RESUMO: O presente trabalho pretende demonstrar a importância e o alcance do princípio da dignidade da pessoa humana no atual contexto histórico, político e, sobretudo, jurídico que vivemos. Em especial, sobretudo, o objetivo é demonstrar a relevância da garantia e da efetividade desta premissa constitucional, sobretudo, para as pessoas mais pobres e frágeis economicamente diante a tutela jurisdicional. Para que consigamos tal fim, se faz indispensável a análise do moderno modelo de Estado Democrático de Direito, com todas as suas nuances democráticas e sociais. E também a análise sobre os direitos e garantias previstos no texto da Constituição Federal, sobretudo, no que se refere as garantias que corroboram com o valor máximo de garantia da dignidade da pessoa, analisando em concreto se tais garantias são aplicadas a todos os cidadãos ou se não, qual o motivo. Assim, o objetivo maior do presente estudo é explicar a necessidade e importância da efetivação de diversas garantias e direitos ainda não efetivados no Estado Democrático de Direito, e apontar os caminhos para a efetivação das garantias que materializam a dignidade da pessoa humana para todos os cidadãos.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Democrático de Direito; Direitos Democráticos; Políticas Públicas; Dignidade da Pessoa Humana.
1. INTRODUÇÃO
O Estado Democrático de Direito é um modelo de Estado que tem por fundamento básico a democracia e a existência de direitos coletivos e sociais para toda a população. Este modelo é a forma mais moderna de Estado existente, onde através de políticas públicas e outros mecanismos busca-se como objetivo maior a efetivação de todos os direitos básicos inerentes ao cidadão. No Brasil este modelo foi inaugurado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.
È inseparável falar em Estado Democrático de Direito e não tratar sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que sob este moderno modelo de estado passou a ter maior relevância e a ter tutela constitucional.
O professor Alexandre de Moraes explica a dimensão do princípio da dignidade da pessoa humana, veja:
“dignidade é um valor espiritual e moral, inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”
O texto constitucional previu expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito. Tal previsão pode-se notar a partir de simples leitura do inciso III, artigo 1º, da Constituição Federal.
A proposta de nossa pesquisa é partir das premissas constitucionais de dignidade humana para todos os cidadãos, partir desta previsão teórica e verificar as conseqüências da efetividade ou falta de efetividade e aplicação deste princípio, que é também fundamento do moderno Estado Democrático de Direito, na própria sociedade.
2. O ATUAL ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
O Estado Democrático de Direito tem a obrigação de garantir e efetivar para todos os cidadãos os direitos e garantias fundamentais. Garantias estas que foram previstas para servirem de mecanismos e instrumentos de efetivação e de aplicabilidade, como meios possíveis, para a realização do princípio da dignidade da pessoa humana. Dito de outro modo, o Estado assumiu a partir da promulgação da Constituição de 1988 a responsabilidade de através de políticas públicas garantir a realização de direitos básicos à população.
A partir da redemocratização constitucional, ocorrida com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado passou a assumir o compromisso de não apenas organizar politicamente o Estado, mas de estruturá-lo e, sobretudo, desenvolvê-lo social e economicamente de uma forma mais justa. De forma que, foi traçado a meta indispensável que prevê a redução das desigualdades sociais, e redução das características do Estado Liberal - Neoliberal, (em que uma minoria dispõe de quase todos os recursos e riquezas) - para que os direitos passem a ser efetivados de uma forma mais social e coletiva.
No entanto, ao mesmo tempo em que é verdade que a Constituição Federal é extremamente rica nessas previsões e garantias, e que proclama um Estado moderno, em que os constituintes previram direitos à saúde, à educação, à segurança, à propriedade e ao trabalho, etc. É verdade também que para a grande maioria da população tais previsões atualmente não deixam de ser apenas previsões teóricas e ou letras mortas de lei.
Não se pode negar que todas as previsões de direitos individuais e coletivos expressamente previstos na Constituição Federal corroboram e atendem ao princípio da dignidade da pessoa humana, isso é indiscutível e animador. No entanto, existem obstáculos ainda a serem superados para que consigamos efetivamente garantir e gozar dos direitos expressamente garantidos na constituição.
3. A OMISSÃO DO ESTADO NA GARANTIA DOS DIREITOS BÁSICOS DO CIDADÃO E O REFLEXO DA DESIGUALDADE SOCIAL.
É certo que, o Brasil vive hoje o moderno modelo de Estado, o Democrático e Social de Direito, no entanto, promulgá-lo não significou e não significa que este modelo de Estado está pronto e apto para proporcionar aos cidadãos a efetivação da garantia da dignidade da pessoa humana, existe no Brasil um abismo entre as previsões teóricas e a prática destes direitos.
A dignidade da pessoa humana só passa a ser efetivamente garantida a partir do momento em que outros direitos sejam efetivados. Dito de outro modo, não tem como se falar em viver dignamente se todo cidadão não tiver efetivamente acesso à saúde, à alimentação, à educação, à segurança e ao lazer, no mínimo.
É válido lembrar que o Brasil não passou pelo modelo de “Estado Social”. Este modelo de Estado se caracterizou, fundamentalmente, pela realização de políticas públicas que destinaram-se à efetivação dos direitos básicos supracitados. No “Estado Social” á sociedade, ás instituições e, sobretudo, o Estado, assumem o compromisso de garantir a todos os cidadãos à realização dos direitos considerados de primeira geração, quais sejam: à alimentação; à saúde; à educação; à segurança e; o lazer.
Infelizmente o Brasil atropelou o “Estado Social” e passou do “Estado Liberal”, onde o direito é garantido apenas de forma formal e não material, para o modelo “Democrático e Social de Direito”. Esse atropelo, naturalmente deixou seqüelas e desafios para sociedade e para o Estado, respectivamente.
Por toda a sociedade nota-se os efeitos reflexos da não efetivação dos direitos básicos do cidadão. MV Bill e Celso Athayde em realístico trabalho de documentário, e posterior obra, intitulado de “FALCÃO – meninos do tráfico” trazem um retrato das conseqüências da falta de estrutura básica de dignidade para os cidadãos, que resulta no mundo paralelo do crime e do tráfico. Neste trabalho, os autores tiveram a oportunidade de viver a realidade social das pessoas excluídas da sociedade, que acabam se envolvendo no mundo do crime, muitas por serem a única opção de se alimentar ou de alimentar a sua família, e outras por ser a única rampa de ascensão econômica.
Veja esta parte da entrevista do traficante “Betinho” ao autor MV Bill:
“Bill – Você acha que você vive num país justo?
Betinho – Não. Eu vou ser sincero com você, a criminalidade não acabaria, mas melhoraria, se o salário fosse digno pra pessoa sobreviver. Você acha que a criminalidade tá grande assim por causa de quê? Você tem um filho, você ganha dois salários mínimos, tu paga o aluguel, 200, mais ou menos o aluguel é esse. Tu faz compra, remédio. E pra ganhar 400 contos, tu tem que ter pelo menos primeiro grau. Ai tu vê tua família passando necessidade, o cara vai pro crime. Tu vai deixar o teu filho com fome? Tu vai ficar sem moradia pra morar? Agora, bota um salário digno que o cara pode sobreviver, você vai ver que um montão de gente que ta no crime que não quer não. É por necessidade que o cara entra no crime. Porque tu vê, o cara fica com fome, vê a família com fome, desabrigado. E onde que ajuda mais mesmo o cara é crime. O tráfico, que fortalece mais o cara de que o governo. Porque você vê, é onde você arruma um dinheiro, você se veste bem. É injusto pra caramba. É injusto pra caramba mesmo. Você acha que se cada um ajudasse um pouquinho, quem tem à pampa. Tu vê, um jogador de futebol, eu tava vendo o prêmio da seleção brasileira vai ser de 400 e poucos mil reais para cada jogador. Isso um presente que eles vão dar pro cara jogar na Copa. Fora as outras oportunidades que eles vão ter. Tá entendendo? Fora as outras oportunidades que eles vã o ter. E você não acha isso injusto? E um montão aí sem nada precisando?(...)
(...) porque você vê que é um país que não dá direito. Você vê os EUA, tem o crime, mas o crime lá dos EUA não é igual ao do Brasil, à vera. Por quê? Porque o salário mínimo lá é baseado no que dá pra uma pessoa sobreviver. Um pobre igual a eu lá tem um carro, importado bacana, uma casa, um apartamento bom. Aqui para tu ter um carrinho tu tem que ralar muito. Porque um salário igual a esse, duas pernas, 200 reais, fala aí. Aí manda um cara desses que ganha bem ir ao mercado com 200 reais. Faz igual Big Brother, põe uma casa com marajás, os caras que ganham bem pra eles viver com 200 reais por mês, mas com filho na escola, com aluguel pra pagar, com gás, conta de luz, pra ele somar aquilo tudo, pra ver se dá. Não dá. “Por isso que eu digo, é ingrato à pampa, cara”.
Nota-se, a partir da entrevista, que muitas das vezes para as pessoas que são excluídas economicamente, a não efetivação dos direitos básicos por parte do Estado é praticamente uma sentença de adesão ao mundo do crime. Ao mesmo tempo em que a sociedade exclui socialmente o cidadão e o Estado se omite da sua função de interventor-regulador e desenvolvimento, o crime e o tráfico agrega aquele cidadão excluído. O irônico é que o efeito da exclusão e desigualdade social é cíclico, e a violência da exclusão retorna mais agressiva para própria sociedade e retorna como um problema ainda mais caro e maior para o Estado combater e ou solucionar.
O Estado Democrático e Social de Direito assumiu o desafio de proporcionar a efetivação destes direitos considerados básicos e chamados direitos de primeira geração. Os dados mostram que os países que realizaram, através de suas políticas públicas, a efetivação desta natureza de direitos gozam hoje de maior desenvolvimento, seja educacional, profissional ou social, e, além disso, ainda, reduziram consideravelmente o abismo de desigualdade social existente entre os cidadãos das classes mais pobres em relação aos cidadãos das classes mais ricas, o que diminui significativamente o crime, o tráfico e a violência.
No Brasil, como se sabe é impressionante o abismo gerado pela desigualdade social, pode-se afirmar que é categoricamente um precipício. As conseqüências de não ter passado pelo “Estado Social”, e de não ter efetivado os direitos básicos da população, ficaram de herança e como responsabilidade para o Estado Democrático de Direito. Não se consegue garantir a dignidade humana se não forem efetivados os direitos mínimos que já foram conquistados formalmente – de forma teórica nas nossas leis.
4. CONCLUSÃO
O princípio da dignidade da pessoa humana surgiu como máxima unidade de valor do sistema jurídico e é um mandamento universal que funciona como paradigma, fundamento, e limite de nosso ordenamento jurídico, de nosso Estado e de nossa sociedade. Setores e instituições essas que a partir de 1988, conferiram, juridicamente, legitimidade e obrigação ao Estado para que garanta efetivamente a realização deste princípio.
A garantia da dignidade humana tem por finalidade impedir a degradação humana e a sua redução a um mero objeto de manipulação. O Estado assumiu como fundamento e objetivo a garantia da aplicabilidade do princípio da dignidade humana e de todas as garantias que este fundamento implica para os cidadãos. A dignidade da pessoa humana precisa ser mais que uma previsão teórica.
Não se pode negar que o compromisso da efetivação e garantia da dignidade da pessoa humana só se torna possível a partir da garantia e efetivação de direitos considerados básicos e fundamentais para o cidadão. Assim, efetivamente não há Estado Democrático de Direito, e não há dignidade da pessoa humana, se o Estado se omite do compromisso social. É indispensável que através de políticas públicas os direitos básicos sejam efetivados.
Enquanto isso ainda não ocorre, a minoria da população desfruta de produtos, máquinas e serviços de última geração e super e atual tecnologias, mas, por outro lado, ao mesmo tempo, a maioria dos cidadãos não come com qualidade, não tem educação com qualidade e integralidade e, ainda, não têm segurança.
Esses sinais de desigualdade social e exclusão acabam retornando em forma de violência e na forma do tráfico para a sociedade. A dignidade humana como fundamento do Estado Democrático, previsto expressamente no inciso III, artigo 1º, da CF, só se torna real e possível através de mudanças políticas, jurídicas e sociais.
Portanto, mesmo comemorando os vinte e um anos de aniversário da promulgação da Constituição Federal, ainda é necessário fazer muito para efetivamente ser garantida à dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana, considerado fundamento maior do Estado Democrático de Direito, só se torna realizada a partir da garantia de outros direitos básicos do cidadão. Para tanto o estado deve cumprir o compromisso que assumiu constitucionalmente de através da Constituição Federal, promover diversas ações sociais por meio das políticas públicas.
Veja outra parte da entrevista da obra “FALCÃO-meninos do tráfico”:
“Bill – Teu maior orgulho?
Betinho – É graças a Deus, eu ir pro meu sinal arrumar o meu dinheirinho, andar com a minha cabeça erguida, e os home não me parar. Antigamente os home chegava, eu tava conversando com alguma pessoa, eles paravam, tiravam a minha roupa. Hoje em dia, graças a Deus, sou limpo, trabalho à pampa, ralo à pampa, comprei a minha casinha. Me orgulho, adoro chegar em casa, tirar minha roupa, deitar, dormir, e ficar tranqüilo, porque eu sei que se eles baterem na minha casa eles não vão achar nada. Me orgulho muito de mim porque eu dei a volta por cima, graças a Deus. Tenho capacidade de morar com uma mulher e bancar, mesmo com a cadeira de rodas. Eu me orgulho de mim, eu sou muito orgulhoso de mim, porque o que eu já sofri, sofri à pampa na minha vida. Se eu fosse um cara que me entregasse, meu Deus do céu, tô aleijado! Fui fortão, sofri, nem todo mundo agüenta o sofrimento que sofri, duas cadeias. E nunca fiquei em cadeia com mordomia não. É no miolo mesmo, com vagabundo da Água Santa, Ilha Grande, Setor B, Esmeraldino Bandeira, Bangu, sofrendo, Niterói, e lutando, defendendo vagabundo. Mesmo caído, defendendo os caído, mandando carta pra direitos humanos... Meu maior orgulho é viver.”
O Estado não pode minimizar-se aos desafios propostos na nossa moderna Constituição Federal, promulgada em 1988. Se as promessas de modernidade, efetivação dos direitos básicos do cidadão forem concretizadas, por certo, a criminalidade diminuirá consideravelmente. Todo cidadão tem o direito à dignidade da pessoa humana. Dito de outro modo, toda pessoa tem direito de comer, estudar, ter assistência médica e segurança.
Muita mudança precisa acontecer para que a sociedade possa ser considerada uma sociedade mais justa. Não existe a fórmula dos milagres, que fará o crime e o tráfico acabarem de uma vez. No entanto, a partir do momento que todo cidadão tiver garantido a sua dignidade humana à violência social passará de regra, (como está sendo atualmente) à exceção.
REFERÊNCIAS
ATHAYDE, Celso e MV Bill. “Falcão – Meninos do tráfico / Celso Athayde e MV Bill”. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
BRASIL, “Constituição da República Federativa do Brasil”. 1988.
MORAES, Alexandre de. “Direito Constitucional”. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
Militar. Bacharelando em Direito pela Faculdade AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Aloísio da Conceição. A garantia jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana, como pressuposto do vigente estado democrático de direito, que parece ser apenas uma garantia teórica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2012, 07:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30338/a-garantia-juridica-do-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-como-pressuposto-do-vigente-estado-democratico-de-direito-que-parece-ser-apenas-uma-garantia-teorica. Acesso em: 23 dez 2024.
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