RESUMO: A confissão como elemento do sistema processual penal já foi admitida no Brasil com valor de absoluta em sua análise probatória. Permitia-se sua utilização sem o confronto com os demais meios de prova, e sem a consulta se entre ela e estas existia compatibilidade ou concordância. Após a democratização dos direitos e garantias individuais, impulsionada por uma tendência de ordem internacional passou-se a considerar a confissão não mais como a rainha das provas, mas como uma declaração do acusado sobre fato delituoso contra si próprio, dependente de uma confrontação com outros tipos probatórios. Apesar das divergências no âmbito doutrinário e jurisprudencial o exame sobre a confissão sai da esfera absolutória e passa a ter um valor relativo na apreciação do magistrado.
PALAVRAS-CHAVE: confissão; prova; processo penal; relativização.
1 INTRODUÇÃO
Muito tem se discutido no cenário jurídico brasileiro a respeito da prova de confissão no âmbito do processo penal, já que se trata de matéria controvertida quanto a sua valoração na análise probatória de um processo.
A confissão, antes vista como “a rainha das provas” passa a ser vista como uma afirmação feita pelo acusado sobre a veracidade de fatos criminosos cuja autoria a este se imputa, constituindo importante elemento na formação da opinião do juiz na análise comprobatória de um processo. Todavia, em virtude da sua eterna fragilidade, recomenda-se não considerá-la como prova absoluta ou probatio probatissima, mas sim, como prova de caráter relativo quanto a sua valoração.
2 DA CONFISSÃO
Historicamente nosso sistema de provas admitia legitimamente os mais variados métodos para a obtenção da confissão de um acusado. Formas insidiosas que iam desde perguntas feitas durante altas horas da madrugada através de coações morais, a outros meios mais absurdos em sua maioria cruéis, desumanos e degradantes.
Torna-se evidente o quanto tais provas eram passíveis de irregularidades materiais. Nessa perspectiva, a Carta Magna de 1988 veio prevê em seu artigo 5.º uma série de direitos e garantias aos brasileiros e estrangeiros residentes no País. Dentre esses, destaca-se sobre o tema em discussão, o fato de que ninguém deverá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, além do direito de o preso permanecer calado, sendo-lhe assegurado o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Além disso, o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a qual dispõe em seu artigo 8.º como garantias judiciais o direito de o acusado não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem se declarar culpado, e que o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário à preservação dos interesses da justiça. Trata-se de uma tendência de ordem internacional que apenas reafirma o propósito dos países adeptos dessa Convenção em consolidar no continente Americano dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos inerentes ao ser humano.
Na sistemática probatória do Código de Processo Penal atual são elencadas várias espécies de provas, as quais se encontram disciplinadas entre os artigos 155 a 250, são elas: a) o exame de corpo de delito e as perícias em geral; b) o interrogatório do acusado; c) a confissão; d) o ofendido; e) as testemunhas; f) o reconhecimento de pessoas e coisas; g) a acareação; h) documentos; i) indícios; j) e a busca e apreensão.
A confissão está prevista entre os artigos 197 a 200 do CPP. Constitui um grandioso instrumento para que o juiz alcance a verdade dos fatos no decorrer do processo. Esse importante meio de prova é muito bem conceituado por Guilherme de Souza Nucci, tendo em vista a amplitude de elementos que lhe fora auferida:
Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso (Manual de execução penal e execução penal, p. 437).
Percebe-se que não basta a mera confissão do acusado para que esta seja aceita. Ela deve inicialmente ser sobre fato criminoso, realizada por pessoa possuidora de discernimento suficiente para julgar os fatos com clareza e equilíbrio, prestada espontaneamente e livre de qualquer espécie de coação. Trata-se de ato de natureza personalíssima, devendo ser feito expressamente pelo próprio acusado sem deixar qualquer dúvida quanto sua autenticidade. Tal ato deve cumprir com as formalidades legais de ser solene, público, posto a termo e realizado perante autoridade competente, evitando que se torne um mero testemunho.
O descumprimento de qualquer desses requisitos poderá acarretar no ferimento ao devido processo legal e na consequente invalidação da confissão do acusado. Assim, proíbe-se terminantemente qualquer meio que venha a ferir os direitos e garantias fundamentais estabelecidos no Texto Constitucional, sob pena de ir contra ao próprio Estado Democrático de Direito.
A prova de confissão, em regra, é prestada na fase de interrogatório. Contudo, é passível de retratabilidade e divisibilidade, podendo o confitente desdizer-se a qualquer momento, bem como confessar somente parte da conduta praticada, desde que tudo seja colocado a termo nos autos do processo. Detalhes que não impedem o magistrado de desconsiderar sua nova versão sobre os fatos antes ditos ou de considerar somente parte destes, já que está atinente ao seu livre convencimento “preservado e fundado no exame global das provas colhidas durante a instrução”. [1]
Quanto às espécies de confissão a doutrina é divergente, no entanto, é praticamente unânime no que se refere a judicial e a extrajudicial. A primeira, naturalmente, é a realizada diante da autoridade judicial competente para o julgamento do caso. Já a segunda poderá ser feita perante autoridades do âmbito policial ou parlamentar, munidos de atribuição para ouvir o acusado através de declarações, as quais só terão valor se confirmadas pelo juiz.
Posto isso, e realizada a confissão, o réu deverá ser perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato ocorrido, bem como se outros sujeitos concorreram para a prática delituosa. Caso admita a autoria, revelando também a participação de terceiro, haverá a chamada confissão delatória ou delação. Esse tipo qualificado de testemunho poderá proporcionar ao indiciado ou acusado o benefício da delação premiada, matéria de inovação legislativa prevista em várias passagens do ordenamento jurídico brasileiro, mas que pode ser exemplificada a partir do exposto no artigo 159, § 4º do Código Penal (inserido a partir da Lei nº. 9.269/1996), in verbis: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”
A discussão sobre a delação é consideravelmente extensa, principalmente no tocante à delação premiada, pois além de ser um assunto recente na seara processual pátria, é também alvo de duras críticas da doutrina, em vista de ter o legislador brasileiro supostamente deixado lacunas em algumas passagens pertinentes ao tema na legislação extravagante.
3 DA VALORAÇÃO DA CONFISSÃO NO PROCESSO PENAL
A análise sobre a prova de confissão no processo penal brasileiro já fora realizada seguindo ditames diferentes do que se vê. Épocas em que a examinavam isoladamente, não se exigindo o seu confronto com os demais meios probatórios.
Atualmente, para que a confissão seja aceita recomenda-se a sua confrontação com outros elementos de prova existentes no processo. A auto-incriminação deve ser avaliada com certa cautela pelo magistrado, não mais a aceitando como a regina probationum, devido a sua incoerência e ilegitimidade em muitos casos. Em feliz análise sobre o valor da confissão em matéria penal Michel Foucault assevera:
A confissão, ato do sujeito criminoso, responsável e que fala, é a peça complementar de uma informação escrita e secreta. Daí a importância dada à confissão por todo esse processo de tipo inquisitorial. Daí também as ambiguidades de seu papel. Por um lado, tenta-se fazê-lo entrar no cálculo geral das provas; ressalta-se que ela não passa de uma delas; ela não é a evidentia rei; assim como a mais forte das provas, ela sozinha não pode levar à condenação, deve ser acompanhada de indícios anexos, e de presunções; pois já houve acusados que se declararam culpados de crimes que não tinham cometido; o juiz deverá então fazer pesquisas complementares, se só estiver de posse da confissão regular do culpado (Vigiar e punir, p. 35).
É evidente a importância da confissão na resolução de investigações delitivas. Mas, para se evitar injustiças é necessário que o magistrado tente descobrir o motivo que impulsionou o depoente a prestar tal colaboração, já que várias circunstâncias podem levar o acusado a se auto-imputar da prática de um ato delituoso.
Na doutrina, apesar das possíveis divergências, podemos encontrar algumas de tais situações, como por exemplo, as enumeradas por Tourinho Filho: 1) desejo de morrer; 2) debilidade mental; 3) vantagem pecuniária; 4) relevante valor moral ou social; 5) fanatismo religioso; 6) ocultação de delitos mais graves, dentre outras.
Logo, visa-se na análise valorativa da confissão a sua confrontação com todos os elementos existentes nos autos, que vão desde outros tipos de provas até os fundamentos que levaram o acusado a se auto-incriminar. Com isso, evita-se que a confissão, isoladamente, possa levar a sua condenação. Repudia-se assim, a análise de tal prova de forma absoluta, jamais aceitando que ela, por si só, possa levar o réu a condenação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na presente análise buscou-se discutir somente os tópicos mais importantes diante da proposta idealizada, a qual teve como escopo o artigo 197 do Código de Processo Penal.
A confissão em matéria penal é assunto bastante controvertido tanto na doutrina como jurisprudência, principalmente no tocante a sua valoração quando inexistente outra espécie de prova. Pois, percebeu-se em pesquisas para reunião de material que existem decisões divergentes do ora defendido (o que chega a ser normal conhecendo a farta jurisprudência deste país). Visões que ao contrário do que se perquiriu ao longo deste trabalho admitem a confissão judicial com valor absoluto, ainda que seja o único elemento de prova. A partir disso, a confissão serviria de base à condenação, só podendo ser recusada em circunstâncias especialíssimas, mais precisamente nas que sejam evidenciadas a insinceridade, ou quando tiver prova veemente em contrário. Trata-se do acórdão n°. 70023593569 de apelação julgada em 2008 pela Sétima Câmara Criminal do sempre colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Destarte, independente das divergências supracitadas deve a prova de confissão está em conformidade com os preceitos da sua relativização no processo penal.
REFERÊNCIAS
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 1998.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 25. ed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2002.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. - 6. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
Acadêmico da: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURVELO, Hercílio Denisson Alves. A confissão no processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2012, 09:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30771/a-confissao-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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