Resumo: Estudo sobre os elementos do ato administrativo: motivo e forma. Buscando trazer a distinção entre motivo e motivação e a ocorrência de vícios de motivo e de forma devido à ausência ou ilegitimidade de tais elementos.
Sumário: 1 – Introdução, 2 – Forma do ato administrativo, 2.1 – Vício de forma, 3. Motivo do ato administrativo, 3.1 – Vício de motivo, 4. Motivo e Motivação, 5. Conclusão.
Palavras-chave: ato administrativo – motivo – motivação – vícios – invalidação.
1. Introdução
Os atos administrativos são categoria de ato jurídico, sendo a relação entre este e aquele de espécie e gênero, respectivamente. O que particulariza o ato administrativo dos demais atos jurídicos é o fato de que aquele possui regime jurídico de direito público, enquanto que nestes o regime jurídico é de direito privado. Além disso, os atos administrativos serão sempre praticados pela administração pública, agindo nesta qualidade, ou por particulares que estejam exercendo prerrogativas públicas, em virtude de estarem investidos em funções públicas. Deste modo, concordando com Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos definir ato administrativo como “declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”. (Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2009, pág.380).
Tais atos administrativos devem apresentar certos elementos que os caracterizam e que, se eivados de vícios, poderão invalidar o ato administrativo. São eles verdadeiros requisitos de validade, a saber: competência ou sujeito, objeto ou conteúdo, finalidade, forma e motivo. Neste trabalho será dada ênfase a estes dois últimos requisitos, trazendo a distinção entre o motivo (requisito de validade do ato administrativo) e a motivação (um dos componentes do requisito de validade forma).
2. Forma do ato administrativo
No direito privado, no qual prevalece o interesse particular, adotou-se o princípio da liberdade das formas para a prática de atos jurídicos, consagrado no Novo Código Civil Brasileiro de 2002. Já no âmbito público, o que nos remete aos atos administrativos, o princípio é o da solenidade das formas.
A forma é a exteriorização do ato. Não devendo ser confundida a forma material com a forma jurídica do ato administrativo. Todo ato possui uma forma, que é o modo como a vontade se externa, porém, para ser considerado válido, o ato administrativo deve observar as formalidades previstas em lei. Como bem observa José dos Santos Carvalho Filho “uma coisa é o ato ter forma, e outra, diversa, é o ato ter forma válida”. (Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 24ºed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 103).
Como regra o ato administrativo deve ser escrito e motivado. Podendo haver exceções como, por exemplo, os gestos utilizados pelos guardas de trânsito. A Lei 9.784/99 (que regula o processo administrativo no âmbito federal) no caput do art.22 preceitua que “os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”. Tal dispositivo, a nosso ver, vai de encontro ao consagrado princípio da solenidade das formas, uma vez que traz como regra a não formalidade do ato administrativo. No entanto, no mesmo dispositivo legal, no §1º do mesmo art.22, o legislador estabeleceu que “Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável”.
Entendemos, então, que o ato administrativo deve ser em regra formal, podendo a não obediência às exigências legais resultar na invalidação do ato. Porém, mesmo quando a lei não exige uma forma específica, não se pode perder de vista o fato de que, mesmo não havendo exigências legais sobre a formalidade do ato, a melhor forma será sempre aquela que venha proporcionar segurança jurídica e que possibilite aos administrados o exercício do controle dos atos praticados pela administração pública, tendo sempre como referência os princípios da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público e da legalidade.
2.1.Vício de forma
Como já foi exposto no item anterior, a prática de um ato administrativo com o descumprimento dos requisitos legais quanto a forma do ato pode gerar a sua invalidação, não sendo, portanto, uma obrigatoriedade. Nem todo vício na forma torna o ato administrativo nulo. Seguindo a linha de raciocínio de Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo “só a forma que a lei considere essencial à validade do ato é que, se descumprida, origina um ato nulo” (Paulo, Vicente e Alexandrino, Marcelo, Direito Administrativo Descomplicado, 19º ed., rev. e atual., São Paulo: Método, 2011, pág. 450). Este é o entendimento que se pode extrair do art.2º, parágrafo único, “b”, da Lei 4.717/1965 (que regula a ação popular), in verbis: “o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato”. É o que ocorre, por exemplo, quando a lei exige motivação e tal exigência não é atendida. O ato é considerado nulo por vício de forma devido a ausência de elemento essencial a validade do ato, a motivação.
3. Motivo do ato administrativo
O motivo é o pressuposto de fato e de direito que enseja a prática do ato administrativo. O pressuposto de direito é a norma jurídica na qual está baseado o ato administrativo e o pressuposto de fato, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato” (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 24º ed., São Paulo: Atlas, 2011, pág.212).
De acordo com Henrique Savonitti Miranda, “A incidência normativa ocorre quando há a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma, ou seja, quando um determinado acontecimento ou circunstância social, denominado pressuposto de fato, se ajusta perfeitamente a uma hipótese prevista no antecedente da norma jurídica, que é o fundamento de direito. Nesta situação o agente público deve adotar a solução prevista no consequente da norma jurídica, que igualmente é o fundamento de direito, para editar o ato” (Miranda, Savonitti Henrique, Curso de Direito Administrativo, 3º ed., rev., Brasília: Senado Federal, 2005, pág. 196). Desta forma, são exemplos de motivo, na concessão de licença a maternidade, o nascimento do filho e na punição de um funcionário público, o cometimento de uma infração.
Vale ainda dizer que mesmo naqueles atos em que os motivos não estão expressamente expostos no pressuposto legal, o motivo que enseja a prática do ato deve existir e deve estar de acordo com o que a norma jurídica implicitamente aceita como motivo adequado ou pertinente, tendo sempre em vista o caso concreto. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello “prestantes serão os motivos que revelem pertinência lógica, adequação racional ao conteúdo do ato, ao lume do interesse prestigiado na lei aplicanda” (Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2009, pág.392).
3.1.Vício de motivo
O motivo para ser considerado válido ele deve ser existente e juridicamente adequado, isto é, deve estar previsto em norma jurídica explicitamente ou implicitamente. Deste modo, é possível verificar dois tipos de vícios de motivo que irão invalidar o ato administrativo: o motivo inexistente e o motivo ilegítimo ou juridicamente inadequado.
O motivo inexistente é aquele que é materialmente comprovado que não ocorreu de fato. O fundamento que enseja a prática do ato administrativo é falso, não verídico. É o que ocorre, por exemplo, quando um agente público é exonerado de seu cargo por ter faltado ao trabalho durante 30 dias seguidos, o que configura o abandono de cargo. Se for comprovado que na verdade o agente nunca faltou, apresentando como prova o livro de ponto, por exemplo, o motivo que ensejou a exoneração é inexistente, sendo, portanto, tal ato considerado nulo.
De acordo com o que leciona os administrativistas Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo o motivo ilegítimo é aquele no qual “há incongruência entre o fato e a norma, ou seja, está errado o enquadramento daquele fato naquela norma” (Paulo, Vicente e Alexandrino, Marcelo, Direito Administrativo Descomplicado, 19º ed., rev. e atual., São Paulo: Método, 2011, pág. 453). Assim, neste caso o motivo realmente existe, porém é ilegítimo, uma vez que não possui respaldo jurídico para a prática do ato administrativo, pois a norma jurídica que prevê a prática de tal ato não comtempla aquele motivo. É o que acontece, por exemplo, quando o agente de trânsito aplica multa ao motorista por este dirigir sem camisa. Fica constatado que tal fato realmente ocorreu, porém o mesmo não enseja a aplicação de multa, uma vez que o Código de Trânsito Brasileiro não prevê tal hipótese.
4.Motivo e motivação
O motivo é requisito de validade do ato administrativo que consiste nos pressupostos de fato e de direito que ensejam a prática do mesmo. Já a motivação integra o elemento forma. É a justificativa expressa do ato ou ainda a exteriorização ou declaração dos motivos que levaram a prática do ato administrativo.
A não existência de motivo ou a não adequação jurídica do mesmo implica invalidade do ato por vício de motivo.
De outro modo, a não existência de motivação nem sempre causará a sua nulidade, uma vez que nem todo ato administrativo necessita ser motivado. É o que ocorre, por exemplo, na nomeação para cargo comissionado, cuja lei que respalda tal ato dispensa a motivação. Porém, havendo norma jurídica exigindo tal formalidade, essencial à validade do ato, este será considerado nulo se não a cumprir. Naqueles atos que a lei dispensa ou simplesmente não obriga a motivação, uma vez motivados, ficam vinculados a motivação e sujeitos a invalidação por vício de motivo. É o que declara a Teoria dos motivos determinantes.
Vale ainda comentar que a motivação deve ser em momento oportuno, tendo em vista sempre a questão de propiciar ao administrado que teve sua esfera jurídica afetada pelo ato a oportunidade de exercer a ampla defesa. Deste modo, mesmo os motivos existindo e sendo eles legítimos, se não houver a declaração dos mesmos, isto é, a motivação – quando a lei a exige – tempestiva, o ato será nulo por vício de forma, pois apesar de haver motivo válido este não foi formalmente manifestado. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que em julgamento de recurso de mandado de segurança deferiu parcialmente o pedido do impetrante, considerando inválido ato administrativo que eliminou candidato de concurso público por não ter a administração apresentado os motivos da prática do ato tempestivamente. Entendendo que a demonstração de tais motivos no processo judicial configura-se como intempestiva, uma vez que já ouve a frustração do direito de ampla defesa da outra parte. Por este não ter tido o conhecimento das razões que levaram a sua eliminação no concurso, teve frustrada a oportunidade de se defender na via administrativa e tentar modificar o resultado do concurso (RMS 26.927/RO, T6, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 17/08/2011).
5.Conclusão
Concluímos que o motivo é requisito de validade do ato administrativo, enquanto que a motivação integra a forma do ato – outro requisito de validade. A ausência de motivo ou a sua ilegitimidade sempre será causa de vício no ato jurídico, gerando, obrigatoriamente, a sua invalidação, o que não acontece com a ausência de motivação. Ocorre que, quando a lei nada fala sobre a motivação ou quando expressamente a dispensa, a ausência desta não invalida o ato, porém se for exigência normativa, a não declaração tempestiva dos motivos tem como consequência ato jurídico nulo. Por fim, infere-se que a ausência de motivação não implica em dizer também em ausência de motivo, mas apenas na falta de declaração do mesmo, trata-se de coisas distintas.
Referências Bibliográficas
Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2009.
Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 24ºed., rev., ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
Paulo, Vicente e Alexandrino, Marcelo, Direito Administrativo Descomplicado, 19º ed., rev. e atual., São Paulo: Método, 2011.
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 24º ed., São Paulo: Atlas, 2011.
Miranda, Savonitti Henrique, Curso de Direito Administrativo, 3º ed., rev., Brasília: Senado Federal, 2005.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Mandando de Segurança Nº 26.927/RO, T6, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 17/08/2011 http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&data=%40DTPB+%3E%3D+20110817+e+%40DTPB+%3C%3D+20110817&livre=%28%22MARIA+THEREZA+DE+ASSIS+MOURA%22%29.min.&b=ACOR. Acesso em: 22 de set. 2012.
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade dos Guararapes (Jaboatão do Guararapes, PE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANKLIN, Mirella Siqueira. Do motivo e da motivação dos atos administrativos e os vícios de motivo e de forma. Diferenciação entre motivo e motivação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2012, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31597/do-motivo-e-da-motivacao-dos-atos-administrativos-e-os-vicios-de-motivo-e-de-forma-diferenciacao-entre-motivo-e-motivacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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