RESUMO: O presente artigo tem por finalidade abordar o protesto por novo júri na obra de Boris Fausto, O Crime do Restaurante Chinês, o episódio central da obra é a abertura de caminhos mais amplos, sejam eles entre outros o funcionamento do aparelho policial e judiciário, o racismo, a discussão da natureza da criminalidade, como também o perfil do criminoso, a veemência das provas e a confissão do suposto autor do crime Arias de Oliveira. A barbaridade do crime que abalou o Brasil nos anos 30 fez com que esse julgamento tivesse a época uma atenção especial, ferindo alguns princípios, no entanto relacionarei esse fato com a obra de Kafka o processo, onde o personagem era processado pelo crime que ao menos tinha ciência.
PALAVRAS-CHAVE: Provas; Confissão; Princípios; Tribunal de Júri;
A origem do Tribunal do Júri remonta às leis mosaicas, em que pese querer-se atribuir a sua origem ao Tribunal dos Heliastas, ou dos Diskatas, na Grécia antiga. Tal pretensão pertence à corrente heleista. Na verdade, o Tribunal Popular sempre foi o foro para o julgamento de crimes. Inicialmente de forma oral, passando à forma escrita. Os princípios fundamentais desta instituição, com suas características e formas processuais são originárias da lei mosaica.
Muitas características do direito criminal hodierno já eram conhecidos e praticados pelos hebreus. As formas eram fielmente observadas, conforme já se disse, muito antes de serem escritas em livros que perpetuaram. O pensamento fundamental do Júri, o seu princípio orgânico, a idéia mater, veio dos hebreus, atravessou os séculos e permaneceu na atualidade.
Assim é o Júri. Passou pela tradição oral e pelas leis escritas. Assumiu um lugar proeminente no Pentateuco. Passou por civilizações que se perpentuaram, renasceram ou fertilizaram-se em novas sociedades. A maioria delas soube resistir às violências das revoluções e aos embates das reações do tempo.
A Constituição Federal de 1988 restabeleceu de forma clara e precisa a soberania do tribunal do Júri, ao dispor no artigo 5°, XXXVIII: “É reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos; a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
A Constituição Federal de 1988 foi bem ampla. É muito mais democrática e bem clara ao estabelecer os princípios basilares de funcionamento dessa instituição.
O protesto por novo Júri era um recurso exclusivo da defesa, consistindo no simples pedido de reexame do julgamento do tribunal popular diante da aplicação de pena de reclusão igual ou superior a vinte anos. Torna inexistente o primeiro julgamento mas não interferia com a sentença de pronuncia ou com o libelo-crime acusatório. Essa característica, de tornar inexistente o julgamento anterior, invalidava qualquer outro recurso interposto cobre o mesmo objeto. Isso não impedia, porém, a apelação do réu ao Ministério Público quando ao delito conexo em que cabia o protesto.
Em virtude da Lei n. 11.689/2008, foram extintos os artigos 607 e 608 do Código de Processo Penal.
2. O TRIBUNAL DO JÚRI:
O Júri no Brasil foi instituído através da lei, em 18 de junho de 1822. seu objetivo era o julgamento dos crimes de imprensa e dos crimes políticos. Sua composição era de 24 juízes de fato, escolhidos entre os cidadãos honrados e de ilibada conduta moral. É de vital importância o reconhecimento dos crimes que são apreciados e julgados pelo Tribunal do Júri, sendo assim, é sabido que são apreciados pelo Tribunal os crimes dolosos contra a vida, bem como homicídio, infanticídio, aborto e auxílio ao suicídio. Tais crimes são de um grande valor moral para a sociedade e quando estes passam a ter grande repercussão pela mídia a sociedade luta a todo custo para obter uma explicação imediata para o ocorrido.
É bem verdade que os crimes escolhidos para apreciação da mídia muitas vezes por obterem uma pressão maior da sociedade acabam contradizendo na sua maioria com a realidade fática. Pode-se afirmar que há três princípios básicos no tribunal ou conselho, quais são: o sorteio para a escolha dos juízes; o julgamento dos cidadãos pelos pares e o voto de consciência.
3. RELAÇÃO ENTRE O PROCESSO DE KAFKA E O CRIME DO RESTAURANTE CHINES:
O livro o Processo fornece várias matérias e diversos temas entre eles aborda a questão da justiça ou melhor, a injustiça feita com Josef K. A existência da injustiça é indicada pelo fato de que o homem que mostra em seus atos as outras formas de deficiência moral, de fato age de forma errada, mas não graciosamente, o homem que, combate, atira ao chão o seu escudo por covardia, que fala asperamente por mau humor.
Nesse sentido é injusto quando a obra relata que existe um processo judicialmente movido contra o Josef K. a qual ele jamais terá acesso e fundado em uma acusação que ele jamais conhecerá. Podemos então de cara perceber que um ponto forte sobre a obra é a questão da lei dos homens. De fato, a lei nos manda praticar todas as virtudes e nos proíbe de praticar qualquer vício, e o tende a produzir a virtude como um todo são aqueles atos prescritos pela lei visando à justiça para o bem comum. Não podemos deixar de perceber que a obra faz uma crítica ao sistema judiciário e como a justiça é falha. Portanto, devemos falar da justiça e da injustiça particulares, e igualmente a respeito do justo e do injusto.
Apesar da obra relatar a historia há tempos atrás, o tema torna-se atual, onde provoca várias discussões e questionamentos a respeito da situação de Josef K. onde fazendo um paralelo sobre os dias atuais fica evidente a falta dos princípios processuais, constitucionais e principalmente os direitos individuais pelo qual o personagem não teve, ficando a mercê de um sistema controlado pelo poder. Poder esse que deveria sempre fazer justiça seja como for, pois a justiça constitui uma parte da virtude.
A obra é de fácil compreensão e clareza, com diversas interpretações e lacunas, misturando a realidade com a ficção, tendo muitos e antigos leitores, ao passo que pode produzir bons resultados para uns, ou, de outro lado maus resultados. Cabe ao olhar no que vai se interpretar, seja sob todos os ângulos das várias visões jurídicas e culturais.
É uma obra valorizada e recomendada pela tradição jurídica. Enfim como já foi dito é uma leitura de várias interpretações e com algumas lacunas para que o leitor possa se envolver mais na história, sendo criativo e imaginado como e porque surgiu esse processo na vida do personagem.
4. PRINCÍPIO DO REFORMATIO IN PEJUS:
No que diz respeito ao princípio do Reformatio in pejus o artigo 617 do Código de Processo Penal lhe é vedada, ou seja, havendo recurso apenas por parte da defesa, o tribunal não pode proferir decisão que torne mais gravosa sua situação, ainda que haja erro evidente na sentença. É o que se chama de proibição da reformatio in pejus direta. O protesto por novo Júri é um favor dispensado a liberdade. Já no Reformatio in pejus indireta, se for anulada certa decisão em decorrência de recurso exclusivo da defesa, no novo julgamento o juiz não poderá tornara situação mais gravosa do que aquela proferida na decisão inicial. Trata-se de criação doutrinária e jurisprudencial que visa evitar que o réu possa acabar tendo pena maior apenas por ter recorrido da primeira decisão.
Nesse sentido o princípio em exame não é aplicado aos jurados no âmbito do tribunal do júri, pois estes, nos veredictos gozam de soberania. Entende-se que havendo anulação do julgamento pelo júri, no novo plenário os jurados poderão reconhecer crime mais grave, caso o acusado apele e o tribunal anule o julgamento.
5. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS:
No Tribunal do júri popular onde são decididos os crimes dolosos contra a vida os jurados têm independência e soberania pra julgar os crimes. O juiz fica impossibilitado de reforma qualquer decisão que os juízes leigos, no caso os jurados tenha decidido, buscando assegurar ao júri a palavra e a vontade de cada um de fazer justiça. Contudo pode haver uma revisão do mérito da causa ou mesmo uma apelação.
Na Constituição Federal de 1937 o governo de Getulio Vargas não contemplou a soberania do júri, sendo esta definitivamente extinta na época. Máxime por intermédio do advento do decreto n° 167, que alterava definitivamente a sagrada instituição do júri, regulamentada de molde a subtrair-lhe a soberania de suas decisões. Pois bem. Na Constituição Federal de 1937, facultava-se a apelação sobre o mérito, conferindo poder ao Tribunal de Apelação pra reformar a decisão do júri, inclusive aplicando pena, modificando-a ou decidindo pela absolvição.
Não é necessário perceber que essa aberração jurídica teve efeitos deletérios nos julgamentos do Tribunal do Júri, transformando-se em fonte inesgotável de erros judiciários.
A sentença absolutória representava apenas uma primeira vitória.A recente legislação que regulava o processo pelo Tribunal do Júri decreto lei n° 167, de 5 de janeiro de 1938 admitia apelação da decisão do conselho de sentença, caso de ocorrer nulidade posterior à pronuncia, ou injustiça da decisão, por sua completa divergência com as provas existentes nos autos. Na primeira hipótese, o réu deveria ser submetido a novo julgamento; na segunda, caberia ao tribunal de justiça absolver ou condenar o réu conforme o caso, o que significa tirar do júri a decisão final (artigos 92 e 93). O Ministério Público recorreu ao Tribunal de justiça, invocando os dois fundamentos. Como o crime era afiançável, Arias teria de aguardar preso o desfecho da apelação. (pag.184).
“Tribunal do Júri – Decisão – Reforma – Novo julgamento.
Não tem o julgador de segundo grau poderes para modificar decisão do Tribunal do júri, em face da soberania constitucional que protege. Quando muito, pode a instancia recursal mandar o réu a novo julgamento, se o veredicto for manifestamente contrario á prova dos autos “(TJMG – AP.Crim. 22.956/1– rel. Des. Edelberto Santiago in Jurisprudência mineira, vol. 111, p. 335).
O Recurso de Apelação destina-se a levar à segunda instância o julgamento da matéria decidida pelo juiz de primeiro grau, em regra, em sentenças definitivas ou com força de definitivas. É recurso amplo, uma vez que pode devolver ao tribunal o julgamento pleno da matéria objeto da decisão se verificada a procedência do litígio pelo tribunal de apelação. o Tribunal deve aceitar como protesto por novo juri e dar provimento para determinar que novo julgamento fosse realizado.
Nos dias atuais o Tribunal ao apreciar recurso exclusivo da acusação, como foi o caso, poderá melhorar a situação do réu, mesmo que tenha que julgar extra petita, admitindo-se por tanto o reformatio in melius, ou seja, a reforma para melhor, mesmo em recurso especifico da acusação.
6. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:
O Direito existe como criação do homem. É uma emanação do pensar e do viver em sociedade. Tendo o ser humano como parâmetro, o direito destina-se a garantir a proteção a determinados bens jurídicos, como a vida, a liberdade, a integridade física e mental, a saúde e a honra, sem os quais não pode aquele existir na condição de homem livre.
A par desses direitos vitais, outros lhes são adjacentes e não menos importante para efeitos de tutela legal, como a propriedade, a cidadania, o direito à intimidade, à liberdade de expressão, e seus frutos, que surgem no cenário de direito como parcelas de um princípio maior que é a dignidade da pessoa humana.
Entre a prisão de Arias e o primeiro julgamento transcorreram pouco mais de dez meses. Maior seria a espera entre o primeiro julgamento, que só ocorreria dezenove meses depois, em 9 de setembro de 1940. Nesse intervalo, muitos episódio sacudiram não só a cidade de São Paulo, como o Brasil e o mundo.... Na prisão da avenida Tiradentes, a maior tristeza de Arias não poderia ser essa, e sim a de não participar dos carnavais de 1939 e 1940.( pag. 186 e 187).
Ao examinar o Texto Constitucional, identificamos com clareza, no inciso III do artigo 1°, a dignidade da pessoa humana como um preceito fundamental que deve contar com toda a proteção assegurada pela própria carta Federal, a qual coíbe toda e qualquer ação do Poder Publico que resulte em descumprimento de tal preceito.
No caso de Arias, o mesmo teve sue direito lesado, pois apesar de ser declarado inocente teve que espera preso por novo julgamento, a dignidade da pessoa humana afigura-se uma maneira de conferir proteção ao homem lato sensu, independentemente de credo, raça ou sexo, sendo sua função primaria promover a respeitabilidade do natural do homem de maneira individua e concreta.
Existem problemas importantes colocados pelas ciências sociais, mas não quis falar deles, tenho um tempo limitado. Tenho plena consciência de ter escolhido algumas "fatias" num problema múltiplo e multidimensional e dei ênfase a certos problemas. Estou consciente das lacunas e carências dessa exposição. As ciências constroem seu objeto, porém, justamente o problema é que nas ciências humanas não é preciso construir porque, nesse momento, destruímos. Os objetos construídos são objetos que têm um lado relativamente abstrato.(Edgar Morin, p.72).
Ainda em relação ao Tribunal do Juri, os cidadãos que estão ali para julgar dotado de uma alma sensível verifica que, sob boas leis, pode praticar o mal ou a justiça. O direito é uma ciência, não é verdade que as ciências sejam nocivas à humanidade. Se às vezes deram maus resultados, é que o mal era inevitável. Foi então que a filosofia começou a aparecer; seus primeiros princípios foram pouco numerosos e sabiamente escolhidos.
Por tudo quanto foi exposto, conclui-se que ao longo de vários anos o Tribunal do Júri sofreu modificações em para beneficiar o réu, haja vista que na atualidade o protesto por novo júri é algo quase impossível.
Ver-se, que o princípio da soberania dos veredictos e da dignidade da pessoa humana garantidos na Constituição Federal, hoje é aplicado com maior intensidade, onde a sua violação não é mais atacada e caso sendo é facilmente identificar.
REFERÊNCIAS:
FAUSTO, Boris. O Crime do restaurante chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo: companhia das letras, 2009.
FILÓ, José Luiz. A defesa na prática: o tribunal do Júri. Campinas: Bookseller, 1999.
Curso de Direito Processual Penal. Nestor Távora. Editora Jus podivm, 3° edição. 2009.
KAFKA, Franz. O processo. Trad. Torrieri Guimarães, 3° Ed. Martin Claret, São Paulo: 2009.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Trad. de Maria D. Alexandre de Maria Alice Sampaio Dória. Ed. Revista e modificada. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008
Acadêmica do Curso de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Claudiana Santana da. O protesto por novo júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2012, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31991/o-protesto-por-novo-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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