Segundo o questionamento em foco podemos apreender que o direito é um termo que designa um emaranhado de processos que o formam, expondo que o próprio termo se formula para além das meras normas impostas pelo Estado e sua classe social dominante.
Assim, percebe-se que o compreender da questão aqui analisada perdura há vários anos, haja vista o depender do que se faz temporal, cultural e histórico para que se de a formulação conceitual do termo direito e sua respectiva correlação com o fazer-se como elemento de justiça.
Neste breve ensaio, portanto, visará confirmar a tese de que por decorrência do estudo hermenêutico e semântico sobre a termologia em foco apreende-se que direito vem por ser uma expressão de vários sentidos, porém tendo por inclinação ao entendimento do que se faz reto ou mesmo do que se correlaciona com leis, no entanto, não garante que se faça a justiça.
Traz-se a baila, então, o enfoque sobre a legalidade enquanto necessário para que se incorpore a validação jurídica necessária para que se faça explicito a defesa do que se faz legislado, até porque nesta direção se configura a percepção da eficiência das normas jurídicas diante a realidade social, provendo assim, uma relativa aplicação da justiça.
Ademais, como expressou Ihering:
Enquanto os povos, pelas condições de sua natureza e pelo seu próprio esforço, não estiverem senhores dessa consciência do direito, como se exige para sua eficácia, quase nada poderão conseguir no progresso da justiça; entretanto haverá generosas aspirações, luta de parcial eficácia, algum avanço na doutrina, mas somente isto. (p.8)
Nesta direção, compreende-se que a justiça para ser alcançada merece esforço em conhecer os direitos próprio ao sujeito, bem como convocá-lo a uma legitimidade para além das normas prescritas.
Fato este que torna compreensivo a justiça por Ihering ser entendida como resultante de uma luta, a qual o sujeito de direito em sua individualidade convoca do Estado um posicionamento de proteção ou reparação a ameaças ou desconsideração de seus direitos enquanto pessoa humana.
Contudo, o que se apreende é que o Direito se constitui em prol do bem da sociedade, orientando o homem a perceber-se como detentor da capacidade de exigir o que se faz como seu ou de um coletivo ao qual faz parte. Aspecto este que reduz os conflitos existentes na sociedade, mas não assegura uma justiça realmente de perfil reto.
Além disto, sabe-se que a aplicação da noção de direitos propicia ao coletivo por ela executados maiores índices de harmonia e ordem social, até mesmo por motivo de que com o respeito ético entre os homens se perfaz uma valorização da real essência do ser homem em ser coletivo. Ou seja, na vivência real do que é direito se compõe a sociabilidade harmônica onde se prospera o que se faz como bem a um coletivo, respeitando subjetividades sem descartar a percepção do outro enquanto ser humano, isto se vê pelo menos em tese.
De mais a mais, faz-se saber que o direito não se faz composto por mero crivo do legislador e/ou elite, pois como FIÚZA expressou: “Direito não gera o bem-estar sozinho. Seus valores não são inventados pelo legislador, sendo, ao contrário, expressão da vontade social” (1999, p.02)
Porém, isto diverge ao entendimento de doutrinadores, onde se faz saber que os principais opositores a esta assertiva expressa por Fiúza é a corrente marxista, haja vista perceber nas leis e no próprio direito como elemento de alienação e dominação de uma elite sobre um povo marginalizado do poder.
Destarte, não se tem como desfazer que o Direito se vincula as normas estatais, enquanto padrões de conduta impostos pelo Estado e que em caso de desrespeito às normas se deriva sansões que se constituem como repressões. Daí ser lógico o entendimento marxista que o Estado impõe as leis, mesmo que embora se vincule mascaradamente à classe dominante.
Com base nessa afirmação mais que verídica Bobbio afirma:
Ele se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobre a necessária subordinação, até à eventual supressão, do segundo ao primeiro, bem como a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais, e, portanto sobre a crítica de uma das teses mais correntes do utilitarismo elementar.(2004, pg. 24)
Assim, muito embora seja passível este posicionamento marxista não se faz concebível descartar as leis por sua mera vinculação as classes elitizadas, isto até porque lei e direito não são sinônimos. A lei apenas vem do Estado e da elite, enquanto que o direito vem das normas e da apreensão da sociedade, aspecto este que incorpora a legitimação do que se faz como regra e fundamento de convivência social.
Neste enredo, coloca-se que a justiça se faz em essência como o equilíbrio no tratamento dos iguais e desiguais no âmbito social, enquanto que o direito se estabelece como meio de resolver conflitos, aspecto este que não garante justiça de fato, mas uma restrita noção desta.
Afinal, o direito pretende ordenar as relações sociais e não exatamente tem sua finalidade em garantir justiça, pois se assim o fosse por haver decisões judiciais injustas poder-se-ia dizer que não existe direito.
Nesta direção, percebe-se que deve haver compreensão de que o direito não pode ser restrito a compreensão positivista de que a lei é que o forma, bem como não se confunde o direito com a justiça.
Pois, como expressou Azevedo na obra “O caso dos exploradores de cavernas” de Lon Fuller: “E apenas mediante adequada formação, que se deve iniciar nos primórdios do curso jurídico, é que poderão solver tais dificuldades, não confundindo o Direito com a Lei, e nem esta com a Justiça.” (1976, p.4-5)
Destarte, as normas jurídicas tendem a se perfazer como ideologia jurídica dada a característica de ser elemento de dominação, aspecto este que se contrapõe a harmonia social que se discursa. É neste percurso onde se contrasta posicionamento de fundo positivista e jusnaturalista.
Mas como expressou FILHO: “As ideologias refletem certas características do Direito, embora deformadas. Os positivistas conservam o Direito como a ordem social estabelecida pelas classes dominantes. Já os jusnaturalistas insistem num critério de avaliação de normas: a justiça social.” (1993, p.31)
Então, o que se assegura é que a lei se vincula ao Estado e tende a obedecer aos interesses dos detentores do poder econômico, enquanto que o direito se compõe para, além disto, expressando as normas jurídicas e sociais, associado aos fatores reais de poder, onde se busca a justiça, contudo não a garante.
Por este enredo reconhece-se a dinâmica em que perfila este conceito, pois como escreveu Roberto Lira Filho: “O Direito não é uma “coisa” fixa, parada, definitiva e eterna, mas um processo de libertação permanente” (1993, p. 53). Afinal, o direito se forma dada a realidade social a qual por estar em constante mutação não tem como adotar um perfil conceitual estático.
Segundo este entendimento, convoca-se perceber as divergencias doutrinárias onde a sociologia jurídica descreve que no positivismo jurídico se visa à estabilidade, consenso e harmonia social resultando assim na regulação das relações sociais de modo a derivar num controle social ao qual pertence ao modelo conservador. A outra corrente da sociologia jurídica descreve no direito a mudança, o conflito e a coação que faz com que se dê precariamente a legitimidade da norma.
Ademais, como expressou Hans Kelsen:
Se se considera o Direito positivo, como ordem normativa, em contraposição com a realidade do acontecer fático que, segundo a pretensão do Direito positivo, deve corresponder a este (se bem que nem sempre lhe corresponda), então podemos qualificá-lo como “ideologia” (no primeiro sentido da palavra). Se o consideramos em relação a uma ordem “superior” que tem a pretensão de ser o Direito “ideal”, o Direito “justo”, e exige que o Direito positivo lhe corresponda - em relação, por exemplo, com o Direito natural ou com uma Justiça por qualquer forma concebida -, então o Direito positivo, isto é, o Direito estabelecido por atos humanos, o Direito vigente, o Direito que, de um modo geral, é aplicado e seguido, apresenta-se como o Direito “real”, e uma teoria do Direito positivo que o confunda com um Direito natural ou com qualquer outra idéia de Justiça, com o intuito de justificar ou desqualificar aquele, tem de ser rejeitada como ideológica (no segundo sentido da palavra). Neste sentido, a Teoria Pura do Direito tem uma pronunciada tendência antiideológica. (1998, p. 85-86)
Com isto, corrobora este pensamento à percepção de que tanto o direito quanto a justiça dentro de cada sociedade se incorpora de uma roupagem ideológica que convoca uma reflexão para além da cultura e costume, cabendo perceber na sua definição as suas relações e a própria diferença na conceituação dos termos, afinal direito não tem como sinônimo a justiça.
Dada esta compreensão adentramos a perceber que as idéias tanto quanto o direito estão em constante transformação sobretudo alterando-se conforme a classe que esteja no poder, daí não ser possível dar um conceito estático sobre o termo, mas percebê-lo que se faz em prol de uma harmonia social, seja por coação, alienação ou mesmo por manipulação ideológica; aspecto este que se contrasta com o ideal de justiça ansiado pela sociedade, particularmente aos que se fazem alheios a detenção do poder político e econômico.
Percebe-se que embora o direito seja complexo e, muitas vezes, contraditório entre o que discursa e o que produz não se tem como desmerecê-lo dada a necessidade social de regulação para que se faça exercidos o mínimo de contrato social de convivência para que as relações sociais sejam ao menos controladas em seus instintos animais e se faça presente ao menos traços de justiça.
Portanto, entende-se que o direito não garante justiça, mas pretende fazer com que ela se faça manifesta em suas decisões e, por isso, não temos como descartar a importância deste por razão de ser ele um dos principais meios de se buscar a justiça e se fazer resolvido civilmente e pacificamente os conflitos diante esta complexa realidade social que se faz projetada.
Referências:
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade Para uma teoria geral da política. Tradução por Marcos Aurélio Nogueira. 11ª ed. São Paulo: Terra e Paz, 2004.
FILHO, Roberto Lira. O que é direito. 11ª edição. Coleção Primeiros Passos nº 62. São Paulo: Brasiliense, 1993.
FIÚZA, Cesar. Direito Civil. Curso Completo. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Digital, 1999.
FULLER, Lon L.O caso dos exploradores de cavernas. Tradução do original inglês e introdução por Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre, Fabris, 1976.
IHERING, Rudolf von. Trad: CRETELLA JÚNIOR J. & CRETELLA Agnes. A Luta pelo Direito. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.001.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6ª edição. São Paulo : Martins Fontes, 1998.
Assistente Social da Prefeitura de Jeremoabo (Bahia). Formada pela Faculdade Nobre de Feira de Santana, em 2006. Especialista em Planejamento Pedagógico: Perspectiva Sócio-Política, em 2008. Concluinte de Bacharelado em Direito pela Faculdade AGES em Paripiranga (Bahia).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, Liliane Mendes. O Direito Garante Justiça? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2012, 07:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30299/o-direito-garante-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
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