Daniel Ferreira de Lira
Lívia Barbosa Nunes
RESUMO
No presente ensaio buscou-se analisar o processo coletivo brasileiro tomando por base a influência das normas intercomunicantes que integram o microssistema normativo, cujo núcleo é formado pelas leis nº 8.078/90 e nº 7.347/85. Inicia-se com a exposição do histórico do processo coletivo, perpassando pelos seus princípios informadores para, em seguida, tratar do microssistema de processo civil, especificamente, até chegar ao estudo das normas nucleares e de reenvio do microssistema processual coletivo, analisando sua incidência e extensão.
PALAVRAS-CHAVE: Microssistema – Direitos coletivos – Indisponibilidade.
ABSTRACT
Synthetic Analysis of the Brazilian collective process, taking as a basis the standards intercommunicating that integrate the regulatory microsystem, which core is built for the laws nº 8.078/90 e nº 7.347/85. It begins with the exposure of the historical of the collective process, traversing by their informant principles, then treats the microsystem of Civil Procedure, specifically, until arrives on the study of nuclear standards separately and the hipoteses of their incidence and extension of the decisions.
KEYWORDS: Microsystem, Collective rights, Unavailability.
INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem como objetivo analisar as diferentes formas de tutela dos direitos transindividuais no Brasil, portanto, faz-se um reflexão acerca da importância do processo coletivo como meio eficaz de proporcionar a tutela de direitos transindividuais. Outrossim, realizamos uma abordagem histórica do processo coletivo citando suas origens, bem como a forma como foi integrada ao direito brasileiro e ainda elencamos os princípios atinentes ao processo coletivo que mais tem importância na dinâmica forense.
Tratamos especificamente sobre o microssistema de processo coletivo brasileiro. Suscitamos aqui argumentos de autores que defendem a necessidade de recodificação e expomos, de forma sintetizada, os principais regramentos contidos nas leis que tutelam os direitos coletivos.
Em seguida, passamos à análise das normas de reenvio citando algumas e definindo a importância das mesmas dentro do sistema adotado pelo legislador brasileiro.
1. Histórico do processo coletivo no Brasil
A década de setenta do Século XX foi decisiva para a evolução do processo coletivo brasileiro porque nessa época foram produzidos e publicados trabalhos de pesquisadores europeus que serviram de subsídios teóricos aos juristas brasileiros, auxiliando-os a criar, com base nesses parâmetros, novas ações coletivas, como também lhes possibilitando reconhecer ações coletivas já assentadas na dinâmica processualista pátria, a exemplo da ação popular prevista na Lei nº 4.717/1965.
O trabalho doutrinário seguiu incessante e num cenário de mudanças políticas, econômicas e sociais profundas, nascedouro de uma nova Constituição Federal surgiu o germe do processo coletivo brasileiro, impulsionado por transformações trazidas pela produção e consumo em larga escala. O processo civil individual, caracterizado pela ideia de que somente ao titular “individualizado” do direito é permitido pleitear sua defesa numa ação judicial já não era capaz de satisfazer aos anseios da sociedade.
Seguindo tendência global, o Brasil passou a valorizar a defesa dos direitos coletivos como meio de proporcionar efetivamente o direito ao exercício da cidadania, como a Constituição quer que o conceba. A vulnerabilidade oriunda das relações massificadas e experimentada pelo elo mais fraco da corrente, o ser humano individual, não corporativo, não organizado, só pode ser desfeita mediante a equalização, no plano jurídico, de disparidades observadas na esfera fática.
Diante dessa nova realidade o legislador houve por bem adequar seu trabalho criando mecanismos processuais que possibilitem a tutela de direitos coletivos, tendo como parâmetros vários princípios informadores das intenções claramente protecionistas dessa nova fase do direito processual civil brasileiro, sob a égide da Carta Magna de 1988. Entendemos salutar listar, sem pretensão de exaurir o tema, os princípios que norteiam o processo coletivo brasileiro e que são os mais citados pela doutrina.
1.1 Princípios do Processo Coletivo
Princípios são orientações de caráter supralegal e originário que refletem no ordenamento jurídico como limites axiológicos aptos a corrigir os erros existentes na lei e preencher as lacunas deixadas pelo legislador, por desídia ou por conveniência política.
1.1.1 Princípio do acesso à justiça
Inicialmente, cumpre esclarecer que este princípio sofreu adaptação no tocante ao seu alcance. De axioma invocado para a defesa de direitos individuais, erigiu-se a patamar constitucional ao assumir papel relevante quando o assunto é processo coletivo. Seria no mínimo absurdo que o acesso à justiça fosse denegado quando as demandas fossem coletivas, isto porque como demonstramos acima, estamos vivendo uma fase no direito processual em que numerosas são as ações desse tipo.
O princípio em comento estabelece a universalidade da prestação jurisdicional e está explícito na Carta Magna, art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, redação que contempla tanto a via repressiva quanto a preventiva, proteção louvável visto que seria anacrônico do ponto de vista constitucionalista obrigar quem quer que fosse a esperar inerte a lesão a direito seu para após o acontecimento, acessar a justiça.
1.1.2 Princípio da indisponibilidade mitigada da ação coletiva
Característica marcante no processo coletivo é a indisponibilidade do interesse público, coisa que não ocorre no processo individual, no qual a parte tem a liberalidade de agir ou não, conforme a sua vontade. Contudo, esta regra não é absoluta, visto que não tem sentido ocupar o judiciário com demandas obsoletas ou temerárias, sem utilidade para a coletividade.
Como preleciona Didier Jr (2007, p.124)
Claro que esta obrigatoriedade está predominantemente voltada para o Ministério Público, já que ele tem o dever funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou ameaça ao direito coletivo, propor a demanda; mesmo assim, poderá o parquet fazer um juízo de oportunidade e conveniência, que equivale a um certo grau de discricionariedade controlada do agente.
A Lei da Ação Civil Pública, em seu art. 5º, §§ 1º e 3º, nesta ordem, determina que o Ministério Público atuará como fiscal da lei sempre que não for parte e nos casos de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada.
Esse princípio tem como escopo facilitar o ajuizamento e a continuidade das ações coletivas no direito brasileiro.
1.1.3 Princípio da integratividade do microssistema processual coletivo
O processo coletivo é regulamentado de forma específica, baseada em leis pré-estabelecidas, no entorno das quais gravitam outros ditames que constituem as chamadas normas de reenvio, isto é, mandamentos legais que se comunicam todo o tempo com o núcleo principal do microssistema, qual seja, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública – Lei nº 7.417/1985.
A integratividade do microssistema processual coletivo significa dizer que somente nos casos em que não for encontrada solução adequada ao caso concreto dentro do mesmo é que se deve procurar auxílio, em caráter subsidiário, no CPC. Isto se deve à predominância, dentro do microssistema, do princípio da especificidade da norma.
Vale notar que, pelo fato de as normas estarem integradas sistematicamente isto facilita sobremaneira o trabalho do operador do direito responsável pela propositura das ações coletivas, visto que quando se tem um sistema como fonte de estudo para aplicação da solução no caso com o qual nos deparamos, a exclusão de outras regras esparsas acaba poupando tempo e somando efetividade ao trabalho do mesmo.
1.1.4 Princípio da prioridade na tramitação
Não há previsão legal para este princípio. Decorre do próprio sistema e significa dizer que os processos coletivos devem ser decididos com prioridade sobre os individuais, por conta da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, conceito basilar do Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Os processos particulares tem prioridade na tramitação em hipóteses que constituem exceções. A título de exemplo podemos citar o habeas corpus, remédio constitucional usado para garantir o direito de ir e vir e as ações que tem idosos como partes ou intervenientes, art. 71 do Estatuto do Idoso. Isto porque a idade avançada dos envolvidos torna urgente a solução do litígio, qualquer que seja seu objeto, sob pena de perda do sentido da ação.
Em suma, o princípio ora estudado visa imprimir mais celeridade na resolução das demandas nas quais há interesse público a ser defendido porque seus resultados serão sentidos por um número indeterminado de pessoas.
1.1.5 Princípio da adequada representação e do controle judicial da legitimação nos processos coletivos
No processo coletivo o que se busca é salvaguardar um direito transindividual por meio de uma tutela jurídica a ser conferida pelo Estado-Juiz. Assim sendo, é imperioso que a representação da coletividade nessas ações se dê da forma mais adequada, por meio de uma atuação responsável na prática de todos os atos processuais, não causando dano por conta da má atuação da entidade legitimada.
Como lembra Fredie Didier Jr (2007, p.128), a tendência é que tal princípio ocupe cada vez mais espaço nos processos coletivos por conta da superação da primeira fase do processo coletivo em que a legitimação era somente ativa e fixada ope legis.
O juiz deverá usar de suas prerrogativas e poderes na organização do processo para verificar se o substituto processual está desenvolvendo suas potencialidades de forma satisfatória ou se está fazendo reservas na atuação, poupando esforços imprescindíveis ao deslinde da demanda. Caso o magistrado constate que o legitimado está agindo sem a acuidade necessária, deverá intimar quem atenda às condições para ocupar o lugar do primeiro.
O art. 87, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor serve de parâmetro para o processo coletivo e determina que as associações e seus diretores que usarem de má fé na propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
No caso de a entidade coletiva legitimada restar vencida no processo e ficando provada a má fé, a Fazenda Pública suportará as despesas que caberiam à associação como sucumbente. Isto porque se aplica relativamente a essa parte legitimada o benefício da justiça gratuita.
2. Microssistema do Processo Coletivo no Brasil
Inicialmente, havia no nosso ordenamento jurídico dois diplomas legais que tratavam especificamente de ações envolvendo a coletividade: a Lei da Ação Popular de 1965 e a Lei da Ação Civil Pública de 1985. O CDC de 1990 surgiu como um elo que propiciou a integração entre as várias leis até então instituídas com o desiderato de proporcionar o acesso à justiça para a solução de questões envolvendo direitos coletivos.
De acordo com Didier (2007, p.49)
O CDC não traz todas as disposições atinentes ao nosso processo coletivo e é importante para a finalidade eu atende o processo coletivo que busquemos integrar, no que existe de positivo, os diversos diplomas que se referem sobre as ações coletivas.
Ainda segundo Didier Jr (2007, p.51) “avançar para um microssistema pode ser agora mais vantajoso”. A compatibilidade das regras é que predomina como critério de integração das mesmas ao microssistema normativo. Não é razoável excluir algo que pode contribuir com a solução dos problemas como também não é admissível a formação de um todo contraditório em si, ou seja, o microcosmo normativo deve guardar harmonia internamente e externamente, na comunicação das regras que o compõem e em relação à Constituição da República, respectivamente.
Mazzei (2006) defende a tese de que já existe configurado no nosso ordenamento um microssistema de processo coletivo.A grande questão, aquela que determina a importância do microssistema aqui estudado é a comunicação recíproca e dinâmica das normas componentes do mesmo. Quase tudo que diz respeito a processos coletivos encontra previsão nas leis elencadas ao norte e ainda nos diplomas que interagem como é o caso do Estatuto do Idoso e do Estatuto da Criança e do Adolescente etc. O CPC é apenas fonte subsidiária para as hipóteses em que não há regulamentação nas leis que formam o microssistema.
Esse intercâmbio normativo representa um avanço sensível por adequar a norma ao contexto em que será aplicada, isto é, quanto à tutela coletiva há certo grau de flexibilidade na condução do processo visível, por exemplo, no art. 83 do CDC, in verbis: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”
Outra hipótese na qual se observa a flexibilização das normas dentro do microssistema é a dispensa da pré-constituição quando o interesse ameaçado ou agredido for de grande interesse social, pela extensão ou pela característica do dano ou pela relevância do bem jurídico protegido, encontrado no § 4º do art. 5º da LACP, com redação dada pela lei 8.078/90 – CDC.
O art. 21 da LACP foi o responsável pela integração dos dois diplomas, com redação trazida pelo art. 117 do CDC:
Acrescente-se à Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes: "Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor". É o CDC que confere unidade de conceitos e integração jurídico-processual dos direitos transindividuais.
Cumpre ressaltar, no entanto, que a aplicação que se faz do CDC no tocante às tutelas coletivas não se restringe ao Título III do diploma, pois o mesmo contém normas processuais e principiológicas por todo corpo legislativo que interessam ao processo coletivo.
Apesar da existência desse microssistema formado pelo CDC, polo do sistema, LACP e demais leis de defesa dos direitos coletivos, autores como Antônio Gidi e Aluisio Gonçalves de Castro Mendes veem a necessidade da elaboração de um Código Brasileiro de Processo Coletivo como meio de facilitar ainda mais o acesso à justiça nos casos de ações coletivas. Todos os anteprojetos preveem a aplicação subsidiária do CPC respeitada a compatibilidade entre as normas.
Antônio Gidi expõe em seu projeto intitulado Código de Processo Civil Coletivo: Um Modelo Para Países de Direito Escrito de 2002, preocupação com a interpretação de suas normas em seu artigo 30, como se vê:
Este Código será interpretado de forma criativa, aberta e flexível, evitando-se aplicações extremamente técnicas, incompatíveis com a tutela coletiva dos direitos transindividuais e individuais.
E ainda segundo o mesmo autor “O juiz adaptará as normas processuais às necessidades e peculiaridades da controvérsia e do grupo, levando em consideração fatores como o valor e o tipo da pretensão”. (GIDI, 2002)
Pelo exposto, percebemos que existe uma forte tendência à recodificação, o que pode ser bom, desde que sejam preservadas no âmbito do diploma que for aprovado essas ideias de flexibilidade imprescindíveis ao sucesso da proteção aos direitos coletivos.
Aprioristicamente parece contradição a ideia de um código flexível, já que a noção de codificação que temos é exatamente o oposto. Porém, pelos comentários tecidos acima podemos chegar à conclusão de que essa flexibilização que se espera será tarefa do julgador por ocasião da interpretação da norma, adequando-a ao caso concreto.
Didier (2007, p.67) considera positiva a ideia de incluir, no código aprovado disposições que trouxessem, por exemplo, os objetivos da lei e a especificação quanto à natureza das questões a que se propõe resolver, ou seja, coletivas, além dos princípios norteadores desse processo diverso em quase tudo do individual.
Em suma, o microssistema processual coletivo vigente é de capital importância para a tutela dos direitos transindividuais, pois o CPC não é modelo adequado porque seu objetivo é normatizar a propositura de ações singulares. Caso seja aprovado um Código Brasileiro de Processo Coletivo, o país avançará sensivelmente e poderá subsistir o novo diploma ao lado do microssistema que temos hoje, desde que um não contrarie o outro.
3. As normas de reenvio da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do consumidor - aplicação e extensão
Normas de reenvio são as dotadas de uma abertura especial e que permitem a sua complementação por outras leis, como se vê:
Art.21 da LACP – “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”
Na mesma perspectiva, temos a seguinte disposição:
Art.90 do CDC – “Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”.
As anotações acima demonstram a ligação umbilical que existe entre o CDC e a LACP. Na verdade, essas duas normas constituem o centro gravitacional para o qual convergem as demais leis de defesa dos direitos coletivos. É notável a reciprocidade entre as disposições de uma e de outra e no que forem compatíveis contribuirão mutuamente para o propósito final que é a prestação jurisdicional eficaz na busca da defesa dos direitos transindividuais, o que torna possível, por exemplo, a aplicação da norma de inversão de ônus da prova prevista no art. 65º, VIII, do CDC, às demandas coletivas de natureza ambiental.
Além desse núcleo composto pelo CDC e pela Lei da Ação Civil Pública, outras leis gravitam no entorno do mesmo, sendo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e a Lei de Improbidade Administrativa, além da Ação Popular, as mais conhecidas.
A troca constante de informações entre esses diplomas legais permite, por exemplo, a aplicação do CDC numa ação que pleiteia a defesa do meio ambiente, mesmo ausente o caráter consumerista. Inúmeras possibilidades interativas se observam entre as normas que integram esse microcosmo normativo e isso se dá porque o modelo adotado é aberto, isto é, as normas centrais, além de interferir uma na outra, interveem nas periféricas e estas últimas interagem também com as demais leis orbitais.
O CDC, no art.81, parágrafo único elenca as possibilidades nas quais será exercida a defesa coletiva. São elas:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Sérgio Cavalieri Filho (2011, p.369-372) em valiosa lição destrincha o significado de cada um dos incisos do supracitado artigo. Vejamos seus comentários sobre o inciso I:
Depreende-se desse conceito legal que são quatro as características dos interesses ou direitos difusos: (a) natureza indisponível, transindividual; (b) objeto indivisível; (c) sujeitos indeterminados; (d) origem, circunstância de fato. Analisemos cada uma dessas características. Em Primeiro lugar, são transindividuais, também chamados de metaindividuais, vale dizer, são interesses coletivos, que vão além dos interesses individuais (supraindividuais) e por isso indisponíveis. Não admitem transação porque, indo além do interesse individual, pertencem a todos. [...] A segunda característica é a indivisibilidade no que diz respeito ao objeto. Não é possível dividir o seu objeto por impossibilidade fática. Ele é absolutamente indivisível. Dessa forma, resolvendo-se o problema de uma pessoa, automaticamente resolve-se o problema de todos. A terceira característica é a indeterminação de titulares do direito difuso. Não é possível estabelecer o número de pessoas as quais pertence esse direito; seu número de sujeitos é absolutamente indeterminável. A quarta característica, da qual decorrem as três primeiras, é que os titulares desses direitos (pessoas) estão ligados por circunstâncias de fato. (Grifos do autor)
Cavalieri Filho (2011), lecionando sobre o inciso II nos mostra que este também tem quatro características, sendo as únicas diferenças em relação ao inciso I a possibilidade de determinar os sujeitos e a origem que, nesse caso é a relação jurídica base. No primeiro caso os sujeitos estão ligados por circunstâncias fáticas, no segundo, por um vínculo jurídico.
O inciso III se refere a direitos individuais, portanto disponíveis e que recebem o mesmo tratamento jurídico dispensado aos transindividuais em razão da origem comum. Essa origem comum pode ser (a) fática; (b) fática e jurídica, concomitantemente e (c) jurídica.
A equiparação dos direitos individuais homogêneos aos transindividuais, para efeitos processuais, gera as seguintes consequências:
(a) condenação genérica em caso de procedência do pedido, quando o juiz apenas fixará o dever de indenizar (art.95); (b) a sentença fará coisa julgada erga omnes apenas se procedente o pedido para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores (art.103, III). (CAVALIERI FILHO, 2011, p.372)
É através do processo coletivo que o Estado pode-deve tutelar aqueles direitos que são imprescindíveis à existência e ao bem-estar de todos os seus governados.
Destarte, concluímos que o CDC dentro do microssistema de processo coletivo aplica-se a todos os casos em que há uma demanda por maior amparo, presente ou não na situação traços consumeristas, dada sua característica eminentemente protecionista, tendo em vista a vulnerabilidade coletiva frente às práticas abusivas perpetradas principalmente por grandes corporações de cunho lucrativo.
A LACP consigna, em seu art. 1º que regerá as ações por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular e à ordem urbanística.
Pela característica da transindividualidade dos direitos tutelados pela lei nº 7.347/85, a legitimidade para a propositura da ação é a mais extensa possível, visando facilitar o acesso à justiça e a mantença desse tipo de batalha judicial.
O art. 5º da LACP traz o rol das pessoas legitimadas para propor a ação civil pública. São elas:
a. Ministério Público – há para o parquet a obrigação de propor a ação sempre que presentes os seus pressupostos e flagrante a ameaça ou violação do direito. Ainda é obrigatória a atuação do MP quando não for parte no processo. A legitimidade desse órgão também está expressa no art. 129, III da CRFB;
b. Defensoria Pública – competência conferida pela lei 11.448/07;
c. União, Estados, Distrito Federal e Municípios – justifica-se pelo dever de zelo que as pessoas jurídicas de direito público interno tem em relação a seus patrimônio, seja ele material ou imaterial;
d. Autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
e. Associações constituídas há pelo menos um ano nos termos da lei civil e que inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado se o juiz notar manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
A competência para julgar a ação é do foro onde o dano ocorreu. Esta regra facilita a dilação probatória e o acesso à informação pelos lesados de que esta está tramitando naquele lugar. Sendo a coletividade a titular dos direitos defendidos, nada mais justo do que dar à mesma ciência do ocorrido para que possa, caso deseje, acompanhar o desenvolver do processo. Lembremos que a legitimidade ad causam será sempre do substituto processual.
O parágrafo único do art. 2º da LACP explicita que o juiz da comarca onde for proposta a ação se tornará prevento com relação às posteriores intenções de propositura de demanda com o mesmo pedido e causa de pedir.
O juiz poderá conceder liminar sempre que presentes seus requisitos, o fumus boni juris – fumaça do bom direito e o periculum in mora – perigo da demora, decisão que poderá ser atacada por agravo. A liminar poderá ser suspensa a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, por despacho do Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do recurso, fundamentadamente e dessa decisão caberá agravo no prazo de cinco dias a uma das turmas julgadoras.
A sentença prolatada gerará efeitos erga omnes na jurisdição onde foi julgado o feito, exceto se improcedente por falta de provas, hipótese que enseja a propositura de uma nova ação com idêntico fundamento e apresentação de novas provas e por parte de qualquer legitimado. No caso das demandas propostas para defender direitos de grupo, categoria ou classe, o efeito da sentença será ultra partes.
A execução será promovida em princípio pela associação autora. Caso essa não proceda à execução no prazo de sessenta dias do trânsito em julgado, o Ministério Público é o próximo legitimado a fazê-lo, sendo facultada tal possibilidade a qualquer interessado que se habilitar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo coletivo é o único meio de acionar a justiça para buscar reparação ou defesa contra danos causados a bens que transcendem a esfera individual. Pelo que expusemos nesse breve estudo, fica clara a importância de aperfeiçoar cada dia mais esse instrumento essencial, sem o qual a justiça não seria tão equânime, visto que o processo individual não tem como alcançar os mesmo fins conseguidos pelo transindividual.
Na sociedade pós-moderna em que vivemos, com suas relações massificadas, quase tudo o que fazemos reflete até lonjuras inimagináveis. Erros ocasionados pela necessidade de rapidez na produção ou ainda ações deliberadamente projetadas para a destruição de patrimônio público geram como resultado a ofensa a direitos alheios e muitas vezes são incontáveis os prejudicados. A coletividade está aí representada, nessa massa sem rosto que suportaria muito mais prejuízo não fosse os meios de tutela coletiva.
Nessa perspectiva, notamos que o processo coletivo está em expansão e o caminho natural é o desenvolvimento de diplomas cada vez mais abrangentes e protetivos quando o assunto for direitos metaindividuais. Há quem defenda inclusive a criação de um código “flexível” como meio de potencializar a defesa da coletividade quando se vir ofendida nos seus direitos mais básicos, como o direito a um meio ambiente saudável, ou a uma informação correta sobre um produto que queira comprar.
Caso alguma das propostas de Código de Processo Coletivo Brasileiro seja aprovada pelo Congresso a tutela coletiva terá, enfim, código específico que a regulamente e consequentemente, maior completude na abordagem das possíveis soluções para os casos, novos institutos, novas ações etc. Enquanto esse dia não chega, valhamo-nos do CDC com a LACP e os outros diplomas relacionados.
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