Pinto Martins delimita a assistência social como "um conjunto de princípios, de regras e instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado"1. Trata-se, portanto, de uma instituição de política social, com o escopo de garantir o mínimo existencial aos hipossuficientes que não sejam segurados por regime previdenciário.
Em 1938, através do Decreto-Lei nº 525, Getúlio Vargas criou o Conselho Nacional de Seguro Social, sendo o primeiro órgão correspondente à ideia vigente de assistência social, o qual a ser complementado pela Legião Brasileira de Assistência, criada em 1942 com o escopo de resguardar famílias de combatentes da Força Expedicionária Brasileira no período pós-guerra,
No ano de 1974, Ernesto Geisel promulga a Lei nº 6.036 criando o Ministério da Previdência e Assistência Social, desvinculando-o do Ministério do Trabalho.
Na mesma tônica de prestígio à assistência social, a Constituição Federal de 1988, ao tratar da Seguridade Social, segregou a matéria em três frentes, quais sejam previdência, saúde e assistência social. Como meio de efetividade à seguridade social, sobreveio a conhecida Lei Orgânica de Assistência Social (nº 8.742/1993).
O referido diploma normativo, além de trazer as diretrizes políticas da assistência social, garante acessibilidade ao benefício disposto no artigo 203, V da Constituição Federal, que assim prescreve: "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
2 – Os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada
Previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, o benefício de prestação continuada, conforme a redação dada pelas modificações introduzidas pela Lei nº 12.435/2011, consiste em " garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família". Assim, são dois os requisitos necessários para fazer jus a tal benefício: (a) ser pessoa portadora de deficiência ou idosa; (b) não possuir meios de prover a própria subsistência, nem tê-la provida por seu núcleo familiar.
No tocante ao primeiro requisito mencionado, o § 2º do referido artigo 20 delimita como pessoa com deficiência: “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. No que se refere à idade, requisito alternativo à deficiência, o caput do artigo 20 considera como pessoas idosas os maiores de 65 (sessenta e cinco) anos. Cumpre destacar que o advento da Lei nº 12.435/2011 alterou o conteúdo do requisito relativo à idade do artigo 20 de 70 para 65 anos. Tal alteração se deu em consonância com o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que já previa em seu artigo 34: “Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas”. Além disso, em sede jurispudencial já era amplamente admitida a possibilidade de concessão do benefício de prestação continuada ao idoso com 65 anos:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração consubstanciam instrumento processual apto a suprir omissão do julgado ou dele excluir qualquer obscuridade ou contradição. 2. A possibilidade de atribuição de efeitos infringentes ou modificativos a embargos declaratórios sobrevém como resultado da presença de vícios a serem corrigidos e não da simples interposição do recurso. 3. O fato de, no momento do ajuizamento da ação estar em vigor o disposto no art. 38 da Lei 8.742/93, alterado por força da Lei 9.720/98, que reduziu a idade mínima de 67 anos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, não pode vir a prejudicar o autor, ante a superveniência da Lei 10.741/03 – Estatuto do Idoso –, que reduziu novamente a idade para 65 anos. 4. Contando a autora com 65 anos de idade no momento do ajuizamento da ação, preenchido se encontra o requisito necessário para a concessão do benefício. 5. Embargos de declaração rejeitados.” (grifo nosso).
(STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 200600094164. Quinta Turma. Relator Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 28/09/2009).
Para fins de concessão do benefício, é considerado como família, nos termos da lei, requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Não havendo possibilidade destas pessoas garantirem o mínimo existencial da pessoa deficiente ou idosa, é devido o benefício.
Ponto que gera certa controvérsia jurídica no âmbito do benefício de prestação continuada previsto na Lei Orgânica de Assistência Social é o quanto disposto no artigo 20, § 3º, que assim prescreve: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”. A crítica que se impõe quanto a tal prescrição é relativa a adoção de um critério objetivo, qual seja a renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo, para fins de concessão do aludido benefício. Cumpre destacar, ainda, que, quando da entrada em vigor da referida norma, este dispositivo relativo ao requisito objetivo para concessão do benefício de prestação continuada foi atacado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232/DF perante o Supremo Tribunal Federal, sendo, no entanto, julgada improcedente. A discussão acerca do critério da renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo questiona a existência de um mínimo absoluto uniforme para um país das proporções e disparidades sociais como o Brasil, bem como a adoção de critérios de renda sem auferir a necessidade de gastos do postulante ao benefício. Inevitavelmente as situações de fato tomaram palco perante o Poder Judiciário. Como resultado, ocorreu a relativização desse critério objetivo, conforme se depreende dos seguintes julgados dos Tribunais Superiores:
(a) no âmbito do STJ, o reconhecimento da aferição da miserabilidade do requerente do benefício de prestação continuada por outros meios diversos do requisito objetivo de ¼ do salário mínimo previsto no art. 20, §3º da LOAS:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOAS. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR MARIDO DA AUTORA NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO.
POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS PELO TRIBUNAL LOCAL.
1. Este Superior Tribunal pacificou o entendimento no sentido de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3.º do art. 20 da Lei n.º 8.742/93 deverá ser observado como um mínimo, não excluindo a possibilidade de que o julgador, ao analisar o caso concreto, lance mão de outros elementos probatórios que afirmem a condição de miserabilidade da parte e de sua família.
2. No caso concreto, as instâncias ordinárias consideraram a autora hipossuficiente. "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo." (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial 1184459/PR. Sexta Turma. Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 04/05/2010. decisão publicada em 02/08/2010)
(b) no âmbito do STF, a não limitação dos meios de prova atinentes à comprovação da miserabilidade do requerente do benefício de prestação continuada por outros meios diversos do requisito objetivo de ¼ do salário mínimo previsto no art. 20, §3º da LOAS:
EMENTA: 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 2. Benefício assistencial (CF, art. 203, V; L. 8.742/93, art. 20, § 3º): ao afastar a exigência de renda familiar inferior a 1/4 do salário mínimo per capita, para a concessão do benefício, o acórdão recorrido divergiu do entendimento firmado pelo STF na ADIn 1232, Galvão, DJ 01.06.2001, conforme assentado na Rcl 2.303-AgR, Pleno Ellen Gracie, 3.5.2004, quando o Tribunal afastou a possibilidade de se emprestar ao texto impugnado interpretação segundo a qual não limita ele os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso. 3. Recurso extraordinário: devem ser considerados os fatos da causa na versão do acórdão recorrido (Súmula 279): precedentes.
(STF. Recurso Extraordinário 416729/SC. Primeira Turma. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Decisão publicada em 02/12/2005)
O enfrentamento reiterado da questão no âmbito dos Juizados Especiais Federais culminaram na edição do Enunciado nº 5 das Turmas Recursais do Juizado Especial Federal de São Paulo/SP, que assim dispõe:
“5 - A renda mensal per capita de ¼ (um quarto) do salário mínimo não constitui critério absoluto de aferição da miserabilidade para fins de benefício assistencial.”
3 – Conclusão
A lei de organização da assistência social instituiu o benefício de prestação continuada com a finalidade de equilibrar a balança social, garantindo a renda de um salário mínimo mensal às pessoas idosas e deficientes, consideradas em condições de maior grau de vulnerabilidade social.
Os requisitos para concessão do benefício de prestação continuada, ou, mais especificamente, o requisito relativo à renda familiar, inegavelmente apresenta certo descompasso com a realidade social. Não há precisão em um critério que aufere a miserabilidade ou a hipossuficiência de cada caso prático com base em parâmetro único, qual seja o da renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considere-se, ainda, as proporções continentais do Brasil, país que apresenta realidades econômicas distintas, em que o valor econômico e o poder aquisitivo do salário mínimo sequer possui a mesma unicidade para as diferentes regiões.
A razão de ser da assistência social é o amparo às pessoas necessitadas que não puderam contribuir para a previdência social, ou não conseguem mais contribuir, as quais se encontram em situação de fragilidade e desvantagem ou exclusão social em decorrência de deficiência ou idade. Assim, diante dos obstáculos legislativos, não dispensas quanto a se valer da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, em face à razão de ser da assistência social, diante da ponderação dos conflitos de natureza assistencial que alcançam o Poder Judiciário, a fim de garantir uma plena efetivação dos direitos desta seara.
1MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2006. p. 472.
Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Estagiário de Direito do Ministério Público Federal - PR/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZAGO, Rodolfo Barbosa. A jurisprudência diante dos requisitos para concessão do benefício de prestação continuada na LOAS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2012, 08:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29391/a-jurisprudencia-diante-dos-requisitos-para-concessao-do-beneficio-de-prestacao-continuada-na-loas. Acesso em: 23 dez 2024.
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