1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo traçar uma análise crítica do “Filme Ilha das Flores” com a Declaração Universal dos Direitos do Homem – 1948, princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana elencada em nossa constituição federal e ainda o livro de Eduardo Galeano – “A escola do mundo ao Avesso”, que traz à baila às crises que abalam a população, desde a sua origem até o seus reflexos nos dias e hoje.
As diferenças sociais nos nossos dias são gritantes, disseminando uma onda de violência que se torna cada vez mais difícil de ser contida. Justifica-se em torno da revolta da sociedade que permanece frustrada e desamparada, embora não perca a esperança de que só pelo fato de serem humanos deveriam receber um tratamento igualitário.
O abandono de sentimentos, o aumento da impunidade em virtude do poder econômico, a busca de vantagens a qualquer preço, a “coisificação” do ser humano, temida pela concepção kantiana conforme citado por Sarlet “repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano” ( SARLET, 2001, p.35) e a falta de relacionamentos interpessoais são alguns dos fatores mais contundentes para a formação da sociedade de hoje, em que a frieza predomina e a despreocupação com o próximo acalenta a busca por ascensão.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADEDA PESSOA HUMANA:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento proclamado e publicado pela ONU em 1948, traz, em sua essência, todos os direitos a que faz jus o cidadão e todos os deveres do Estado para com o mesmo cidadão. A história dos direitos humanos remonta ao início da era Cristã. Enquanto, desde antes de Cristo, até os dias de hoje, se faz deveras difícil a aplicação dos direitos humanos na maioria dos países do planeta, os mesmos são conhecidos da grande maioria por meio dos textos contidos na Bíblia Cristã, assim como no Alcorão, no Tora, e assim por diante.
Com a Revolução Francesa e a quebra com o ancién regime, Napoleão promulgou a nova Constituição Francesa e, após o documento mais revolucionário da história do direito civil no mundo: O Código Napoleônico, que trazia, em seu texto, novidades como a liberdade individual, a igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada, o divórcio e incorpora o primeiro código comercial.
Após Napoleão, o mundo ocidental foi, gradativamente, se adaptando aos novos ditames trazidos pela bendita Revolução. Mas, ao contrário do esperado, o mundo ainda não estava preparado para uma mudança tão radical no comportamento em geral. Após a primeira guerra mundial e a Grande Depressão americana, o mundo presenciou as piores dentre todas as violações aos direitos humanos imagináveis, durante a segunda guerra mundial. O nazi/fascismo foi, por décadas, a grande “peste” enfrentada pelos europeus não-caucasianos, dizimando um sem-número de judeus, negros, e tantas outras etnias que foram sujeitas ao maior massacre da história escrita da humanidade, justificando por serem considerados “sem direitos”, sem “cidadania”, o que fazia com que se pautassem em tais atitudes esdrúxulas.
No pós-guerra, já descobertas as atrocidades cometidas principalmente pelos alemães, foi fundada a ONU, a Organização das Nações Unidas, órgão que trouxe de volta à tona a discussão sobre os direitos humanos, primeiramente assim mencionados por Napoleão, e que dos quais sentia tanta falta aquele mundo despedaçado que persistia a funcionar em 1948.
Os direitos humanos nunca foram unanimidade entre os pensadores da antiguidade. Havia os otimistas como Rosseau (“o homem é bom na sua essência, a sociedade é que transforma”), os pessimistas como Hobbes (“o homem é o lobo do homem”), os inventores da tirania moderna (como Maquiavel), os irônicos por natureza como Nietzche.
Hodiernamente não se fala em filosofia e em sociologia sem mencionar os direitos humanos.
No Brasil, a legitimação da declaração dos direitos humanos da ONU se deu com a promulgação em 1988, da Constituição cidadã, com seus magníficos artigos 5º (direitos, liberdades e garantias individuais) e 7º (direitos sociais). Conforme leciona Paulo Bonavides:
A dignidade da pessoa humana desde muito deixou de ser exclusiva manifestação conceitual daquele direito natural metapositivo, cuja essência se buscava ora na razão divina ora na razão humana, consoante professavam em suas lições de teologia e filosofia os pensadores do período clássico e medieval, para se converter, de último, numa proposição autônoma, do mais súbito teor axiológico, irremissivelmente presa à concretização constitucional dos direitos fundamentais. (Paulo Bonavides, 2001, p.231, grifo nosso)
3 “O MUNDO ESTÁ AO AVESSO - DE PERNAS PRO AR” ? ONDE ESTÁ A DIGNIDADE E OS DIREITOS DO HOMEM DECLARADOS?
O anúncio de uma Nova Era se perpetuava no século XX, almejado para ser o século de sinônimo da PAZ, IGUALDADE, onde todos se nivelassem e as desigualdades não fossem mais o normal em nosso mundo.
Mas infelizmente nada disso aconteceu, passaram-se os anos e no mundo ao avesso, tudo já é normal, porcos fazem a sua refeição e crianças e adultos comem os seus restos, pois o que é importante é que sempre haja avanço no mundo capitalista, Eduardo Galeano cita: “o vivo vive do bobo e o bobo de seu trabalho, somos submetidos à regras e condições impostas por quem está acima do menor” (Galeano, p.169).
Não se contesta que a conjugação de verbos como amar, servir, ajudar e amparar permaneçam adormecidas em contraponto à utilização de verbos como ter, ganhar, ascender e multiplicar. O poder se tornou o principal objetivo, ainda que para atingi-lo se torne imprescindível o sacrifício – de pessoas de sentimentos nobres e de valores morais, conforme Kant o que deve ser de máximo preservado sempre pelo estado: a dignidade.
Ocorre que, como acontece na maioria dos países de terceiro mundo, tais direitos, para a grande maioria, não saem do papel, representando apenas um texto sublime e inaplicável. E não existe melhor exemplo para isso do que o filme curta-metragem de Jorge Furtado (inteligentemente lançado nacionalmente em 1989, um ano após a promulgação da “constituição cidadã” Ilha das Flores.
Como se verifica no curta-metragem o mundo está às avessas e “caminhar é um perigo e respirar é uma façanha nas grandes cidades do mundo ao avesso” (Galeano, p.7); sendo que a ganância predomina e a concorrência ou competição com o próximo é cada vez mais comprometedora (até mesmo por tomates podres), tornando o ser humano desleal e refém de uma sociedade capitalista e consumista, homens-cidadãos desprovidos de direitos – “Vida nua”, direitos esses tão ambicionados e motivos de lutas em nossa historia. A competição já está em todos os seguimentos, inclusive entre porcos (irracionais) e homens (racionais???). Por quê? Afinal, qual a racionalidade e dignidade que foi mostrada entre as pessoas que moram na ilha das flores?
De acordo com Galeano (p.185) “ a educação não compensa”, por isso não é incentivada, na verdade ela incomoda e muito, concluindo-se, deste modo, que ela não é prioridade, mas sim fadada ao esquecimento – caso daqueles infelizes na “ilha das flores”. O ensino é castigado, investimentos não são feitos, professores massacrados, refletindo-se diretamente em todas as áreas, especialmente nas populações mais pores. A existência daqueles seres humanos (na ilha) manipuláveis, analfabetos, tende a aumentar, gerando uma sociedade sem posicionamento frente aos acontecimentos. E diante de todo esse quadro, aquele medo da morte no qual Hobbes descrevia que o ser humano sentia no estado da natureza, não poderia ser agora sinônimo do nosso mundo? Afinal, parece que estamos em uma “guerra de todos contra todos” e o “homem é lobo do homem”, na busca pela sobrevivência e privilégios.
Muito embora a lei exista, a sua aplicabilidade depende do bom senso e coerência – desta feita, é possível presumir quão ineficaz tornam-se os dispositivos que trazem em seu bojo questões como igualdade e inclusão (exemplos de utopias e sonhos longínquos). Se o capital domina o mundo, torna-se quase impossível imaginarmos que a norma positivada derrubaria tal realidade, norma essa que serve ao Estado como estepe para as suas ações, tendo sua previsão quase que caritativa, na esperança de transformar um ambiente injusto e corrompido.
Para que se alcance um paradigma de dignidade, como se queria da declaração dos direitos humanos, é preciso ter condições mínimas de sobrevivência, a começar pela boa alimentação, a qual traz saúde, que possibilita o corpo a se mover para trabalhar, estudar, e assim por diante.
Ocorre que o que se vê na película é a realidade da maioria esmagadora do nosso país, onde os preceitos e garantias fundamentais contidos no artigo 5º da Constituição Federal não são cumpridos no geral, ao que os tributos batem recordes de arrecadação e o repasse dos mesmos ao público bate recordes negativos.
Enquanto se fala em busca de soluções para os problemas de corrupção em um país onde a corrupção é a regra desde sua fundação, a hipocrisia (neste caso, desde pessoas que dizem “sentir pena” até aquelas que dizem ser a pobreza fruto da “vagabundagem”) e o descaso atravancam esta busca, posto que procura de um culpado é tão inútil quanto a inércia. Podendo-se concluir que a concepção Kantiana que antecipava que o homem não poderia tornar-se um simples objeto e sim um fim em si mesmo, infelizmente não ocorreu e sim o posto que é reflexo de nossa contemporaneidade, sendo hoje o homem reduzido a um meio de obtenção de lucro e poder, isento de MORALIDADE E DIGNIDADE tanto os que exploram como os explorados.
4 CONCLUSÃO
Portanto, o “mundo de pernas pro ar” é muito mais do que a atualidade – trata-se de nosso destino caso não sejam tomadas as providências cabíveis com políticas públicas de proteção (colocadas em prática) que auxiliem os menos abastados, a aplicação efetiva das leis que garantem direitos fundamentais e mais – o renascimento de valores que foram pisoteados e esquecidos (inerentes ao homem), cuja consideração pelo ser humano é o pilar para a realização de mudanças, ainda que tardias. Portanto, o problema dos direitos humanos não é mais um problema filosófico, pois esse já é a muito superado e muito bem fundamentado, embora não absoluto, toda questão está na sua aplicabilidade, ou seja, um problema político, conforme muito bem enfatizado por NORBERTO BOBBIO em seu texto sobre os “fundamentos dos Direitos do Homem”.
REFERENCIAS:
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001.
SARLET, ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
GALEANO, Eduardo. (1999) De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM.
KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica do costume. Tradução: Paulo Quintela. Lisoa: Edições 70, 2000.
Acadêmica de Direito na Univates, situada em Lajeado/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HAETINGER, Josiane Aparecida de Jesus Matias. Evolução histórica da dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2012, 08:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29978/evolucao-historica-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
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