RESUMO: O artigo subscrito objetiva abordar matéria necessária e de grande repercussão na seara do direito de família que são os alimentos, enfatizando os alimentos gravídicos e sua disciplina jurídica.
Palavras-chave: Alimentos; nascituro; gestante; dignidade da pessoa humana.
SUMÁRIO: 1. Conceito e Espécies – 2. Características da Obrigação Alimentar – 3. Previsão Legal – 4. Alimentos Gravídicos e sua Efetividade – 5. Conclusão.
1. CONCEITO E ESPÉCIES
A existência do ser humano, desde o nascimento até a morte, reclama bens e necessidades de seus semelhantes para sua própria subsistência.
O Direito, atento a tal realidade, disciplinou dentro do direito de família os alimentos, cuja definição, embora não expressa no capítulo específico do Código Civil (art. 1694 à 1710), foi abrangida na disciplina do legado [1].
Os alimentos são prestações de auxílio pecuniário por parte de alguém que dispõe de meios econômicos suficientes para a manutenção de outrem, não se restringindo somente ao alimento em si, mas abrangendo tudo quanto necessário para atender as necessidades do alimentado, como vestuário, habitação, educação, assistência médica e inclusive, o laser. Neste sentido, conceitua o doutrinador Silvio Rodrigues:
“Alimentos, em direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também de vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim, de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução.” (RODRIGUES, 2002).
Os alimentos são de várias espécies e podem ser classificados:
a) Quanto à natureza: naturais (aqueles estritamente necessários à subsistência) e os civis (aqueles que visam manter a condição social);
b) Quanto à causa jurídica em alimentos: legais (devidos em razão de uma obrigação legal, que pode originar do parentesco, do casamento ou da união estável), voluntários (advindos de declaração de vontade inter vivos ou causa mortis, fazendo por isso parte do direito das obrigações ou das sucessões); e indenizatórios (decorrentes de responsabilidade civil como forma de indenização do dano ex delicto, pertencendo também ao direito das obrigações);
c) Quanto à finalidade: definitivos (aqueles fixados pelo juiz na sentença ou em acordo das partes homologado judicialmente, embora passíveis de revisão judicial); provisórios (aqueles fixados liminarmente no despacho inicial da ação de alimentos diante da prova pré-constituída da paternidade) e provisionais (são os arbitrado em medida cautelar, preparatória ou incidental, que visa manter o suplicante durante o trâmite da lide principal);
d) Quanto ao momento em que são reclamados: pretéritos (aqueles anteriores ao ajuizamento da ação); atuais (existentes a partir do ajuizamento) e os futuros (surgidos a partir da sentença). O direito nacional só admite os dois últimos.
2. CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Os alimentos são caracterizados, doutrinariamente, como um direito: personalíssimo, cuja titularidade não se transfere; irrenunciável, podendo deixar de ser exercido, mas nunca renunciado; irrestituível, salvo nos casos patológicos com pagamento feito com erro quanto à pessoa; incompensável com outras créditos de outra natureza; impenhorável; intransacionável, todavia o quantum dos alimentos permite transação; imprescritível, contudo a prestação de pensão prescreve; variável; periódico e divisível.
Por sua vez, a obrigação alimentar está firmada no princípio da proporcionalidade, pelo qual o montante dos alimentos deve ser arbitrado de acordo com as necessidades do alimentado e as possibilidades do alimentante, nos termos dos artigos 1694 [2], § 1º, e 1695 [3] do Código Civil, a fim de não levar um à necessidade e tampouco permitir que o outro se locuplete injustamente.
3. PREVISÃO LEGAL
O direito de família se ocupa apenas com os alimentos legais, os quais estão disciplinados em diversos diplomas, dentre eles destacamos: Código Civil de 2002, Lei de Alimentos nº 5478/68, Lei do Divórcio nº 6515/77, Lei nº 8971/94 e Lei nº 9278/96 (União Estável), Estatuto da Criança e Adolescentes, Estatuto do Idoso, e em especial Lei nº 11.804/08 (Alimentos Gravídicos).
4. ALIMENTOS GRAVÍDICOS E SUA EFETIVIDADE
Nossa legislação, embora consagre a responsabilidade dos pais proverem a subsistência e educação dos seus filhos, bem como reconheça que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, ressalvando-se desde a concepção os direitos do nascituro [4], restava silente quanto à possibilidade de concessão de alimentos ao nascituro.
Até novembro de 2008, a prestação alimentícia só era devida após o nascimento do filho e com a comprovação da paternidade. Dificilmente, a Justiça concedia alimentos antes do nascimento através de ação investigatória de paternidade c/c alimentos, sendo deferido, raras vezes, naqueles casos em que havia indícios do vínculo parental ou após o resultado do exame de DNA ou quando o pai recusava realizá-lo e tinha aplicado a Súmula 301 do STJ. A Lei de Alimentos era um verdadeiro empecilho para proteção do direito a vida do nascituro e da gestante, haja vista a exigência do nascimento e da prova da filiação para concessão dos alimentos provisórios
Por sua vez, a Lei 11.804/08 [5], trouxe o que muitos doutrinadores e operadores do direito clamavam: a possibilidade da gestante requerer o direito alimentos durante a gravidez. Ou seja, antes do filho nascer e sem comprovar a paternidade, já se faz possível o direitos aos alimentos, a fim de resguardar uma boa gestação e o nascimento de uma criança saudável.
A lei veio regulamentar no ordenamento jurídico a realidade da vida social, posto que desde a concepção já existe um pai e uma mãe, já existem despesas e não teria porque se aguardar o nascimento da criança, a comprovação da vida e da paternidade para obrigar os seus genitores.
Contudo, esta tão esperada lei, que aparentemente consagrava proteção integral à vida do nascituro e da gestante, já veio ao mundo jurídico eivada de equívocos ou incongruências, colocando, em determinados artigos, em cheque seu próprio objetivo ao trazer proteção em favor do réu e dificultando o próprio procedimento legal, o qual acabou sendo mais dificultoso do que o da Lei de Alimentos.
Inovando mais uma vez, a referida lei, nos termos do seu art. 2º, expressamente diz o que está compreendido nos alimentos que deverão ser custeados pelo futuro pai: "os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”. O rol é meramente exemplificativo.
Igualmente aos alimentos decorrentes do poder familiar disciplinados no Código Civil, a lei supracitada preconiza o equilíbrio e o trinômio entre a possibilidade, a necessidade e a proporcionalidade da obrigação alimentar dos pais, conforme seus recursos e a realidade do alimentado.
Segundo Silvio Venosa, “a inovação mais significativa desse diploma legal está presente em seu art. 6º, porque permite que o juiz estabeleça alimentos gravídicos, convencido da existência de meros indícios da paternidade” [6]. Tais alimentos, uma vez fixados, perdurarão até o nascimento da criança, respeitando-se as necessidades da autora e possibilidades do réu.
Data venia, tal inovação não foi tão benéfica como parece, porquanto o legislador deixou lacunas que implicam em toda sorte de interpretações e discricionariedade do julgador ao valorar o que seriam indícios da paternidade para deferimento dos alimentos gravídicos. Muitas vezes, o magistrado designa audiência de justificação para firmar seu convencimento, além de haver possibilidade de serem ouvidas testemunhas e requisitado prova documental, para só depois deferir ou indeferir os alimentos gravídicos.
Logo, não bastasse a imensa quantidade de petições que o magistrado recebe por dia, que por si só já torna mais vagaroso o deferimento do pedido, soma-se a discricionariedade do magistrado no procedimento e a falta de regulamentação objetiva, comprometendo o objetivo da lei. Quando os alimentos, finalmente, são deferidos a criança já nasceu!
De outra banda, negativamente, tal discricionariedade do magistrado também possibilita condenar pessoas erradas a arcar com os alimentos e abre margem para possível litigância de má-fé.
A Lei não pode retirar o direto constitucional do réu ao contraditório e ampla defesa, pelo que lhe concede o prazo de 05 (cinco) dias para apresentar resposta ao pedido, prazo curto em total zelo a urgência dos alimentos. Todavia, caso ele se oponha a paternidade alegada, a concessão dos alimentos infelizmente vai depender do exame de DNA (teste pré natal de paternidade) [7], que na fase de gestação acaba sendo inviável à maioria dos brasileiros pelo custo ou risco que expõe o nascituro, prejudicando o deferimento do pedido.
Destaca-se que após o nascimento com vida da criança, os alimentos gravídicos fixados, a priori, em favor da gestante, mudam de natureza, se convertem em alimentos à favor do filho, até que uma das partes peça revisão, nos termos do parágrafo único do artigo 6º da Lei. Nada impede que o juiz fixe um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo o princípio da proporcionalidade, fixe outro para o filho a partir do nascimento.
Obviamente, se após o nascimento da criança a paternidade for negativa, cessará a obrigação alimentar, todavia os alimentos são irrepetíveis, ensejando perdas e danos. Nessa circunstância, o réu tem o direito de ajuizar ação de indenização por perdas e danos contra a gestante, comprovada sua má-fé ou que agiu de forma leviana. [8].
Isso tem gerado grande polêmica entre os estudiosos do direito, pois alguns doutrinadores entendem que tal proteção o réu dos alimentos gravídicos abre precedente para que toda e qualquer ação que venha a ser desacolhida, rejeitada ou extinta gere direito indenizatório ao réu, afrontando o direito constitucional do livre acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV da CF/88).
Por fim, destacamos negativamente a omissão da lei quando o genitor não proceder o registro do filho, e independente de ser buscado o reconhecimento da paternidade, deveria ter determinado a expedição do mandado de registro, a fim de dispensar o surgimento de um outros processos como a propositura da ação de investigação de paternidade ou a instauração do procedimento de averiguação de paternidade, para o estabelecimento do vinculo de filiação que não era objeto da ação preexistente de alimentos gravídicos.
5. CONCLUSÃO
A obrigação alimentar preocupa o Estado, à sociedade e à família, pois ante a injusta distribuição de riqueza, não pode alguém impossibilitado de prover seu próprio sustento ficar relegado à própria sorte, pelo que o Estado impõe aos parentes o dever de ajudá-lo e, se porventura, estes legalmente obrigados não estiverem em condições econômicas de fazê-lo, a sociedade irá arcar com o ônus de prestar-lhe auxílio.
Então, para assegurar o direito à vida do nascituro e sua genitora adveio a Lei nº 11.804/08, que apesar das imperfeições, dúvidas e possíveis erros, ratifica a atual concepção da responsabilidade paterna e a evolução do direito de família, no sentido de cada dia mais proteger integralmente o nascituro e a dignidade humana da pessoa humana.
NOTAS
[1] CC/2002, art. 1920: O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.
[2] CC/2002, art. 1694, caput: Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns dos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º. Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
[3] CC/2002, art. 1695: São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
[4] CC/2002, art. 2º: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
[5] A Lei 11.804/08 disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências. Publicada em 06 de novembro de 2008, com vigência na data de sua prublicação.
[6] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de Família. V. 6. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 366.
[7] Atualmente, a medicina já dispõe de exame de DNA antes do bêbê nascer, que pode ser feito em qualquer célula ou tecido. Para o teste pré-natal de paternidade o tecido fetal é obtido durante a gravidez com uma coleta de vilo corial (tecido placentário) ou punção do líquido amniótico que banha o bêbê, a partir de determinada semana de gravidez.
[8] Se o pai contestar a paternidade, o juiz convencido da existência de indícios dela, poderá fixar os alimentos gravídicos. Obviamente, cessará a obrigação, se comprovado não ser o nascituro filho do réu, o que pode ocorrer após o nascimento. Neste caso, os alimentos já pagos não tem que ser devolvidos. O máximo que se pode chegar é a indenização por perdas e danos contra a mãe, comprovadamente leviana e de má-fé. Comprovada a paternidade, os alimentos gravídicos se convertem em alimentos normais, após o nascimento, até que o pai ou o menor solicite sua revisão. (FIUZA, 2009, p. 1002)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIUZA, César. Direito civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. Vol. 06. 27a edição, São Paulo, ed. Saraiva, 2002.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. V. 6. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Aspectos Relevantes dos Alimentos Gravídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2012, 08:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29764/aspectos-relevantes-dos-alimentos-gravidicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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