RESUMO: O presente estudo pretende traçar um panorama geral acerca dos aspectos jurídicos relacionados aos empréstimos consignados e por retenção em benefícios previdenciários. No texto são examinadas a regulamentação normativa do tema, bem como a responsabilidade de bancos e do INSS por eventuais danos ocasionados aos segurados em razão desses empréstimos.
PALAVRAS-CHAVES: Empréstimo consignado. Benefícios previdenciários. Aspectos jurídicos. Responsabilidade civil.
SUMÁRIO: 1 - Introdução; 2 – Regulamentação legal e normativa; 3 Problemas decorrentes da contratação de empréstimos 4-Responsabilidade por prejuízos ocasionados ao segurados: Legitimidade e competência;
I – Introdução
Com a edição da Lei nº 10.820/03, aperfeiçoada pela Lei nº 10.953/04, foi institucionalizada no ordenamento jurídico e no cenário econômico nacional a figura do empréstimo por retenção e consignado em benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social .
O objetivo fundamental das referidas leis foi facilitar a obtenção de empréstimos por parte dos segurados da Previdência Social, diminuindo o risco da operação para as entidades credoras e, por conseguinte, as taxas de juros praticadas para esse nicho específico da população.
Segundos dados recentes do próprio INSS divulgados em seu sítio eletrônico[1], já foram realizados cerca de 50 milhões de contratos de empréstimo consignado em suas diversas modalidades, sendo que a cada mês uma média de 842 mil novos empréstimos são realizados. Mensalmente são injetandos na economia um volume de crédito da ordem de 2,9 bilhões de reais.
É sobre esse vasto campo é que nos debruçaremos nos próximos tópicos, analisando com maior profundidade alguns aspectos jurídicos relativos ao empréstimo consignado, cujos desdobramentos estão cada vez mais presente perante os órgãos judiciais pátrios.
II – Regulamentação legal e normativa do tema
Como dito nas linhas preliminares desse estudo, a previsão e o disciplinamento legal do empréstimo consignado em benefício foram realizados inicialmente pela Lei nº 10.820/03.
A Lei 10.820/03, em sua versão original, previa, precipuamente, o empréstimo consignado com desconto em folha para os trabalhadores regidos pela CLT. Em termos de empréstimo consignado em benefício previdenciário, havia apenas a previsão genérica de que os segurados poderiam se valer de empréstimos em seus benefícios, autorizando o INSS a reter valores e repassá-los a instituição financeira credora.
Cerca de um ano após a publicação da referida lei, foi editada a Lei nº 10.953/04, que deu nova redação ao artigo 6º da Lei 10.820/03.
Pelo disposto no novo artigo 6º da lei em comento, restou previsto que os titulares de benefícios pagos pelo INSS, além de autorizar o próprio INSS a reter parte do benefício, poderiam também autorizar as instituições financeiras nas quais recebem seu benefício a reter parte do pagamento recebido para fins de amortização dos valores mensais devidos em razão do empréstimo tomado.
Essa alteração na lei deu novo impulso aos empréstimos consignados, pois simplificou o repasse dos valores descontados aos bancos e financeiras, além de aumentar consideravelmente o leque de instituições que passaram a oferecer crédito aos segurados.
Além da previsão em si do instituto do empréstimo consignado em benefício, a lei apenas fixou o percentual de trinta por cento como o limite máximo da margem de consignação no benefício e conferiu à autarquia previdenciária três atribuições.
As duas primeiras atribuições foram operacionais. A primeira, a retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto. A segunda atribuição, a manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção
A terceira e mais importante atribuição foi a de regulamentar o tema. A lei, prevendo toda a complexidade da normatização pormenorizada da matéria, sabiamente delegou a ato interno do INSS a regulamentação de alguns pontos específicos, a saber
“Art. 6º (...)
§ 1o Para os fins do caput, fica o INSS autorizado a dispor, em ato próprio, sobre:
I - as formalidades para habilitação das instituições e sociedades referidas no art. 1o;
II - os benefícios elegíveis, em função de sua natureza e forma de pagamento;
III - as rotinas a serem observadas para a prestação aos titulares de benefícios em manutenção e às instituições consignatárias das informações necessárias à consecução do disposto nesta Lei;
IV - os prazos para o início dos descontos autorizados e para o repasse das prestações às instituições consignatárias;
V - o valor dos encargos a serem cobrados para ressarcimento dos custos operacionais a ele acarretados pelas operações; e
VI - as demais normas que se fizerem necessárias.
O INSS, valendo-se do poder-dever regulamentar advindo da Lei 10.820/03, editou uma série de atos normativos para disciplinar o empréstimo consignado. Nos dias atuais, vige a Instrução Normativa INSS nº 28/2008, com as alterações circunstâncias promovidas pelas Instruções Normativas do INSS nº 33, de 05 de novembro de 2008, nº 37 de 01 de abril de 2009 e, finalmente, Instrução Normativa INSS nº 43 de 19 de janeiro de 2010.
A instrução normativa vigente, preliminarmente, já condiciona a realização do empréstimo consignado a alguns benefícios e a uma série de requisitos e limitações.
Em primeiro lugar, é importante destacar que as modalidades de empréstimo pessoal mediante retenção e consignação e a concessão de cartão de crédito não estão disponíveis para todos os benefícios pagos pela Previdência Social.
Pelo artigo 3º da Instrução Normativa INSS nº 28/2008, somente podem ser objeto de consignação e retenção os benefícios de aposentadoria, qualquer que seja sua espécie, e pensão por morte. Estão equiparadas à aposentadoria previdenciária, as pensões especiais vitalícias pagas pelo INSS como Encargos Previdenciários da União - EPU.
Portanto, não podem ser objeto de consignações e retenção o benefício de auxílio-doença, o salário-família, o salário-maternidade, o auxílio-acidente e o auxílio-reclusão. Todos os benefício sexclusídos da consignação e retenção, percebe-se, são de cunho precário, não definitivos; inábeis, portanto, a garantir uma tomada de crédito a longo prazo
Tampouco, não podem sofrer consignação e retenção as pensões alimentícias desdobradas de qualquer benefício previdenciário e os benefícios assistenciais pagos pelo INSS, custeados ou não pela União. Portanto, a renda mensal vitalícia por invalidez ou idade, a pensão mensal vitalícia do seringueiro e o Benefícios de Prestação Continuada (também conhecido como benefício do LOAS) estão fora do âmbito das operações de créditos.
Há mais restrições.
A norma da autarquia já estipula que os empréstimos consignados dependem de autorização expressa do segurado.
Com isto, tornou-se inadmissível a instituição de empréstimo consignado como forma indireta de garantia de outros débitos ou outras operações financeiras estipuladas com o banco.
A intenção principal dessa restrição foi evitar a abusiva inclusão em contratos relativos de outras operações de autorização para que estabelecimentos concessores de crédito realizassem, por procuração, empréstimo para quitar referidas dívidas acaso não adimplidas.
Os demais requisitos para a concessão, explicitados no artigo 3º da norma interna do INSS, são os seguintes:
i) Que o empréstimo seja realizado com instituição financeira que tenha celebrado prévio convênio com o INSS e com a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social - Dataprev, para esse fim;
ii) O contrato deve ser firmado em instrumento próprio, com autorização dada em formulário próprio, por escrito, com conferência de assinatura em documento válido de identidade.
Em relação à autorização é importante destacar que a mesma vale apenas enquanto subscrita pelo titular do benefício, não persistindo, por sucessão, em relação aos respectivos pensionistas e dependentes.
Não são admitidas as autorizações dadas por meio telefônico, ainda que tenha havido gravação de voz reconhecida pelo segurado.
No momento da contratação as instituições financeiras devem informar previamente, ao titular do benefício, o valor total financiado, a taxa mensal e anual de juros, acréscimos remuneratórios, moratórios e tributários, o valor, número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar por empréstimo.
É vedada a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) ou qualquer outra taxa ou impostos, conforme dispõe o artigo 13 da Instrução Normativa. Para o cartão de crédito é permitida a cobrança de uma taxa única de emissão no valor de R$ 15,00, com pagamento dividido em até três vezes, nos termos da autorização contida no artigo 15 do ato em exame.
Prosseguindo-se na análise da Instrução Normativa, verifica-se que o texto, buscando dar maior segurança aos segurados e coibir abusos por parte dos bancos e demais instituições financeiras, estipulou alguns limites para a operação de empréstimo consignado em si.
A limitação mais evidente em relação ao empréstimo consignado é a restrição já constante na lei e que estipula em trinta por cento o valor máximo para fins de consignação.
Esse limite, frise-se, não é simplesmente aritmético em relação ao valor cheio do benefício. Para a identificação do limite de 30% (trinta por cento) primeiro se debita o valor das consignações obrigatórias e as voluntárias.
As consignações obrigatórias estão previstas no inciso I do artigo 12 da Instrução Normativa INSS 28/2008. São as contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social, a restituição de benefício recebido indevidamente ou a maior e o imposto de renda e a pensão alimentícia devida pelo segurado.
As consignações voluntárias, previstas no inciso II do mesmo artigo 12, são as mensalidades de associações e demais entidades de aposentados e pensionistas legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
No que diz respeito ao limite de trinta por cento, vale frisar que a Instrução Normativa previu, além das hipóteses de retenção e consignação, a possibilidade de concessão de crédito mediante cartão.
Com a criação da denominada Reserva de Margem Consignável (RMC), que nada mais é que o limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito, o limite de trinta por cento foi desdobrado.
Como a RMC foi fixada em no máximo10% (dez por cento) da renda mensal do segurado, a contratação de cartão de crédito por parte do segurado faz com que o limite de 30 % (trinta por cento) se subdivida da seguinte forma:
a) até 20% (vinte por cento) para as operações de empréstimo pessoal;
b) até 10% (dez por cento) para as operações de cartão de crédito.
Contudo, quando o beneficiário não contratar cartão de crédito, fica permitida a ampliação do percentual da margem consignável para empréstimo pessoal até o limite de 30% (trinta por cento).
Além das restrições acima expostas, a instrução normativa do INSS ainda previu que os empréstimos somente poderiam ser realizadas na própria instituição financeira ou por meio de correspondente bancário a ela vinculada.
Entende-se por correspondente bancário as sociedades, os empresários, as associações, os prestadores de serviços notariais e de registro e, também, empresas públicas que, atuando por conta e sob as diretrizes da instituição financeira, realiza algumas atividades típicas de estabelecimentos bancários, tais como recebimento de contas e faturas, recebimento de pedidos aberturas de conta-corrente, entre outras atividades.
Destaque-se que a instituição representada pelo correspondente bancário assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado, à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulamentação relativa a essas transações.
Além da necessidade do contrato ser firmado na sede da instituição financeira ou de seu correspondente, é importante registrar que nos termos do artigo 9º da Instrução Normativa, a contratação de empréstimo e cartão de crédito somente poderá ser efetivada no Estado em que o beneficiário tem seu benefício mantido.
Ao lado das limitações referentes aos locais de contratação, há uma limitação do número de contratos. Foi determinado a quantidade máxima de seis contratos ativos para pagamento de empréstimo pessoal e um para o cartão de crédito no mesmo benefício, independentemente de eventuais saldos da margem consignável.
Por fim, há ainda as limitações de cunho temporal do empréstimo. A dívida não pode superar mais de 60 parcelas mensais, isto é, cinco anos. As instituições financeiras não podem celebrar contratos com prazo de carência, ou seja, prazo superior a 30 dias para o início dos descontos.
No que concerne as taxas de juros, conforme informação contida no sítio eletrônico da Previdência Social[2], as taxas máximas são de 2,14% ao mês, para o empréstimo, e 3,06% ao mês para o cartão consignado. Esses números são referentes a maio de 2012.
Outra previsão da Instrução Normativa 28/2008 diz respeito à obrigatoriedade de as instituições financeiras emitirem, em até quarente e oito, boleto ou documento de pagamento detalhado, quando o beneficiário quiser quitar antecipadamente suas operações de empréstimo ou com cartão de crédito. O boleto ou documento de pagamento informará o valor total do empréstimo, o desconto para o pagamento antecipado e o valor líquido a pagar. A instituição financeira terá esse mesmo prazo para excluir o lançamento de desconto no benefício.
A norma interna do INSS, ao contrário do que alardeam algumas instituições bancárias aos segurados, não obriga o beneficiário a obter empréstimo no banco em que este recebe o pagamento. É o que se depreende da leitura atenta do artigo 22 da Instrução Normativa 28/2008:
“Art. 22. Sempre que o beneficiário receber o benefício por meio de crédito em conta corrente, o crédito do empréstimo concedido deverá ser feito, obrigatoriamente, nessa conta, constituindo motivo de recusado pedido de consignação a falta de indicação da conta ou indicação de conta que não corresponda àquela pela qual o beneficio é pago.”
Registre-se. A norma não cria uma reserva de mercado aos bancos. Ao contrário, a norma visa proteger o segurado impedindo que eventual crédito de empréstimo seja depositado em conta corrente que não seja a dele próprio.
O que determina a norma, portanto, é que o valor do empréstimo terá que ser creditado diretamente na conta em que a pessoa recebe o benefício. Pode o segurado, dessa forma, com vistas a obter a melhor taxa de mercado, migrar seu benefício para outra instituição financeira que lhe ofereça menor taxa e lá abrir conta para fins de recebimento do tanto de seu benefícios, como do crédito do empréstimo.
Caso o pagamento de benefícios seja na modalidade cartão magnético, o depósito deverá ser feito em conta corrente, na poupança da qual o beneficiário também seja titular ou por meio de ordem de pagamento depositada preferencialmente na agência ou banco em que o segurado recebe do INSS. O depósito não poderá jamis ser efetuado em conta de terceiros.
III - Problemas decorrentes da contratação de empréstimos
.Pela estrondoso volume de contrataçõs mensais de empréstimo consignados em benefícios previdenciários, não é difícil imaginar a vasta gama de problemas correlacionados a esta modalidade de crédito.
Seja em razão da própria condição de hipossuficiência dos segurados, em sua grande maioria idosos, que por razões naturais e financeiras por vezes não compreendem toda a complexidade jurídica envolvendo a transação de crédito, seja em razão da ação de oportunistas, legalizados ou não, o fato é que há uma crescente tendência de judicialização de conflitos cuja origem é o empréstimo consignado.
A par da inafastável possibilidade de buscar o Poder Judiciário para defender seus direitos, há de se ressaltar que a regulmentação do empréstimo consignado em benefício criou instrumentos administrativos que podem ser bastante eficazes na tentativa de coibir práticas abusivas por parte das insituições financeiras.
Em primeiro lugar, é relevante frisar que as instituições financeiras temem muito mais uma sanção administrativa que a impeça de operar a consignação que propriamente um desdobramento negativo de uma ação judicial individualizada.
Isso porque a própria Lei 10.820/03, prevê em seu artigo 6º parágrafo 6º o seguinte:
Art. 6o (...)
§ 6º - A instituição financeira que proceder à retenção de valor superior ao limite estabelecido no § 5o deste artigo perderá todas as garantias que lhe são conferidas por esta Lei
Assim, acaso haja violação do limite legal de consignação, o próprio insituto da consignação deixar de ser, automoticamente, lançado no benefício do segurado.
A Instrução Normativa, em um capítulo específico só para penalidades às insituições financeiras, permite ao INSS, nos casos em que ocorram irregularidades na concessão de empréstimo consignado, a aplicação das seguintes sanções:
I - suspensão do recebimento de novas consignações/retenções/RMC pelo prazo de cinco dias úteis a partir da data do recebimento da reclamação à direção da autarquia, nos casos de:
a) reclamações ou recomendações oriundas de órgãos de fiscalização e/ou de defesa do consumidor, por prática lesiva ao beneficiário, referente à concessão de créditos; ou
b) sentenças judiciais transitadas em julgado em que a instituição financeira tenha sido condenada por prática lesiva ao beneficiário ou ao INSS;
II - suspensão do recebimento de novas operações, pelo prazo mínimo de cinco dias e enquanto perdurar o motivo determinante, nos casos em que a instituição financeira não apresentar eventuais documentos solicitados pelo INSS, não devolução, no prazo previsto, de parcelas retidas indevidamente e não exclusão de empréstimo indevido no prazo regulamentar.
As penalidades são agravadas gradualmente, podendo chegar até o rompimento do convênio e a proibição de realização de novo convênio por cinco anos caso as instituições insistam em irregularidades e se configurem como reincidentes.
Nota-se, pois, que a grande penalidade a ser impostas aos bancos que causam prejuízos ao segurado é ser suspensa de realizar o lucrativo negócio do empréstimo consignado.
Para que o procedimento administrativo se inicie, basta que o segurado registre junto à autarquia sua situação, seja através da Ouvidoria do INSS ou por intermédio da Central 135, telefone de atendimento da Previdência Social.
Registre-se que a norma interna impõe a diversos órgãos da autarquia o dever de averiguar as reclamações e denúncias recebidas, bem como cobrar das instituições financeiras conveniadas o estrito cumprimento da regulamentação sobre os empréstimos consignados.
IV - Responsabilidade por prejuízos ocasionados ao segurados: Legitimidade processual competência
Ainda que haja substancial acervo normativo que garanta a possibilidade de resolução de problemas relacionados aos empréstimos consignados na seara administrativa, não se olvida o fato do segurado poder se socorrer do Poder Judiciário quando se sentir prejudicado com algum fator ligado à referida operação de crédito.
Os problemas que podem advir dos empréstimos são de toda a ordem.
Os mais comuns dizem respeito ao descumprimento da legislação e do regulamento próprio por parte dos bancos no que se refere às taxas de juros, prazos e tarifas.
Também são relativamente comuns as ações judiciais que questionam a própria ocorrência ou não do empréstimo, hipóteses em que, geralmente, o segurado da Previdência Social se vê na condição de vítima de uma fraude perpetrada perante a instituição financeira em seu prejuízo.
Há ainda os casos nos quais a lide se instaura pela impossibilidade superveniente da continuidade da consignação, que é obstaculizada pela ocorrência de inserção no benefício de consignações obrigatórias e voluntárias, que podem mudar o valor e os prazos das parcelas.
De toda forma, seja por qual razão o segurado se sinta prejudicado por algum fato atinente a uma operação de empréstimo consignado, desejando o cidadão buscar por intermédio de uma ação judicial eventual reparação, econômica ou extra-patrimonial, é mais importante é definir que deve figurar no pólo passivo da demanda.
Atentos à regulamentação própria da matéria e cientes dos procedimentos práticos relativos á efetivação de um empréstimo consignado, pode-se afirmar com segurança que, em regra, a condição de réu deve ser assumida com exclusividade pelas instituições financeiras.
Explica-se melhor.
Como pôde ser visto nos tópicos precedentes, o INSS, nas operações de concessão de crédito via empréstimo consignado, possui a responsabilidade de reter valores, repassando-os às instituições credoras.Além disso, tem o dever de manter o pagamento do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor.
Diante desse quadro legal de competência, nenhuma conduta do INSS é, a priori, passível de causar lesão ao segurado.
Esse quadro legal é reforçado pela forma como os empréstimos se operacionalizam.
Dois artigos da Instrução Normativa 28/2008, de vital importância prática, muitas vezes passam despercebidos de leituras pouco profundas. Tratam-se dos artigos 18, inciso III e 20 do ato em exame. Confira-se:
“Art. 18.O convênio como INSS/Dataprev será firmado e mantido com a instituição financeira que satisfaça, cumulativamente, as seguintes condições:
III - esteja apta à troca de informações via arquivo magnético, conforme especificações técnicas constantes do Protocolo de Relacionamento em meio magnético CNAB - Febraban.
(...)
Art. 20. Para a efetivação da consignação/retenção/constituição de RMC nos benefícios previdenciários, as instituições financeiras que firmarem convênio com o INSS deverão encaminhar à Dataprev, até o segundo dia útil de cada mês, arquivo magnético, conforme procedimentos previstos no Protocolo CNAB/Febraban, para processamento no referido mês.” - Grifos nossos
Sobre a concessão do empréstimo é vital a análise de um importante ato expedido pela FEBRABAN que regula as transações eletrônicas entre os Bancos e outras instituições, incluindo o INSS.
Trata-se do Protocolo CNAB 240[3], que nada mais é que um documento que serve como diretriz para a construção de sistemas eletrônicos comunicáveis com empresas e órgãos públicos, tanto no que diz respeito ao mapeamento de fluxo de determinado processo bancário (ex: cobranças, pagamentos, transferências via TED ou DOC), quanto disciplina as regras de funcionamento dos sistemas eletrônicos de cada banco.
Para melhor elucidar a questão e a importância de trazer ao debate o referido protocolo, é oportuno fazer um parêntese para explicar a razão da existência de um protocolo entre a autarquia e os bancos. A resposta é singela: seria absolutamente inviável do ponto de vista prático manter uma folha de pagamento de pagamento de cerca de 30 milhões de benefícios e coordenar mais de 25 milhões de contratos referentes a empréstimos senão por meio de um sistema eletrônico eficaz e integrado com a rede bancária.
É essa a integração que ocorre entre bancos e INSS que permite a pontualidade do pagamento dos benefícios e a operacionalização dos empréstimos aos segurados.
Como a instituição financeira para operar os empréstimos consignados e o cartão de crédito tem de obedecer ao Protocolo CNAB, verifica-se que, na realidade, toda a operação de crédito é feita exclusivamente pelo banco, que somente troca arquivo eletrônico com o INSS, por intermédio de sua empresa de processamento de dados, a DATAPREV, comunicando a realização, a quitação e exclusão do empréstimo. Em outras palavras, pode o banco, face a integração existente, comandar diretamente no benefício mantido nos sistemas eletrônico da Previdência Social uma consignação.
É o Banco, portanto, que seguindo a regulamentação vigente e adotando as cautelas de praxe, comunica-se com a DATAPREV e verifica se é possível, acaso haja margem consignável, a averbação de um empréstimo consignado.
O INSS, a bem da verdade, não tem sequer acesso ao contrato ensejador do empréstimo. Só é cientificado via eletrônica da ocorrência de empréstimo para fins de iniciar os descontos em sua folha de pagamento. Tanto é assim que cabe à instituição financeira conservar em seu poder, pelo prazo de cinco anos, a contar da data do término do empréstimo, a autorização firmada pelo titular do benefício para o empréstimo com vistas a eventual checagem por parte da autarquia.
Portanto, problemas ocasionados por excessivas taxas de juros, cobrança de tarifas ou até mesmo a ocorrência de empréstimos fraudulentos são atos que não podem ser oponíveis ao órgão público em questão. Nessas situações, resta evidente a possibilidade de se impor à instituição financeira.
No que se refere às fraudes na contratação, fica ainda mais evidente a falta de justo motivo para impor ao INSS qualquer tipo de responsabilidade. Nessas situações, além da conduta falha da instituição financeira, que contribuiu diretamente para a ocorrência do dano, há ainda a figura da do ilícito cometido por terceiro, que o torna solidário no dever de indenizar.
Outrossim, cabe aos bancos e financeiras, exclusivamente ou solidariamente com eventuais fraudadores, a responsabilidade pela devolução de eventuais valores consignados indevidamente. É óbvio que se alguém tem que restituir algum valor indevidamente cobrado do segurado, tal obrigação deve recair sobre a própria instituição financeira, que não só se beneficiou economicamente do empréstimo, mas deixou de cumprir suas obrigações legais, seja por não ter devidamente zelado pela segurança da operação, nos casos de fraude, seja agindo à margem do que lhe é facultado na normatização de regência.
Condenar o INSS, seja na devolução de quaisquer valores descontados e apropriados pelo Banco, seja por eventuais danos morais, é preterir toda a coletividade, que financia a Previdência Social, em detrimento do lucro da instituição financeira, que já se apropriou dos valores descontados e que, em análise derradeira, deu causa aos descontos supostamente ilegais.
Ademais, impor a obrigação do ente público efetuar a devolução, acaba por afrontar a norma insculpida no artigo 876 do Código Civil, in verbis:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
Por questão de justiça, é forçoso reconhecer que O INSS nada recebeu pelo empréstimo, sequer uma remuneração por serviços. A única contraprestação devida pelos bancos é revertida para a DATAPREV, como determinam o inciso V do §1º do art. 6º da Lei nº 10.820/03 e o artigo 34 da Instrução Normativa, como ressarcimento por custos operacionais.
Portanto, via de regra, não é prudente a inclusão do INSS nas ações buscando cancelamento ou revisão de empréstimo, bem como a devolução de valores eventualmente descontados.
Não figurando o INSS na lide, por óbvio, a ação deverá ser proposta na Justiça Estadual.
Contudo, é preciso esclarecer que o INSS pode sim vir a ser responsabilizado por problemas na contratação de empréstimo consignado. A responsabilização da autarquia ocorrerá sempre que restar configurada sua conduta negligente nas situações onde a lei e a Instrução Normativa impõe uma postura ativa ao ente previdenciário.
Nessa senda, pode o INSS vir a ser responsabilizado por danos aos segurados caso venha a celebrar convênio com instituição financeira que não atenda aos requisitos previstos na própria Instrução Normativa, possibilitando que instituição inidônea efetue empréstimos e, potencialmente, cause prejuízos aos segurados.
O INSS poderá ser responsabilizado, também, quando retardar injustificadamente a apuração de reclamação feita pelos segurados nos canais próprios (no sítio eletrônico da Previdência Social, na Central de Atendimento da Previdência Social, pelo telefone número 135 e nas Agências da Previdência Social)
A autarquia poderá ainda ser responsabilizada nos casos em que apurada a irregularidade da contratação, permanecer a autarquia omissa em relação aos deveres da instituição financeira de suspender os descontos e devolver corrigidamente ao segurado as parcelas irregularmente descontadas.
Haverá também razão para imposição de responsabilidade ao INSS quando houver a estipulação de consignação superior ao limite de 30%. Aqui, resta evidente o fato do próprio INSS ter agido em afronta a lei.
Em todos os casos em que possa haver possível responsabilização do INSS, conforme já expusemos acima, deverá ser sempre subsidiária, vez que cabe a instituição financeira devolver os valores recebidos, já que foi a beneficiada com o empréstimo, embolsando os valores descontados e os juros embutidos na operação.
Com a inclusão do INSS no pólo passivo, a competência para processamento e julgamento da lide passa para a Justiça Federal, salvo nas hipóteses previstas no artigo 109, parágrafo 3º da Constituição Federal.
São essas, portanto, as linhas gerais acerca do tema em exame.
Procurador Federal. Ocupou as chefias da Divisão de Gerenciamento de Créditos Trabalhistas da PFE/INSS, a Coordenação-Geral de Matéria de Benefício da PFE/INSS e a Coordenação-Geral de Planejamento e Gestão da Procuradoria-Geral Federal. Foi o vencedor do II Concurso de Monografias Jurídicas da AGU em 2009. Autor dos Livros: "Aspectos essenciais da reorganização societária como instrumento de planejamento tributário" e "A Atuação da Advocacia-Geral da União na redução dos litígios envolvendos o Instituto Nacional do Seguro Social".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Adler Anaximandro de Cruz e. Aspectos jurídicos do empréstimo consignado em benefícios do INSS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2012, 09:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29777/aspectos-juridicos-do-emprestimo-consignado-em-beneficios-do-inss. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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