SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 2. HISTÓRICO. 3. CONCEITO DE VITIMOLOGIA. 4 CLASSIFICAÇÕES. 4.1 Classificação segundo Benjamin Mendelsohn. 4.2 Classificação segundo Hans Von Henting4.3 Outras Classificações. 4.3.1 Classificação segundo Guaracy Moreira Filho. 4.3.2 Classificação segundo Jimenez de Asúa. 4.3.3 Classificação segundo Guglielmo Gulotta. 5 VITIMOLOGIA: Ciência autônoma ou ramo da Criminologia? 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Heitor Piedade Júnior (1993), sobre o tema Vitimologia, ressalta que o termo é recente, apesar de seu objeto de estudo ter suas raízes fincadas na Antiguidade.
A Vitimologia, como adiante se discutirá com maior precisão, tem se desenvolvido “ora prevenindo a vítima de processos vitimizantes, ora estudando e pesquisando a personalidade da vítima, ora tentando buscar alternativas que lhe assegurem a reparação de um dano” (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.24). Visa defender, sobretudo, a garantia de uma assistência multidisciplinar que venha a ressarcir a vítima materialmente, promovendo também sua reestruturação afetiva.
Neste trabalho serão abordados sucintamente os principais pontos acerca da Vitimologia: seu conceito historicamente construído, as principais classificações sugeridas pelos teóricos do assunto, bem como a discussão quanto a tratar-se de ciência autônoma ou ramo da Criminologia.
O Direito Penal, desde a Escola Clássica, sempre concentrou seus estudos no trinômio delinquente-pena-crime, pois os estudos nesta época eram centrados na pessoa do autor do crime, deixando sem a necessária atenção a vítima. A História da Vítima se deu em três fases.
A primeira fase é a denominada “fase da vingança privada e da justiça privada”, conhecida como “idade de ouro” da vítima, período que marcou profundamente a civilização, pois foi quando o vitimizado deteve em suas mãos a garantia de escolher a solução para o problema decorrente do delito; ou seja: era-lhe facultado o direito de vingança ou de compensação em relação ao seu agressor. Esses direitos concedidos às vítimas, nos primórdios da existência do direito, tinham, além da finalidade de proporcionar ao ofendido uma satisfação pessoal, o propósito primário de fazer com que voltasse a prevalecer a paz originária no seio da coletividade, paz esta que fora conturbada em decorrência da prática do fato criminoso. Considerando essa vingança como uma forma de resposta à agressão, consistia na imposição ao algoz de punições físicas, na retirada de seus bens materiais, culminando até em sua morte.
Com o surgimento das organizações sociais, através da evolução social e política, compreendeu-se que a vingança ilimitada não era mais interessante, havendo, portanto, a decadência do instituto da vingança privada. O Direito Penal passa a ser tratado como matéria de ordem pública, trazendo para si a responsabilidade da administração da justiça.
Nesta fase, a vítima é marginalizada, passando a segundo plano decaindo de sua então posição central para uma posição periférica, com sua consequente neutralização e enfraquecimento.
Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes e Antônio García Pablos de Molina comentam:
“O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denunciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo – advertem – acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e do Direto civil material e processual”. (GOMES & MOLINA, 2000, p.73)
Já a terceira, e atual fase da vítima, denominada como a fase do “redescobrimento”, teve seu início com o fim da II Guerra Mundial, momento em que a sociedade mundial presenciou uma das maiores atrocidades já praticadas, que foi o genocídio realizado nos campos de concentração nazistas. Nesta fase, surge a Vitimologia, então encarregada de realizar a referida redescoberta, pois passou a estudar os motivos que levaram o sistema penal a relegar as vítimas ao esquecimento, e quais as razões de ela não poder ser enquadrada no rol dos sujeitos de direitos, prerrogativa esta concedida aos acusados.
A Vitimologia tem como fundador Benjamin Mendelsohn, professor de Criminologia da Universidade Hebraica de Jerusalém que em 1947 apresentou a conferência “Um novo Horizonte na ciência biopsicossocial – a Vitimologia”. Nessa conferência, o autor deixa claro que não se poderia mais considerar a vítima como simples coadjuvante de um ilícito penal, mero sujeito passivo do crime, enfatizando ser indispensável o estudo do comportamento vitimológico, os atos conscientes e inconscientes que podem levar à eclosão de um crime. Propõe também a sistematização de pesquisas e estudos sobre o referido assunto, não mais como um ramo da Criminologia, mas como uma ciência própria e autônoma denominada de Vitimologia.
Em 1056, é lançada por Mendelsohn “A Vitimologia”, obra que foi publicada na Revista Internacional de Criminologia e de Polícia Técnica, sendo posteriormente reproduzida nas demais revistas de grande prestígio político no mundo. Apesar de Mendelsohn ser considerado pelos especialistas como o fundador da Vitimologia, outros autores contribuíram para a formação dos estudos sobre a vítima.
Um deles foi Marvin Wolfgang, direcionado exclusivamente ao homicídio provocado pela vítima. Em sua obra A Filosofia Penal (1912), criticou as legislações por se focarem quase que exclusivamente para a premeditação do delito pelo delinquente, tratando com irrelevância os motivos que mostram uma inter-relação entre a vítima e o criminoso.
Outro estudioso da área, Ernest Roesner lançou em 1936 e 1938, na Alemanha, dois estudos sobre homicidas relacionados com suas vítimas, valendo-se de estatísticas de condenados cumprindo pena privativa de liberdade.
Em 1979 foi criada a Sociedade Mundial de Vitimologia, e em 28 de Julho de 1984, foi fundada no Rio de Janeiro a Sociedade Brasileira de Vitimologia, através da união de vários especialistas das áreas de Direito, Medicina, Psiquiatria, Psicanálise, Psicologia, Sociologia e Serviço Social, além de outros estudiosos das ciências sociais, que se uniram para consolidar no Brasil os conhecimentos relacionados com a Vitimologia.
Essa Sociedade tem como objetivo realizar estudos, pesquisas, seminários e congressos referentes ao tema, mantendo, para tanto, contato com outros grupos nacionais e internacionais organizando reuniões regionais, nacionais ou internacionais sob aspectos relevantes dos diversos campos do Direito que refletem na Vitimologia.
Finalmente, no ano de 1985, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delito e de Abuso de Poder, mesmo ano em que a Sociedade Mundial de Vitimologia foi credenciada como órgão consultivo.
3 CONCEITO DE VITIMOLOGIA
Etimologicamente, o léxico “vitimologia” pode ser conceituado como “o estudo da vítima”, já que tal palavra deriva do latim “victima”, “ae” e da raiz grega “logo”.
Silva (2008, p. 1495), entende que “vítima é toda a pessoa que é sacrificada em seus interesses, que sofre um dano ou é atingida por qualquer mal. A linguagem penal designa o sujeito passivo de um delito ou de uma contravenção. É assim o ofendido, o ferido.”.
Consoante os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 1017):
“Vítima” é o sujeito passivo do crime, ou seja, a pessoa que teve o interesse ou o bem jurídico protegido diretamente violado pela prática da infração penal. Denomina-se, também ofendido. Deve ser ouvido, sempre que possível, durante a instrução, a fim de colaborar com a apuração da verdade real, valendo a oportunidade, inclusive, para indicar provas e mencionar quem presuma ser o autor do delito (art. 201, CPP).
Nas lições de Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 301):
Estudos de Vitimologia demonstram que as vítimas podem ser ‘colaboradoras’ do ato criminoso, chegando-se a falar em ‘vítimas natas’ (personalidades insuportáveis, criadoras de casos, extremamente antipáticas, pessoas sarcásticas, irritantes, homossexuais e prostitutas etc.). Maridos vergudos e mulheres megeras são vítimas potenciais de cônjuges e filhos; homossexuais, prostitutas e marginais sofrem maiores riscos de violência diante da psicologia doentia de neuróticos com falso entendimento de justiça própria. Quem vive mostrando sua carteira, recheada de dinheiro, aumenta as probabilidades do furto e do roubo; o adúltero há de ser morto pelo cônjuge.
Alguns conceitos de Vitimologia foram destrinchados por Heitor Piedade Júnior (1993, p. 81-86), dentre os quais destacam-se as seguintes definições esquematizadas na tabela:
AUTOR |
CONCEITO |
Benjamin Mendelshon |
A Ciência sobre as vítimas e a vitimização.
|
Henry Ellenberger |
É o ramo da Criminologia que se ocupa da vítima direta do crime e que compreende o conjunto de conhecimentos biológicos, sociológicos e criminológicos concernentes à vítima. |
Hans Göppinger |
A Vitimologia representa um determinado departamento do campo total, relativamente fechado da Criminologia empírica, e, em particular, do complexo problema: o delinquente em suas interdependências sociais. |
Raúl Goldstein |
É o ramo da Criminologia que estuda a vítima não como efeito consequente da realização de uma conduta delitiva, porém como uma das causas que influenciam na produção de um delito. |
Ramírez González |
O estudo psicológico e físico da vítima que, com o auxílio das disciplinas que lhe são afins, procura a formação de um sistema efetivo para a prevenção e controle do delito. |
4 CLASSIFICAÇÕES
4.1 Classificação segundo Benjamin Mendelsohn
A primeira classificação existente é a do próprio fundador da Criminologia, indicando que o objetivo fundamental da disciplina é a existência de menos vítimas em todos os meios da sociedade, sempre que a sociedade estiver honestamente interessada na solução do problema.
Benjamin Mendelsohn destaca três grupos principais de vítimas: a Inocente, a Provocadora e a Agressora. As vítimas Inocentes ou ideais são aquelas que não tem participação, ou se tiverem, a mesma será ínfima na produção do resultado. A vítima Provocadora, por sua vez, é responsável pelo resultado e pode ser caracterizada por provocadora direta, imprudente, voluntária e ignorante. A vítima Agressora pode ser considerada uma falsa vítima em razão de sua participação consciente, praticamente como co-autora do resultado pretendido pelo agente. Assim, tais vítimas são classificadas como: (a) vítima completamente inocente; (b) vítima menos culpada que o delinquente; (c) vítima tão culpada quanto o delinquente; (d) vítima mais culpada que o delinquente e (e) vítima como única culpada.
a) Vítima completamente inocente
Também chamada de vítima ideal. É aquela que não tem nenhuma participação no evento criminoso, o delinquente é o único culpado. Ex: sequestro, roubo qualificado, terrorismo, vítima de bala perdida, infanticídio, etc.
b) Vítima menos culpada que o delinquente
Também conhecida como vítima por ignorância. Trata-se daquela que contribui de alguma forma para o resultado danoso do evento. Ex: Pessoa que frequenta locais perigosos expondo seus objetos de valor.
c) Vítima tão culpada quanto o delinquente
Vítima chamada de provocadora, pois sem a participação ativa da vítima, o crime não teria ocorrido. Ex: corrupção, sedução, rixa, etc.
d) Vítima mais culpada que o delinquente
Nesse caso, a participação da vítima foi maior ou mais intensa do que a do próprio autor. Ex: lesões corporais e homicídios privilegiados cometidos após injusta provocação da vítima.
e) Vítima como única culpada
Nestes casos a vítima constitui-se a única pessoa culpada do evento criminoso. Comum nos crimes culposos. Ex: Indivíduo embriagado que atravessa avenida movimentada, ou também no caso da legítima defesa.
4.2 Classificação segundo Hans Von Henting
A Vitimologia, com a finalidade de estudar a relação vítima-criminoso no fenômeno da criminalidade, surgiu a partir de 1947.
Benjamim Mendelsohn, advogado israelense, e Hans Von Henting, professor alemão, quando exilado nos Estados Unidos, são considerados os pioneiros da Vitimologia.
Von Henting, professor alemão radicado nos Estados Unidos, já vinha aprofundando seu conhecimento com a problemática da vítima. Em 1941, publicou trabalho em que propôs uma concepção dinâmica e interacionista da vítima, não só como sujeito passivo do delito, mas também como sujeito ativo, que contribui para a gênese e execução do crime. “The Criminal and his victim”, escrito em 1948, em vez de falar em Vitimologia, usa o termo Vitimogênese.
É com este estudo, portanto, que Von Henting desenvolve a relação criminoso-vítima, colocando esta última como elemento preponderante e decisivo na realização do delito, em que, consciente ou não, coopera, provoca ou conspira para a ocorrência do crime. A noção de vítima e Vitimologia de Mendelsohn supera a de Von Henting, embora não tenha ficado imune às críticas. Porquanto discorrera sobre sua concepção ampla e abrangente, não se restringindo à vítima do crime, apenas Mendelsohn buscou levar a vitimologia como um ramo independente da criminologia, com investigação e objeto próprio, pelo que parte substancial da doutrina o considera como o pai da Vitimologia.
Hans Von Henting com a obra “O criminoso e sua vítima”, deu passo importante no estudo da relação criminoso- vítima tomou grande impulso.
Hans Von Henting conclui a classificação das vítimas da seguinte forma:
1. Vítima isolada. A vítima neste caso vive na solidão, não se relacionando com outras pessoas. Em decorrência desse meio de vida ela se coloca em situações de risco.
2. Vítima por proximidade. Este grupo de vítimas subdivide-se em: a) Vítima por proximidade espacial, que se torna vítima pelo fato de estar em proximidade excessiva do autor do delito em um determinado local, como ocorre nos casos de furto no interior de um ônibus; b) Vítima por proximidade familiar, a qual ocorre no núcleo familiar, como pode ser visto no caso do parricídio, em que o filho mata seu próprio genitor; c) Vítima por proximidade profissional, que geralmente ocorre no caso de atividades profissionais que requerem um estreitamento maior no relacionamento profissional, como no caso do Médico.
3. Vítima com ânimo de lucro. São taxadas dessa forma as vítimas que pela cobiça, pelo anseio de se enriquecer de maneira rápida ou fácil, acabam sendo ludibriadas por estelionatários ou vigaristas.
4. Vítima com ânsia de viver. Ocorre com o indivíduo que, com o fundamento de não ter aproveitado sua vida até o presente momento de uma forma mais eficaz, passa a experimentar situações de aventura até então não vividas, que o colocam em situações de risco ou perigo.
5. Vítima agressiva. Neste caso a vítima se torna agressiva em decorrência da agressão que sofre do autor da violência, chegando a um nível de não suportar mais a agressão sofrida, ela irá rebater tal ato de modo hostil.
6. Vítima sem valor. Trata-se da vítima que em decorrência de seus atos, não recomendáveis praticados perante a sociedade, acaba sendo indesejada ou repudiada no meio em que vive. Por praticar certos atos, este indivíduo vem a sofrer agressões físicas, verbais, ou até mesmo podendo ser morto. Um exemplo clássico desse tipo de vítima é o caso do estuprador ou assassino que é morto pela comunidade, pela polícia, ou por sua própria vítima.
7. Vítima pelo estado emocional. Essas vítimas são qualificadas desta forma em decorrência de seus sentimentos de obsessão, medo, ódio ou vingança que vem a sentir por outras pessoas.
8. Vítima por mudança da fase de existência. O indivíduo passa por várias fases em sua vida, sendo que ao mudar para certa fase de sua existência, poderá se tornar vítima em conseqüência de alguma mudança comportamental relacionada com alguma das fases.
9. Vítima perversa. Enquadram-se nesta modalidade de vítimas os psicopatas, pessoas que não possuem limite algum de respeito em relação às outras, tratando-as como se fossem objetos que podem ser manipulados.
10. Vítima alcoólatra. O uso de bebidas alcoólicas é um dos fatores que mais leva pessoas a se tornar vítimas, sendo que na maioria dos casos acabam resultando em homicídios.
11. Vítima depressiva. Ao atingir um determinado nível, a depressão poderá ocasionar a vitimização do indivíduo, pois poderá levar a pessoa à autodestruição.
12. Vítima voluntária. São as pessoas que, por não oporem resistência à violência sofrida, acabam permitindo que o autor do delito o realize sem qualquer tipo de obstáculo. Casos que exemplificam esse tipo de vítima são os crimes sexuais ocorridos sem a utilização de violência.
13. Vítima indefesa. Denominam-se vítimas indefesas as que, sob o pretexto de que a persecução judicial lhes causaria maiores danos do que o próprio sofrimento resultante da ação criminosa, acabam deixando de processar o autor do delito. São vistos tais comportamentos geralmente nos roubos ocorridos nas ruas, nos crimes sexuais e nas chantagens.
14. Vítima falsa. São taxadas de falsas vítimas as pessoas que, por sua livre e espontânea vontade, se auto vitimam para que possam se valer de benefícios.
15. Vítima imune. São consideradas dessa forma as pessoas que, em decorrência de seu cargo, função, ou algum tipo de prestígio na sociedade em que vive acham que não estão sujeitas a qualquer tipo de ação delituosa que possa transformá-las em vítimas. Um exemplo é o padre.
16. Vítima reincidente. Neste caso a pessoa já foi vítima de um determinado delito, mas mesmo após ter passado por tal episódio, não toma qualquer tipo de precaução para não voltar a ser vitimizada.
17. Vítima que se converte em autor. Nesta hipótese ocorre a mudança de pólo da violência. A vítima que era atacada pelo autor da agressão se prepara para o contra-ataque. Um exemplo clássico é o crime de guerra.
18. Vítima propensa. Ocorre com as pessoas que possuem uma tendência natural de se tornarem vítimas. Isso pode decorrer da personalidade deprimida, desenfreada, libertina ou aflita da pessoa, sendo que esses tipos de personalidade podem de algum modo contribuir com o criminoso.
19. Vítima resistente. Por não aceitar ser agredida pelo autor, a vítima reage e passa a agredi-lo da mesma forma, sempre em sua defesa ou em defesa de outrem, ou também no caso de cumprimento do dever. Neste caso há sempre a disposição da vítima em lutar com o autor.
20. Vítima da natureza. São pessoas que se tornam vítimas em decorrência de fenômenos da natureza, como no caso de uma enchente, um terremoto etc.
4.3 Outras Classificações
4.3.1 Classificação segundo Guaracy Moreira Filho
Guaracy Moreira Filho, através do exercício da sua profissão de Delegado de Polícia, chegou à conclusão de que as vítimas devem ser classificadas do seguinte modo:
a) Vítimas Inocentes: são as que não contribuem para o fato delituoso, não colaborando de nenhuma forma para a consumação do crime. Entre outros exemplos, podem ser citadas as vítimas de infanticídio, de abandono, de extorsão mediante sequestro, de produtos adulterados ou falsificados, etc.
b) Vítimas natas: são as que contribuem para a consumação de uma infração penal, devido ao seu comportamento agressivo e personalidade insuportável, que acaba precipitando a eclosão do crime. Exemplos são a imprudência nos crimes de trânsito, a prepotência ao expor objetos de valor em locais perigosos, etc. As vítimas desta categoria normalmente se faz presente onde o criminoso ocasional já se encontra, não precisando este “procurar sua caça”. Apesar da culpa das vítimas imprudentes e prepotentes, obviamente em caso de crime elas são menos culpadas do que os delinquentes.
c) Vítimas omissas: são as que recusam integrar-se na sociedade em que vivem, por atos como, por exemplo, deixar de fazer as devidas denúncias à autoridade pública quando sofrem algum dano, desprezando assim a cidadania, já que tampouco há solidariedade em sua conduta. As vítimas deste tipo se encontram nas regiões mais carentes da sociedade, onde o Poder Público não se faz presente. Exemplos de crimes onde se verificam esta categoria de vítimas são os atentados sexuais como estupros, além da violência doméstica, crime muito comum e que, todavia, muitas vezes permanece impune.
d) Vítimas da Política Social: também chamadas de vítimas da negligência do Poder Público, ou ainda de crime branco, que é o poder público organizado contra o povo. A corrupção é a principal causa dos crimes que acometem estas vítimas da improbidade administrativa, verificada em todos os países, com predominância nos mais pobres e nos emergentes, como o Brasil.
4.3.2 Classificação segundo Jimenez de Asúa
A despeito de sua relutância em aceitar a Vitimologia como ciência, Jimenez de Asúa deixou um ensaio sobre uma nova tipologia de vítima, que abrange:
a) Vítima indiferente, que diz respeito à pessoa atacada aleatoriamente;
b) Vítima indefinida ou indeterminada, que pode ser colocada como a coletividade, ou indivíduos medianos que sofrem com agressões e com a violência da sociedade moderna;
c) Vítima determinada, isto é, a pessoa atacada em razão de uma característica própria.
Esta classificação apresenta um teor sociológico delimitador da tipificação apenas em razão da sociedade como um todo.
4.3.3 Classificação segundo Guglielmo Gulotta
Este autor assim descreve os tipos de vítima:
a) Vítima falsa – simulada ou imaginária: a vítima falsa simulada é aquela que atua conscientemente ao provocar o movimento da máquina judiciária, com o desejo de gerar um erro judiciário ou, ao menos, alcançar a impunidade por algum fato delitivo que tenha cometido. Já a vítima falsa imaginária é aquela que erroneamente crê, por razões psicopatológicas ou imaturidade psíquica, haver sido objeto de uma agressão criminal.
b) Vítima real – fungível e não fungível: as vítimas reais fungíveis podem ser, também, chamadas de inteiramente inocentes ou vítimas ideais, pois, caso venha a ocorrer um delito, sua relação com o criminoso é irrelevante e, justamente por isso, elas são “substituíveis” na dinâmica criminal. As vítimas fungíveis não desempenham este papel em função de uma concreta relação com o delinquente; o fato delitivo não se desencadeia com base em sua intervenção, consciente ou inconsciente.
As vítimas fungíveis se subdividem em acidentais e indiscriminadas. As acidentais são aquelas colocadas, por azar, no caminho dos delinquentes como, por exemplo, aquela que se encontra num banco no exato momento em que um grupo de assaltantes ali adentra para roubá-lo.
Já as indiscriminadas representam uma categoria mais ampla que a anterior, pois não sustentam, em nenhum momento, vínculo algum com o infrator como, por exemplo, as vítimas de atentados terroristas.
Por outro lado, as vítimas não fungíveis são aquelas que desempenham um certo papel na gênese do delito. Daí serem consideradas “insubstituíveis” na dinâmica criminal. As vítimas não fungíveis se subdividem em imprudentes, alternativas, provocadoras e voluntárias.
As imprudentes são aquelas que omitem as precauções mais elementares facilitando, dessa forma, a concretização de um crime. Exemplo: deixar à mostra um objeto valioso dentro de um veículo que esteja com os vidros abertos.
As alternativas são aquelas que, deliberadamente, se colocam em posição de sê-lo, dependendo do azar sua condição de vítima ou de vitimário. Exemplo clássico mencionado pela doutrina é o duelo.
As provocadoras, em que o delito surge, precisamente, como represália ou vingança pela prévia intervenção da vítima. Exemplo são os homicídios privilegiados cometidos após injusta provocação da vítima.
As voluntárias, que constituem o mais característico exemplo de participação. Nestes casos o delito é resultado da instigação da própria vítima ou de um pacto livremente assumido. Exemplo típico é a eutanásia.
5 VITIMOLOGIA: Ciência autônoma ou ramo da Criminologia?
Quanto à natureza da Vitimologia, não há unanimidade entre os que a estudam. Uns defendem que ela seja uma ciência autônoma, outros que seja apenas um ramo recente da Criminologia. No entanto, a maioria, p.ex. Lola Aniyar de Castro, tem adotado uma posição mais moderada entendendo-a como um ramo da Criminologia, mas com uma possibilidade efetiva de se tornar ciência (MOREIRA FILHO, 2006, p.76). Nesta mesma linha está Sempertegui (p.63) apud PIEDADE JÚNIOR (1993, p.122): “a Vitimologia, no momento, nada mais é do que ‘o esboço de uma esperança e uma possibilidade de que ela venha tornar-se ciência’”.
Dentre os que se posicionam a favor da autonomia científica está o próprio Benjamin Mendelson, afirmando que a Vitimologia faz parte do grupo de ciências que partem de um fundamento composto já que é ciência interdisciplinar que se compõe de todos os segmentos das ciências humanas, como o Direito, a Psicologia, a Sociologia, a Psiquiatria etc. (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.121)
Outro defensor da autonomia científica da Vitimologia é Israel Drapkin (1974, p.13) apud PIEDADE JÚNIOR (1993, p.122) para quem “a Vitimologia ‘basicamente se refere ao estudo a vítima, e é precisamente essa definição plural a que credencia a possibilidade do estudo do sujeito, desde um grande número de aspectos diferentes e antagônicos”.
Ainda defendem esta posição Ester Kosovski, Edmundo Oliveira, Manzarena.
Dentre os que negam esta autonomia estão Shecaira, que afirma ser a Vitimologia um recente movimento criminológico; Jiménez de Asúa; Ellenberger, afirmando que ela é “um ramo da criminologia que se ocupa da vítima direta de um crime e que compreende o conjunto de conhecimentos biológicos, sociológicos e criminológicos concernentes à vítima” (ELLENBERGER, 1954, p.121, apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.124). Além de Paasch, Goldstein e Goppinger, todos reproduzindo os mesmos argumentos.
A Vitimologia, para Guaracy Moreira Filho (2006, p.77) é:
[...] uma disciplina independente, autônoma, não mais um ramo da Criminologia, pois suas, vitórias e conquistas sociais, conforme se vê nesse estudo, são marcantes e sólidas [...] uma entidade múltipla que estuda cientificamente as vítimas visando adverti-las, orientá-las, protegê-las e repará-las contra o crime.
Portanto, para o referido autor, não se trata de uma ciência, mas de uma disciplina autônoma.
Quanto ao caráter multidisciplinar diante das considerações até então elencadas há que se concluir que, diferente do que ocorre quanto à sua natureza, há um consenso que o admite.
Kosovski (2008) afirma ser a Vitimologia campo multidisciplinar por excelência o qual se estende por diversas áreas de atuação, portanto em diversos contextos. Dessa maneira
[...] a atenção à vítima engloba o estudo e a pesquisa para dimensionar e conhecer melhor o objeto, a adaptação da legislação a uma nova abordagem e o apoio, assistência e proteção à vítima na chamada advocacia da vítima. (KOSOVSKI, 2008, p.34)
Cabendo com o resultado da pesquisa o desenvolvimento de ações como a intervenção em crises, a compensação, a restituição, o ressarcimento do dano, a assistência médica, psicológica e jurídica que prevê o acompanhamento tanto na mediação como no processo criminal.
Moura Bittencourt por sua vez, no I Simpósio Internacional de Jerusalém, em 1973, “concluiu que a Vitimologia é ainda um capítulo da criminologia”, no entanto não se prende a ela exclusivamente, “se comunica com outras e muitas”. (PIEDADE JÚNIOR, 1993)
Por fim para Heitor Piedade Júnior (1993) a necessidade de rotular a Vitimologia enquanto ciência ou não é irrelevante; para ele o que é importante é o seu caráter multidisciplinar para que atinja seus objetivos. Assim, a Vitimologia deve trilhar seus próprios caminhos para conhecer a complexa órbita da manifestação do comportamento da vítima face aos processos vitimizantes tentando buscar alternativas para a prevenção e reparação nos processos de vitimização.
6 CONCLUSÃO
De tudo o que até aqui se pode analisar, resta claro que os estudos da Vitimologia propõem-se a ir muito além da análise da influência da vítima na ocorrência do delito, já que não se limita a um momento específico do crime, atingindo inclusive as conseqüências dele decorrentes.
A fim de fomentar o protagonismo da vítima no processo – não só penal –, mas, sobretudo, a superação dos efeitos de um crime na vida da vítima, surgiu a Vitimologia. Ao lado da sociologia, da psiquiatria, da psicologia e de outras ciências, veio expandir o estudo do crime persuadindo a vítima a compor a trilogia do delito e de sua resolução, retirando-a da marginalidade, dando-lhe voz a fim de que ela supere os efeitos decorrentes do ilícito sem, contudo, retirar a responsabilidade do autor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vitima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995;
KOSOVSKI, Ester. Estudos de vitimologia. Sociedade Brasileira de Vitimologia. Rio de Janeiro: Carta Capital, 2008;
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de direito penal-Parte Geral. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007;
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. São Paulo: RT, 2008.
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: RT, 1999;
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: evolução no tempo e no espaço. 1. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos , 1993;
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011;
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2008;
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1409> Acesso em dezembro de 2011
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400> Acesso em dezembro de 2011
<http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6931/Vitimologia_e_Direito_Penal_Brasileiro_Assistencia_a_Vitima> Acesso em dezembro de 2011
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Antonio Augusto Costa Everton. Aspectos da Vitimologia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2012, 09:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29644/aspectos-da-vitimologia. Acesso em: 21 nov 2024.
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