1. Introdução
A Administração Pública necessita contratar bens e serviços para bem desempenhar suas funções de Estado. Em que pese ser titular, via de regra, de expressivo patrimônio imobiliário, não raro, os Governos se veem na contingência de alugarem imóveis privados.
De outro lado, por relevantes que sejam os serviços continuados contratados pela Administração, é fato que a Lei nº 8.666/93 somente admite, no máximo, a prorrogação do contrato por até 60 meses, enquanto tais renovações forem vantajosas e atenderem ao interesse público.
Nesse contexto, impõe-se o seguinte questionamento: é possível que as locações firmadas pelo Poder Público superem o prazo de 60 meses?
2. Enfrentamento da Problemática
A questão é visivelmente controversa, razão por que várias unidades de execução da Advocacia-Geral da União divergiram em seus posicionamentos, como relata o Acórdão nº 1.127/2009 do Tribunal de Contas da União – TCU.
Nesse contexto, o Advogado-Geral da União encaminhou consulta ao TCU, a fim de uniformizar a matéria, por meio do Ofício nº 5/AGU. A nosso ver, andou bem o Advogado-Geral da União ao fixar a interpretação sobre os dispositivos legais envolvidos, antes mesmo da decisão definitiva do TCU (vide ON nº 6/2009).
Isso porque, embora seja o TCU ente soberano para se manifestar com base constitucional, a emergência das políticas públicas, não raro, exige respostas rápidas e dotadas de segurança jurídica. Nesse sentido, certamente, o TCU, compreensivo de tais circunstâncias, caso entendesse de forma diversa daquela definida pelo AGU, modularia os efeitos de seu entendimento em homenagem à segurança jurídica, até mesmo pela legitimidade constitucional da própria AGU.
Seja como for, o fato é que o TCU e a AGU, como sói a acontecer, chegaram a um entendimento comum no sentido da possibilidade de que os contratos de locação dos órgãos públicos ultrapassem o período de 5 anos previsto no art. 57, III, da Lei nº 8.666/93.
O fundamento para tanto residiria no fato de que os contratos em que o Poder Público seja locatário somente sofreriam incidência, de todo o plexo da Lei nº 8.666/93, dos artigos 55 e 58 a 61. Ou seja, as imposições outras prescritas na Lei de Licitações não incidiriam naquela espécie contratual locatícia por força da dicção do art. 62, §3º, inc. I, da Lei nº 8.666/93.
Neste passo, resta esclarecer que o art. 62, §3º, inc. I, da Lei nº 8.666/93 na medida em que fez menção aos artigos 55 e 58 a 61 e “demais normas gerais, no que couber” acabou por mencionar, ainda que implicitamente, art. 57, II, uma vez que o dispositivo se consubstancia em verdadeira norma geral relativa aos contratos da administração.
Por esse motivo, entende-se que não é a simples falta de menção ao art. 57, inc. II, o argumento determinante para a possibilidade de se prorrogar os contratos para além dos 5 anos previstos na norma. O que há de se perquirir, a nosso ver, é se o afastamento do prazo quinquenal do art. 57, inc. II, é uma característica razoável e uma exigência da dinâmica própria das avenças com profundos e peculiares traços de caráter privado, como é o caso dos contratos de locação.
Seja como for, o fato é que o TCU entendeu pela possibilidade de prorrogação para além dos 60 meses usualmente aplicados nos contratos administrativos e o fez com preciosas ponderações, que se passa a expor:
19. Isso objetivando que na participação de entidade administrativa em relação contratual caracteristicamente privada houvesse sujeição do particular a algumas normas de direito público com vistas a assegurar a observância da legalidade e o respeito ao interesse público. Sujeição essa parcial, sob pena de supressão do regime de mercado ou do desequilíbrio econômico que ofenderia a livre concorrência e inviabilizaria a empresa privada.
20. Ocorre que o art. 57 que trata da duração e prorrogação dos contratos administrativos não foi mencionado entre as regras aplicáveis, no que couber (arts. 55 e 58 a 61 e demais normas gerais), aos contratos sob comento. Desse modo, entende-se plausível a argumentação de que o referido artigo possa não ser aplicável a esses contratos.
21. Nesse caso, a norma que disciplina a matéria recairia sobre a Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), a qual prevê para o imóvel urbano a livre convenção no ajuste do prazo no tocante à duração do contrato, com exceção aos que tiverem prazo estipulado igual ou superior a dez anos, por depender de vênia conjugal.
22. Ora, considerando que pelo Princípio da Legalidade, insculpido no inciso II do art. 5º da CF/88 e corroborado pelo caput do art. 37, a Administração só pode fazer aquilo que expressamente a Lei autorize, de forma prévia e expressa, e, ainda, que não há dispositivo remetendo à aplicação do art. 57 da Lei nº 8.666/93 aos contratos sob comento, entende-se aplicável o que dispõe a Lei nº 8.245/1991 sobre a matéria:
"Art. 3º O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos.
Parágrafo único. Ausente a vênia conjugal, o cônjuge não estará obrigado a observar o prazo excedente.
Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolve - lo, pagando a multa pactuada, segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
Parágrafo único. O locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência.
(...)
Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
(...)"
23. Verifica-se, portanto, que ao publicizar os contratos de locação de imóveis celebrados pela Administração, o legislador deixou à aplicação do direito privado as questões relativas à duração e prorrogação desses contratos.
24. Nesse sentido é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
"A restrição do artigo 57 também não se aplica aos contratos de concessão de obra pública.
(...)
E não se aplica ainda aos contratos de direito privado celebrados pela Administração, porque o artigo 62, § 3º, ao determinar a aplicação, aos mesmos, das normas da Lei nº 8.666/93, fala expressamente nos artigos 55 e 58 a 61, pulando, portanto, o artigo 57, pertinente ao prazo."
25. Também assim preconiza o Procurador-Geral do Ministério Público junto a este Tribunal :
"(...) observamos, ainda, que a Lei nº 8.666/93, em seu art. 62, § 3º, I, não determina que os contratos ali mencionados devam submeter-se ao disposto no art. 57, que cuida da fixação dos prazos de vigência dos contratos administrativos. Assim, nada impede, por exemplo, que a Administração alugue imóvel por prazo superior ao do exercício financeiro, não obstante tenha que observar o princípio geral que veda a celebração de contratos por prazo indeterminado."
26. Já a professora Odete Medauar orienta cautela na aplicação do dispositivo, admitindo outras exceções além das previstas nos incisos I a IV do art. 57:
"A questão do prazo contratual deve ser vista com certa flexibilidade. Há casos que não se enquadram exatamente nas exceções, mas a aplicação rígida do caput do art. 57 poderá redundar em ônus e prejuízos para a Administração, além de afugentar licitantes e contratados. Havendo previsão de recursos financeiros e plena explicitação das conseqüências danosas da aplicação rígida do caput do art. 57 ao caso concreto, deve ser admitido entendimento flexível a respeito, em nome dos princípios da razoabilidade, economicidade e atendimento do interesse público."
27. Por outro lado, frise-se que o art. 57 da Lei nº 8.666/93, em seu inciso II, deixa claro a possibilidade de prorrogação com objetivo de obter preços e condições mais vantajosas para a Administração, condição que permeia toda a Lei de Licitações, constituindo-se um dos objetivos precípuos da licitação, explicitados no art. 3º da mesma Lei, ao lado da isonomia.
28. Assim, entende-se necessário ressaltar que a decisão de prorrogação de contrato de locação em que a Administração é locatária deve resguardar a opção pela melhor oferta, seja o contrato oriundo de licitação, caso em que se preserva essa condição por meio do art. 3º da Lei nº 8.666/93, seja oriundo de dispensa, onde a aplicação do art. 24, inciso X, da mesma Lei exige preço compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.
(…)
8. Desse modo, doutrina tem reconhecido como solução o reconhecimento de que "a satisfação de determinadas necessidades estatais pressupõe a utilização de mecanismos próprios e inerentes ao regime privado, subordinados inevitavelmente a mecanismos de mercado" (In: Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Marçal Justen Filho, 12 ed., 2008, p. 704). Ainda nas palavras de Marçal Justen Filho, "as características da estruturação empresarial conduzem à impossibilidade de aplicar o regime de direito público, eis que isso acarretaria a supressão do regime de marcado que dá identidade à contratação ou o desequilíbrio econômico que inviabilizaria a empresa privada".
9. Um exemplo da situação acima descrita é justamente a locação de imóveis em que o Poder Público é o locatário. Sem dúvida, a locação de imóvel pela Administração para o desempenho de suas atividades e para a satisfação das necessidades administrativas caracteriza-se como serviço de natureza continuada, pois, como bem destacou a 6ª SECEX, a contratação geralmente se estende por mais de um exercício.
10. Entretanto, o artigo 57, que trata da duração e prorrogação dos contratos administrativos, não foi mencionado entre as regras aplicáveis aos contratos em questão (artigos 55 e 58 a 61 e demais normas gerais). Ao contrário, a Lei nº 8.666/93 (artigo 62, § 3º, inciso I) expressamente afasta a norma do artigo 57 nos casos de locação em que a Administração é locatário. Esse tipo de ajuste, conquanto regido por algumas regras de direito público, sofre maior influência de normas do direito privado, aplicando-se, na essência, as regras de locação previstas na Lei nº 8.245/91 (Lei no Inquilinato).
11. Não há óbice, pois, a prorrogações sucessivas de contrato em que a Administração seja locatária com fundamento no artigo 24, inciso X, da Lei nº 8.666/93 (Decisão nº 503/96-Plenário, Decisão nº 828/00 ¿ Plenário e Acórdão nº 170/05-Plenário).
12. Ademais, não atende ao interesse público que os órgãos/entidades que necessitem locar imóveis para seu funcionamento tenham que periodicamente submeter-se a mudanças, com todos os transtornos que isso acarreta.
3. Conclusões
Como se pôde observar, o TCU fixou entendimento no sentido de que é possível a prorrogação dos prazos para além do 60 sessenta exigidos, via de regra, na contratação de serviços continuados pela administração – art. 57, inc. II, da Lei de Licitações, desde que demonstrada a vantajosidade para tanto.
Merece menção a circunstância de que o art. 57, inc. II, é, ainda que implicitamente, citado pelo art. 62, §3º, inc. I, da Lei nº 8.666/93 na medida em que fez menção aos artigos 55 e 58 a 61 e “demais normas gerais, no que couber” .
Por esse motivo, entende-se que não é a simples falta de menção expressa ao art. 57, inc. II, o argumento determinante para a possibilidade de se prorrogar os contratos para além dos 5 anos previstos na norma. O que há de se perquirir, a nosso ver, é se o afastamento do prazo quinquenal do art. 57, inc. II, é uma característica razoável e uma exigência da dinâmica própria das avenças com profundos e peculiares traços de caráter privado, como é o caso dos contratos de locação.
Por fim, é de se registrar que, antes mesmo da referida posição do TCU, a Advocacia-Geral da União exarou a Orientação Normativa nº 06/2009, nos seguintes termos:
A vigência do contrato de locação de imóveis, no qual a administração pública é locatária, rege-se pelo art. 51 da Lei nº 8.245, de 1991, não estando sujeita ao limite máximo de sessenta meses, estipulado inc. II do art. 57, da Lei nº 8.666 de 1993.
Tal posição, como já evidenciado acima, se harmoniza plenamente com a posição do Tribunal de Contas da União.
4. Referências Bibliográficas
Brasil. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Brasil. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991.
Brasil. Advocacia-Geral da União. Orientação Normativa nº 6, de 1º de abril de 2009.
Procurador Federal/AGU/PGF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. Breves Considerações sobre a Possibilidade do Poder Público Locar Imóveis por Período Superior a 60 Meses Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2012, 14:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29834/breves-consideracoes-sobre-a-possibilidade-do-poder-publico-locar-imoveis-por-periodo-superior-a-60-meses. Acesso em: 23 dez 2024.
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