RESUMO – O processo civil vem sofrendo profundas alterações nas duas últimas décadas, vislumbrando o legislador alcançar a tão sonhada efetividade em um processo mais célere e verdadeiramente eficaz. Este trabalho tem como objeto o instituto da penhora online, acrescido ao Código de Processo Civil com o advento da Lei n. 11382/06, sob o pano da instrumentalidade do processo e da efetividade, bem como suas principais consequências no moderno processo civil.
PALAVRAS-CHAVE – PROCESSO. REFORMA. EFETIVIDADE. INSTRUMENTALIDADE. PENHORA ONLINE. CONSEQUÊNCIAS.
ABSTRACT – The civil law has undergone profound changes in the last two decades, discerning the legislature envisioned getting effectiveness in a more prompt and fully effective lawsuit. This work focuses on the institution of the seize online, incorporated the Code of Civil Law with the advent of Law 11382/06, viewpoint througth of the instrumentality of the law and the effectiveness, as well as its main consequences in the modern civil law.
KEYWORDS – LAWSUIT. REFORM. EFFECTIVENESS. INSTRUMENTALITY. SEIZE ONLINE. CONSEQUENCES.
1. INTRODUÇÃO
O processo civil moderno possui na instrumentalidade das formas seu grande aliado, com vistas a excluir do campo processual o formalismo exacerbado. A aplicação do princípio acaba coincidindo com a busca atual pela efetividade do processo, auxiliando a tutela dos direitos, seja individuais ou coletivos, tornando o processo um instrumento eficaz para que se alcance o direito material, aproximando-se definitivamente as duas searas.
Nessa ótica de encontrar a efetividade do direito material por meio dos instrumentos processuais, o ponto culminante se localiza, sem dúvida, na execução forçada, visto que é nela que, na maioria dos processos, o litigante concretamente encontrará o remédio capaz de pô-lo de fato no exercício efetivo do direito subjetivo ameaçado ou violado pela conduta ilegítima de outrem. Quanto mais cedo e mais adequadamente o processo chegar à execução forçada mais efetiva e justa será a prestação jurisdicional (THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 6).
Todavia, há que se cuidar para que a perseguição pela efetividade do processo não acarrete em máculas processuais da pressa em superar o processo atual, burocrático e lento.
Não é essa a postura a ser adotada, pois não se pode abrir mão, inadvertidamente, da segurança jurídica e toda a sua importância para o sistema processual pátrio. Impende ressaltar que a necessidade ou não de mudanças e ajustes na legislação precisa respeitar as garantias do devido processo legal.
Ora, sabe-se que ainda falta muito para se alcançar o processo que se deseja. Como bem enxerga Dinamarco, velhos formalismos e hábitos comodistas minam o sistema e de um momento para outro ele não se alterará. Além disso, a própria lei reflete atitudes privatistas e individuais perante o processo, incluindo-se nisso o conformismo com algumas de suas supostas fraquezas e pouca disposição a superá-las (DINAMARCO, 1990, p. 388).
A instrumentalidade das formas, sob o enfoque da efetividade do processo, possui uma missão, cujo termo, no entender do autor, requer a implantação de um novo método de pensamento, rompendo definitivamente com as velhas posturas introspectivas do sistema e abrindo os olhos para a realidade da vida que passa fora do processo (DINAMARCO, 2008, p. 319).
2. EFETIVIDADE E PROCESSO
Viana traz a origem histórica do termo, asseverando que advém do latim efficere, o qual significa produzir, realizar, estar ativo de fato (VIANA, 2006); de modo que, em se relacionando ao processo, a efetividade corresponde, nos dizeres de Aragão, à preocupação com a eficácia da lei processual, com sua aptidão para gerar os efeitos que dela é normal esperar (ARAGÃO, 1995, p. 127).
O Estado, ao tomar as rédeas da Jurisdição, tem papel fundamental para assegurar, a todos os cidadãos, sem distinções, a efetivação de seus direitos, através do instrumento do processo.
Como afirma DINAMARCO (2005, p. 78), no plano da promessa constitucional de tutela jurisdicional, a execução civil resolve-se em medidas propulsoras da efetividade desta, porque se destina a fazer com que um preceito contido na lei, em contrato ou em sentença, saia do plano estático dos meros enunciados em palavras e passe ao dinâmico dos resultados efetivamente produzidos (obtenção do bem específico que deveria ter sido entregue, do dinheiro que deveria ter sido pago ou dos resultados de uma conduta que deveria ter sido observada).
O processo, enquanto instrumento, deve servir ao direito material, e não o inverso. Tanto que os escopos primordiais do processo são de três ordens: social (pacificação social), político (preservação do ordenamento jurídico e da autoridade do próprio Estado) e jurídico (atuação da vontade concreta da lei), e só a efetividade da prestação jurisdicional haverá de satisfazê-los (DINAMARCO, 2002, p. 24-25)
Nessa linha de visão, o processo surge como instrumento para a realização de Justiça e como garantia dos direitos e interesses individuais. Tem como missão fundamental fornecer à parte que lhe invocar a efetividade do resultado que lícito seria, caso permitido o uso dos próprios recursos, no intento de exigir de outrem o cumprimento da lei. É que o processo, para realmente ser efetivo, deve ao menos tentar chegar ao mesmo resultado prático que seria obtido se espontaneamente fossem observados os preceitos legais (MARINONI, 1993, p. 87-88).
Para o moderno direito processual civil, incumbido da honrosa tarefa de concretizar a realização de Justiça, percebe-se que não é suficiente a pureza conceitual de seus institutos e remédios, mas sim, o resultado prático que estes propiciam, porque o que se espera é um “processo de resultado”, que satisfaça realmente a pretensão dos que o acionam.
O que importa é colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado processualismo (tal é o aspecto negativo do reconhecimento do seu caráter instrumental) e ao mesmo tempo cuidar de predispor o processo e o seu uso de modo tal que os objetivos sejam convenientemente conciliados e realizados tanto quanto possível. O processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica justa (DINAMARCO, 1996, p. 309-310).
No mesmo sentido, a visão de THEODORO JÚNIOR (1999, p.49) comentando acerca das reformas do Código de Processo Civil de 1994-95:
“Todas essas inovações atestam um só e claro propósito legislativo: reforçar a eficiência do processo de execução. E quando assim se age, cumpre-se o maior desígnio do processo moderno, que é o da efetividade. O processo, hoje, não pode ser visto como mero rito ou procedimento. Mas igualmente não pode reduzir-se a palco de elucubrações dogmáticas, para recreio de pensadores esotéricos. O processo de nosso final de século é sobretudo um instrumento de realização efetiva dos direitos subjetivos violados ou ameaçados. E de realização pronta, célere e pouco onerosa. Enfim, um processo a serviço de metas não apenas legais, mas, também, sociais e políticas. Um processo que, além de legal, seja sobretudo um instrumento de justiça. Assim, o devido processo legal dos tempos de João Terra tornou-se, em nossa época, o processo justo.”
Há que se levar em consideração o escopo principal do processo civil, que é permitir ao detentor do direito material – desde que observadas as garantias fundamentais – receber, ao final de um processo, aquilo compatível com sua pretensão inicial, em um espaço de tempo razoável.
Como bem enaltece ROSAS (1999, p. 89), efetividade e instrumentalidade processuais são elementos fundamentais a entender-se em qualquer reforma, na busca de soluções, ao lado de outros importantes e indeclináveis princípios regedores do processo civil.
A efetividade do processo é princípio constitucional, inserida no art. 5º, XXXV, da Carta Magna, que formalmente garante o livre acesso ao Judiciário. Hodiernamente, é faz-se uso de uma interpretação mais ampla, substancial, no sentido de, além de garantir o acesso ao judiciário, impor ao Estado a prestação jurisdicional efetiva num prazo razoável, para preservar os direitos e interesses dos que buscam a tutela Estatal.
3. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – A PARTIR DA LEI N. 11.232/05
Preliminarmente, impende colacionar o novo conceito de sentença, alterado na recente reforma processual. Como bem assevera LEITE (2006, p. 27), a sentença passa a ter aptidão para encerrar uma de suas fases: a fase de cognição, ou a de liquidação-cumprimento. Em suas palavras:
o conteúdo, indiferente para a caracterização do ato, permanece servindo para dividir o gênero nas duas espécies: sentença terminativa e sentença definitiva. Sentença de mérito será assim o provimento judicial de primeira instância que encerra a fase de conhecimento ou de liquidação-cumprimento no processo civil, decidindo a pretensão veiculada pelas partes; e sentença terminativa será o provimento de mesmas características, que contudo não julga a pretensão (mérito).
Sentença, no conceito de (LENZI, 2007, p. 59) é, hodiernamente, concebida como ato do juiz que implique em julgamento do mérito e quando o juiz extingue o processo sem resolução de mérito. Assim, colocado o novo contexto do termo, pode-se adentrar no tema; ademais, como discorre BASTOS (2007, p. 14), a efetivação destas sentenças será realizada como etapa final do processo de conhecimento, após um iudicati, sem necessidade de um subseqüente processo autônomo de execução.
Nesse particular, bem assevera WAMBIER(2006, p. 142):
“a alteração estrutural do procedimento de execução de sentença, relativamente ao dever de pagar quantia em dinheiro, atualmente regulado pelo art. 475-J e ss., encerrou o ciclo iniciado há uma década, com a alteração do art. 461 do CPC. Com efeito, considerando que o direito processual deve se amoldar ao fim a ser alcançado, as soluções jurídicas estabelecidas pelo sistema processual aos direitos veiculados nas ações judiciais não poderiam se condicionar à observância de proposições teóricas de pouca ou nenhuma relevância prática.”
Incumbe ao credor a iniciativa de requerer a execução da sentença que lhe foi favorável. Apesar de não mais existir a necessidade de ingressar com uma nova ação, na qual deveria pedir a citação pessoal do réu, inclusive, para se ver processado, a lei deixou bem clara que, sem a iniciativa da parte, os autos deverão aguardar em arquivo, até que este se manifeste.
Feito o requerimento, através de simples petição, passa-se ao procedimento executório propriamente dito. Como explica GABBAY (2006),
Determina o art. 475-J que o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, deve efetuá-lo no prazo de quinze dias, a partir do momento em que a prestação se tornou exigível, pois do contrário o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento. A incidência automática desta multa, sem qualquer notificação do executado, como medida executiva ope legis, em face do descumprimento da sentença, consiste em uma forma de influenciar o condenado ao cumprimento espontâneo da obrigação, após o trânsito em julgado da sentença.
Trata-se de dispositivo que vai ao encontro da sonhada celeridade processual, pois estabelece que o réu, tão logo se confirme o trânsito em julgado da sentença prolatada em primeiro grau ou – no caso de recurso – a publicação do acórdão, deve cumpri-la, no prazo de quinze dias, sob pena de ter que arcar com uma multa, fixada em 10 % do valor da condenação. É assim o entendimento de LENZI (2007, p. 60):
O acréscimo ao montante do débito principal (expurgados os honorários, custas e despesas processuais), da multa de dez por cento (10 %) é automático, caso o devedor não pague o montante da dívida e os acréscimos. A multa é medida coercitiva pelo não pagamento pelo devedor e a sua determinação é automática, ante a inadimplência, independentemente de decisão judicial. Em caso de recurso da sentença, sendo este não conhecido ou não provido, a multa somente incidirá após a baixa dos autos à Vara de origem, iniciando-se o prazo de quinze (15) dias da data da publicação do acórdão.
A multa tem, pois, o escopo de constranger o devedor, ciente de sua derrota na lide, ao pagamento, desde logo, do valor da condenação, sob pena de, futuramente, ter que arcar com pena monetária considerável, a ser somada ao montante já devido. Verdadeiramente, um dispositivo coercitivo, nascido no intuito de forçar o cumprimento imediato da sentença, tão logo esta seja de certeza.
Têm, ainda, a finalidade de tentar evitar a continuação do processo, uma vez que estabelece prazo para o cumprimento voluntário da obrigação. Para ASSIS (2006, p. 212), o prazo de espera visa à finalidade, sempre louvável, de evitar o processo. Vencido o interregno de quinze dias, automaticamente incidirá a multa de 10 % (dez por cento). Por tal motivo, constará da planilha que instruirá o requerimento executivo.
O dispositivo, entretanto, não é suficientemente claro e gerou interpretações diversas nos tribunais. De fato, lastreados no dispositivo pelo qual os autos deverão aguardar em cartório, pelo prazo de 6 meses, a iniciativa do vencedor da lide, sob pena de arquivamento administrativo, foram proferidas decisões que, ao receberem o requerimento de cumprimento da sentença, determinaram a intimação do devedor, na pessoa de seu procurador, para efetuar o pagamento em 15 dias, sob pena, agora sim, da incidência do art. 475-J.
Outros julgados utilizaram também como fundamento o fato de que a sentença proferida não é possível de ser cumprida de plano pelo vencido, por não estar suprida com os cálculos atualizados, nos ditames do decisum proferido; e o pagamento feito espontaneamente pelo réu levaria em conta apenas cálculos feitos pelo vencido, de modo que seria necessária intimação do credor a se manifestar acerca do montante depositado, o que poderia arrastar o andamento processual indefinidamente, em contrário ao espírito da Lei n. 11.232/05.
Também assim afirmara WAMBIER (2006, p. 146), para quem o executado não é intimado para pagar ou nomear bens à penhora, mas simplesmente para cumprir a obrigação. Não cumprindo a obrigação a que foi condenado, incidirá a multa e, a requerimento do credor, realizar-se-ão atos executivos de expropriação.
O tema, outrossim, encontra-se pacificado na jurisprudência do STJ. De fato, no REsp n. 940.274/MS, julgado em 7/4/10, asseverou a Corte Superior do tribunal o entendimento de que a multa prevista no art. 475-J somente incidirá após após a intimação da parte, na pessoa de seu procurador legal, para que cumpra voluntariamente a obrigação¹.
4. NÃO ADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO E PENHORA ONLINE
Não sendo efetuado o pagamento, total ou parcial, pelo devedor, o juiz, a requerimento do credor, deverá determinar a expedição de mandado de penhora e avaliação. É como salienta GABBAY (2006): ressalte-se que o próprio exeqüente pode, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados (art. 475-J, §3º), cabendo ao oficial de justiça proceder à avaliação, caso a mesma não dependa de conhecimentos especializados.
Essa alteração constitui-se em grande novidade no ordenamento, vez que anteriormente a prerrogativa em indicar bens à penhora cabia ao devedor. Nos dizeres de WAMBIER (2008), na execução de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro, é o autor/exeqüente, e não o réu/executado, quem tem o direito de indicar bens à penhora.
Como explica LENZI (2007, p. 62-93),
a nova lei, com efeito, entre outros institutos processuais, eliminou também o da nomeação de bens à penhora, que no processo de execução, era objetos de inúmeros incidentes. Citando e indicando os bens a penhora, ou são insuficientes, de valor reduzido, localizados em outra comarca, às vezes não sendo da propriedade, mas da posse do devedor, bens que podem estar onerados, etc..., tudo isto procrastinando o andamento da execução.
Desta feita, ao retirar do ordenamento jurídico a nomeação de bens à penhora pelo devedor, passando o ato ao arbítrio do credor – desde, logicamente, tenha conhecimento de bens de propriedade do devedor – o legislador andou bem, livrando o exequente de inúmeros adiamentos por conta da realização da penhora.
É que o procedimento de cumprimento de sentença inicia-se sem qualquer comunicação ao devedor, que perdeu a faculdade de indicar possíveis bens à penhora.
Todavia, a faculdade de indicar bens à penhora, muitas vezes, não garante por si só a efetividade do provimento, face ao desconhecimento de possível patrimônio do devedor apto a satisfazer a obrigação. Advindo resultado negativo do mandado de penhora, voltava-se à velha estaca da dificuldade em fazer com que a parte, munida de decisão judicial a seu favor, obtivesse o consequente cumprimento, de forma célere e eficaz.
A título de exemplo, várias instituições financeiras e órgãos públicos, na condição de réus, indicavam ao oficial de justiça como bens passíveis de constrição computadores ultrapassados, gaveteiros de ferro e outros produtos de difícil arrematação, emperrando a concretude. A ordem de gradação legal de bens penhoráveis, estabelecida pelo art. 655 do CPC, mesmo antes do advento da Lei n. 11.382/06, raramente era observada.
Pensando nisso, passou-se a idealizar uma modalidade de penhora de bens que, obedecendo à gradação elencada na legislação processual, tornasse seguro o juízo, enquanto se facultava ao devedor discutir, em sede de impugnação, eventuais teses defensivas.
A penhora online teve início no ordenamento jurídico pátrio através do Convênio firmado entre o BACEN e o Tribunal Superior do Trabalho, em 2002, estendendo à seara trabalhista a utilização do sistema BACEN-JUD. Pelo convênio, o TST – e demais tribunais trabalhistas aderentes – estavam autorizados a “funcionar pelo BACEN ofícios eletrônicos contendo informações sobre a existência de contas correntes e aplicações financeiras, determinações de bloqueio e desbloqueio de contas envolvendo pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional”².
Num primeiro momento, o juiz, através dos meios eletrônicos, solicitava ao Banco Central a existência de relações jurídicas entre o executado e as instituições financeiras cadastradas. Advindo desta comunicação resposta positiva, era feita a constrição.
Hoje, com o advento do Bacen-jud 2.0, o próprio magistrado é quem efetua o bloqueio dos valores, selecionando, inclusive, a entidade financeira da qual irá solicitar a efetivação da ordem, se existente quantia suficiente em mais de uma delas, num salto considerável de agilidade procedimental.
A repercussão no meio jurídico foi enorme. Positiva, principalmente por parte de sindicatos e órgãos de classe, sob o prisma de uma maior celeridade e eficácia processual, mas também negativa, culminando com a interposição de duas ADI, uma pelo DEM, quando ainda se denominava PFL, e outra pela Confederação Nacional dos Transportes, ambas ainda sem julgamento pelo STF³.
Parte da doutrina contestou seu nascimento, sob os argumentos de que: 1) a execução deve sempre ser realizada de maneira menos gravosa para o devedor (art. 620 do CPC); e 2) a gradação legal do art. 655 não é absoluta, devendo ser relativizada em observância dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da função social da empresa (PESSOA, 2004).
Em meio a esse turbilhão, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004 – a chamada Reforma do Judiciário – que incluiu, de forma expressa, o princípio da Celeridade no texto constitucional, inserindo-o no inciso LXXVIII do art. 5º, com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua duração”.
O cerne da celeridade processual ganhara status de garantia fundamental do cidadão; sob esse prisma, a ponderação entre a menor onerosidade ao devedor – insculpida no art. 620 do CPC – e o princípio da celeridade alçou novos ares, como sustenta WAMBIER (2004, p. 141):
O disposto no art. 620 não é mais do que desdobramento do princípio da proporcionalidade, que permeia todo o direito (não só o processual). Pelo princípio da proporcionalidade, sempre que houver a necessidade de sacrifício de um direito em prol de outro, esta oneração há de cingir-se aos limites do estritamente necessário.
Cita-se, a favor do executado, o princípio do devido processo legal, bem como o da função social da empresa – art. 5º, LIV e art. 170, § único, respectivamente. Um processo célere, mas que desrespeite as garantias fundamentais torna-se um processo injusto e desprestigiado, que gera descrédito e inconformismo.
Como bem enfatizou DINAMARCO (2009, p. 141), deve haver equilíbrio entre duas exigências antagônicas. De um lado, a celeridade processual, que tem por objetivo a solução do conflito em tempo razoável, da coisa julgada e da preclusão, e de outro, a qualidade dos julgamentos, trazendo segurança jurídica às partes e justiça social.
Até a presente data, não há manifestação por parte do Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade do convênio firmado entre o BACEN e o TST; entretanto, a discussão sobre a praxis da medida sofreu uma reviravolta com a promulgação da Lei n. 11.382/06, que alterou os dispositivos reguladores do processo de execução no Código de Processo Civil.
Incluiu-se, de maneira expressa, a possibilidade de o juiz determinar a penhora online de valores do executado havidos em instituições financeiras, como se infere da leitura do art. 655-A do CPC:
“Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.”
A mudança legislativa trouxe uma grande consequência processual: de medida excepcional, admitida em última ratio, após o exequente comprovar a realização de diligências, esgotando-se a possibilidade de efetuar constrição em bens do executado, após a entrada em vigor do art. 655-A a penhora online passou a ser tomada como instrumento passível de utilização desde logo, otimizando o procedimento. De fato, a jurisprudência do STJ, analisando a matéria sob a ótica do art. 543-C do CPC, assentou esse entendimento4.
Após a iniciativa exitosa na seara trabalhista, a penhora online fora estendida aos demais ramos do direito, através do convênio firmado entre o Banco Central, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal, datado de 30 de setembro de 2005.
Por sua vez, o Judiciário catarinense aderiu ao pacto nos idos de 2006, estando a matéria regulamentada através do Provimento n. 05/2006, da Egrégia Corregedoria-Geral de Justiça, constituindo-se em instrumento de grande valia quando o assunto é a satisfação de uma obrigação.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, as ordens de bloqueio através do sistema alcançaram a quantia de cerca de 20 bilhões de reais em 2010, sendo que R$ 12,9 penhorados pelos juízes estaduais – mais da metade. Os especialistas imputam o patamar elevado atingido à extensão do convênio também às cooperativas de crédito, a partir de abril do ano passado. Certo, mesmo é que o sucesso da medida é inegável.
Como corolário maior do instituto adveio a moralização do Poder Judiciário, possibilitando às partes uma justiça mais célere e eficaz, na conversão em realidade do provimento judicial proferido no caso em concreto, atendendo, principalmente, aos princípios da celeridade processual e da efetividade, com vistas a paz social.
5. PENHORA ONLINE E DEFESA DO EXECUTADO
O prazo para o devedor, querendo, possa oferecer impugnação ao cumprimento de sentença é de 15 dias, contados da intimação do executado.
Contudo, há discussão na doutrina a respeito do interesse do devedor em oferecê-la tão logo tenha ciência da execução. Afinal, como bem afirma LENZI (2007, p.62), é indiferente a apresentação da impugnação antes ou depois da penhora. O que se deve ter em mente é a intenção do legislador de agilizar o procedimento.
E, nesse caso em particular, o que se tem é que as matérias sobre as quais é possível impugnar a execução são de ordem pública, passíveis de serem conhecidas pelo juiz ex officio, como veremos adiante.
Antes da Lei n. 11.232/05 entrar em vigor, o devedor poderia se opor à execução através de embargos. Agora, no entender de LENZI (2007, p. 64), o meio disponível ao réu é a impugnação:
com a sincronização do conhecimento e a execução, podando a autonomia do processo de execução de sentença, realizando-se o cometimento procedimental no mesmo processo, o legislador manteve a defesa do devedor, mas agora, através da Impugnação contra os atos executórios, de natureza incidental, não se inaugurando nova relação jurídica/processual.
Portanto, não havendo mais processo autônomo de execução, também a oposição do executado ao direito do credor é realizada nos próprios autos.
A defesa do executado, quando se tratar de cumprimento da sentença, não possui mais natureza jurídica de ação de conhecimento, como era no caso dos embargos à execução; o legislador, retirando a autonomia da execução de sentença – renomeando-a, inclusive, como “cumprimento de sentença” – teve a intenção de agilizar a entrega da prestação jurisdicional ao vencedor da lide, utilizando-se, para tal, do sincretismo entre processo de conhecimento e de execução. E, como corolário lógico dessa mudança, também a oposição do executado perde a autonomia de ação, sendo tratada agora como incidente no curso da ação executiva.
Entretanto, ressalva-se que a indicação de bens, a cargo do credor, poderá, futuramente, ser objeto de impugnação ou mesmo de agravo por parte do executado, nos ditames do art. 475-L do CPC.
Quanto à matéria passível de alegação em sede de impugnação, como já referido, são todas de ordem pública, e estão elencadas no art. 475-L: I) falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; II) inexigibilidade do título; III) penhora incorreta ou avaliação errônea; IV) ilegitimidade das partes; V) excesso de execução; e IV) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.
A impugnação, como forma de agilizar o procedimento, não terá, via de regra, o condão de suspender o andamento do processo, salvo se for demonstrado, pelo executado, que se trata de situação capaz de ensejar grave risco e estiver respaldada em relevante fundamento jurídico. Esta decisão é passível de ser atacada por intermédio de agravo de instrumento.
O que pretendeu o legislador, ao transformar a impugnação de sentença em mero incidente nos autos de execução, foi o de agilizar o andamento dos autos, inclusive não se interrompendo mais a marcha processual, salvo os casos de grave dano ou incerta reparação, analisados um a um pelo magistrado competente.
Já ao limitar as matérias passíveis de alegação, o legislador pátrio intentou evitar que, no cumprimento de sentença, houvesse uma nova fase de instrução, como existia anteriormente em sede de embargos à execução. Certo é que haverá casos em que será necessária a produção de provas em razão do alegado; todavia, a regra geral é a prolação de decisão interlocutória logo após o protocolo da impugnação, seguindo-se o procedimento estabelecido. Com isso, outra vez se privilegia a efetividade do processo, na medida em que a execução terá andamento muito mais célere, pois qualquer motivo levantado pela defesa não terá o condão a obstar seu curso.
Sobre valores penhorados via sistema BACEN-JUD, grande é o reclamo, por parte dos executados, acerca da excessiva demora em desbloquear valores constritos indevidamente: “esse procedimento leva, em alguns casos, semanas, gerando transtornos e colocando em risco a saúde econômica das empresas executadas” (SOUZA, 2004).
É que, a priori, não há como saber se, entre as relações existentes entre o executado e as instituições financeiras, exista quantia depositada que seja fruto de trabalho, por exemplo, impenhorável por força do art. 649, IV do CPC. Somente após a manifestação da parte interessada, mediante comprovação nos autos, realizará o juiz o desbloqueio.
O sistema, nesse ponto, peca justamente pela mora na devolução ao executado de quantias que não deveriam ter sido bloqueadas. Para tal desiderato, deve o juiz responsável pela ordem efetuar nova solicitação, via sistema, ao Banco Central, que por sua vez comunica a instituição financeira em que estavam depositados os valores. Esse interim leva alguns dias úteis até à disponibilização da quantia ao usuário bancário. Procedimentos administrativos, passíveis de melhora, que não maculam, porém, a finalidade primordial do instituto, que é fornecer ao exequente um meio mais célere de efetivação da decisão judicial irrecorrível.
6. OBSERVAÇÕES FINAIS.
Não há qualquer ilegalidade no procedimento do bloqueio online de contas correntes, pois se versa fundamentadamente em medida de grande valia no novo processo civil. Todavia, há que se ressalvar a necessidade de observância aos princípios constitucionais do devido processo legal e, quando se tratar de pessoa jurídica, da função social da empresa. Não se intenta resolver o problema da (falta de) efetividade do processo abrindo mão das garantias fundamentais ou à custa da sobrevida da pequena/médio empresa.
O primado da dignidade da pessoa humana e os princípios informadores da execução no Código de Processo Civil devem ser interpretados sistematicamente, em consonância com a realidade fática de cada caso, sob pena de, não o fazendo, gerar um processo injusto, desigual e desprestigiado.
Feitas as ressalvas cabíveis, sob um prisma instrumental, a penhora online constitui-se em medida que veio para ficar, com o poder insofismável de converter em celeridade os ditames das decisões judiciais irrecorríveis. A efetividade advinda de seu uso é impactante e, como tal, gera críticas e aplausos; críticas estas necessárias ao aperfeiçoamento do sistema, de modo a ajudar na construção um processo moderno e engajado com a efetivação de seus prelados.
7. NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lembrando que, em sede dos juizados especiais cíveis, em razão dos princípios da celeridade processual e da informalidade, há o enunciado n. 105 do FONAJE dispondo o cabimento da multa de dez por cento independente de intimação do executado para adimplemento voluntário da obrigação.
2. Disponível em <http://www.quissak.adv.br/arquivos/legislacoes/%7B19FF2559-320B-4CCA-89DA-8FED04DA6C16%7D_bacenjud.pdf>.
3. Respectivamente, ADI n. 3091 e n. 3203.
4. REsp n. 1.184.765-PA, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24.11.10.
ARAGÃO, E. D. Moniz. Efetividade do processo de execução. In: ASSIS, Araken de; OLIVEIRA, Carlos Alberto A. de (orgs). O processo de execução: estudos em homenagem ao professor Alcides de Mendonça Lima. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995.
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Servidor do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina desde 2001. Graduado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Especialista em Direito material e processual civil pelo CESUSC-ESMESC. Pós-graduando em Ciências Penais pela universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BITTENCOURT, Fernando Kurten. A penhora online como instrumento de efetividade no cumprimento de sentença Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jul 2012, 08:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29949/a-penhora-online-como-instrumento-de-efetividade-no-cumprimento-de-sentenca. Acesso em: 23 dez 2024.
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