RESUMO: O presente trabalho apresenta de forma fundamentada a diferença entre esses dois institutos: Posse e Propriedade, aquele como instrumento indispensável deste. Faz-nos refletir sobre posse e propriedade através de trechos da Bíblia, da obra de Rousseau, Novo Código Civil e tendo como baldrame a Constituição Federal, bússola do nosso ordenamento jurídico. Além de Permitir uma evolução interpretativa na busca imprescindível de um entendimento pacífico em relação às discussões jurídicas que se arrolam em torno da posse.
PALAVRAS-CHAVE: Posse, Propriedade, Código Civil, Função social, Direito, Constituição Federal.
I- INTRODUÇÃO
Quando falamos em Posse e propriedade vem à mente a mesma definição como se estas fossem sinônimas. Estabelecer diferença entre estes institutos de forma fundamentada é uma das tarefas do presente trabalho. É impossível falarmos em propriedade sem mencionar a palavra posse. Essa idéia nos remete a livros como a Bíblia, o Contrato social de Rousseau e não esquecendo o Novo Código Civil.
Na obra o contrato social, Rousseau A necessidade que o homem tinha de viver no meio social, deu início às primeiras sociedades. E em função dessa necessidade o homem teve que renunciar a sua liberdade original, não mais fundada no direito natural e nem na força, mas baseada em uma convenção social. A formação de uma sociedade exigiu que se criassem regras para direcionar e controlar o convívio, consequentemente, garantir o direito de propriedade de forma real, legítima.
Assim sendo, notamos que a propriedade ganha espaço com a renúncia dessa liberdade e com o surgimento de convenção social tendo a propriedade um lugar de destaque no Contrato Social. Em sua obra intitulada Emílio, Rousseau também retrata a propriedade quando cita em um fragmento que o personagem Emílio pretende plantar favas e se sente injustiçado ao ver todas as favas serem arrancadas pelo jardineiro Robert, este já ocupava as terras. Com esse ato Emílio aprende a respeitar o direito daquele que já estava na terra primeiro, ou seja, respeitar o direito do primeiro ocupante. Segundo Rousseau não devemos trabalhar em uma terra sem saber se antes alguém já tenha trabalhado na mesma.
O autor alvitra a idéia de propriedade extremamente vinculada à idéia de conflitos, para ele a ganância e a ambição levam o ser humano a uma busca incansável pelo domínio cada vez maior de bens resultando em conflitos constantes.
No livro sagrado também observamos a presença dos institutos posse e propriedade. Corrobora com a afirmação Jossué,1:11: “Percorrei o acampamento e ordenai ao povo: Preparai víveres, porque dentro de três dias ireis atravessar o rio Jordão para tomar posse da terra que o SENHOR vosso Deus vos dá em propriedade”.
Ainda em Jossué,1:15:
“Até que o SENHOR tenha dado repouso aos vossos irmãos assim como a vós, para que eles também tomem posse da terra que o Senhor vosso Deus lhes dá. Depois voltareis para a terra de vossa propriedade, para tomar posse da terra que Moisés, o servo do SENHOR, vos deu no Além-Jordão, a oriente”. [1] |
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A propriedade é elemento essencial e imprescindível na vida econômica e social do homem, é fruto do seu trabalho, pois nenhum sujeito consegue viver sem um bem se quer que ele possa denominá-lo como “seu”, desde os mais singelos e supérfluos até os fundamentais à sua sobrevivência. Portanto, podemos afirmar que a propriedade é a expressão da pessoa humana. Vale salientar que, a análise dos institutos em questão terá que ser guiada pela nossa lei Maior. Com a proposta de encarar o direito Civil a partir da Constituição Federal.
II- O DIREITO DE PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Destarte, percebemos que o direito de propriedade está previsto no art. 5º, xxii da CF, como direito fundamental, pois a propriedade faz parte da dignidade da pessoa humana. O direito de propriedade provém da própria lei natural, faz parte do espírito da natureza humana. Acaba sendo uma exigência da natureza intelectual do homem, uma manifestação de necessidade fundamental. Pois, desde criança, temos o instinto de tomarmos para si tudo que nos agrada; amadurecemos e junto amadurece o desejo de possuir cada vez mais. O indivíduo chega a confundir-se com os seus próprios bens. Assim, a propriedade é o espelho do indivíduo.
A posse está prevista no Código Civil no art. 1196 CC. Onde reza “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes a propriedade”. Mas na verdade a posse é fato ou direito? Existem várias discussões acerca dessa indagação. Renomados autores divergem quando relatam suas opiniões. Existem duas teorias que tratam do instituto posse, a teoria objetiva de Ihering e a subjetiva de Savigny.
A Teoria subjetiva visualiza a posse composta por dois elementos essenciais: animus e corpus, este seria a possibilidade da disposição da coisa e aquele a vontade, o intento de possuir a coisa como sua. De acordo com Ihering, a posse se compõe dos elementos corpus e animus, mas para a teoria objetiva o animus está implicitamente no elemento corpus.
Ressalta-se a posse como instituto juridicamente protegido, assim adota o caráter de relação jurídica e, sendo relação jurídica podemos dizer que é um direito. Se o nosso sistema jurídico não protegesse a posse, esta seria meramente um fato, mas é juridicamente protegida. De tal modo, é relevante destacar a posse como peça essencial para garantir o direito de propriedade, não sendo meramente um fato, pois se assim o fosse não seria tão fundamental para a propriedade. A posse é elemento intrínseco da propriedade, pois o proprietário tem sempre posse indireta, independente de ter a propriedade outro ocupante. Portanto, poderíamos dizer que posse é além de um mero fato, porém não chega a ser um direito; é um fato especial com conseqüências no mundo jurídico.
Ainda corrobora Jhering:
Onde a propriedade é impossível a posse também o é - proposição essa que de outro modo não teria sentido. Ela não se explica senão pelo fato de que posse se considera como a exterioridade da propriedade que o direito deve proteger.
Onde não se pode conceber juridicamente a propriedade, não pode haver questões acerca da presunção de propriedade, que constitui a base da proteção possessória.[2]
A posse estabelece uma utilização econômica da coisa. Destarte, em nosso sistema jurídico, a posse não exige o animus domini, e também não exige o poder físico sobre a coisa. Prioriza-se a utilização econômica da coisa, sendo a posse a exteriorização desse domínio.
Vale mencionar as terras indígenas e destacar o que defendido por Rousseau, quando os portugueses chegaram ao Brasil, os índios que aqui se encontravam, eram tidos como os primeiros ocupantes. Segundo o pensamento de citado autor os que por último chegaram a terra não podiam ter como suas, pois havia quem da terra cuidasse. Certamente, tudo aconteceu ao contrário. E até hoje, surge interrogações a respeito: Não seriam os índios donos de todas essas Terras? Naquela época estavam na posse, hoje não têm o direito à propriedade nem das terras que ocupam atualmente. Pois a Constituição e o estatuto garantem aos indígenas a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas. Sabemos que posse, mesmo permanente, é diferente de propriedade, mas não podemos esquecer que a própria Constituição garante “a todos” o direito de propriedade. Não estaria a Lei maior sendo injusta com os indígenas, tendo em vista que foram os primeiros ocupantes, não existindo antes disso ninguém legalmente constituído que pudesse se considerar dono? Se naquela época vigorasse o sistema jurídico atual poderiam os índios ter se tornado proprietários de todas essas Terras através da usucapião? E se assim o fosse teríamos hoje um sistema jurídico que privilegiaria em sua lei maior “a todos” e teríamos um estatuto para regular a situação jurídica do homem não indígena. Garantir a posse, não é garantir propriedade. Outrossim, não podemos dizer que estes institutos são considerados sinônimos, mas que um é vinculado ao outro, porém não vice e versa.
III-CONCLUSÃO
Assim sendo, a lei prevê aos indígenas o direito à terra sob a forma de usufruto, ou seja, fornece apenas o uso de recursos que garantem a subsistência e conservação de costumes. As terras indígenas são propriedade da União. Dessa maneira, a União, detentora da propriedade, concede a área aos indígenas. Deste modo, voltamos a afirmar que a Constituição garante o direito de propriedade a todos, entretanto, mantém os indígenas com posse permanente, a qual não é sinônima de propriedade, pois a lei afirma que, quem tem propriedade tem o direito de gozar ou fruir, reivindicar ou reaver, usar ou utilizar, dispor ou alienar.
Jhering entendeu que é possuidor quem provém com a aparência de dono, o que permite determinar: posse é a exteriorização da propriedade.
Portanto, no art. 1228 do Código Civil está previsto: “a propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem de usar, gozar, dispor de um bem ou reavê-lo de quem injustamente o possua ou detenha”. Trata-se do direito de propriedade, núcleo central do direito das coisas. Diante de tantas discussões, não resta dúvida de que apesar de muitas divergências, mesmo sendo a propriedade um direito legalmente constituído, este não pode ser exercido ilimitadamente, pois deve ser analisado à luz da função social consubstanciada no art. 5º, xxiii da Constituição Federal de 1988.
Quando nos referimos à propriedade é de suma importância destacar que esta abrange não somente o que é material, mas o imaterial, a corpórea e a incorpórea, a fungível e a infungível, os créditos, ou seja, tudo o que tenha esse necessário conteúdo econômico-patrimonial.
Para Jhering, a proteção possessória aparece como um complemento indispensável da propriedade. O fundamento da proteção possessória seria facilitar a defesa da propriedade.
Por conseguinte, podemos afirmar que posse e propriedade são institutos distintos, porém intrinsecamente interligados. Diante de tantas discussões acerca do assunto, faz-se indispensável destacar um posicionamento conexo com os institutos em contenda. Assim sendo, a posse protegida pelo sistema jurídico não poderá ser constituída um mero fato; embora não poderíamos encaixar no rol dos direitos; Sabemos da importância desta para garantir o direito de propriedade. Destarte, vale vislumbrar a posse como um fato especial com consequências no mundo jurídico.
BIBLIOGRAFIA
JHERING, Rudolf Von. Teoria Simplificada da Posse. Tradução de Vicente Sabino Junior. São Paulo: Bushatsky, 1974.
ROUSSEAU, Jeans Jacques. O contrato Social. São Paulo: Editora Martin Claret, 2009.
ROUSSEAU, Jeans Jacques. Emílio ou da Educação. São Paulo: Martins Fontes,
1995.
JOSSUÉ, 1. Disponível em Bíbliacatolica.com. br. Acesso em 24/03/2010.
Rousseau e o direito de propriedade. Artigo escrito por Ricardo Augusto Henkes
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/089/89henkes.htm. Acesso em 24/03/10
Acadêmica do X período do Curso de Direito da Faculdade AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATOS, Ana Cristina de. Posse e Propriedade: reflexão guiada pelo Novo Código Civil e pela Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2012, 08:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30391/posse-e-propriedade-reflexao-guiada-pelo-novo-codigo-civil-e-pela-constituicao-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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