1. Introdução
Os interesses públicos e o interesse nacional estão reunidos nas funções do Estado. Este, por sua vez, concretiza seus misteres por meio de seus agentes ou servidores públicos. Estes cidadãos encarregados de tão nobre obrigação perante a coletividade precisam ser remunerados e indenizados nas situações reconhecidas pela legislação.
Na execução de suas elevadas atribuições públicas, os servidores, em algumas situações, necessitam se deslocar para localidades afastadas de suas residências, o que faz surgir despesas não rotineiras.
Essas despesas são, então, cobertas pela amplamente conhecida figura das “diárias”. Observou-se, no entanto, que alguns afastamentos das residências – para a execução de trabalhos de campo – não justificavam a percepção de diárias, mas que, ainda assim, não deixavam de onerar sensivelmente o agente público.
Para esses casos intermédios de afastamentos para trabalhos de campo, o legislador concebeu uma indenização aos servidores denominada “indenização de campo” sobre cujo regime jurídico se tratará agora.
2. Regime Jurídico Básico da Indenização de Campo
A indenização de campo passou a ser reconhecida pela Lei nº 8.216, de 13 de agosto de 1991. Nessa Lei, foi reconhecido aos servidores que se afastarem de seu local de trabalho para a execução de trabalhos de campo, mas que, por outro lado, não se enquadrassem nos requisitos para a percepção de diárias, o direito à chamada indenização de campo correspondente, em valores da época, a Cr$ 4.200,00 (quatro mil e duzentos cruzeiros). Confira-se a dicção normativa:
Art. 16. Será concedida, nos termos do regulamento, indenização de Cr$4.200,00 (quatro mil e duzentos cruzeiros) por dia, aos servidores que se afastarem do seu local de trabalho, sem direito à percepção de diária, para execução de trabalhos de campo, tais como os de campanhas de combate e controle de endemias; marcação, inspeção e manutenção de marcos decisórios; topografia, pesquisa, saneamento básico, inspeção e fiscalização de fronteiras internacionais. (Vide Lei nº 8.270, de 1991) (Regulamento)
Em salvaguarda ao interesse público e ao enriquecimento ilícito ou sem causa do servidor público, o Legislador entendeu por bem expressar o que já decorre da boa-fé: que aos servidores enquadrados no regime da indenização de campo, por óbvio, não lhes caberia direito a diárias. Veja-se:
Parágrafo único. É vedado o recebimento cumulativo da indenização objeto do caput deste artigo com a percepção de diárias.
Com base numa boa interpretação sistemática, por meio do Decreto nº 562, de 2 de junho de 1992, os referidos valores de indenização foram reajustados para Cr$ 33.480,00. Diz-se numa boa hermenêutica, porque o Poder Executivo não tinha expressa autorização para atualizar os valores, embora o tivesse para regulamentar o dispositivo, o que exigiu do intérprete uma intelecção finalística de que atualizar está compreendido na atividade regulamentar do Presidente da República.
Voltando ao ponto central da análise, o art. 16 da Lei nº 8.216/1991 veio a ser regulamentado pelo art. 4º do Decreto nº 343, de 19 de novembro de 1991, o qual veio a detalhar que a dicção “afastamento do local de trabalho” significava “afastamento da zona considerada urbana de seu município de sede”, o que veio a trazer maior clareza e objetividade ao benefício em discussão. Veja-se o dispositivo comentado:
Art. 4º A indenização de que trata o art. 16 da Lei nº 8.216, de 13 de agosto de 1991, será devida aos servidores de toda e qualquer categoria funcional que se afastar da zona considerada urbana de seu município de sede para execução de atividades de campanhas de combate e controle de endemias, marcação, inspeção e manutenção de marcos divisórios, topografia, pesquisa, saneamento básico, inspeção e fiscalização de fronteiras internacionais.
Além disso, o art. 4º suscitou dúvida em torno do alcance finalístico da atividade de campo. Teria o referido dispositivo “detalhado” o alcance do art. 16 da Lei nº 8.216/91 para restringir a indenização de campo tão somente para as hipóteses em que tal empreitada tivesse por objetivo a execução de atividades de campanha de combate e controle de endemias, marcação, inspeção e manutenção de marcos divisórios, topografia, pesquisa, saneamento básico, inspeção e fiscalização de fronteiras internacionais, excluindo a indenização de campo, quando o mote fosse outro?
De início, convém revisar o alcance e o sentido do próprio art. 16 da Lei nº 8.216/91. A nosso ver, ele apenas estabelece um rol exemplificativo de finalidades abrangidas pela atividade de campo, eis porque se vale da expressão “tais como”. Provavelmente, por razões históricas, os demandantes maiores do referido direito fossem aqueles servidores que tipicamente desenvolviam aquelas atividades finalísticas. Senão em que estaria fundado o discrímen para não conceder o benefício para as outras atividades de campo?
Não é demais reproduzir o dispositivo em análise:
Art. 16. Será concedida, nos termos do regulamento, indenização de Cr$4.200,00 (quatro mil e duzentos cruzeiros) por dia, aos servidores que se afastarem do seu local de trabalho, sem direito à percepção de diária, para execução de trabalhos de campo, tais como os de campanhas de combate e controle de endemias; marcação, inspeção e manutenção de marcos decisórios; topografia, pesquisa, saneamento básico, inspeção e fiscalização de fronteiras internacionais. (Vide Lei nº 8.270, de 1991) (Regulamento)
Agora que definido o caráter meramente exemplificativo do dispositivo legal, é possível dissecar hermeneuticamente o dispositivo do Decreto nº 343/1991.
Como se sabe, os decretos devem ser interpretados à luz das leis e não o contrário. Com base nisso, devem ser buscadas, tanto quanto possível, as interpretações harmonizadoras do sistema hierárquico-normativo. Essa premissa exigirá do intérprete que deseje justificar o discrímen meramente finalístico – em termos de indenizar o servidor com base no propósito que o levou a campo – a coleta de informações técnicas que respaldem com razoabilidade o tratamento diferente diante de balizas fáticas tão semelhantes.
Em termos de jurisprudência, colhe-se aresto do Superior Tribunal de Justiça pela negativa de indenização de campo, porquanto se tratava de um motorista que, segundo relata o voto-relator, sequer tinha comprovado o exercício de alguma das atividades enumeradas no multicitado art. 16. Entende-se, no entanto, que esse precedente do STJ não enfrentou o mérito da discussão, porquanto invocou, implicitamente, a tese da impossibilidade das considerações fático-probatórias empreendidas pela instância a quo. Confira-se:
Na hipótese dos autos, todavia, como admitido pelo próprio recorrente, a atividade por ele desenvolvida era de motorista (fl. 2), encarregado de transportar servidores do IBGE para as regiões fora da "zona considerada urbana de seu município de sede". Ademais, restou consignado no acórdão recorrido que "o autor não comprovou o exercício de qualquer das atividades que autorizam o recebimento da indenização" (fl. 174). Destarte, verifica-se que o recorrente não faz jus à indenização pleiteada.
Veja-se a ementa do aresto:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZÇÃO DO ART. 16 LEI 8.216/91. MOTORISTA. NÃO-CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Nos termos dos arts. 16 da Lei 8.216/91 e 4º do Decreto 343/91, a indenização a que se referem será concedida somente nos casos em que o servidor se deslocar da sede do seu local de trabalho para execução de trabalhos de campo, para execução de atividades de campanhas de combate e controle de endemias, marcação, inspeção e manutenção de marcos divisórios, topografia, pesquisa, saneamento básico, inspeção e fiscalização de fronteiras internacionais.
2. Hipótese em que o autor, ora recorrente, exercia atividade de motorista, encarregado de transportar servidores do IBGE para as regiões relacionadas nos indigitados dispositivos legais, motivo pelo qual não faz jus à indenização pleiteada.
3. Vale ressaltar, por fim, que não socorre ao recorrente o fato de ter recebido indevidamente, durante algum tempo, a referida indenização. Isso porque pode a Administração, no legítimo exercício do poder de autotutela, rever seus próprios atos quando eivados de ilegalidade.
4. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp 542971/RS RECURSO ESPECIAL 2003/0093043-1 Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) DJ 27/11/2006 p. 304)
Por fim, é de se registrar a inexistência de empeço formal a que se proceda interpretação harmônica do Decreto nº 5.992/2006 – revogador do Decreto nº 343/1991 – com a Lei, porquanto ele afirma ser devida indenização e não que é “exclusivamente” devida a indenização para as atividades que enumera. Tal visão se fortalece a partir da dicção enumerativa do art. 16 da Lei nº 8.216/91.
3. Conclusões
Ante o exposto, somente poderá prosperar interpretação restritiva à concessão da indenização de campo para outras atividades que não sejam aquelas expressamente elencadas no art. 16 da Lei nº 8.216/1991, caso seja devidamente justificada a razão do discrímen dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Do contrário, o Decreto nº 5.992/2006 – revogador do Decreto nº 343/1991 – terá de ser interpretado à luz do art. 16 da Lei nº 8.216/91 e não o contrário, donde se extrai conclusão de que a indenização de campo alcançaria quaisquer atividades de campo, independentemente, de sua finalidade.
4. Referências Bibliográficas
Brasil. Lei nº 8.216, de 13 de agosto de 1991.
Brasil. Decreto nº 343, de 19 de novembro de 1991.
Brasil. Decreto nº 5.992, de 19 de dezembro de 2006.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 542.971, Relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima.
Procurador Federal/AGU/PGF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. Considerações sobre a Indenização de Campo à Luz do Art. 16 da Lei nº 8.216/91 e do Art. 4º do Decreto nº 5.992/06 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2012, 14:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29832/consideracoes-sobre-a-indenizacao-de-campo-a-luz-do-art-16-da-lei-no-8-216-91-e-do-art-4o-do-decreto-no-5-992-06. Acesso em: 23 dez 2024.
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