RESUMO: O presente Artigo pretende fazer uma viagem histórica desde a chegada dos europeus no território brasileiro, até a atualidade. A exploração da terra e da natureza para fins comerciais, a estrutura fundiária organizada pela coroa portuguesa, as doações de terra a alguns nobres amigos do Rei, em Capitanias Hereditárias, as redistribuições de terras pelos donatários formando o latifúndio, as concessões de uso de terra a introdução de leis. É interessante notar que todas as terras da colônia, até mesmo pós independência, não era de um dono em particular, mas , pertenciam a Estado, ou seja, eram terras públicas. Os fazendeiros tinham apenas a concessão de uso, mas, não o direito de propriedade. Está legalização da propriedade pública para propriedade privada só veio a ocorrer com a introdução da Lei 601 de 18 de Setembro de 1850. A partir dai, a onda privatista ganha espaço, ganhando força e tipificação jurídica a partir das revoluções burguesa. O proprietário era dono absoluto de sua propriedade, podia fazer com ela o que bem quisesse, sem interferências. Mas, contestações sociais contra a esse tipo de organização começa a surgir, tanto que, até a Igreja católica, uma instituição conservadora começa a falar em função social da propriedade, tendo o maior defensor dessa teoria aquele que fez germinar o socialismo científico. Porém, a teoria só ganha adesão constitucional a partir das Constituições do México e de Weimar. A Constituição brasileira de 1988 adere à função social da propriedade, contudo é constantemente desrespeitado tanto pelos administradores brasileiros quanto por julgados de juízes. Restando aos movimentos sociais a pressão e a luta para a conquista da terra prometida na Carta Magna.
PALAVRA- CHAVE: Propriedade privada, Lei, Função social da propriedade, justiça social.
1-INTRODUÇÃO
A chegada do europeu colonizador significou a construção de um sistema agrário com objetivos de colonização, apoderando- se dos bens existentes, especialmente a terra e os recursos naturais. Nesse conflito que se estabeleceu à força da pólvora e do controle ideológico da religião, impôs- se uma derrota aos povos que aqui viviam, e, Portugal passou então a gerir os bens da natureza de acordo com suas leis.
A primeira forma de distribuição de terras foram as Capitanias Hereditárias, concessão de uso em que a coroa destinava grandes extensões de terras a donatários amigos e prestadores de serviços à coroa. Algumas pessoas recebiam extensões de terras, em concessão de usos, para exploração. Os donatários tinham o direito de repartir e redistribuir parcelas de terras a eles concedidas a outros que lhes interessasse, para viabilizar o aumento da exploração. A exploração dessas áreas interessava muito a coroa, pois significava produzir para a exportação, aumento de comercio de escravos, aumento de tributos.
2- DESENVOLVIMENTO
Ao longo do período colonial até o final do século XIX, prevaleceu esse sistema em que a terra era um bem da coroa portuguesa, com concessão de uso para aqueles que se dispusesse a explorá-la. Com o passar do tem e, sobretudo a partir da instalação da coroa portuguesa no Brasil, em 1808, o Brasil passou por Brandes transformações sociais, a luta dos escravos crescia, intensificavam- se as pressões externas e internas contra o tráfico de africanos. Preocupada com essas pressões e percebendo a inevitabilidade da libertação dos escravos, o Brasil agora independente, tratou de legislar sobre a aquisição de terras no Brasil, de forma a garantir que a posse e a propriedade da terra mantivessem o caráter mais restrito possível.
Foi dentro desse contexto que D. Pedro II, promulgou a lei 601 de 18 de setembro de 1850, conhecida como a primeira Lei de Terras do Brasil, a qual definiu a forma como seria construída a propriedade privada da terra no Brasil. Já que até aquele momento o direito a propriedade era reservado para a coroa. Os usuários detinham apenas concessão de uso e não da propriedade legal.
Assim, a Lei de 1850, determinava que somente poderia ser considerado proprietário de terra quem legalizassem suas terras em cartórios oficiais, pagando certa quantia em dinheiro a coroa. Essa lei descriminou os pobres e impediu que os escravos, ao serem libertados, pudessem ter acesso as terras públicas. Pois, nem os pobres, nem os negros, tinham recursos para pagar a coroa.
A principal consequência da Lei de Terras de 1850, é que ela manteve os pobres e negros na condição de sem- terras e, por outro lado, legalizou agora como propriedade privada, as grandes extensões de terra, na forma de latifúndio.
Com a era das revoluções em especial a Revolução Francesa, embora surgida com o propósito de modificar as estruturas feudais até então vigentes, apenas serviu para modificar a titularidade da figura dominante da propriedade de terra: dos suseranos e clero, para os novos- ricos comerciantes e industriais, porque o exercício pessoal e exclusivo da propriedade continuou. Agora, pós- revoluções, a propriedade privada ganhava foro de obediência jurídica, graças ao código civil francês, conhecido como código de napoleônico. Seguindo a mesma linha de pensamento a Constituição imperial brasileira, o artigo 179, resguardou a forma absoluta o direito de propriedade, que se manteve juridicamente inalterado na Constituição republicana de 1891, constante no seu artigo 72, § 17, ou seja, a função individual ou privada da propriedade continuava presente, tanto que, no código civil de 1916, no artigo 524 ainda garantia ao proprietário, o direito de usar, gozar de seus bens sem estabelecer qualquer limite no exercício desse direito.
Porém, ainda na Idade Média, precisamente no século XII, Santo Tomás de Aquino, afirmava: “Cada coisa alcança sua colocação ótima quando é ordenada para o seu próprio fim” (AQUINO, P. 158, 1998). Surgia, em plena Idade Média, o embrião da doutrina da função social da propriedade. Séculos depois o Papa João XXIII, na encíclica: (Mater Et Magistra), externou o pensamento da igreja neste novo momento histórico- social, “Ao direito de propriedade privada sobre os bens estará intrinsecamente inerente uma função social” (INCICLICAS, p.311. 2005).
A função social da propriedade ganha seu maior defensor, Karl Marx, ao escrever a sua principal obra ”O Capital”, questionou profundamente a propriedade privada.
No campo específico do Direito, a doutrinas ganhou espaço como princípio constitucional na Constituição Mexicana de 1917, e posteriormente, na Constituição de Weimar de 1919.
Em síntese a função social da propriedade ganha escopo na realização de bem comum, quer dizer que o Estado, ao ter como objetivo o bem comum, jamais poderá sacrificar nenhum dos direitos fundamentais do ser humano, que em princípio deve primar pela prevalência do interesse coletivo sobre o individual.
Na Constituição brasileira de 1988, no seu artigo 5°, declara que toda propriedade privada deve ter função social. Para os doutrinadores brasileiros a propriedade da terra desempenha sua função social quando, simultaneamente:
1. Favorece o bem- estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de sua família:
2. Mantém níveis satisfatórios de produtividade:
3. Assegura a conservação dos recursos naturais:
4. Observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam.
Embora a função social da produtividade seja, hoje, mandamento constitucional, ainda se observa nos julgados jurisprudenciais a preservação cega do direito privatista. Para Duguit “A propriedade privada é protegida pelo Direito, mas ela não é um Direito, é uma coisa. Uma realidade econômica e não uma realidade jurídica” ( DUGUIT, p. 49, 2001).
Modernamente necessário é subordinar o direito de propriedade a utilidade pública, pois, as desapropriações por interesse sociais resultam do conceito de função social da propriedade, como bem preceitua o artigo 184 da Carta Democrática.
Neste diapasão, observa- se que nem os preconceitos constitucionais, tão pouco o Estatuto da Terra, são respeitados pelos administradores brasileiros. Distorcem o artigo 176, da Constituição Federal, primando pelo desenvolvimento econômico, optam pela propriedade privada em espécie de latifúndio. Esse conceito de desenvolvimento econômico vem provocando na América Latina, em especial no Brasil, distorções que explicam o surto crescente da pobreza, a concentração de renda as disparidades entre ricos e pobres nunca estiveram tão explicitas quando na atualidade; tudo isso tem origem em nosso passado histórico e na falta de vontade política.
2-CONCLUSÃO
É verdade, desenvolvimento econômico e bem-estar devem caminhar juntos, para tanto, a Carta Constitucional de 1988, precisa ser observada, com os interesses particulares subordinados aos interesses coletivos, para tanto, uma ampla Reforma Agrária, com apoio técnico e financeiro se impõe, só assim teremos justiça social no campo, caso contrário não resta outra alternativa aos movimentos sociais que não a pressão, as ocupações massivas de terras na luta pala Reforma Agrária. Só com muita mobilização social e provocação dos poderes públicos é que a Lei, a constituição será cumprida e as desapropriações acontecerão.
VADE MECUM, Obra coletiva de autoria da editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 4ª, ed, atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. Vol.1.5.ed. revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2007.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
http//: www.enciclicaspapal.com.br: disponível em 01/06/2009
http//: www.teologosdaigreja.com: disponível em 30/04/2009
Licenciado em História, Pós-graduado em História e Cultura Afro-Brasileira; Professor da Educação básica, Bacharelando em Direito pela Faculdade AGES de Paripiranga.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LELES, José Sólon. O germinar dos problemas sociais a partir do desrespeito a função social da propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2012, 07:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31849/o-germinar-dos-problemas-sociais-a-partir-do-desrespeito-a-funcao-social-da-propriedade. Acesso em: 23 dez 2024.
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