RESUMO
Este artigo tem o objetivo de fazer uma análise do novo modelo de desenvolvimento econômico que começou a ser efetivamente difundido, pautado nas ideias que cercam o desenvolvimento sustentável.
Abarca ainda um breve estudo sobre o mercado de carbono, com uma abordagem sobre a necessária ligação entre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e as discussões em torno do problema energético e sua importância estratégica para a implementação do Protocolo de Quioto, tanto em relação à adesão dos países aos seus termos e observância objetiva de suas normas, quanto em relação a sua identificação como marco teórico de um novo modelo de governabilidade balizado pelas regras do desenvolvimento sustentável.
Palavras Chave: Protocolo de Quioto. Desenvolvimento Sustentável. Mercado de Carbono. Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL).
ABSTRACT
This article aims to make an analysis of the new model of economic development that began to be effectively disseminated, based on the ideas surrounding sustainable development.
It also covers a brief study of the carbon market, with an approach on the necessary connection between the Clean Development Mechanism and the discussions around the energy problem and its strategic importance to the implementation of the Kyoto Protocol, in relation to Members countries to their terms and their compliance with objective standards, and in relation to its identification as a new theoretical model of governance buoyed by the rules of sustainable development.
Keywords: Kyoto Protocol. Sustainable Development. Carbon Market. Clean Development Mechanism.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ASPECTOS GERAIS DO MERCADO DE CARBONO. 3. O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO. 4. CONCLUSÃO. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
O aquecimento global é um problema que tem alardeado toda a população mundial. Há tempos já se sabe que o Dióxido de Carbono, dentre outros gases, tem grande capacidade para reter a radiação infravermelha do Sol na atmosfera, estabilizando, assim, a temperatura terrestre por meio do efeito estufa.
O excesso de emissão de gases causadores do efeito estufa na atmosfera faz com que o calor retido e reenviado para a Terra seja mais que o suficiente para manter a temperatura terrestre habitável, causando assim, graves problemas climáticos no Planeta.
Este fato, contudo, já constatado há décadas, não preocupou a humanidade de forma satisfatória, pois esta continua a produzir enormes quantidades dos gases propícios ao efeito estufa, o que poderá, num futuro muito próximo, causar um colapso climático irreversível.
Acredita-se que o marco inicial do aumento de níveis de poluição atmosférica e de emissão acelerada de gases como o Dióxido de Carbono, o Metano, o Óxido de Azoto e os CFCs, causadores do efeito estufa, remonta à era industrial, a chamada Revolução Industrial, devido a grande utilização de combustíveis fósseis (Carvão, Petróleo e Gás Natural) para a produção de energia.
O aumento na produção Industrial ocasionado pelo aumento de consumo e o aumento populacional verificados no final do século XIX e meados do século XX, foram fatores determinantes para o aumento da emissão de gases causadores do efeito estufa.
A partir desta época, tornou-se fato incontroverso a responsabilidade do homem pelos problemas ambientais, e iniciativas para minimizar sua interferência na dinâmica do fenômeno efeito estufa deveriam ter sido tomadas.
Coube à ONU a busca por soluções viáveis que possibilitassem uma qualidade de vida melhor para as futuras gerações, que elaborou para este fim, uma agenda específica, conciliando interesse desenvolvimentista com as questões ambientais.
Nas palavras de Isaac Edington[1]:
O fato é que agora, em pleno século 21, os avisos vem de forma de “manada”. Mudanças Climáticas, Aquecimento Global, Poluição, Escassez de Água, Terrorismo, Tisunamis, Desertificação, Crise Econômica Global jamais vista, entre outros numerosos acontecimentos, todos praticamente de uma só vez.
O efeito estufa, como muitos acreditam, não se trata de um acontecimento prejudicial para a Terra, mas sim de um fenômeno necessário para a sobrevivência dos seres vivos. Como ensina Marcos Buckeridge[2]:
Normalmente o termo efeito estufa é utilizado com uma conotação negativa, indicando que algo de errado está acontecendo com a atmosfera. No entanto, a vida na terra só é possível por causa desse efeito. Para se ter uma idéia da importância do efeito estufa, pode-se comparar a Terra e a Lua. Enquanto a camada de ar que envolve a Terra se mantém entre extremos aproximados de -10ºC e 50ºC, a Lua, que até onde sabemos não possui seres vivos, apresenta extremos de -150ºC a noite e 100ºC na superfície exposta ao Sol. Estas diferenças existem a despeito do fato de que ambos os corpos celestes se encontrarem à mesma distância do sol. Estas diferenças existem porque a terra possui uma camada de gases capazes de absorver parte da radiação emitida pelo Sol. De toda a radiação que chega à Terra, apenas a luz visível e parte das ondas de rádio atingem a superfície da terra sem interferência, enquanto a luz ultravioleta é absorvida na estratosfera, provocando seu aquecimento. A energia absorvida faz com que as moléculas de certos gases vibrem, promovendo produção de calor o qual em parte acaba sendo reemitido para o espaço e em parte é responsável pela manutenção dos sistemas vivos na superfície terrestre. Este é o efeito estufa benéfico, sem o qual a vida na Terra seria impossível.
Mas se o efeito estufa é um fenômeno de tamanha importância para a sobrevivência no planeta, qual seria o motivo de tamanha preocupação mundial? Entende a professora Maria Lúcia Campos[3], que dirige a equipe de desenvolvimento do Laboratório de Química Ambiental da Universidade de São Paulo que:
O grande problema é que o efeito estufa está aumentando muito rapidamente neste último século, pois está havendo uma alta emissão de gases como gás carbônico, metano e óxido nitroso para a atmosfera. A principal fonte de gás carbônico é a queima de combustíveis fósseis (carvão, gasolina, diesel) e as queimadas das florestas. Nestes últimos 140 anos, a temperatura do nosso planeta aumentou em média 0,76 oC. Pode parecer pouco, mas esse aumento já foi suficiente para abalar o clima do planeta.
Pesquisadores do Reino Unido observaram que o aumento da temperatura naquele país fez com que a atividade microbiana do solo aumentasse, aumentando assim a emissão de CO2 que estava retido no solo. O nível do mar pode subir de 18 a 59 cm. Além do aumento da temperatura global também foi registrado que o nível do mar subiu em média 17 cm no século XX, levando a grandes inundações de terra. Uma população inteira de uma Ilha do Pacífico checou a ser evacuada, fazendo com que seus habitantes perdessem seus lares e suas identidades culturais.
Ensina Joaquim José Gomes Canotilho[4] que “os comportamentos ecológica e ambientalmente relevantes da geração atual condicionam e comprometem as condições de vida das gerações futuras”.
Diante dessa realidade ambiental, o mundo, de um modo geral, tem tomado atitudes cada vez mais precisas no sentido de amenizar os efeitos da poluição atmosférica, sem, contudo, afetar as economias de mercado dos países, haja vista a inaplicabilidade prática de medidas que determinassem a redução da poluição atmosférica afetando drásticamente nos ganhos internos de cada país.
Surge, nesse momento, uma nova idéia de desenvolvimento, pautado na sustentabilidade, sendo criado, sobretudo a partir da publicação do Protocolo de Quioto, um mercado que possui suas bases em mecanismos de desenvolvimento limpo, que serão estudados em linhas futuras.
Como discorrido alhures, os problemas ambientais se agravaram com a Revolução Industrial, sendo a natureza degradada em velocidade exponencial a partir de então.
Nas palavras de Patrícia Nunes Lima Bianchi[5]
A revolução termo-industrial com a extração intensiva da hulha (carvão) – figurou como um marco inicial na desertificação entre os ciclos biológicos e geológicos. Esse período foi marcado pela maciça exploração dos recursos naturais, fonte de matéria-prima para o desenvolvimento do setor industrial. Atualmente, esse processo vem se espalhando com a expansão da indústria, fato este que contribui sobremaneira para acentuar a degradação do meio ambiente. Isso porque esse processo evoluiu para um sistema de produção pela produção, que leva a processos irreversíveis de deterioração nos ecossistemas do planeta.
Ainda acerca das conseqüências ambientais relacionadas à revolução ambiental, discorre a doutrinadora[6] acima citada:
Até a primeira revolução industrial, as diferenças entre as regiões do planeta eram predominantemente geográficas e culturais. Com o advento da industrialização associada ao progresso tecnológico, outras diferenças foram sendo “criadas”. Aqui, vale lembrar que o crescimento dos países hoje desenvolvidos foi obtido às custas daqueles países vítimas do imperialismo e colonialismo.
Neste momento, sobressai a necessidade de valorização dos recursos naturais, de modo a manter um crescimento econômico de forma sustentada.
Malcolm Caldwell[7] afirma que “a riqueza de uma comunidade está em sua renda de energia disponível para os objetivos a vida”.
Isso significa dizer que, atualmente, se a energia disponível que uma nação possui não for utilizada com a estrita intenção de atender aos objetivos essencialmente vitais, haverá a médio e longo prazo o comprometimento da vida do próprio homem.
Como instrumento a serviço do desenvolvimento sustentável, o mercado de carbono foi instituído pelo Protocolo de Quioto, de modo a assegurar a correta e efetiva satisfação das metas estabelecidas no primeiro período de compromisso, qual seja, o lapso temporal entre 2008 a 2012.
A análise desses resultados será feita a partir do dia 13 de junho de 2012, no Rio de Janeiro, na Conferência denominada Rio + 20, que recebe esse nome em decorrência de a última Conferência Climática da ONU sediada no Rio de Janeiro ter ocorrido em 1992, há 20 anos.
O Protocolo de Quioto, com base nos índices de emissão de gases causadores do efeito estufa registrados em 1990, estabeleceu, em seu Artigo 3, uma meta de redução global de 5,2%, a ser cumprida no período de compromisso de 2008 a 2012 por cada país desenvolvido relacionado no Anexo I (lista dos países desenvolvidos signatários do Protocolo de Quioto).
Note-se que a meta de redução foi estipulada apenas para os países desenvolvidos e para os países em transição para uma economia de mercado, que compõem o chamado Anexo B.
Ressalta Daniela Stump[8] que “essa diferenciação entre os países consagra o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, que leva em consideração as diferenças econômicas, históricas, políticas e sociais de cada qual”. Segue expondo:
A principal contribuição do protocolo consiste na mudança da estratégia utilizada para garantir o cumprimento de seus objetivos, mudança essa observada na transferência da ênfase conferida à sanção pela maioria dos acordos internacionais: o sistema baseado na punição é substituído por um sistema de benefícios e incentivos. Trata-se de uma tentativa de remediar o problema da eficácia no âmbito internacional, promovendo-se o cumprimento das obrigações internacionais pela via do reforço positivo em detrimento da punição.
Para não comprometer as economias dos países desenvolvidos, o Protocolo de Quioto, como bem observa o professor Carlos Eduardo Leal[9] “determina que, caso seja impossível atingir as metas estabelecidas de redução de CO2, esses países poderão comprar créditos de carbono de outras nações que possuam projetos de desenvolvimento de tecnologias limpas”.
Nesse sentido, nos informa Sônia Abreu Pedroso[10] que cada crédito, equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono que deixa efetivamente de ser emitido, ou seja, que seja entregue ao país comprador de forma garantida, está valendo, atualmente, cerca de 17 euros, e os créditos para entrega futura estão valendo 13 euros. Quando o crédito já está emitido, ou seja, “já está em mãos”, o valor é mais alto, equivalente a 25 euros.
Constata-se que os preços oscilam de acordo com o risco de desempenho, ou seja, de acordo com a garantia de entrega da certificação da redução das emissões, como observa a doutrinadora acima, “o risco está embutido no custo”.
O Mercado de Carbono é, portanto, o meio criado pelo Protocolo de Quioto para garantir o cumprimento de suas metas pelos países arrolados em seu Anexo I e Anexo B, de modo a não prejudicar a economia de mercado de cada um.
O Protocolo de Quioto prevê três mecanismos de redução de emissões: a Implementação Conjunta (ou Joint Implementation, no Inglês), o Comercio de Emissões (ou Emission Trading, no Inglês) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (ou Clean Development Mechanism, no Inglês).
O Mecanismo da Implementação Conjunta, regulado pelo artigo 6 do Protocolo, possibilita a parceria entre dois países, componentes do Anexo I, para a consecução de projetos que reduzam as emissões. Versa o referido artigo 6:
A fim de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3, qualquer Parte incluída no Anexo I pode transferir para ou adquirir de qualquer outra dessas Partes unidades de redução de emissões resultantes de projetos visando a redução das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia, desde que: (a) O projeto tenha a aprovação das Partes envolvidas; (b) O projeto promova uma redução das emissões por fontes ou um aumento das remoções por sumidouros que sejam adicionais aos que ocorreriam na sua ausência; (c) A Parte não adquira nenhuma unidade de redução de emissões se não estiver em conformidade com suas obrigações assumidas sob os Artigos 5 e 7; e (d) A aquisição de unidades de redução de emissões seja suplementar às ações domésticas realizadas com o fim de cumprir os compromissos previstos no Artigo 3. 2. A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo pode, em sua primeira sessão ou assim que seja viável a partir de então, aprimorar diretrizes para a implementação deste Artigo, inclusive para verificação e elaboração de relatórios.
O Comércio de Emissões, por sua vez, disciplinado pelo artigo 17 do Protocolo de Quioto, estabelece que os países incluídos no Anexo B, que é composto pelos países arrolados no Anexo I, somados aos países em processo de transição para uma economia de mercado, podem comercializar entre si as unidades de certificação de redução. Versa o artigo 17:
As Partes incluídas no Anexo B podem participar do comércio de emissões com o objetivo de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3. Tal comércio deve ser suplementar às ações domésticas com vistas a atender os compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos sob esse Artigo.
Por fim, temos o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que foi instituído pelo artigo 12 do Protocolo de Quioto, e consiste na permissão aos países desenvolvidos de financiar projetos em países em desenvolvimentos que resultem em reduções certificadas de emissões.
Versa o artigo 12.2 acerca do objetivo do MDL:
2. O objetivo do mecanismo de desenvolvimento limpo deve ser assistir às Partes não incluídas no Anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e contribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir às Partes incluídas no Anexo I para que cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3.
Vistos os dispositivos acima citados, percebe-se que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é o único que prevê a participação dos países em desenvolvimento, sendo foco, portanto, desse trabalho.
Como visto anteriormente, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é um dos mecanismos de flexibilização criados pelo Protocolo de Quioto, como instrumento subsidiário posto à disposição das partes componentes do Anexo I para auxiliar no cumprimento de suas metas de limitação e redução quantificadas de emissões de gases causadores do efeito estufa.
O advogado Pedro Cavalcanti[11] conceitua o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como:
uma forma de flexibilização do Protocolo de Kyoto, voltado principalmente para os países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia. Esses são países que não possuem metas de redução na emissão de gases do efeito estufa (Gás Carbônico, metano e outros). O Protocolo de Kyoto (criado em 1997) determina que apenas os países desenvolvidos precisam reduzir suas emissões em 5,2 por cento em relação aos níveis de 1990. Se, entretanto, um país em desenvolvimento decidir diminuir as emissões, vai ganhar um crédito correspondente à quantidade de gás que deixou de lançar na atmosfera e pode vendê-lo para os países desenvolvidos.
Conforme disposição de Carolina Burle Schmidt Dubeux e André Felipe Simões[12]:
O MDL, que evoluiu a partir de uma proposta apresentada pelos negociadores brasileiros em Quioto, destina-se a auxiliar os países em desenvolvimento a atingir o desenvolvimento sustentável e contribuir para o objetivo final da Convenção. Por esse Mecanismo, os países industrializados que não consigam (ou não queiram) atingir suas metas de redução podem comprar os CER’s (sigla em inglês para Certifild Emission Reduction, Redução Certificada de Emissões) gerados por projetos nos países em desenvolvimento e utilizá-los no cumprimento de suas metas.
Existem alguns requisitos que devem ser atendidos pelos países componentes do Anexo I para que estes utilizem o território de outro país a fim de constituir um projeto, com a garantia de que os dois países obterão vantagens.
Segundo Daniela Stump[13] “é necessária a garantia de que ocorrerá transferência de tecnologia para o país em desenvolvimento, sendo esse talvez, o maior benefício que os países não integrantes do Anexo I possam obter”.
Além da exigência de obtenção de vantagens recíprocas, para a implantação de um Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, outras exigências são elencadas no artigo 12 do Protocolo de Quioto.
No item 5 do referido artigo encontramos três requisitos, quais sejam: A participação voluntária aprovada pelas partes envolvidas; benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação do clima e; reduções de emissões que sejam adicionais às que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto.
Acerca da participação voluntária aprovada pelas partes envolvidas, Ana Maria de Oliveira Nusdeo[14] destaca:
A participação voluntária dos países em desenvolvimento tem a ver com a independência com relação a obrigações assumidas em outro possível tratado ou contrato internacional. Assim, ao país em desenvolvimento não deve ser imposta a participação num determinado projeto de desenvolvimento limpo por meio, por exemplo, de acordos internacionais bilaterais ou através de qualquer tipo de coação. Ao contrário, a criação de projetos no âmbito do mecanismo deve ser negocialmente estabelecida, quando vantajosa para ambas as partes e na medida em que contribua para o desenvolvimento sustentável do país hóspede.
O segundo requisito é a existência de benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação do clima.
Sobre o assunto, ressalta Ederson Pires[15] que um projeto desenvolvido no âmbito do mecanismo de desenvolvimento limpo deve possibilitar a quantificação do volume de gases não emitidos ou captados, direta e indiretamente, bem como a sua contribuição para a mitigação do clima.
Enfatiza Ana Maria de Oliveira Nusdeo[16] que “a verificação e mensuração das reduções de emissões devem ser certificadas por uma entidade operacional designada pela conferência das partes”, órgão máximo da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (CQNUMC).
O terceiro requisito está relacionado à comprovação de que as reduções de emissão pretendidas são adicionais às que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto.
Os projetos a se beneficiarem do mecanismo de desenvolvimento limpo devem promover reduções de emissões ou criação/aumento de sumidouros e devem comprovar que as reduções de emissões não seriam possíveis senão com a sua implementação. Assim, deve-se analisar, comparativamente, o cenário anterior, na situação atual e um cenário posterior à criação do projeto, ainda que baseado em projeções. O cenário anterior de emissão de gases de efeito estufa é considerado a “linha base” (baseline) a partir da qual as reduções devem ser verificadas e mensuradas.[17]
As etapas para a habilitação de projetos de emissão de certificados de redução de emissão de gases do efeito estufa, no âmbito do mecanismo de desenvolvimento limpo, seguem um procedimento específico, os denominados Ciclos do Projeto, que possuem seis fases: 1) Elaboração do Documento de Concepção do Projeto; 2) Validação/ Aprovação; 3) Registro; 4) Monitoramento; 5) Verificação /Certificação; 6) Emissão e Aprovação das reduções certificadas de emissões.
A primeira fase, como visto, é de elaboração do Documento de Concepção do Projeto, no qual deverá conter: a descrição das atividades de projeto; os participantes do projeto; a metodologia da linha de base; as metodologias para cálculo da redução de emissões de gases de efeito estufa e para o estabelecimento dos limites do projeto e das fugas; e o plano de monitoramento.
Segundo Daniela Stump[18], a metodologia da linha de base é “o cenário que representa, de forma razoável, as emissões antrópicas de gases do efeito estufa por fontes que ocorreria na ausência da atividade de projeto proposta”. A metodologia de cálculo do limite do projeto “é o cenário mais otimista de um projeto por representar as reduções de emissões de gases do efeito estufa que se tem em vista”, e, por fim, a metodologia de cálculo da fuga “é o aumento de emissões de gases do efeito estufa em relação ao cenário mais otimista (limite do projeto)”.
Após a elaboração do Documento de Concepção do Projeto, a Entidade Operacional Designada o analisará e, observando o correto cumprimento aos requisitos do item 5 do artigo 12 do Protocolo de Quioto, o validará, por meio da expedição de um relatório.
A terceira fase diz respeito ao registro, onde o Conselho Executivo aceitará o projeto, podendo, entretanto, exigir revisões no relatório de validação elaborado pela Entidade Operacional Designada, se alguns requisitos forem considerados não atendidos.
Elucida Daniela Stump[19] que “mister se faz, pela essência do MDL, que tal projeto se torne público. Eis, portanto, a grande relevância do Registro para o Ciclo do Projeto”.
O monitoramento faz parte da quarta fase do Ciclo do Projeto, sendo uma espécie de revisão de toda a metodologia aplicada ao projeto. Este período funciona como um teste para o projeto. Durante esse período, o projeto já está em funcionamento e técnicos irão analisar se de fato é possível atingir o objetivo pretendido.
O plano de monitoramento deverá conter, dentre outros, os seguintes requisitos: 1) Coleta e arquivamento de dados para que se possa estimar as emissões antrópicas de gases do efeito estufa, ou seja, determinar a linha base; 2) identificar as fontes potenciais de emissão de gases do efeito estufa; 3) documentação das etapas anteriores; 4) procedimento de garantia e controle de qualidade para o processo de monitoramento.
A quinta fase do Ciclo é a verificação, que segundo Ana Maria de Oliveira Nusdeo[20] consiste
na revisão independente periódica e à determinação ex post pela entidade operacional designada das reduções monitoradas das emissões de gases de efeito estufa por fontes que ocorreram em conseqüência de uma atividade registrada durante o período de verificação. Uma vez procedida a verificação, a entidade operacional designada emite, por escrito, a certificação, na qual declara que, durante o período de tempo especificado, a atividade do projeto atingiu as reduções das emissões antrópicas de gases de efeito estufa. No próprio relatório de certificação, a entidade deve requisitar ao conselho executivo a emissão das reduções certificadas de emissão, igual à quantidade verificada das reduções de emissões.
A última fase do Ciclo é a Emissão e Aprovação das reduções certificadas de emissões. Neste momento, o Conselho Executivo elabora as reduções certificadas de emissões baseado no relatório de certificações emitido pela Entidade Operacional Designada. As reduções certificadas de emissões correspondem ao total de emissões reduzidas obtidas pela atividade do projeto de MDL e são registradas em uma base de dados eletrônica, própria do Projeto em curso.
Como visto, os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo estabelecem a possibilidade de cooperação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, e um meio de comunicação inovador em torno da problemática ambiental mundial.
O fato é que, como destaca Ederson Pires[21], o MDL viabiliza a inclusão dos países em desenvolvimento, como o Brasil, e os países pobres no cenário econômico internacional de desenvolvimento, pois, de certa forma, o equilíbrio do processo produtivo nas nações mais avançadas passa a depender daqueles.
Entretanto, a real importância de toda essa preocupação internacional com os problemas ambientais, está no surgimento de um novo comportamento econômico-ambiental, pautado, principalmente, no legado que pretende-se deixar para as gerações ulteriores, o chamado desenvolvimento sustentável, onde as gerações atuais usufruem do meio ambiente sem comprometê-lo para as gerações futuras.
Diante da necessidade de se combater os problemas climáticos mundiais, sem, contudo, afetar as economias de mercado de cada país, o Protocolo de Quioto criou mecanismos para facilitar, aos países desenvolvidos e aos países em transição para uma economia de mercado, o cumprimento de suas metas.
Por esses mecanismos, os países não precisariam deixar de emitir gases causadores do efeito estufa apenas em seu território, mas poderiam “comprar” o excesso de “não emissão” de outros países, ou a “não emissão” de países não integrantes dos Anexos do Protocolo.
Tais mecanismos foram nomeados de Implementação Conjunta (ou Joint Implementation, no Inglês); Comercio de Emissões (ou Emission Trading, no Inglês) e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (ou Clean Development Mechanism, no Inglês).
Interessante para o Brasil, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) se consubtancia na venda de CER’s (sigla em inglês para Certifild Emission Reduction, Redução Certificada de Emissões) gerados por projetos nos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos que não consigam (ou não queiram) atingir suas metas de redução em seu próprio território.
A grande peça motivadora dos países desenvolvidos nos projetos (de MDL) é a oportunidade de crescimento tecnológico, vez que, para que seja implantado o projeto, se faz necessária a transferência, por meio do país desenvolvido comprador, de sua tecnológia no país em desenvolvimento hospedeiro/vendedor, para o alcance do objetivo de captação ou não emissão de gases de efeito estufa traçado.
Movida por toda essa responsabilização internacional, a legislação brasileira vem se adequando às exigências ambientais e se tornando cada dia mais específica, buscando mais eficácia.
A doutrina ambiental explana idéias no sentido de que o pensamento mundial acerca do meio abiente ainda não está adequado à realidade do problema, mas, em contrapartida, reconhece a evolução da humanidade nesse sentido, vislumbrando o equilíbrio ambiental a tempo.
A conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento Sustentável, batizada de Rio + 20, como informado anteriormente, tem como objetivo a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso no cumprimento das metas estipuladas no Protocolo de Quioto, bem como a verificação de lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto, além da discussão de novos temas, como: “A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e “A estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”.
Após a referida conferência, que chegará a termo no dia 22 de junho de 2012, será possível verificar os efetivos resultados dos mecanismos de implementação conjunta obtidos até o presente momento, analisando-se, também, quais medidas deverão ser adotadas para se atingir o objetivo final, qual seja, a conquista do desenvolvimento de forma sustentável, mantendo os ganhos econômicos dos Estados e preservando o Meio Ambiente.
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[1] EDINGTON, Isaac. Desrespeito ao Nosso Futuro Comum. 2007. Disponível em: <http://www.ecodesenvolvimento.org.br/colunas/isaac-edington/como-eles-chegaram-ao-topo-da-educacao>. Acesso em 12 jun. 2009.
[2] BUCKERIDGE, Marcos S. O Efeito Estufa e a Biodiversidade. Disponível em: <http://felix.ib.usp.br/pessoal/marcos/minhaweb5/schedule.htm>. Acesso em: 25 fev. 2009.
[3] CAMPOS, Maria Lúcia A. Moura et al. O que é efeito estufa?. Disponível em: <http://www.usp.br/qambiental/tefeitoestufa.htm#OqueEh>. Acesso em: 04 dez. 2008.
[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. O Direito ao Ambiente Como Direito Subjetivo. In: A Tutela Jurídica do Meio Ambiente: Presente e Futuro. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 2005.
[5] BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. Meio ambiente: Certificações Ambientais e Comércio Internacional. 2. ed. Curitiba: Jeruá, 2008.
[6] Idem 5.
[7] CALDWELL, Malcolm. A Riqueza de Algumas Nações. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
[8] STUMP, Daniela et al. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e Considerações sobre o Mercado de Carbono. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 11, jul/set, 2006, p. 83 - 99.
[9] LEAL, Carlos Eduardo. Mercado de Carbono – O Que é Isso Afinal?. 2006. Disponível em: <http://www.br.sgs.com/pt_br/theproof_br/theproof_br_3/mercado_de_carbono_o_que_e_isso_afinal_theproof_br.htm >. Acesso em: 23 mar. 2009.
[10] PEDROSO, Sônia Abreu. Crédito de Carbono: Energia que Estimula a Indústria Moderna. Revista Gerência de Riscos e Seguros. ano 25, n. 100, versão brasileira, 2° Quatrimestre 2008. São Paulo: Fundação Mapfre, 2008.
[11] CAVALCANTI, Pedro. Mercado Brasileiro de Créditos de Carbono já Alcançou o Valor de 10 Bilhões de Reais. 2003. Disponível em: <http://www.renaldo-limiro-advogados.com.br/site/NoticiaVisualizar.do?vo.codigo=134>. Acesso em: 01 mar. 2009.
[12] DUBEUX, Carolina Burle Schmidt; SIMÕES, André Felipe. Mercado Internacional de Créditos de Carbono. In: POPPE, Marcelo Khaled; LA ROVERE, Emílio Lebre. (Coords.) Mudança do Clima. CADERNO NAE. Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Brasília, 2005, p 47 – 111.
[13] Idem 8.
[14] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento Sustentável do Brasil e o Protocolo de Quioto. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, jan/mar. 2005, p. 144 – 159.
[15] PIRES, Ederson. A Mudança Climática, o Protocolo de Quioto e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: Elementos de um Novo Paradigma de Comportamento Econômico-Ambiental. 2006. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí.
[16] Idem 14.
[17] Idem 14.
[18] Idem 8.
[19] Idem 8.
[20] Idem 14.
[21] Idem 15.
Procurador Federal - Pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Henrique Gouveia de Melo. Um novo modelo de desenvolvimento econômico e o mercado de carbono Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2012, 08:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29911/um-novo-modelo-de-desenvolvimento-economico-e-o-mercado-de-carbono. Acesso em: 23 dez 2024.
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