RESUMO: As relações interpessoais que perpassam toda a existência humana foram fundamentais para o desenvolvimento do homem. Com o poder de relacionamento os homens deixaram de lado a característica de nômades para formar as sociedades, porém, mesmo com os limites de convivência, a união íntima das pessoas não deixou de ser conturbada e a característica instintiva de relacionamento pluralista ainda foi conservada. Essa espécie de relação, antes identificada de adultério, mas agora de concubinato, já fora, inclusive, condenada legalmente, e é sobre as novas interpretações do Direito quanto a esse instituto que o presente trabalho tratará.
PALAVRAS-CHAVE: homem; relações; concubinato; adultério; união.
1 – INTRODUÇÃO
As uniões entre as pessoas desde o nomadismo até as atuais sociedades modernas sempre surgiram de forma natural, ou seja, o instinto humano de se relacionar e de procriar estava implícito ao homem e nesse sentido, não foi a regulamentação das uniões que formaram as famílias, mas, o próprio instinto que deu origem natural a essas. O casamento, que é uma regra de conduta social, não é preexistente à família, mas esta precede aquele. O que acontece é que apesar da existência do casamento, as pessoas preservaram as uniões conjugais sem constituírem esse instituto, convivendo numa união estável e de forma ainda pior, preservaram o relacionamento pluralista ou extraconjugal e daí surgiu o adultério (já revogado na legislação pátria) e também o concubinato impuro e puro.
Pode-se deixar em evidência que a forte influência da Igreja Católica foi fundamental para a exaltação do casamento e condenação das relações, principalmente sexuais, sem sua existência, contudo, as mudanças sociais como um todo e especificamente quanto ao direito de família foram muito fortes, desde a independência da mulher em relação ao homem até o advento do divórcio, o que fez o objetivo familiar passar da manutenção do patrimônio para o afeto. Nesse ponto, tornaram-se presentes inúmeras realidades paralelas ao casamento e a partir delas foram necessárias o reconhecimento da união estável e até do concubinato diante dos direitos e deveres inerentes a cada caso concreto.
2 – DA ADAPTAÇÃO E DOS DIREITOS
O presente debate torna-se atrativo a partir da análise comparativa das relações sociais de hoje e daquelas advindas de literaturas clássicas como “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo. Na obra literária referida, é interessante a forma de abordagem do autor e mais ainda a caracterização dos personagens criados, movidos por situações das mais absurdas e dentre elas, por cenas de quebra de dever conjugal, como por exemplo, de Dona Estela diante do seu marido Miranda.
Dona Estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostosos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice [...] (AZEVEDO. p. 9, 2005).
De início, é importante diferenciar os institutos da união estável e do concubinato. A união estável que é concebida pelo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) em seu artigo 1.723, é aquela formada entre homem e mulher com convivência contínua e pública e com o fito de constituir família. Já o concubinato, forte no artigo 1.727 do mesmo diploma legal, é a relação não eventual entre homem e mulher impedidos de casar. Percebe-se que, em ambos não há casamento, porém, naquele instituto não há impedimentos para a união e nesse há, e por isso, a regulamentação quanto aos direitos de concubinos é restrita, afinal, apesar de não poderem se casar tendo em vista os impedimentos descritos no artigo 1.521 do Código Civil e no caso do casamento especificamente, em seu inciso VI, os concubinos vivem em união e para tal precisam de amparo, seja porque é um fato social ou porque além de fato social é fato jurídico e como tal gera conseqüências legais.
O processo de adaptação ao instituto do concubinato foi longo, pois, os “princípios sociais” impregnados à sociedade e interpostos pelo Cristianismo e pela Igreja Católica “contribuíram para essa situação de marginalização. O formato patriarcal da família sagrada, cujo embrião é o casamento religioso, foi cobrado e vivenciado por demais nas sociedades medievais e modernas” (GOMES. Concubinato adulterino). Mas, a Carta Magna de 1988 o reconheceu e de forma ainda mais específica, o STF sumulou o reconhecimento e os direitos do (a) concubino (a) diante da dissolução da união, in verbis: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum (Súmula nº 380 do STF). O problema é que uma coisa é o concubinato onde, por exemplo, um dos afetos é casado e ilude o outro dizendo não ser e a partir de então se unem formando a chamada (doutrinariamente) união estável putativa. Nesse sentido:
UNIÃO ESTÁVEL – SITUAÇÃO PUTATIVA – COMPROVAÇÃO. O fato de o de cujus não ter rompido definitivamente o relacionamento com a companheira com quem viveu longo tempo, mas com quem já não convivia diariamente, mantendo as ocultas essa sua vida afetiva dupla, não afasta a possibilidade de se reconhecer em favor da segunda companheira uma união estável putativa desde que esta ignore o fato e fique comprovada a affectio maritalis e o fato ânimo do varão de constituir família com ela, sendo o relacionamento público e notório e havendo prova consistente nesse sentido. Embargos infringentes desacolhidos (TJRS, EI 599469202, 4.º Grupo Câmara Cível. Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 12-11-1999).
Outra situação diversa é o caso dos concubinos que se unem sabendo dos impedimentos de um ou de ambos, evidenciando a má-fé e formando o que se chama de concubinato adulterino (apesar da extinção do instituto do adultério criado pelo Decreto-lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940). Nesse sentido, Pablo Stolze Gangliano reforça:
Caso o partícipe da segunda relação desconheça a situação jurídica do seu parceiro, pensamos que, em respeito ao princípio da boa-fé, aplicado ao Direito de Família, a proteção jurídica é medida de inegável justiça. Por outro lado, situação mais delicada ocorre quando, casado ou em união estável, a pessoa mantém relação de concubinato com a sua amante, que sabe e conhece perfeitamente o impedimento existente para a união oficial de ambos (GANGLIANO, 2008).
Atualmente, diante de tantas mudanças nas pessoas e nas relações interpessoais e consequentemente no meio social, o que vem se observando é a preponderante necessidade de adaptação do Direito à realidade e nos casos de concubinato duradouro, mesmo existindo a má-fé dos concubinos, têm-se reconhecido, principalmente, de forma correta os direitos do (a) amante se houve participação na construção do patrimônio do (a) casado e também em casos de pensão por morte e alimentos.
Uma união paralela fugaz, motivada pela adrenalina ou simplesmente pela química sexual, não poderia, em princípio, conduzir a nenhum tipo de tutela jurídica. No entanto, por vezes, este paralelismo se alonga no tempo, criando sólidas raízes de convivência, de maneira que, desconhecê-lo, é negar a própria realidade. Tão profundo é o seu vínculo, tão linear é a sua constância, que a amante (ou o amante, frise-se) passa, inequivocamente, a colaborar, direta ou indiretamente, na formação do patrimônio do seu parceiro casado, ao longo dos anos de união. Não é incomum, aliás, que empreendam esforço conjunto para a aquisição de um imóvel, casa ou apartamento, em que possam se encontrar. Configurada esta hipótese, amigo (a) leitor (a), recorro ao seu bom-senso e à sua inteligência jurídica, indagando-lhe: seria justo negar-se à amante o direito de ser indenizada ou, se for o caso, de haver para si parcela do patrimônio que, comprovadamente, ajudou a construir? Logicamente que não, em respeito ao próprio princípio que veda o enriquecimento sem causa (GANGLIANO, 2008).
Seguindo esse entendimento, encontram-se muitas decisões nos tribunais brasileiros como as que seguem:
RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA. COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo. Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido (STJ – REsp. n.º 742.685-RJ – 5-9-05);
HOMEM CASADO. SITUAÇÃO PECULIAR, DE COEXISTÊNCIA DURADOURA DO DE CUJUS COM DUAS FAMÍLIAS E PROLE CONCOMITANTE ADVINDA DE AMBAS AS RELAÇÕES. INDICAÇÃO DA CONCUBINA COMO BENEFICIÁRIA DO BENEFÍCIO. [...] II – Inobstante a regra protetora da família, consubstanciada nos arts. 1.474, 1.177 e 248, IV, da lei substantiva civil, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra espécie de "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família legítima e concubinária, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do direito. III – Recurso conhecido e provido em parte, para determinar o fracionamento, por igual, da indenização securitária (STJ – Resp. n.º 100.888-BA – 12-3-01).
Não se deve atribuir ao concubinato e principalmente ao concubinato adulterino o dever moral e posteriormente julgá-lo juridicamente baseado naquele dever e sim, baseado no dever jurídico, pois, se as interpretações jurídicas e também sociais forem depender de entendimentos particulares e conservadores advindos principalmente da religião, nunca o Direito irá acompanhar as mudanças sociais. Por outro lado, não se deve banalizar as relações e uniões entre as pessoas, mas, se adaptar a natureza humana e reconhecer os direitos inerentes aquelas e derivados de outros tantos.
O legislador se arvora o papel de guardião dos bons costumes e busca a preservação de uma moral conservadora e, muitas vezes, preconceituosa. A técnica legislativa sempre aspirou a estabelecer paradigmas comportamentais estritos por meio de normas cogentes e imperativas. Elege um modelo de família e a consagra como única forma aceitável de convívio. A postura é intimidadora e punitiva, na esperança de gerar comportamentos alinhados com os comandos legais. Na tentativa de desestimular atitudes que se afastem do parâmetro comportamental reconhecido como aceitável, nega juridicidade ao que se afasta do normatizado. Os exemplos são vários. Basta lembrar a vedação de reconhecimento dos filhos "espúrios", a indissolubilidade do casamento, a rejeição às uniões extramatrimoniais (DIAS, 2004).
3 – CONCLUSÃO
A história do ser humano e do próprio planeta em que vive é movida por mudanças que, por sua natureza, podem não ser sempre positivas, mas sempre estarão presentes e para que a convivência torne-se possível em meio social é preciso se adequar a elas. Assim, é perceptível a alteração contínua das leis e de suas interpretações e no que tange ao Direito de Família especificamente, essa prática é reiterada. Na verdade, a sociedade mudou e a família também, assim como a forma de interpretação do núcleo familiar, mas é preciso compreender que a lei não precede aos fenômenos sociais, e sim vai ao encontro deles.
Logo, é importante que o Direito e seus operadores trabalhem essa condição essencial da convivência em sociedade que é a mudança, e sempre busque interpretações adequadas ao fator realidade para que em casos como o de concubinato adulterino, possa agir amparado pela lei e garantir os direitos dos (as) concubinos (as) que os corresponder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
BRASIL, Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
GOMES, Anderson Lopes. Concubinato adulterino. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/9624/concubinato-adulterino/3. Acesso em 10 de junho de 2012.
GANGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da (o) amante. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/11500/direitos-da-o-amante. Acesso em 10 de junho de 2012.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Paulus, 2005.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmulas. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301_400. Acesso em 10 de junho de 2012.
Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANDES, Hyran Ferreira. O processo de adaptação ao instituto do concubinato e os direitos do amante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 set 2012, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31136/o-processo-de-adaptacao-ao-instituto-do-concubinato-e-os-direitos-do-amante. Acesso em: 23 dez 2024.
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