Resumo: Considerações sobre as formas de intervenção do Estado, suas restrições em relação ao particular, reforma agrária, indenizações, comparativo entre doutrinas e entendimentos jurisprudenciais.
Abstract: Considerations on the forms of state intervention, its restriction to the particular doctrines and understandings comparative jurisprudence.
Sumário: Introdução, 1. Propriedade e Função social, 2. Modalidades de Restrições do Estado ao Direito de Propriedade do Particular, 2.1. Limitação Administrativa, 2.2. Servidão Administrativa, 2.3. Ocupação Temporária, 2.4. Requisição Administrativa, 2.5. Tombamento, 2.6. Desapropriação, 3. Visão doutrinária, Conceitos, 3.1. Desapropriação e suas fases. 3.2. Desapropriação para fins de reforma agrária. Conclusão.
Sumary: Introduction 1. Property and Social Function, 2. Restrictions on the modalities of the state's Private Property Rights, 2.1 Administrative Limitation, 2.2. Easement Administrative, 2.3.Temporary Occupation, 2.4. Request Administrative 2.5. Tipping, 2.6 Expropriation, 3. Doctrinal views, concepts, 3.1. Expropriation and its phases, 3.2. Expropriation for agrarian reform purposes. Conclusion.
Palavras-chave: função social, desapropriação, propriedade privada.
Keywords: social function, expropriation, private property.
Introdução
Este trabalho fará breves considerações sobre as intervenções Estatais, as formas como cada restrição atingem o particular, seus procedimentos e indenizações quando couber, como a legislação, doutrina e jurisprudência visualizam essas intervenções e como a Constituição Federal garante ao Estado a não inconstitucionalidade da restrição.
1. Propriedade e Função social
A Constituição Federal no artigo 5° incisos XXII e XXIII, estabelecem como uma das garantias fundamentais, o direito de propriedade, direito esse de uso, e de gozo que vem condicionado a ser cumprida a função social da mesma:
“Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;”
Atualmente, a propriedade deixa de ser um direito absoluto e individual, prevalecendo o princípio da função social da propriedade, previsto também de forma clara na Constituição Federal de 1988:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios;
(...)
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade; ”
Princípio da função social autoriza o Estado sempre que houver necessidade, intervir em propriedade privada com o intuito de adequar o uso da mesma ao interesse público. O poder público de acordo com suas prerrogativas impõe suas normas e limites para que se cumpra a função social da propriedade, podendo o Poder público através de diversas modalidades fazer essa intervenção.
2. Modalidades de Restrições do Estado ao direito de propriedade do particular.
2.1. Limitação Administrativa; limitará o uso da propriedade, restringe esse direito, é uma obrigação de não fazer, o proprietário pode usar, mas de forma restrita, no sentido do que pode ou não fazer com o bem, um exemplo é a construção de um prédio, onde existe um limite de altura para tal o Estado intervêm e regula fiscalizando a propriedade para que não ultrapasse a altura permitida para a construção. Neste caso não há o direito a indenização.
2.2. Servidão Administrativa ou pública; é também uma forma de restrição parcial que o poder público usa, incidindo sobre determinadas propriedades, consiste numa obrigação de tolerar que se faça ou deixe de fazer algo, neste caso o proprietário divide o uso com o Estado. O proprietário cede o uso do bem, mesmo que parcial para que em beneficio coletivo e por necessidade pública o Estado faça cumprir a função social da propriedade. Aqui existe uma indenização, mas não sobre o valor da propriedade, pois não existe perda nem prejuízo, o uso apenas não gera prejuízo. "Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade" (Súmula n° 56 do STJ).
2.3. Ocupação temporária; é restrição que atinge de forma provisória especificamente bens imóveis, e vem da necessidade de o Estado utilizar um imóvel particular por determinado período, com intuito de assim executar obra ou serviço público. Podendo também essa ocupação temporária acontecer em outras situações como as previstas na Lei n°8.666/93, artigo 80, II (Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos); consequência de rescisão unilateral de contrato administrativo, podendo ocupar, utilizar as instalações, equipamentos, material e pessoal, necessários a continuação do estipulado em contrato. A indenização apenas ocorre quando houver efetivo dano ao proprietário.
2.4. Requisição Administrativa; fundada em urgência para atender necessidade coletiva em casos de guerra, por exemplo, em regra a requisição administrativa gera a tomada do bem, necessariamente quando este é fungível, essa intervenção estatal vem fundamentada no artigo 5°, inciso XXV, da Constituição Federal de 1988;
“Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
“XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.”
A indenização é posterior ao uso do bem podendo ou não ocorrer.
2.5. Tombamento; é a restrição da propriedade privada que tem por função específica a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, sendo essa proteção de interesse público, seja ele por estar vinculado a fatos históricos do Brasil ou por seu valor arqueológico, bibliográfico ou artístico. Neste caso é necessário que se faça um procedimento administrativo prévio, verificando-se o valor artístico e histórico do bem, se constatado o valor como patrimônio a ser tombado, será em seguida registrado no “Livro do Tombo.”
2.6. Desapropriação; é a forma de intervenção estatal mais invasiva e abrupta ao direito de propriedade, atingindo diretamente a irrevogabilidade e perpetuação do direito de propriedade. Através da desapropriação o poder público retira de seu proprietário o direito a propriedade assegurado pela constituição federal, para utilidade pública e interesse social, uma manifestação nítida de seu poder de império.
”Artigo 5°, XXIV CF/88 – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”
“XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;”
“XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;”
Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, regulamenta a desapropriação por interesse social;
“Art.1º A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147, da Constituição Federal.”
“Art. 2º Considera-se de interesse social:”
“I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;”
3. Visão doutrinária, Conceitos.
Sobre a desapropriação, vamos nos aprofundar um pouco mais, e compararmos os conceitos dos mais renomados doutrinadores;
“A desapropriação é o moderno e eficaz instrumento de que se vale o Estado para remover obstáculos à execução de obras e serviços públicos”(MEIRELLES, 2011, pág. 650). Ainda Hely Lopes Meirelles, trata desapropriação e expropriação como sinônimos; “Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular para o poder público ou seus delegados (2011, pág.650).”
Já para Celso Antônio Bandeira de Mello "(...) desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estar em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real." (MELLO, 2001, pág.711)
“(...) A desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização.” (DI PIETRO 2011, pág.161)
3.1. Desapropriação e suas fases
A primeira é a fase declaratória, onde há a indicação da efetiva necessidade pública ou utilidade, devendo indicar o sujeito passivo da desapropriação, a descrição do bem e o fundamento legal.
Essa declaração, chamada expropriatória, poderá ser elaborada pelo Poder Executivo através de decreto ou por meio de Lei pelo Poder Legislativo, neste caso o poder executivo deve tomar as devidas providências para que se efetive a desapropriação, sem depender de autorização legislativa, sendo a desapropriação sobre bens públicos é obrigatória a autorização legislativa (Di Pietro, 2011, pág.165). O que para o STF “é inconstitucional, pois entende que o poder executivo invade a competência legislativa da União, e viola o princípio da separação dos poderes, normal distrital no âmbito do Distrito Federal, à aprovação prévia da Câmara Legislativa do Distrito Federal.” (ADI 969/DF, Rel.Min.Joaquim Barbosa, Julgamento em 27-9-06).
A segunda é a fase executória, é feita a fixação do valor da indenização, e a transferência do bem para o domínio do expropriante, ou seja, quando extrajudicialmente ou administrativamente, o particular aceita o valor oferecido, ou ainda judicialmente, o proprietário do bem discorda da indenização oferecida e propõe ação judicial de desapropriação.
3.2. Desapropriação para Fins de Reforma Agrária
Prevista no artigo 184 da CF/88, esta modalidade tem como sujeito passivo imóvel rural, e é tratado como sanção a quem não esteja cumprindo sua função social, já o artigo 185, nos mostra que nem todas as propriedades rurais são suscetíveis de desapropriação, são casos de propriedades pequenas, de uso da família do proprietário e que não possua outras propriedades;
“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”
A prévia indenização será feita em títulos da divida agrária, que podem ser resgatáveis por até 20 anos, contendo cláusula de preservação do valor, sendo as benfeitorias úteis e necessárias indenizadas em dinheiro de acordo com o § 1° deste mesmo artigo.
“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social.”
Assim garante também o artigo 5° da CF/88
“XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;”
Autorizada através de decreto a União pode propor a ação de desapropriação, sendo a mesma é executada pelo INCRA.
Em decisões pelo STJ fica visível, que a improdutividade e a não utilização do bem para fim social gera a desapropriação e como são calculados os juros compensatórios para indenização do proprietário particular;
"A eventual improdutividade do imóvel não afasta o direito aos juros compensatórios, pois esses restituem não só o que o expropriado deixou de ganhar com a perda antecipada, mas também a expectativa de renda, considerando a possibilidade do imóvel ser aproveitado a qualquer momento de forma racional e adequada, ou até ser vendido com o recebimento do seu valor à vista ( R.Esp. 1.116.364/PI, Primeira Seção, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 26/5/2010).”
A lei n° 8629, de 25 de fevereiro de 1993, apresenta a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária;
“Art. 1º Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal;”
“Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.”
“§ 1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.”
Conclusão:
A Constituição Federal de forma inteligente garante a todos o direito de propriedade, mas condicionando a uma liberdade em que o cidadão use o bem não pensando no individual, mas na coletivamente, atingindo sua função social. Nesse sentido a legislação não deixa espaço para que ocorram disparidades, apesar de sabermos que ainda estamos longe de atingir de forma uniforme a função social de cada um, o Estado com suas prerrogativas e poder, vem para intervir e restringir essa liberdade condicionada, ficando mais perceptível em desapropriações para fins de reforma agrária, onde vemos o princípio da função social agir com toda sua força.
Referências:
Lopes Meireles, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 37ª Edição. São Paulo: Ed. Malheios, 2011.
Di Pietro, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 24ª Edição. São Paulo: Ed. Atlas. 2011.
Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13° edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
Júnior, Dirley da Cunha. Curso de Direito Administrativo. 10° edição, Salvador, Bahia: Editora Juspodivm, 2011.
Autor desconhecido. STJ consolida jurisprudência sobre reforma agrária. Lei dos homens. 26.03.2012. Disponível em:<http://www.leidoshomens.com.br/index.php/noticias/stj-consolida-jurisprudencia-sobre-reforma-agraria/> Acesso em 20.06.2012.
STJ consolida jurisprudência que disciplina a reforma agrária no país. STJ. 25.03.2012. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105153> Acesso 20.06.2012.
STJ – Desapropriação para fins de reforma agrária. Jurisway.17.08.2012. Disponível em : <http://www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=27&idmodelo=20153> Acesso em 20.06.2012.
Lei n° 4.132 de 10 de setembro de 1962. Desapropriação por interesse social. MP.BA .Disponível em:<http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/legislacoes/conservacao/lei_4132_62.pdf> Acesso em 20.06.2012.
Lei n° 8.629 de fevereiro de 1993, disposições Relativas a reforma agrária. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm> Acesso em 21.06.2012.
Acadêmica do Curso de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIOTO, Nadia Terra Rosa. Intervenção do Estado sobre a propriedade privada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2012, 09:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31903/intervencao-do-estado-sobre-a-propriedade-privada. Acesso em: 23 dez 2024.
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