A regra geral, prevista no Código de Defesa do Consumidor é a que somente prevê a exclusão da responsabilidade em face das excludentes expressamente previstas em seu corpo normativo (art. 12, § 3° e 14, § 3°), contudo, alguns doutrinadores tem se posicionado no sentido de ser, perfeitamente possível, o abrandamento de tal rigor, considerando outras eventuais hipóteses de exclusão de responsabilidade, tais como o caso fortuito ou força maior, riscos de desenvolvimento e exercício regular de direito, além de considerar possível a redução do valor indenizatório quando se puder provar a culpa concorrente da vítima.
Uma questão que chama a atenção, em matéria de responsabilidade objetiva, é da culpa concorrente. O CDC fala em culpa exclusiva de terceiro, como excludente de responsabilidade, mas nada diz quando se trata de culpa concorrente. Ocorre a culpa concorrente quando o dano é provocado tanto pela conduta da vítima quanto de outra pessoa. As duas, então, estariam concorrendo para a ocorrência do dano. Imagine-se um acidente de veículo, onde o air bag não abriu, vitimando o condutor que estava em excesso de velocidade foi a causa do acidente, e diz que o motorista poderia ter sobrevivido se o air bag tivesse funcionando. Aqui, então, houve duas causas concorrendo para o dano, morte do motorista: o excesso de velocidade e o não funcionamento do air bag.
Em se tratando de culpa concorrente, se o princípio é da responsabilidade subjetiva, os que concorreram para o vento, inclusive a vítima, respondem também, na proporção da participação de cada um, no pagamento da indenização.
Entretanto, em se tratando de responsabilidade objetiva, a doutrina tem entendido que mesmo com a concorrência de causas, inclusive com a participação do consumidor, “ subsiste a responsabilidade integral do fabricante e demais fornecedores arrolados no caput, pela reparação dos danos”[1]. Isto porque o produto já era defeituoso antes do acidente e, mesmo que o consumidor não agisse com culpa, o dano ocorreria. No caso do air bag, este fato, por si só, diante de uma colisão, era capaz de provocar-lhe a morte, e, assim, ele, fabricante, já teria violado um direito do consumidor, ao colocar no mercado um produto defeituoso, que não oferece a segurança que dele legitimamente se espera.
Embora o Código de Defesa do Consumidor não faça nenhuma menção à culpa concorrente, seja da vítima seja do terceiro, entende-se que é perfeitamente possível a aplicação de tal preceito com o fito de minorar o dever de indenizar por acidentes de consumo decorrente do fornecimento de produtos ou serviços. Tal decorre do fato de que não há nenhuma incompatibilidade com as regras consumeristas, a aplicação desta minorante.
E assim se vê, porque é perfeitamente possível que o consumidor possa contribuir para que a fruição do produto ou de serviço possa ser realizada de maneira inadequada, vindo a gerar um dano, quando então, não se poderia responsabilizar exclusivamente o fornecedor. Nesse norte, cabe também destacar que o Código de Defesa do Consumidor não trata da culpa concorrente, seja do utende ou adquirente, seja de terceiro. Nestes casos, contudo, cabe aplicar por analogia o Código Civil e, embora não possa ser considerada uma eximente, deve concorrer para minorar a responsabilidade do fornecedor.
Por fim, vale destacar a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
CIVIL. CDC. OPERAÇÃO DE COMPRA E VENDA. ENTREGA DOS MÓVEIS. MONTAGEM PENDENTE. SOLICITAÇÃO EFETIVADA. ATENDIMENTO PSEUDOS EMPREGADOS. RETIRADA DA MERCADORIA A PRETEXTO DE INCORREÇÃO. PROMESSA DE SUBSTITUIÇÃO. ATO DE TERCEIRO FRAUDULENTO. CULPA CONCORRENTE DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE IMPRESCINDÍVEL IDENTIFICAÇÃO DOS EMPREGADOS. CULPA IN VIGILANDO DO CLIENTE. PREJUÍZO RATEADO PARTES IGUAIS.
1. Contrato de compra e venda de mercadoria, cuja montagem restou sobrestada por iniciativa do cliente. Uma vez solicitada a prestação dos serviços, há comparecimento de terceiros se identificando como empregados credenciados à montagem. Mercadoria retirada a pretexto de errônea mercadoria entregue, sob promessa de troca. Ação fraudulenta de terceiros. Natureza consumerista da relação jurídica e, nesse prisma, a solução da controvérsia encontra contornos precisos no Código de Defesa do Consumidor, em perfeita simetria com o assento constitucional insculpido no artigo 5°, inciso XXXII, ao erigir em direito fundamental a proteção do consumidor. Dentre os direitos básicos do consumidor se inserem a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, segundo inteligência do artigo 6°, inciso VI, do CDC.
2. Culpa concorrente configurada, impondo-se rateio do prejuízo em partes iguais. Age a empresa sem imprescindíveis cautelas de identificação de seus empregados e, em contrapartida, o cliente não adotou medidas preventivas adequadas por ocasião da entrega da mercadoria aos falsos montadores, de molde a configurar a culpa in vigilando.
(TJDF, AC 2007.04.1. 009282-5. Rel.Donizeti Aparecido da Silva. DJ: 19/05/2009. p.100)
O Código de Defesa do Consumidor também nada disciplina quanto à tradicional excludente da responsabilidade objetiva: o caso fortuito e a força maior. Como se sabe, tanto o caso fortuito ou força maior são aqueles fatos alheios à vontade da parte, que impedem o cumprimento de algum dever ou obrigação. Na lição de Pontes de Miranda, “força maior diz-se mais propriamente de acontecimento insólito, de impossível ou difícil previsão, tal uma extraordinária seca, uma inundação, um incêndio, um tufão; caso fortuito é um sucesso previsto, mas fatal como a morte, a doença etc”[2]. Entretanto, nos termos em que essas excludentes são tratadas pelo art. 393 do CC[3], a distinção entre uma excludente e outra não tem nenhum sentido prático, pois o efeito da ocorrência tanto do caso fortuito, como da força maior, são os mesmos: a exclusão da responsabilidade ou do nexo causal.
A partir disso, levando para o posicionamento consumerista, a grande discussão é, se o caso fortuito ou a força maior excluem, ou não, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. A questão não está ainda pacificada na doutrina. Autores como Luiz Antônio Rizzato Nunes sustentam que, como o § 3° do art. 12 utiliza o advérbio “só”, o rol é taxativo, e não autoriza a inclusão dessas excludentes: “o risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito ou a força maior”[4].
A questão deve ser tratada de outra forma. Ora, se o defeito de concepção ou produção é tratado como fato inevitável, evidente também que pode ser considerado decorrente de caso fortuito ou de força maior, porque escaparia ao controle do homem. Entretanto, na fase de concepção ou de criação o risco é todo do fabricante, produtor, construtor ou importador, não podendo alegar essas excludentes. O contrário, ou seja, a discussão sobre a evitabilidade ou não do ato, deslocaria a discussão para a subjetividade da conduta, o que nunca foi a intenção do legislador, tanto assim que impôs a responsabilidade sem culpa.
Para Sérgio Cavallieri[5], o fornecedor real responderia pelo caso “fortuito interno”, deixando de responder pelo caso fortuito externo. Aquele se revelaria em qualquer defeito inevitável que ocorresse antes do produto ou serviço ser disponibilizado ao público consumidor, enquanto o “fortuito externo” compreenderia todos aqueles “defeitos” que tivesse origem após a disponibilização para o consumo. Então, se o caso é fortuito, independentemente, dele ocorrer antes ou após a introdução do produto ou serviço no mercado, ele atua como excludente da responsabilidade exatamente pela quebra do nexo causal. Se de fato existir um caso fortuito, que ocorra durante o processo de fabricação do produto, evidente que o fornecedor real por ele não pode responder. Se assim fosse, estar-se-ia adotando não simplesmente a teoria do risco, mas do risco integral, onde basta tão somente a prova do dano, sendo irrelevante o nexo causal.
Aqui, entretanto, se deve fazer uma advertência. O CDC, no seu artigo 8° , impõe ao fornecedor o dever da qualidade e segurança dos produtos e serviços. A quebra desse dever pode levar o fornecedor a responder pelos danos causados independentemente da existência de culpa. Muito raramente eventual defeito de um produto ou serviço vai estar associado ao caso fortuito ou à força maior. O fato de entre 10.000 carros, um apresentar defeito no sistema de freios, não pode dizer que haveria aí um caso um caso fortuito, totalmente fora do controle do fornecedor real. Ainda que haja o risco de tal defeito ocorrer não quer dizer que só por tal fato o mesmo se torne inevitável, invencível. É sim um fato tecnicamente evitável e que está sob o controle técnico do fornecedor real, que é sempre o profissional. Se assim não fosse, todos os outros carros apresentariam o mesmo defeito. O risco quanto a tal fato pertence exclusivamente ao fornecedor real. É exatamente por este motivo que o CDC abdicou da culpa, é mesmo inevitável, invencível pelo estágio da ciência, estar-se-à diante de um caso fortuito ou força maior e não se poderá responsabilizar qualquer fornecedor, como ocorre nas hipóteses de defeito do produto ou serviço associado ao risco do desenvolvimento.
Reitera, ainda, o julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre a ocorrência ou não de caso fortuito e força maior:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. PROBLEMAS TÉCNICOS. FORTUITO INTERNO. RISCO DA ATIVIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MODERAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ.
1. A ocorrência de problemas técnicos não é considerada hipótese de caso fortuito ou de força maior, mas sim fato inerente aos próprios riscos da atividade empresarial de transporte aéreo (fortuito interno), não sendo possível, pois, afastar a responsabilidade da empresa de aviação e, consequentemente, o dever de indenizar.
2. É inviável, por força do óbice previsto na Súmula n. 7 do STJ, a revisão do
quantum indenizatório em sede de recurso especial, exceto nas hipóteses em que o valor fixado seja irrisório ou exorbitante.
3. Agravo regimental desprovido por novos fundamentos.
(STJ. AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.310.356 - RJ 2010/0091553 Rel. Min. João Otávio de Noronha. DJ 13/04/2011)
Portanto, se verifica que o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco da atividade como pressuposto para responsabilizar o fornecedor, conseguintemente justifica-se a aplicação subsidiária dos princípios esculpidos no Código Civil naquilo em que a lei consumerista for omissa. Daí, conclusão que exsurge é que as excludentes força maior e caso fortuito são plenamente aplicáveis em seara consumerista.
Nesse norte, cabe também destacar que o Código de Defesa do Consumidor não trata da culpa concorrente, seja do utende ou do adquirente, seja de terceiro. Nestes casos, contudo, cabe aplicar por analogia o Código Civil e, embora não possa ser considerada uma eximente, deve concorrer para minorar a responsabilidade do fornecedor. Assim, o CDC estaria a merecer a atenção do legislador no sentido de melhor disciplinar algumas matérias que são consideradas controvertidas e que poderiam ser adequadamente solucionadas por via legislativa, tais como o caso fortuito e a força maior e a culpa concorrente, institutos estes que poderiam ser taxativamente incorporados entre as eximentes aceitas pela lei consumerista.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Fernando Costa de. Uma introdução ao direito brasileiro do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, a. 2009
CARVALHO NETO, Frederico da Costa. Ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1995. p. 127-128.
DENARI, Zelmo. In: GRINOVER, Ada Pelegrini. Código brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1998.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 4 .ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, v. XXXIII. p. 78.
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. Saraiva, 2000. p. 169.
[1] - DENARI, Zelmo. In: GRINOVER, Ada Pelegrini. Código brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1998.
[2] - MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 4 .ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, v. XXXIII. p. 78.
[3] - Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
[4] - NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. Saraiva, 2000. p. 169
[5] - CAVALIERI FILHO, Sérgio. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1995. p. 127-128.
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Antonio Augusto Costa Everton. A possibilidade de aplicação do caso fortuito, da força maior e da culpa concorrente como excludentes da responsabilidade no direito consumerista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2012, 08:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29676/a-possibilidade-de-aplicacao-do-caso-fortuito-da-forca-maior-e-da-culpa-concorrente-como-excludentes-da-responsabilidade-no-direito-consumerista. Acesso em: 22 nov 2024.
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