1- Introdução
Estudos mostram que o Brasil se encontra em um acelerado ritmo de crescimento populacional. O IBGE projeta que “o país apresentará um potencial de crescimento populacional até 2039, quando se espera que a população atinja o chamado “crescimento zero”. A partir desse ano serão registradas taxas de crescimento negativas, que correspondem a queda no número da população.”[1]
E esse crescimento vem acompanhado do fenômeno da urbanização, que pode ser entendido como o processo de transferência de pessoas do meio rural para o meio urbano.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil possuía em 2005 uma taxa de urbanização de 84,2%. De acordo com algumas projeções, até 2050, a porcentagem da população brasileira que vive em centros urbanos deve chegar 93,6%.[2]
Nesse cenário – de aumento populacional combinado com a forte migração para os centros urbanos – o desafio dos gestores públicos é imenso e multisetorial, com impacto nos campos da mobilidade urbana, do emprego e renda, criminalização, concentração de pobreza, ampliação do atendimento de água, esgoto, coleta e trato do lixo, dentre outros.
No tocante à mobilidade urbana, o problema não é futuro. E nem presente. A questão dos congestionamentos e da paralisia do trânsito é um assunto discutido há vários anos.
O recente crescimento econômico do país, aliado à ascensão social de milhões de famílias, fizeram com que a frota automobilística aumentasse. A aquisição de um veículo é uma conquista muito significativa, é desejo arraigado na própria cultura nacional.
Números do Denatran revelam que, em 1999, o número de veículos no país era de cerca de 27,1 milhões. Em 2009, o número chegou a surpreendentes 58,5 milhões. Em apenas 10 anos, a frota brasileira aumentou mais de 100%. É uma demanda maiúscula, mas como dito, não é um problema recente.
Não há como precisar o montante investido na infraestrutura viária, mas a frequente quebra de recordes de congestionamentos noticiada é um forte indício de que a batalha está sendo facilmente vencida pela indústria automotiva.
2- A Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012
Motivado ou não pela iminente onda esportiva que irá invadir o país nos próximos anos, o fato é que o gestor público dispõe de mais um instrumento para auxiliá-lo na difícil tarefa de dotar a sociedade de um modelo eficiente e viável de mobilidade urbana.
Trata-se da Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Uma primeira observação a ser feita é com relação ao próprio conceito de mobilidade urbana. Não se duvida que o “trânsito” esteja inserido neste conceito, mas a expressão é mais abrangente. De acordo com a Lei nº 12.587, a mobilidade urbana pode ser conceituada como a “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”[3].
Nessa linha, a lei define ainda a política nacional de mobilidade urbana como instrumento de desenvolvimento urbano. Deve estar intimamente ligada ao plano diretor da cidade, e se ater à integração entre as atividades urbanas e rurais, de modo a fomentar o desenvolvimento socioeconômico do município.
Como instrumento de desenvolvimento, tem por objetivo “contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana”.[4]
Importante destacar, portanto, que a Política Nacional de Mobilidade Urbana não se resume a uma atuação dentro da própria cidade, limitada ao esforço pela melhoria do trânsito interno, mas sim a um conjunto de medidas e diretrizes voltadas ao desenvolvimento de toda a região abrangida e influenciada pelo município.
No tocante às principais inovações, destacamos inicialmente o compromisso com a transparência e a segurança na prestação de informações ao usuário, conforme disposição no inciso III do artigo 14:
Art. 14. São direitos dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, sem prejuízo dos previstos nas Leis nos 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995:
(...)
III - ser informado nos pontos de embarque e desembarque de passageiros, de forma gratuita e acessível, sobre itinerários, horários, tarifas dos serviços e modos de interação com outros modais;
Outro ponto que merece destaque é a previsão de vários instrumentos de gestão, disciplinados no artigo 23 da Lei. Dentre esses instrumentos, há previsão expressa de “restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, de veículos motorizados em locais e horários predeterminados”. É o clássico exemplo do “rodízio”, que já funciona na cidade de São Paulo há alguns anos, e apresenta resultados satisfatórios.
Um segundo instrumento que merece destaque são as chamadas faixas exclusivas para o transporte público coletivo e os veículos não motorizados. Verifica-se uma forte tendência de fomento ao transporte público, em que pese haver críticas de uma parcela da sociedade.
Um terceiro instrumento que merece destaque diz respeito à possibilidade de implantação do “pedágio urbano”:
“Art. 23, inciso III - aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano pela utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público da tarifa de transporte público, na forma da lei;”
Este é mais um mecanismo que busca fortalecer o transporte público, desestimulando a utilização de veículos particulares, que já funciona com sucesso em algumas metrópoles mundo afora.
Uma última observação diz respeito à obrigatoriedade de elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana – PMU para municípios com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes.
Os municípios terão um prazo de 03 (três) anos para elaborem o PMU, compatível com o plano diretor do respectivo município, sob pena de ficarem impedidos de receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana.
3- Conclusão
Os efeitos da paralisia na mobilidade urbana não se restringem mais ao mero aborrecimento dos motoristas. Se, no início, tais efeitos se resumiam ao aparecimento de doenças causadas pelo estresse, o adensamento do tráfego fez com que a sociedade como um todo passasse a experimentar reflexos mais agudos desse problema.
Agora, além dos problemas físicos (individuais), podemos verificar impactos nas relações sociais, economia e meio ambiente.
Na economia, percebe-se um incremento do custo de produção, não só pela queda da produtividade, mas também pelo aumento do custo no transporte. O esvaziamento de alguns locais, em razão da evasão de pessoas em busca de qualidade de vida, resulta na necessidade de mudanças logísticas.
No meio ambiente, a conclusão é a mesma. O aumento da emissão de poluentes, além do conhecido incremento do efeito estufa, piora a qualidade de vida como um todo. A busca de um lugar mais tranquilo e mais saudável acaba por gerar um fluxo migratório de pessoas, com o consequente esvaziamento de algumas localidades.
Observa-se, com isso, que existe um ciclo vicioso constantemente retroalimentado, já que alguns dos sintomas acabam agravando outros. Assim, as consequências de um setor acabam se tornado as causas dos problemas de outro setor.
Se existe ou não uma solução definitiva para esse problema, é consenso entre os especialistas que qualquer medida passa, necessariamente, pela ampliação e melhoria do transporte público.
Nesse sentido, a nova Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012, que entrou em vigor na primeira quinzena de abril de 2012, não se apresenta como uma solução definitiva para o problema da mobilidade urbana, mas apenas como um instrumento que depende da ação política para poder ser implementada.
4- Referências bibliográficas
2022: Propostas para um Brasil melhor no ano do bicentenário / Fábio Giambiagi e Claudio Porto (orgs.). – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>. Acesso em: 17 fev. 2012.
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 13 fev. 2012.
BRASIL. Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; revoga dispositivos dos Decretos-Leis nos 3.326, de 3 de junho de 1941, e 5.405, de 13 de abril de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e das Leis nos 5.917, de 10 de setembro de 1973, e 6.261, de 14 de novembro de 1975; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 10 fev. 2012.
IBGE (2008). Projeção da População do Brasil. Disponível em <http://www.ibge. gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1272>. Acesso em 25 abr. 2012.
Procurador Federal - Pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Henrique Gouveia de Melo. Apontamentos sobre a Política Nacional de Mobilidade Urbana com o advento da Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2012, 09:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30201/apontamentos-sobre-a-politica-nacional-de-mobilidade-urbana-com-o-advento-da-lei-no-12-587-de-03-de-janeiro-de-2012. Acesso em: 23 dez 2024.
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