RESUMO: O presente estudo nos levará a uma reflexão da importância do efetivo acesso á justiça, como condição para uma prevalência da dignidade humana numa perspectiva de que uma justiça restrita, ou seja, eficaz e de qualidade apenas para quem pode por ela custear, incorrerá automaticamente em injustiça. A falta de informação, as custas judiciais bem como a demanda temporal que tanto impedem o efetivo acesso á justiça para aqueles desprovidos de recursos em um judiciário cada vez mutável em alguns aspectos e imutáveis em outros.
PALAVRAS CHEVE: Acesso; Justiça; Igualdade; Direitos; Informação.
INTRODUÇÃO
Qual seria o maior problema hoje daqueles que precisam recorrer á justiça para resolver algum litígio, seja na justiça comum, seja na justiça especial? Se perguntares a uma parte que disponha de informações precisas e adequadas ou de recursos para o acesso a essas informações, a resposta será que não existe qualquer problema a maquina judiciária; que a justiça está à disposição de todos e que o que está em lei positivado será na realidade efetivado.
Outrossim, se perguntares a uma parte que não disponha de tais informações e recursos, fatalmente perceberás a desigualdade no acesso e principalmente na qualidade dos serviços que a estes são disponibilizados.Nota-se, portanto, que a maquina judiciária funciona de forma efetiva e satisfatória quando se tem um serviço de acesso à mesma feito de maneira comprometida pelos operadores do Direito. O grande desafio é sensibilizar aqueles que dispõem de conhecimento técnico acerca do que diz a lei para que não mais se permita acontecer injustiças principalmente por aqueles que têm o dever de promover a justiça.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O ACESSO À JUSTIÇA COM QUALIDADE
O que se entende por dignidade humana? Seria um conjunto de fatores materiais e imateriais inerentes ao ser social no qual se primará pelo básico, desde o pão de cada dia até um tratamento com o devido respeito diante de uma autoridade? A todo tempo nos deparamos com acontecimentos em que questionamos a onipresença da justiça, sua imparcialidade e seu senso de igualdade. Mas o problema está na justiça ou naqueles que por anos a fio estudaram com o ideal de promovê-la? Trabalhando de forma indistinta visando sua função social e o pleno acesso de todos e de forma efetiva aos serviços jurídicos.
Dentre os fatores e valores que caracterizam a dignidade humana impreterivelmente se encontrará o pleno e efetivo acesso a justiça; uma vez que vivemos em coletividade em meio a opiniões e pensamentos diferentes, convivendo com educação e culturas diferentes; esse choque de pensamentos e condutas acaba gerando conflitos que por vezes a justiça mediará em prol de uma resolução pacífica.
Fica evidente, portanto a importância do acesso á justiça como condição de não se violar o princípio da dignidade da pessoa humana, nesse sentido Campilongo em o Direito na Sociedade Moderna, citando Cappelletti adverte que juristas em geral e processualistas de modo particular são concordes que o acesso á justiça pode ser:
...encarado como requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os diretos de todos. (CAMPILONGO, Doutrina Jus Navigandi. 2002)
Muito se fala que o problema da dignidade da pessoa humana tem sua maior fragilidade no que se diz respeito a poder e não poder fazer determinada coisa ou ter feito na prática alguma coisa que na teoria tem-se garantido. Isso muito acontece com os pobres que por não possuir recursos financeiros, sofrem com uma justiça lenta, mesmo com as modificações no judiciário no tocante a celeridade processual, como também com um pífio trabalho daqueles que tem a responsabilidade de levar á justiça as pessoas mais necessitadas econômica e intelectualmente e que desse trabalho dependem para ter sua lide resolvida legalmente.
Trata-se, portanto de uma igualdade que na prática não existe, se olharmos para o serviço prestado para aqueles que dispõem de recursos, muitas vezes rápido, eficaz e preciso, e o serviço de acesso direcionado á aqueles que não dispõem de recursos para exigirem um serviço de qualidade, e que por vezes se mostra aquém do esperado.
Cappelletti a esse respeito nos diz que:
Mas essa igualdade realmente não existe, pois está bem claro hoje, que tratar “como igual” a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça. Os pobres têm acesso muito precário á justiça. (CAPPELLETTI, 2008 p. 67)
O que se ficou claro até aqui foi que o pobre tem acesso deficiente a justiça por conta de sua indisponibilidade de recursos a fim de custear bons serviços jurisdicionais, o que não acontece com os ricos segundo o próprio Cappelletti:
O outro lado da moeda, destarte, é que os ricos, não têm acesso precário á justiça, porque não carecem de recursos, para contratar bons advogados. Fica-nos a ilusão, que os jurisdicionados ricos têm uma justiça rápida e imparcial, mesmo contra o Estado. (CAPPELLETTI, Processo, Ideologia e Sociedade, 2008) p. 67
Notamos assim, que falta um pouco de espírito solidário por parte dos advogados, para com aqueles que não podem pagar por serviços jurídicos de maneira satisfatória e que muitas vezes se mostram bastantes onerosos até para aqueles que dispõem de recursos econômicos suficientes; tornado-se dessa forma uma barreira no acesso afetivo á justiça. A luz desse raciocínio Campilongo em artigo publicado dispõe:
Pode-se proclamar, pelo texto, que pobre ou rico, desde que representados por bons advogados, entender-se-ia, teriam acesso á justiça. “O bom advogado, de acordo com essa interpretação formal, seria condição de acesso à justiça” (CAMPILONGO. 2002)
Além da dificuldade financeira de se constituir um bom advogado, os pobres precisam suportar o rótulo de pessoas que não conseguem perquirir seus direitos legalmente, de que são pessoas incapazes intelectualmente de interagir com os profissionais do Direito.
É salutar que o advogado fale a sua língua, que observe seu meio cultural e se adapte com seu cliente a fim de facilitar os trabalhos; conduta que entendemos será determinante para o efetivo acesso á justiça. O pobre deve ser encarado com o respeito e dignidade que lhe é inerente; sabemos das desigualdades entre ricos e pobres, no entanto o profissional do Direito seja constituído ou dativo deverá primar pelo tratamento igualitário, uma vez que se trata de um dos maiores valores fundamentais da democracia.
José Renato Nalini em sua obra “Novas perspectivas no acesso á justiça” dispõe que:
...muitas pessoas entendem, com alguma razão, que um advogado, ao colocar-se na posição de advogado dos pobres e, de fato, ao tratar os pobres como se fossem incapazes de perseguir seus próprios interesses, é muito paternalista. Tratem os pobres, dizem elas, simplesmente como indivíduos comuns com menos dinheiro. (NALIN)I. 1997
Outro ponto importante que deve ser salientado é a barreira implícita que existe entre o mundo jurídico e as pessoas comuns; nota-se que existe um incômodo, algo que impede a procura de um advogado e a consequente provocação do judiciário. Entendemos que a falta de informação sobre os procedimentos é a causa de boa parte da desconfiança que existe em face do judiciário.
O juiz tem papel fundamental na proliferação dessas informações, acerca de sua autoridade percebe-se na ótica das pessoas comuns, principalmente os pobres, que o juiz é detentor do conhecimento e do poder de decisão assim como eles os pobres são assim como os ricos detentores de direitos efetivos de acesso á justiça.
Acerca de tal raciocínio José Renato Nalini pontua:
Antes de dizer o Direito, incumbe ao juiz fazer conhecer o Direito. Pois na medida em que o conhecimento daquilo que está disponível constitui pré-requisito da solução do problema da necessidade jurídica não atendida, é preciso fazer muito mais para aumentar o grau de conhecimento do público a respeito dos meios disponíveis e de como utilizá-los. (NALINI. 1997)
Essa conduta deverá ser uma tônica para todos aqueles que prezam pelo aceso á justiça, advogados, funcionários dos tribunais e principalmente o juiz, visto que também será preciso libertar o judiciário aos olhos dos leigos dessa escama que o mostra de maneira tão superior causando a sensação de inacessibilidade. José Renato Nalini reforça:
O primeiro compromisso do juiz empenhado em ampliar o acesso à justiça, portanto, será com a disseminação do conhecimento do direito. O Direito, resolvido em direitos, terá que se abrir, que se quotidianizar, de perder o seu sopro de mágica não humana ( NALINI. 1997)
Não podemos esquecer outro ponto importante a ser analisado acerca dos fatores que dificultam o acesso á justiça, que é a inferioridade de recursos do judiciário em face dos demais poderes; isso por demais dificulta o trabalho jurisdicional uma vez que não se dispões de pessoal competente nos tribunais e juizados especiais afim de acelerar cada vez mais os processos e composições.
José Roberto Santos Bedaque citado por Paulo Halfeld Furtado de Mendonça em artigo publicado na Doutrina Jus Navigandi, aborda as considerações supracitadas:
Em primeiro lugar, enquanto não se destinar ao poder judiciário percentual razoável do orçamento estatal, afim de que ele possa fazer frente ás suas necessidades, qualquer outra medida corre sério risco de não alcançar os objetivos desejados. É preciso examinar dados estatísticos de países onde á justiça se mostre eficiente, para verificar as causas da morosidade do processo brasileiro. Sabe-se, por exemplo, que o número de juízes no Brasil é muito inferior aos padrões ideais. (BEDAQUE. 2002)
É evidente que um maior número de juízes e de funcionários nos tribunais tornaria célere a apreciação dos processos de uma forma geral, como também que esse conjunto de idéias contribuiria no sentido de cada vez mais se modificar as formas de trabalho para um melhor acesso á justiça, com exemplo disso podemos citar o prêmio Innovare, respaldada pela Secretaria de Reforma do Judiciário, a escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas e a Associação dos Magistrados do Brasil.
A respeito desse assunto Paulo Furtado de Mendonça dispõe que o objetivo de tal iniciativa é:
... identificar e difundir práticas pioneiras e bem sucedidas de gestão do Poder Judiciário brasileiro que estejam contribuindo para a modernização, melhoria da qualidade e da eficiência da justiça tornando os julgamentos mais ágeis ou facilitando o acesso á justiça. (MENDONÇA. Doutrina Jus Navigandi. 2002)
Fica claro, portanto a necessidade de se ter parcerias cada vez mais focadas na resolução dos problemas atinentes ao acesso á justiça, está claro também que o judiciário precisa de um maior apoio por parte daqueles que possuem o instrumento que fatia o bolo, destinando recursos mais generosos para o poder constitucional que mais sofre críticas a qualidade de seus serviços e que mais carece no momento de uma especial atenção, para uma melhor qualidade de seus serviços e uma melhor satisfação de seu usuário. Devemos ter e mente que um país sem justiça é um país sem dignidade, e um país sem dignidade é um país morto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pode concluir de tudo isso? O que devemos esperar de nosso judiciário e dos braços e mentes que o movem? Qual o papel do Estado na real promoção da justiça? Tais questionamentos encontram suas respostas em um Estado que no momento nos aparece de maneira utópica, onde haverá bons incentivos aos advogados por parte do Estado para defenderem suas causas com vigor e responsabilidade, tanto em relação ao cliente que detentor de dignidade e de direitos efetivos merecerá um bom trabalho de acesso á justiça, como também a sua profissão que investida de importante função social será responsável pela plena confiança das pessoas nos profissionais do Direito e no Judiciário como um todo.
Novas atribuições deverão ser instituídas aos funcionários dos tribunais de uma forma geral, tanto no âmbito comum como no especial, isso visando uma melhor disseminação de informações básicas de cunho jurídico á aqueles que dessas informações carecem e que muitas vezes estão sob o conhecimento de advogados, muitas vezes inacessíveis aos que não dispunha de poder aquisitivo suficiente a obter um bom direcionamento e por consequência um bom e efetivo acesso á justiça.
É preciso aos poucos ir acabando com as barreiras de cunho financeiro, com toda certeza um dos principais empecilhos no acesso á justiça, principalmente para os pobres. A Constituição da República prega pela igualdade, nesse escopo entendemos que o acesso á justiça deve ser igual para todos independente de classe social ou condição financeira; os profissionais do Direito desde o advogado até o magistrado, deverão primar por uma justiça igualitária, em tempo razoavelmente proporcional e onerosamente equilibrada e acessível, de acordo com as reais condições da parte, principalmente em atenção aos mais necessitados, atentando-se unicamente para sua desfavorável condição financeira e que esta não seja impedimento de acesso á justiça.
Insta salientar o esforço feito para melhorar o acesso á justiça, no tocante a implementação de novos juizados especiais, que na prática significa uma maior prestação jurisdicional e o desafogamento dos tribunais regulares. Contudo deverá atentar-se para a qualidade desses serviços, primando sempre por uma composição pacífica dos conflitos evitando quando sempre o litígio e a sua apreciação pela justiça comum.
Por fim, entendemos que o acesso á justiça passa por um caminho composto de um judiciário altamente capacitado para recepcionar de maneira célere e efetiva toda demanda que a ele recorre; disseminando informações, promovendo de fato a justiça e atuando na cura de todas as suas mazelas que tanto dificultam seu acesso. Nesse caminho deve haver profissionais bem estimulados, tanto econômica quanto espiritualmente, seja ele constituído seja ele dativo, entendendo desde sempre que o acesso á justiça é um bem fundamental do ser social, e primando por seu efetivo acesso contribuindo assim com a eliminação das barreiras econômicas e sociais que tanto assolam e tanto estigmatizam a importante figura do judiciário.
BIBLIOGRAFIA:
BEDAQUE, Santos José Roberto – Doutrina Jus Navigandi
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris. 1988
CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Moderna. São Paulo: Max Limonad, 2000
CAPPELLETTI, Mauro. Processo, Ideologias e Sociedade, vol I Ed: safE. 2008
MENDONÇA, Paulo Halfeld Furtado de – Doutrina Jus Navigandi
NALINI, José Renato. Novas Perspectivas de Acesso à Justiça. Doutrina Jus Navigandi
: BACHARELANDA EM DIREITO DA FACULDADE AGES, ESTAGIÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Jéssica da Silva. A dignidade da pessoa humana passa obrigatoriamente pelo acesso á justiça? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 ago 2012, 08:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30362/a-dignidade-da-pessoa-humana-passa-obrigatoriamente-pelo-acesso-a-justica. Acesso em: 27 dez 2024.
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