O princípio da eficiência não constava da redação original do art. 37, caput, da Constituição, tendo sido acrescido com a Emenda Constitucional nº. 19/98, em vista da histórica ineficiência da Administração Pública. Foi inserida no texto constitucional no contexto da proposta política que pretendia implementar uma “Administração Pública Gerencial”, segundo a proposta política de Reforma do Estado, que começou a ser implantada no Brasil a partir da década de 90, que preconizava privatização e a extinção do modelo burocrático.[1]
A eficiência em si não é uma qualidade própria da atividade administrativa do Estado, mas aplica-se a todos os ramos da atividade humana, sendo natural a expectativa de que toda atividade que o homem desempenhe na sociedade seja eficiente. Não se concebe que fosse admitido ao administrador público gerir os interesses públicos de maneira ineficiente. Por isso, tem-se falado da desnecessidade da incorporação desse princípio ao texto constitucional, até porque sua concretização depende muito mais da normatização interna de cada órgão do que da sua constitucionalização. Sem essa normatização e, sobretudo, sem a efetiva mudança de comportamento dos agentes públicos, a enunciação do princípio da eficiência na Constituição produzirá efeito nulo ou quase nulo, já que não será possível controlar a eficiência da atividade administrativa sem a criação de parâmetros para medi-la e de sanções para coibir a administração ineficiente e até talvez premiar a administração eficiente.
Nesse sentido, é a crítica feita por EGON BROCKMANN MOREIRA[2]:
Assim deu-se a inserção do “princípio da eficiência” (...) como se fosse possível alterar instantaneamente os parâmetros da ação administrativa “pelo simples efeito de máximas gerais ou de largos princípios, sem recurso a uma multidão de decisões particulares que as implementem e resolvam os problemas concretos previsíveis”. (...)
Conforme já mencionado, não se trata de princípio jurídico, muito menos poderia ser alçado à condição de norma constitucional. Sua inserção não gerará nenhuma novidade ou benefício concreto. O controle da eficiência não parte de norma genérica ou abstrata de conduta, desprovida de mandamento legal. Ao contrário, exige configuração precisa e minuciosa, mediante pautas de comportamento predefinidas – que estabeleçam normativamente o alcance de específicos resultados, a utilização de recursos certos e as conseqüências jurídicas daí derivadas. Caso contrário, inexistirá a “relação” definidora da eficiência.
Esse autor reprova o fato de se aplicar à Administração Pública um parâmetro relativo ao setor privado, que objetiva o lucro, o que poderia gerar distorções, já que aquela tem valores diferentes a realizar, como a estrita obediência às normas jurídicas e o pleno atendimento dos direitos do cidadão, os quais poderiam ser preteridos em favor da produção de resultados estatísticos e financeiros. Além disso, haveria o risco outras normas sofram derrogação ou atenuação em favor da eficiência.
Apesar disso, propõe o autor em questão que, não podendo ser ignorado, esse princípio deve ser interpretado como uma nova forma de controle da Administração Pública, abrindo-se mão do seu conceito econômico-administrativo em favor de uma visão puramente jurídica. Nesse contexto, deveria ser considerada eficiente a atividade administrativa que cumpre com excelência a lei e a moral, de forma impessoal e pública, produzindo o efeito que atende a finalidade normativa.
De forma semelhante, VERA SCARPINELLA BUENO entende que o princípio da eficiência ampliou a possibilidade de controle judicial dos atos administrativos, inclusive do mérito dos atos discricionários:
Nos países como o nosso, onde a jurisprudência impõe restrições à análise judicial do ato discricionário, não só a participação do particular na formação da vontade estatal deve ser acentuada, de forma a compensar o bloqueio imposto pelos tribunais para a revisão do mérito da decisão administrativa discricionária, como eficiência ou ineficiência das decisões da Administração admitem, se não uma ampla possibilidade de controle judicial, ao menos um controle quanto à proporcionalidade do ato em face de outros parâmetros existentes no ordenamento jurídico, como, aliás, é expresso o art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da lei federal.
Dessa forma, a enunciação constitucional do princípio da eficiência amplia o controle judicial dos atos da Administração Pública. As leis de procedimento administrativo tornam referido princípio mais operacional, isto é, ele pode ser manuseado pelos particulares e pelo Judiciário para proteção das liberdades individuais perante o Poder Público.[3]
Deve-se atentar, porém, que a execução da finalidade normativa deve ostentar “qualidades humanas e sociais positivas”, que dirijam-se à maximização do respeito à dignidade da pessoa humana, que é o objetivo maior do Estado Democrático de Direito e um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. Isto coloca em evidência a finalidade normativa não pode ser alcançada a qualquer preço, interessando o modo pelo qual essa finalidade é alcançada, que deve respeitar o valor maior da dignidade do ser humano. A eficiência administrativa, assim, implicaria em que os fins legais sem alcançados com um mínimo de prejuízo aos direitos individuais e sociais. Portanto, a eficiência administrativa deve ser diferenciada da eficácia administrativa, que se refere apenas à produção dos efeitos legais, isto é, à concreção da finalidade normativa, sem considerar os sacrifícios envolvidos.
Sem embargo, numa visão que se aproxima mais da perspectiva econômico-administrativa do setor privado, o princípio da eficiência também é o fundamento da avaliação da Administração Pública, a qual se dá em dois planos: no que diz respeito ao desempenho funcional dos servidores públicos, que deve ser realizar mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, conforme previsto no art. 41, inciso III, da Constituição; e quanto ao atendimento das metas administrativas, conforme estabelecido em normas legais e regulamentares que permitam a aferição dos resultados alcançados em face de objetivos predefinidos. Esta avaliação também a relação deve levar em conta a relação entre esses resultados e os custos envolvidos.[4]
A eficiência deve ser aferida tanto no aspecto propriamente administrativo, quanto no aspecto financeiro, pois não basta que as atividades administrativas satisfaçam o interesse público, mas também é exigido que os recursos utilizados não sejam excessivos, dispendiosos, mas seja utilizado o necessário para que os fins legais sejam alcançados. Desse último ponto de vista, o princípio da eficiência se manifesta como princípio da economicidade. É nesse sentido, que consta a eficiência como um dos critérios para avaliar os resultados da gestão orçamentária, financeira e patrimonial da Administração Pública, previsto nos artigos 70, caput, e 74, inciso II, da Constituição Federal.
VERA SCARPINELLA BUENO identifica dois sentidos de eficiência que podem ser utilizados para estabelecer o conteúdo do princípio da eficiência. Em um sentido comum, eficiência se refere à consecução dos fins com presteza e usando o mínino de recursos possível, ao passo que, em um sentido científico enfatiza apenas a otimização no uso dos recursos disponíveis, sem considerações quanto aos resultados alcançados. Essa autora opta pelo sentido comum, que não restringe a eficiência à otimização dos meios, mas também se refere à realização dos fins, assimilando a noção de eficácia.
O princípio da eficiência está previsto expressamente no caput do art. 2º da Lei nº. 9.784/99.
Sob o ponto de vista do processo administrativo, o princípio da eficiência implica em celeridade processual. Não deve haver demora demasiada na prática dos atos processuais e na conclusão do processo. É dever da Administração impulsionar de ofício o processo administrativo, conforme previsto no art. 2º, parágrafo único, inciso XII, da Lei nº. 9.784/99. Não pode admitir que andamento processual seja paralisado, devendo provocar o andamento do processo, rejeitar a prática de atos desnecessários, protelatórios, zelar pela observância dos prazos processuais, bem como praticar os atos que lhe competem.
Também está relacionado com o princípio da eficiência o princípio da economia processual, que determina que não sejam praticados atos processuais desnecessários. Segundo CINTRA ET AL “preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividades processuais”.[5]
Por fim, o princípio da eficiência se relaciona com o princípio da instrumentalidade das formas e com o princípio da duração razoável do processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 1ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2002.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MOREIRA, Egon Brockmann. Processo administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. 2ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2000.
ROCHA, Sérgio André. Processo administrativo fiscal: controle administrativo do lançamento tributário. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (coord.); ET AL. As leis de processo administrativo: Lei Federal 9.784/99 e Lei Paulista 10.177/98. Malheiros: São Paulo, 2000.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Administrativo. Caxias do Sul/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, José Luiz da Silva. O Princípio da Eficiência da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2012, 08:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29635/o-principio-da-eficiencia-da-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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