Resumo: Neste artigo será abordado o vício de consentimento estado de perigo, um dos defeitos do negócio jurídico. O estado de perigo se caracteriza pela assunção de uma obrigação excessivamente onerosa, com o objetivo de salvar-se a si próprio, a algum familiar ou inclusive um terceiro, de um perigo de dano grave conhecido pela outra parte. Será apresentado as suas características, exemplos do dia-a-dia e abrangerá todos os aspectos que cercam o estado de perigo.
Palavras chaves: Estado de perigo - Vício de consentimento - Negócio jurídico.
Dentre os defeitos do negócio jurídico existentes, este artigo visa o estudo do instituto do estado de perigo no âmbito do direito obrigacional, sendo figura nova do Código Civil de 2002.
O conceito propriamente do estado de perigo ocorre quando uma pessoa celebra o negócio jurídico, e esse é completamente oneroso a ele, porque a sua vida ou saúde, ou a de alguém de sua família, se encontra na iminência de risco.
O novo Código Civil, assim estabelece em seu artigo 156 o que vem a ser estado de perigo, se não vejamos:
“Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa” (BRASIL, CC, 2002).
Percebe-se que o estado de perigo é também conhecido como um vício de consentimento do negócio jurídico, assim sendo uma inovação do atual Código de Civil de 2002, uma vez que o Código Civil de 1916 não dispunha desse disposito.
De acordo com o nobre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2006, p. 392), para ele, “Constitui estado de perigo, portanto, a situação de extrema necessidade que conduz uma pessoa a celebrar o negócio jurídico em que assume obrigação desproporcional e excessiva”.
Neste diapasão, nota-se que, o estado de perigo sempre irá ocorrer quando alguém se encontrar em numa situação de iminente perigo, movido em salvar-se, ou alguém de seu seio familiar, ou até mesmo alguém com quem tenha forte vínculo afetivo, assume uma obrigação desproporcional e extremamente onerosa. Tornando-se anulável o negócio celebrado nessas condições.
Para César Fiúza (2004, p.231), o mesmo nos ensina que “o estado de perigo se caracteriza pelo temor que leva a vítima a praticar um ato que, em outras condições, não praticaria”.
Para uma melhor ilustração do estado de perigo, por exemplo, é o pai que precisa realizar urgentemente um procedimento cirúrgico em seu filho para salvar-lhe a vida, diante do eminente perigo assume obrigação de arca com os custos dos procedimentos hospitalares, excessivamente oneroso, sem que tenha fundos suficientes para honrá-los. Ou mesmo, o náufrago que oferece todo seu patrimônio em troca que lhe salvem a vida.
Os mestres Gagliano e Pamplona Filho (2002), ambos dão o exemplo dos atos de garantia como fiança, aval, cheque calção dado por indivíduo que pretende internar em caráter de urgência, mas que só obterá a pretensão mediante a emissão de garantia.
O nobre doutrinador Silvio Rodrigues (2003, p.218), ensina que “o estado de perigo se configura quando alguém, ameaçado por perigo iminente, anui em pagar preço desproporcionado para obter socorro”.
Da mesma forma Maria Helena Diniz (2005, p.189), esclarece que:
o lesado é levado a efetivar negócio, bilateral ou unilateral, excessivamente oneroso em razão de um risco pessoal (perigo de vida, lesão à saúde, integridade física ou psíquica de uma pessoa: o próprio contratante ou alguém a ele ligado) que diminui a capacidade de dispor livre e conscientemente. (DINIZ 2005, p.189).
A mesma autora da outro exemplo para um melhor entendimento acerca do estado de perigo, que é o caso do doente, no agudo da moléstia, que concorda em pagar altos honorários exigidos pelo cirurgião; a mãe que promete toda a sua fortuna a quem venha salvar o seu filho que corre perigo; ou uma pessoa que está se afogando e, naquele momento de desespero, oferece toda a sua fortuna para quem lhe salvar. (DINIZ 2005, p.218).
Oportuno ressaltar, que o ponto central da questão a ser verificada é aquela na qual o indivíduo se encontra em risco do dano à vida ou à saúde, própria ou de terceiro, seja o fator determinante da realização do negócio extremamente desfavorável, já que a vítima não tem outra alternativa.
Sendo assim, é importantíssimo verificar se o beneficiado não corroborou para o estado de perigo em que se encontra a vítima.
A grande maioria da doutrina sugere que o negócio quando realizado em estado de perigo poderia existir, porém o valor do pagamento deverá ser reduzido a um preço justo, já que a anulação deste negócio seria injusta, pois de qualquer forma houve um serviço prestado. Nessa linha de raciocínio, a solução mais certa para os doutrinadores, é a de que o juiz mantivesse o negócio jurídico, porém este devesse reduzir o valor da prestação de maneira razoável ao serviço realizado. (VENOSA 2004, p.464).
Nesta questão o Código Civil, descreve que em tese, uma vez anulado o ato jurídico, o agente só poderia recorrer à ação de enriquecimento sem causa para haver o pagamento, já que o autor da promessa enriqueceu indevidamente, pois deixou de pagar um serviço que lhe foi prestado; e o outro contratante sofreu empobrecimento por não receber pelo serviço que prestou. (VENOSA, 2003).
Sobre esse assunto, entende o legislador que o fato do beneficiário conhecer o estado de perigo que se encontra a vítima, aproveita-se do drama da outra parte para realização do negócio e, sendo assim, o negócio não poderia existir.
O novo Código Civil em seu artigo 178, inciso III do Código Civil, o prazo decadencial para anular o negócio jurídico viciado em estado de perigo é de quatro anos.
Para que haja o estado de perigo se faz necessários alguns elementos para a sua caracterização, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.396), os elementos são:
a- uma situação de necessidade, isto é, o agente deve estar premido da “necessidade” de salvar-se, ou a pessoa de sua família.
b- iminência de dano atual e grave, isto é, o perigo de dano deve ser iminente, capaz de incutir receio de que, se não for afastado, as conseqüências certamente ocorrerão. Essa característica é fundamental para que exista o estado de perigo, pois caso contrário, o agente terá tempo de evitar a sua consumação.
c- nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de grave dano, ou seja, a vontade deve se apresentar distorcida em conseqüência do perigo de dano.
d- incidência da ameaça do dano sobre a pessoa do próprio declarante ou de sua família, ou seja, o perigo e a ameaça devem recair sobre essa pessoas. O dano possível pode ser físico e moral. e- conhecimento do perigo pela outra parte, isto é, no estado de perigo, há, em regra, um aproveitamento da situação para obtenção de vantagem. Como forma de sanção é feita a anulação do negócio jurídico, no entanto se a parte que prestou o serviço não sabia do perigo e agiu de boa-fé, não se anula o negócio.
f- assunção de obrigação excessivamente onerosa, ou seja, é necessário que as condições sejam significativamente desproporcionais, capazes de provocar desequilíbrio contratual. (GONÇALVES 2005, p.396).
Salienta-se ainda, que da mesma forma que ocorre na coação, se o estado de perigo ocorrer com pessoa não pertencente à família, o ato poderá ser viciado e o juiz poderá decidir, conforme o caso concreto, permitindo a anulação do negócio jurídico.
Conclui-se que o instituto do estado de perigo tomou espaço na legislação civil com o intuito de inibir o proveito ilícito, qual seja a exagerada desproporção entre as prestações em determinado negócio jurídico. Salienta-se ainda que não se pode, porém, aceitar sua aplicação como remédio jurisdicional a todos os negócios que necessitem de equidade, quando proposta a ação de anulação do negócio jurídico, de modo a buscar o equilíbrio entre as partes.
O instituto do estado de perigo é o instrumento capaz de proteger a parte desfavorecida em uma lide trazendo para a relação negocial a segurança jurídica, mantendo-se, assim, à base moral que deve sustentar a relação entre as partes.
Referências
BRASIL. Código Civil; Código Comercial; Código de Processo Civil; Constituição Federal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. 8. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
___________. Direito Civil Brasileiro: volume 1: parte geral. 3.ed. ver. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2006.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral – Vol. I. 34. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Parte Geral – Vol. I. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
___________. Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, Gustavo Sampaio. Estado de Perigo como defeito do negócio jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2012, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29546/estado-de-perigo-como-defeito-do-negocio-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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