A tarifação do dano moral constitui algo aparentemente dificílimo diante do seu caráter subjetivo, mas que tem sido alvo de várias discussões no âmbito doutrinário, legal e jurisprudencial. Trata-se do que poderíamos chamar de pré-estabelecimento do quantum indenizatório do dano.
O direito a indenização por danos morais é previsto na Constituição da República, em seu artigo 5º, nos incisos V e X.
O dano moral nas palavras dos doutrinadores Gagliano e Pamplona Filho “é a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do sujeito infrator.” (Novo curso de direito civil responsabilidade civil, pág. 36, 2003).
A prática desse importante instituto jurídico pode decorrer na responsabilidade civil, a qual embora a doutrina pátria não seja uniforme na conceituação, é unânime na afirmação de que firma-se no dever de “reparar o dano”, explicando-o por meio de seu resultado, já que a ideia de reparação tem maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, pág. 7-11, 1998).
Sabe-se que atualmente não existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão estabelecendo patamares de fixação de valores para tal matéria, o que nem sempre foi assim. Até o advento da atual Constituição da República, a determinação do quantum de uma sanção pecuniária deveria ter por base os critérios previstos em lei. Eram utilizadas como parâmetros a Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa) e a Lei 4.117/1962 (Lei de Telecomunicações). Na primeira, os valores oscilavam de 5 a 200 salários mínimos, enquanto na segunda, de 5 a 100 salários mínimos.
No que tange ao valor da indenização, nenhuma dessas leis foi recepcionada pela a ordem constitucional vigente. Assim, o sistema de indenização tarifada foi extinto do ordenamento jurídico.
Hoje a matéria é regida pelo direito civil, o qual determina que a indenização seja medida pela extensão do dano[1]. No entanto, tem prevalecido a aplicação do princípio da proporcionalidade para fins de arbitramento da sanção pecuniária. Ao fazê-lo, segundo George Sarmento, “o magistrado deve compensar o sofrimento da vítima e punir exemplarmente o agressor com a fixação de indenização que afete de forma concreta o seu patrimônio, sem, no entanto, dar margem a enriquecimento sem causa do autor da ação.” (Danos morais, pág. 43-44, 2009).
Essa reparação tem por finalidade possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido (o chamado pretio doloris – o preço da dor), de forma a atenuar parcialmente as consequências do dano sofrido.
O quantum indenizatório é arbitrado pelo juiz da causa com base em critérios objetivos como: a extensão do dano o grau de culpabilidade do agente responsável pela ilicitude; a capacidade financeira e patrimonial do réu; a intensidade do sofrimento físico e psíquico da vítima; a proibição do enriquecimento sem causa da vítima; e a proporcionalidade entre a gravidade do dano e o valor a ser arbitrado pelo magistrado.
E não há outro meio mais conveniente e eficiente para se auferir o dano moral que o arbitramento judicial. Segundo Sérgio Cavalieri Filho: “Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral.” (Programa de responsabilidade civil, pág. 91, 2008).
Não se trata, todavia, de aplicação invariável, e sim de mera base de raciocínio do magistrado, que não está adstrito a qualquer regra nesse campo. Devem ser sempre lavadas em consideração as situações do caso concreto. O juiz verificará o grau da lesão sofrida pela vítima, utilizando-se da prova, da realidade que o cerca e das máximas da experiência.
Em razão da subjetividade na mensuração do dano moral, a própria jurisprudência vem decidindo que seu valor deve ser fixado levando em consideração o critério pedagógico em relação a atitude do réu e a posição econômica da vítima, a fim de evitar enriquecimento ilícito desautorizado por lei.[2]
Desse modo, não se permitirá a indenização irrisória, que não traduza ressarcimento para a vítima ou punição para o ofensor. Da mesma forma, não pode ser admitida indenização desproporcional que se converta em enriquecimento injusto em prol da vítima.
A falta de legislação específica nessa problemática tem gerado, entretanto, decisões desiguais e incoerentes. Nessa perspectiva, Venosa afirma que “a tarifação ou qualquer estudo matemático não é critério adequado para danos morais em geral, porque amordaça a distribuição da Justiça” (p. 343). O citado doutrinador aduz sobre a disseminação dessa nova modalidade de indenização em nossos tribunais, auferindo que determinados danos podem ficar sob o jugo de uma tarifação, como o dano corporal fisiológico no âmbito dos acidentes do trabalho, por exemplo.
É válido mencionar, que no intuito de evitar mais abusos na jurisprudência pátria, havia Projeto de Lei em tramitação (Projeto de Lei do Senado 150/1999) que pretendia limitar valores indenizatórios por dano moral, dentro de determinadas faixas. Por esse projeto, o juiz fixaria a indenização a ser paga de acordo com a natureza da ofensa. Para ofensa leve, até vinte mil reais; para ofensa de natureza média, de vinte mil a noventa mil reais; e para ofensa de natureza grave, de noventa mil a cento e oitenta mil reais. O que não seria a melhor solução, pois além do fato de a moeda se desvalorizar, existiria a inconveniência de atribuir ao magistrado mais uma tarefa: a de definir a gravidade da ofensa moral. Felizmente ou não, tal Projeto de Lei foi arquivado em 28 de fevereiro de 2007.
Dessa maneira, não existe respaldo na legislação brasileira que possibilidade a tarifação do dano moral. Até por que, trata-se de um assunto de abordagem subjetiva, sendo praticamente impossível estabelecer valores de proporção uniforme para os mais variados casos.
Mesmo assim, é possível encontrar no meio doutrinário, pensadores que acreditam ser a tarifação do dano moral necessária para se estabelecer limites legais sobre o quantum debeatur. Assim, o doutrinador e jurista Tupinambá Miguel Castro do Nascimento[3] sugere o recurso à analogia, com base no art. 4º da Lei de Introdução. Uma vez que o Código do Consumidor não cuidou de apontar qualquer critério, poder-se-ia lançar mão dos dados constantes do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27.08.1962), onde existem cálculos reparatórios organizados em função de certos números de salários mínimos.
Nesse sentido, argumenta-se também com a visão de parte da jurisprudência, que com base nas regras da Lei de Telecomunicações e da Lei de Imprensa utilizam da solução analógica, conforme julgamento do 1º TACivSP, Ap. 516.041/8, in RT 698/104.
Além do respeitado doutrinador e do exemplo de jurisprudência supramencionados, existem ainda aqueles que defendem essa ideia, mas levando em consideração as especialidades de cada caso. Com efeito, Sady Gusmão é citado pelo professor e jurista Américo Luís Martins da Silva[4], o qual “sustenta que o ideal, ou pelo menos mais seguro e democrático, seria a indenização tarifada de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto, como ocorre nos acidentes de trabalho”. (Apud Antônio Lindbergh C. Montenegro, op. cit., p. 133).
Isso mostra o quanto nosso meio doutrinário e jurisprudencial é vasto no tocante aos tipos de posicionamentos. Mas, diante do exposto, tornar-se evidente a inviabilidade da tarifação do quantum indenizatório, já que o dano moral não pode e nem deve ser analisado de acordo com uma mera tabela valorativa.
Ademais, é nítido que jamais chegaremos a perfeita equivalência entre a lesão e a indenização, por mais apurada e justa que seja a avaliação do juiz, não importando também que existam ou legislação apontando parâmetros. Em todo caso, devem ser auferidos os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Sempre que possível, deverá o magistrado estabelecer o quantum debeatur com base nos meios objetivos, evitando valores de ordem aleatória.
A criação de parâmetros jurisprudenciais, como foi visto, já vem sendo admitida, exercendo importante papel de fonte formal do direito. Tais precedentes devem fornecer caminho seguro para a avaliação do dano moral. Somente quando o caso concreto fugir totalmente aos padrões deverá ser admitido a análise a aplicação exclusivamente subjetiva do magistrado.
Logo, o dano moral não pode ser objeto de critérios valorativos de ordem taxativa. Pelo contrário, o magistrado deverá se utilizar da razoabilidade e da proporcionalidade, auxiliado pelos padrões da jurisprudência para poder aplicar o seu arbítrio aos casos concretos.
RERERÊNCIAS
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil responsabilidade civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
PEREIRA, Caio da Silva. Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SARMENTO, George. Danos morais. Coleção prática do direito. São Paulo: Saraiva, 2009.
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 11 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
[1] Código Civil, art. 944.
[2] Precedentes do TJAP no julgamento de Apelação Cível: AC 237505.
[3] Responsabilidade civil no Código do Consumidor, Rio, Aide, 1991, nº 15, pág. 102.
[4] SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. pág. 386.
Acadêmico da: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURVELO, Hercílio Denisson Alves. A tarifação do dano moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2012, 06:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31667/a-tarifacao-do-dano-moral. Acesso em: 23 dez 2024.
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