RESUMO: O presente artigo representa uma síntese acerca da tríplice responsabilidade incidente sobre aqueles que causam a degradação do meio ambiente, sendo tal reparação correspondente a três tipos: civil, penal e administrativa. Embasado em doutrinadores das diversas vertentes do Direito, bem como na legislação e jurisprudência pertinentes, são apresentados os delineamentos das três espécies de responsabilização oriundas do dano ao meio ambiente.
Palavras-chave: Direito Ambiental; tríplice responsabilidade por danos ambientais.
INTRODUÇÃO
O meio ambiente equilibrado constitui-se em fator vital para o sucesso da humanidade, tornando-se imprescindível que o mesmo seja resguardado contra eventuais agressões porventura perpetradas por quem não vislumbra tal importância, devendo o poder público adotar todas as medidas cabíveis, na seara civil, penal e administrativa para coibir a degradação ambiental.
Assim, através da colação de excertos da legislação, doutrina e jurisprudência, buscamos apresentar um esboço acerca do tema, sendo a primeira parte dedicada à responsabilidade civil, a segunda à penal e a terceira à administrativa.
1 Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente
No que tange à responsabilidade civil por dano ao meio ambiente, destaca-se em nosso ordenamento jurídico a já citada Lei 6.938/81, que no parágrafo primeiro do seu artigo 14, temos:
Art 14 [...]
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.[1]
Acerca do referido dispositivo, comenta Carlos Roberto Gonçalves:
A responsabilidade civil independe, pois, da existência de culpa e se funda na ideia de que a pessoa que cria o risco deve reparar os danos advindos de seu empreendimento. Basta, portanto, a prova da ação ou da omissão do réu, do dano e da relação de causalidade.[2]
Ou seja, a responsabilidade civil aplicável é objetiva, independe da existência de culpa, diferentemente do que ocorreria se fosse atribuída responsabilidade subjetiva, pois, conforme diferencia Carlos Roberto Gonçalves:
Conforme o fundamento que se dê à responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.
Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, tembém chamada de teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.
[...]
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.[3]
A aplicabilidade de tais conceitos pode ser encontrada na jurisprudência, como no exemplo abaixo, acerca da responsabilidade objetiva:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APREENSÃO DE VEÍCULO POR SUSPEITA DE ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL. AUSÊNCIA DE ATO ARBITRÁRIO DOS AGENTES POLICIAIS. FATO NOTICIADO PELA IMPRENSA. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.
1. A responsabilidade objetiva baseia-se na teoria do risco administrativo, dentro da qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito e força maior.[4]
Bem como acerca da responsabilidade subjetiva das pessoas jurídicas:
CIVIL E ADMINSTRATIVO. DESAPARECIMENTO/FURTO DE MEMÓRIAS DE COMPUTADOR DO TCU. EQUIPAMENTO EM DESUSO ESTOCADO EM DEPÓSITO. RESPONSABILIZAÇÃO DA PRESTADORA DE SERVIÇO ENCARREGADA DO FORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA - ALMOXARIFE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. ATENDIMENTO. CULPA IN VIGILANDO DA EMPRESA PRIVADA NÃO DEMONSTRADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
[...]
3. Em sendo a responsabilização das pessoas jurídicas de direito privado baseada na teria da responsabilidade subjetiva, a teor do art. 186 do CC/2002, é indispensável a prova da ocorrência de culpa in vigilando para se exigir a indenização decorrente dos danos suportados. A conduta culposa ou dolosa do particular, para que dê ensejo à sua responsabilização, deve ser provada por quem pretende ser indenizado.[5]
Reafirmando a responsabilidade civil objetiva nos casos de dano ambiental, destacam-se as palavras de Celso Antonio Pacheco Fiorillo:
Como foi destacado, a responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente é do tipo objetivo, em decorrência de o art. 225, § 3º, da Constituição Federal preceituar a “...obrigação de reparar os danos causados” ao meio ambiente, sem exigir qualquer elemento subjetivo para a configuração da responsabilidade civil.[6]
Assim, a reparação civil dos danos ambientais pode consistir em indenização dos danos causados, reais ou presumidos, ou na restauração do que foi poluído, destruído ou degradado, caso seja possível. Sendo a responsabilidade preventiva ou repressiva.
Ocorrendo lesão ao meio ambiente, surge para o causador o dever de indenizar o dano patrimonial (ou material) e o dano moral causados.
Para Flávio Tartuce:
Os danos patrimoniais ou materiais constituem prejuízos ou perdas que atingem o patrimônio corpóreo de alguém. Pelo que consta dos arts. 186 e 403 do Código Civil [Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.] não cabe reparação de dano hipotético ou eventual, necessitando tais danos de prova efetiva, em regra.[7]
Já quanto aos danos morais, temos que:
A responsabilidade dos danos imateriais é relativamente nova em nosso País, tendo sido tornada pacífica com a Constituição Federal de 1988, pela previsão expressa no seu art. 5º, V e X [V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;].
A melhor corrente categórica é aquela que conceitua os danos morais como lesão a direitos da personalidade, sendo essa a visão que prevalece na doutrina brasileira.[8]
Quanto aos elementos que compõem o dano, destaca Tartuce, citando Maria Helena Diniz:
Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos, a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade.[9]
Na jurisprudência proliferam acórdãos acerca de indenização por danos materiais e morais proveniente de dano ambiental, como por exemplo:
INDENIZAÇÃO - PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA - DANO MORAL E MATERIAL - MEIO AMBIENTE - POLUIÇÃO EM AÇUDES DE PROPRIEDADE DO AUTOR COMPROVADA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - LITIGÂNCIA MÁ-FÉ AFASTADA. Tendo em vista o caráter continuado dos atos de poluição, não há que se falar em prescrição trienal. Restando demonstrado nos autos que a Companhia de Saneamento de Minas Gerais permitia que dejetos escoassem pelas tubulações até as bacias hidrográficas, chegando, em consequência, aos açudes do requerente, que, por isso, tornaram-se impróprios para a pesca e recreação, patente a existência do dano, bem como do fato administrativo e do nexo de causalidade entre esses dois elementos, caracterizando o dever de indenizar. Não há que se falar em condenação nas penalidades relativas à litigância de má-fé se não restou comprovada a atitude dolosa da parte caracterizadora do ilícito processual permissivo a que se faça incidir a prescrição do artigo 17 do Código de Processo Civil.[10]
Além da indenização por lesão ao meio ambiente, cabe a cumulação da mesma por dado a particular, como mostra o exemplo abaixo:
DIREITO AMBIENTAL - LESÃO AO MEIO AMBIENTE E A PARTICULAR - DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO - FATO NOTÓRIO - VALOR DO QUANTUM REPARATÓRIO - ARBITRAMENTO DO VALOR PELO MAGISTRADO. Tratando-se de danos ambientais a responsabilidade é objetiva dada sua proteção constitucional e a natureza dos mesmos, portanto, independe o dever de reparação da demonstração de culpa, necessária apenas a demonstração dos danos e do nexo destes com a conduta praticada, facilitada a verificação quando se trata de fato notório em razão da ampla divulgação na imprensa. A fixação do valor pecuniário de indenização a título de danos morais ao particular, decorrente de dano ambiental de responsabilidade da empresa, deve ser realizada pelo Magistrado, levando-se em consideração as circunstâncias do fato, a condições da vítima e a extensão dos prejuízos gerados.[11]
Conforme se constata nos exemplos acima, a indenização por lesão ao meio ambiente recebe a devida atenção do Poder Judiciário.
2 Responsabilidade penal ambiental
O crime constitui objeto de estudo da teoria do delito, a qual busca indetificar os elementos que integram a infração penal.
Conceitualmente, vigora o chamado conceito analítico de crime, conforme defendido por Rogério Greco:
No Brasil, não existe um conceito legal de crime, ficando esse conceito a cargo da doutrina.
[...]
Adotamos, portanto, de acordo com essa visão analítica, o conceito de crime como o fato típico, ilícito e culpável.[12]
Ou seja, de acordo com o conceito analítico, crime é um fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável. Deste conceito, extraímos os elementos que compõem o crime, sendo o primeiro, o fato típico:
O fato típico, segundo uma visão finalista, é composto dos seguintes elementos:
a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva;
b) resultado;
c) nexo de causalidade, entre a conduta e o resultado;
d) tipicidade (formal e conglobante).[13]
O segundo elemento é a ilicitude:
A ilicitude, expressão sinônima de antijuridicidade, é aquela relação de contrariedade, de antagonismo, que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude ou a juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal [em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito].[14]
O terceiro e último elemento é a culpabilidade:
Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabibilidade, de acordo com a concepção finalista por nós assumida:
a) imputabilidade;
b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato;
c) exibilidade de conduta diversa.[15]
Assim, de acordo com Zaffaroni, citado por Rogério Greco:
“delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária ao ordenamento jurídico (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que atuasse de outra maneira nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável).[16]
O conceito acima se aplica ao Direito Ambiental, quando da ocorrência do dano (infração ambiental), sendo que, diferente da civil objetiva, ou seja, sem a necessidade de comprovação de culpa, a responsabilidade penal ambiental é subjetiva, carecendo de tal comprovação para a sua caracterização, dada a maior gravidade da penalização, bem como do princípio da intervenção penal mínima do Estado.
Quanto à distinção entre as modalidades de responsabilidade ambiental, esclarece Fiorillo:
A distinção fundamental, trazida pelos doutrinadores, está baseada numa sopesagem de valores, estabelecida pelo legislador, ao determinar que certo fato fosse contemplado com uma sanção penal, enquanto outro com uma sanção civil ou administrativa. Determinadas condutas, levando-se em conta a sua repercussão social e a necessidade de uma intervenção mais severa do Estado, foram erigidas à categoria de tipos penais, sancionando o agente com multas, restrições de direito ou privação de liberdade. A penalidade da pessoa jurídica foi um dos avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988.[17]
A responsabilidade penal ambiental foi trazida a lume pela Constituição Federal de 1988:
Art. 225 [...]
[...]
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.[18]
E reafirmada na Lei nº 9.605/98, conforme artigos abaixo:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.[19]
Os crimes ambientes são tema recorrente na jurisprudência, por exemplo:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME AMBIENTAL - APELAÇÃO DA DEFESA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - APELAÇÃO MINISTERIAL - CONDENAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. RECURSO DA DEFESA NÃO PROVIDO E RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. - Por apresentar todas as formalidades legais e possibilitar a defesa eficaz dos réus, não há que se falar em inépcia da denúncia. - Estando cabalmente demonstradas a autoria e a materialidade pelo conjunto probatório, inclusive com a confissão do réu, não há como absolver os acusados. - O art. 225, § 3º, da CF, acompanhado do art. 3º da Lei 9.605/98, encerra a discussão sobre a legalidade e legitimidade das pessoas jurídicas na esfera criminal. - Recurso da defesa não provido e recurso ministerial provido.[20]
Crime em unidade de conservação:
APELAÇÃO - CRIME AMBIENTAL - CORTE NÃO AUTORIZADO DE ÁRVORES EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL - ARTIGOS 40 E 46 DA LEI 9.605/98 - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO - ESPECIAL FIM DE AGIR NÃO CARACTERIZADO - ABSOLVIÇÃO.[21]
Aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais:
APELAÇÃO - CRIME AMBIENTAL- FLORA- PEQUENA ÁREA DESMATADA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - MEIO AMBIENTE - BEM DE USO COMUM E ESSENCIAL - CUSTAS PROCESSUAIS - ISENÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 10, INCISO II, DA LEI ESTADUAL Nº 14.939/03 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Impossível falar em absolvição pela incidência do princípio da insignificância, se o referido princípio não encontra assento no ordenamento jurídico pátrio. O meio ambiente- notadamente a flora- é bem de uso comum e essencial, dessa forma, o dano a ele provocado atinge toda uma coletividade, razão pela qual não pode ser considerado insignificante. Tratando-se o réu de hipossuficiente, assistido pela Defensoria Pública, deve ser isentado do pagamento das custas processuais, nos termos do art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/03. Recurso provido em parte.[22]
Acerca do conteúdo probatório:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME AMBIENTAL - APELAÇÃO DA DEFESA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - APELAÇÃO MINISTERIAL - CONDENAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. RECURSO DA DEFESA NÃO PROVIDO E RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. - Por apresentar todas as formalidades legais e possibilitar a defesa eficaz dos réus, não há que se falar em inépcia da denúncia. - Estando cabalmente demonstradas a autoria e a materialidade pelo conjunto probatório, inclusive com a confissão do réu, não há como absolver os acusados. - O art. 225, § 3º, da CF, acompanhado do art. 3º da Lei 9.605/98, encerra a discussão sobre a legalidade e legitimidade das pessoas jurídicas na esfera criminal. - Recurso da defesa não provido e recurso ministerial provido.[23]
Crime permanente na esfera ambiental:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIMES AMBIENTAIS - DELITOS DE CONSUMAÇÃO PERMANENTE - PRESCRIÇÃO - NÃO OCORRÊNCIA. - Os delitos pelos quais o recorrente foi denunciado (artigos 38 e 48, da Lei 9.605/98) são de natureza permanente, isto é, sua consumação se prolonga no tempo. - Sendo assim, prevalece o disposto no art. 111, III, do CPB, segundo o qual, nos crimes permanentes, a prescrição da pretensão punitiva estatal começará a correr no dia em que cessar a permanência. - Recurso não provido.[24]
Percebe-se, como visto, a proliferação de julgados penais na seara ambiental, pelo que se destaca a importância de uma legislação consistente a respeito do tema.
3 Responsabilidade administrativa ambiental e o exercício do poder de polícia: A PNMA e os órgãos do SISNAMA
A terceira modalidade de responsabilidade ambiental, a administrativa, foi também prevista no já referido artigo 225, § 3º, da Constituição Federal.
Para Fiorillo:
Sanções administrativas são penalidades impostas por órgãos vinculados de forma direta ou indireta aos entes estatais (União, Estados, Municípios e mesmo Distrito Federal), nos limites de competências estabelecidas em lei, com o objetivo de impor regras de conduta àqueles que também estão ligados à Administração no âmbito do Estado Democrático de Direito. As sanções administrativas, conforme orientação de doutrina tradicionalmente vinculada ao denominado “direito público”, estão ligadas ao denominado poder de polícia enquanto atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público vinculado à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou mesmo respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.[25]
As sanções administrativas encontram-se disciplinadas na Lei nº 9.605/98, especialmente em seus artigos 70 a 76, sendo que naquele encontramos a definição de infração administrativa ambiental, como sendo “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
A referida Lei encontra-se atualmente regulamentada pelo Decreto nº 6.514/08, o qual pormenoriza as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, além de estabelecer o processo administrativo federal para apuração destas infrações.
A responsabilização administrativa, assim como as demais, requer que seja proporcionado ao acusado o direito ao contraditório e da ampla defesa. Assim, temos o exemplo abaixo:
RECURSO - MINISTÉRIO PÚBLICO - FISCAL DA LEI. A interposição do recurso pelo Ministério Público, após haver emitido, na origem, parecer que não veio a ser acolhido, pressupõe a configuração de ilegalidade. PROCESSO ADMINISTRATIVO - DIREITO DE DEFESA - OBSERVÂNCIA. Instaurado o processo administrativo e viabilizado o exercício do direito de defesa, com acompanhamento inclusive por profissional da advocacia, descabe cogitar de transgressão do devido processo legal. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA E PENAL. As esferas são independentes, somente repercutindo na primeira o pronunciamento formalizado no processo-crime quando declarada a inexistência do fato ou da autoria. PROCESSO ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE - PENA. Apurada a improbidade administrativa, fica o servidor sujeito à pena de demissão - artigo 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90.[26]
Também se manifesta o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. TEMPUS REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE 20%. SÚMULA 07 STJ. [...] 2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo.[27]
Para dar cumprimento à legislação ambiental, exercendo o competente poder de polícia, existe o SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente, criado pela Lei 6.938/81, na qual em seu artigo 6º encontramos:
Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado:[28]
Legitimando a atuação do SISNAMA, a Lei 9.605/08 dispõe em seu artigo 70 que:
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.[29]
Além de criar o SISNAMA, a Lei 6.938/81 definiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA):
Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:[30]
Conforme o artigo 4º da lei supra, Política Nacional do Meio Ambiente visará:
I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;
II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;
IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;
V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;[31]
E ainda:
VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.[32]
Para atingir o objetivo e os princípios propostos pelo PNAM, o SISNAMA encontra-se dividido em diversos órgãos, conforme incisos do artigo 6º da Lei 6.938/81.
Assim temos:
I - órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;
II - órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;
III - órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;[33]
Além de órgão executor, órgãos seccionais e locais:
IV - órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;
V - Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;
VI - Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;[34]
Como visto, através das diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente, e da legislação ambiental aplicável, os órgãos do SISNAMA atuam de forma preventiva e repressiva para proteger o meio ambiente.
CONCLUSÃO
Do exposto, conclui-se que a responsabilidade ambiental pode apresentar-se como civil, penal ou administrativa, de acordo com o regime jurídico aplicável.
Havendo processo judicial para apuração da infração, ocorrerá a aplicação de sanção civil ou penal, a primeira com consequências patrimoniais e a segunda com limitação da liberdade, perda de bens, multa etc. Em caso de procedimento administrativo, penalidade administrativa.
REFERÊNCIAS
[1] BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 118.
[3] Ibidem, p. 53-54.
[4] TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. AC 2000.36.00.010623-5/MT, Rel. Desembargador Federal FAGUNDES DE DEUS. Publicado em 22 de setembro de 2009. Acesso em 27 de outubro de 2011.
[5] TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. AC 0002849-52.2006.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal JOÃO BATISTA MOREIRA . Publicado em 23 de setembro de 2011. Acesso em 27 de outubro de 2011.
[6] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 130-131.
[7] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 425.
[8] Ibidem, p. 428.
[9] DINIZ apud TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 410.
[10] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 0011002-92.2005.8.13.0441, Rel. Desembargadora TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO. Publicado em 13 de abril de 2011. Acesso em 27 de outubro de 2011.
[11] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 0892110-14.2008.8.13.0439, Rel. Desembargador FERNANDO CALDEIRA BRANT. Publicado em 11 de fevereiro de 2011. Acesso em 27 de outubro de 2011.
[12] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2008, p. 37.
[13] Ibidem, p. 38.
[14] Idem.
[15] Ibidem.
[16] ZAFARRONI apud GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2008, p. 38.
[17] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 144.
[18] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988.
[19] BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
[20] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 0829633-23.2006.8.13.0342 Rel. Desembargador FLÁVIO LEITE. Publicado em 01 de abril de 2011. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[21] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 0201429-73.2007.8.13.0280. Rel. Desembargador PAULO CÉZAR DIAS. Publicado em 17 de maio de 2011. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[22] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 1071944-64.2005.8.13.0056. Rel. Desembargador AGOSTINHO GOMES DE AZEVEDO. Publicado em 01 de abril de 2011. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[23] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 0829633-23.2006.8.13.0342. Rel. Desembargador FLÁVIO LEITE. Publicado em 01 de abril de 2011. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[24] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 6042883-36.2009.8.13.0702. Rel. Desembargador EDIWAL JOSE DE MORAIS. Publicado em 01 de abril de 2011. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[25] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 133-137.
[26] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS 24293 / DF, Relator Ministro MARCO AURÉLIO. Publicado em 28 de outubro de 2005. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[27] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1090968 / SP, Relator Ministro LUIZ FUX. Publicado em 03 de agosto de 2010. Acesso em 30 de outubro de 2011.
[28] BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981.
[29] BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
[30] Ibidem.
[31] BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
[32] BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981.
[33] Idem.
[34] Ibidem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Marcelo Viana de. A tríplice responsabilidade por danos causados ao meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2012, 08:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31700/a-triplice-responsabilidade-por-danos-causados-ao-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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