SUMÁRIO: Introdução. 1.1 Da formação da vida. 1.2.Direito à vida. 1.2.1. Direito ao nascimento. 1.2.1.1. Inviolabilidade do direito à vida. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo desmistificar a probabilidade de se descriminalizar o aborto no Brasil.
Tratamos aqui da vida humana, seu marco inicial e sua proteção. É de bom grado salientar que o direito a vida é um bem jurídico fundamental, pressuposto de todos os demais direitos tutelados no ordenamento pátrio.
Deste modo, fizemos uma digressão sobre a vida e o lapso temporal que ela iniciar-se-ia, para posteriormente tutelar o direito fundamental a vida.
Por fim demonstra-se a completa incoerência em cogitar a descriminalização do aborto, visto ser totalmente incompatível com a ordem jurídica brasileira, que tutela de forma inconteste a vida humana desde sua concepção.
1.1 Da formação da vida
Inicialmente é importante responder a seguinte pergunta: O que é a vida?
Nesse sentido notaremos a imensa dificuldade de tal conceituação, já que a mesma pode ser abordada sobre diversos pontos de vista, como o religioso, o biológico, o moral, o filosófico, o jurídico, e ainda, deve ser observada em relação a determinados períodos históricos o que será exposto no deslinde.
Walter Weiszflog define a vida da seguinte forma:
Atividade interna substancial por meio da qual atua o ser onde ela existe; estado de atividade imanente dos seres organizados. (…)3 União da alma com o corpo.4 Espaço de tempo compreendido entre o nascimento e a morte do ser humano.5 Espaço de tempo em que se mantém a organização dos seres viventes…[1]
Sobre o início da vida, este é um tema bastante polêmico, complexo e altamente subjetivo, onde os pensamentos surgiram há muito tempo e se divergiram e alteraram com o passar dos tempos, com modificações de cunho filosóficas, religiosas e por opiniões dos estudiosos da matéria.
Para Platão, a alma humana desempenha um papel de mediação entre a matéria e as idéias, sendo posta em posição de superioridade. O mencionado autor afirmava que a vida se iniciava a partir do momento em que a alma penetrasse no corpo, de modo que a morte seria a separação da alma e do corpo na vida terrena. Logo o marco inicial da vida seria o exato momento que a alma entrasse no corpo humano.[2]
Contudo apesar de ser uma definição aceita por boa parte da sociedade da época, ainda assim perduravam conceitos diversos acerca o marco inicial da vida, como por exemplo, o de Aristóteles, que diferentemente de Platão, acreditava que a vida iniciava-se a partir do primeiro movimento fetal.
A teoria aristotélica também foi bastante difundida por São Tomás de Aquino e foi adotada pela Igreja Católica neste período.
No entanto no papado de Pio IX em 1869 passou a ser reconhecido como o marco inicial da vida o momento da concepção, ou seja, a partir do momento em que o óvulo se encontra com o espermatozoide e assim é fertilizado. Esta teoria é até hoje defendida pela Igreja Católica.
Assim, corroborando com o afirmado, o Compêndio do Vaticano II, sob o título “A harmonização do Amor Conjugal com o Respeito à Vida Humana” afirma de modo peremptório:
Deus, com efeito, que é o Senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo de preservar a vida, para ser exercido de maneira condigna pelo homem. Por isso, a vida deve ser protegida, com o máximo cuidado, desde a concepção.[3]
Do mesmo modo que o Catolicismo prega um termo para o começo da vida, qual seja o momento da concepção, diversas outras religiões também o fazem.
O Judaísmo afirma que a vida se inicia a partir do 40º dia da fecundação, quando se começa a aquisição de formas por parte do feto.
No Islamismo o ponto inaugural da vida seria o 120° dia posterior a fecundação, momento este em que Alá sopraria a alma no corpo do feto.
No Budismo os seres humanos são apenas uma forma de vida que dependem de várias outras, não havendo, pois, um marco inicial, já que a vida seria um sistema contínuo e sem interrupções, estando presente em tudo que existe, como na água, na terra, no sol, no ar.
Já o Hinduísmo defende que a vida começa na fecundação quando a alma e a matéria se encontram, apresentando, desse modo, uma visão similar ao Catolicismo.[4]
Apesar dessas várias definições filosóficas e religiosas acerca do limite divisório que caracterizam o princípio da vida, os juristas têm procurado os estudos científicos sobre a matéria para poder delimitar qual o momento exato que se começa a vida.
Contudo nem mesmo a ciência apresenta uma visão única acerca do começo da vida. Diferentes teorias e estudos a respeito da origem da vida humana foram apresentadas pelos doutos, conforme explanadas a seguir.
A primeira corrente é a defendida pela Igreja Católica, a teoria genética ou dita concepcionista. Conforme demonstrado anteriormente, para esta corrente o embrião humano desde o momento de sua concepção já é considerado uma pessoa humana, de modo que já merece a proteção jurídica do ordenamento pátrio.
Ferraz examinando tal assunto, pondera:
Conquanto o estágio atual da ciência ainda não permite uma resposta definitiva no particular, os estudos existentes apontam que, entre vinte e quatro e trinta e seis horas após a fecundação, a primeira célula individualizada – zigoto ou blatócito – começa a dividir-se, dando origem ao embrião. E esse, após seis semanas, passa a denominar-se feto. Mesmo antes disso, porém, o embrião, já ao cabo de duas semanas de existência, se apresenta munido de toda uma completa informação hereditária, um código genético distinto e único – o genoma-, que se transmite às demais células. Tão individual e particular é o genoma, mesmo em casos de gêmeos univitelinos, que se pode afirmar, sem dúvida, a impossibilidade de repetitividade(ou de “clonação” natural) do homem (…) Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida; vida diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente da do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos. Pré-embrionária a início, embrionária, após, mas vida humana. Em suma desde a concepção a vida humana nascente a ser tutelada.[5]
Assim, apesar da teoria concepcionista ser um espectro bastante aceito tanto por juristas quanto por médicos embriologistas, diversas críticas foram apresentadas a esta visão, passando a ser menos acolhida tanto perante a sociedade quanto perante os estudiosos do tema.
Dentre as críticas apresentadas, duas são as mais constantes.
A primeira crítica realizada em cima desta corrente de pensamento seria que após a fertilização, enquanto o zigoto é apenas uma massa de células disforme, até o 14º dia ou 15º o embrião poderia dar origem a outros embriões e conseqüentemente uma vida tornar-se-iam duas ou mais.
A segunda apreciação desfavorável referente a presente teoria seria que os óvulos fecundados, em grande parte das vezes não conseguem progredir na parede esponjosa do útero e são naturalmente expulsos sem que a própria mulher perceba, ou seja, sem que haja nada de impróprio e anormal, consistindo apenas um “amontoado” celular.[6]
Uma segunda compreensão acerca do marco inicial da vida decorre diretamente dos estudos da primeira teoria, sendo desta forma conhecida por teoria genético desenvolvimentista.
Esta teoria afirma que o ser humano passa por uma série de fases, iniciando-se como pré-embrião, passando a embrião e constituindo por fim o feto. Assim o pré-embrião seria apenas um conglomerado celular e dessa forma não seria reconhecido como pessoa humana, no entanto, após chegar à fase de embrião o mesmo seria considerado uma pessoa humana e teria seus direitos tutelados.
Essa é uma visão que é recepcionada por diversos autores em diversos países europeus. Deste modo, nestes locais onde a teoria genético desenvolvimentista foi acolhida em seu ordenamento, passou-se a admitir o uso de pré-embriões para estudo e até mesmo o seu descarte.
Já para a terceira teoria, a embriológica, que parte do mesmo pressuposto da teoria genético desenvolvimentista, a vida iniciaria apenas na terceira semana de gestação, pois até tal momento as células poderiam si dividir e dar origem a outras vidas.
A teoria neurológica, outro pensamento científico, leva em consideração o momento da decretação da morte para por oposição assinalar qual seria o marco inicial da vida.
Nesta concepção neurológica, parte-se do pressuposto que a morte é declarada com o fim das ondas cerebrais. Destarte o princípio da vida seria o momento em que o embrião passa a ter os primeiros sinais de células nervosas com atividade.
A teoria neurológica apresenta, ainda, uma divisão em duas correntes no que tange a indicação temporária para o início vital.
A primeira corrente neurológica, que se mostra majoritária, afirma ser a partir da oitava semana de gestação o marco inicial da vida, quando há a presença de três neurônios que equivalem a um tronco cerebral rudimentar em que se registra certa atividade elétrica. Já a segunda corrente defende que a vida se origina apenas na vigésima semana de gravidez, momento em que o tálamo se encontra pronto pra realizar suas funções.
Apesar de haver essa divergência quanto ao marco inicial, ambas as concepções neurológicas concordam que o lapso temporal primitivo da vida surgiria no momento em que os procedimentos neurais começassem a ser realizados, concretizando deste modo a visão neurológica, ou seja, as duas correntes formam em conjunto a idéia da teoria neurológica.[7]
Outro ponto de vista bastante aceito dentro do ambiente científico é aquele que sustenta que o momento da origem da vida seria o espaço temporal em que houvesse a nidação.
Assim, a partir da fixação do embrião no útero materno iniciar-se-ia a vida, pois a partir deste momento ele encontraria as condições adequadas para o seu desenvolvimento. Esta é uma visão bastante defendida pelos pesquisadores de células-tronco em embriões criopreservados.[8]
Existe também a teoria metabólica acerca do princípio da vida. Os defensores de tal corrente asseveram que o momento inicial da vida humana não apresenta demasiada importância, tendo em vista que não há um momento limítrofe acerca da ocasião a qual se inicia a vida, logo a vida seria algo contínuo não apresentando um marco que delimite o seu princípio.
Para a concepção metabólica um espermatozoide e um óvulo seriam considerados seres vivos da mesma forma que qualquer ser humano.
Por fim há a teoria ecológica, onde esta afirma que a vida se inicia quando o feto tem a possibilidade de viver fora do útero materno. Assim para a possibilidade da existência de vida extrauterina é necessário que tenha havido a formação dos principais órgãos do sistema respiratório do feto. A partir deste momento passa-se a ser considerado um ser vivo, ou seja, no exato momento que seus pulmões encontrem-se prontos para realizar suas funções, o que ocorrerá por volta da vigésima quarta e vigésima quinta semanas de gravidez.
É importante para o presente trabalho, salientar que o nascituro é o ente concebido, embora ainda não nascido, dotado apenas de vida intrauterina.
Deste modo é cristalina a relevância do marco inicial da vida para a tutela jurídica do nascituro, já que o presente termo serviria de baliza, ou seja, o ponto abstrato o qual se poderia iniciar a defesa do nascituro. Logo, saber qual o momento inicial da vida dentro do corpo materno é de grande valor, já que doravante passará a se haver uma efetiva proteção do mesmo desde o momento que ele surja como nova vida, diferente da vida da genitora.
Também se faz necessário evidenciar que essa diversidade de teorias e discussões acerca do momento de formação da vida não se restringe apenas aos Poderes Legislativos e Judiciários do Brasil. Ademais este é um tema que provoca controvérsias nas ordens jurídicas alienígenas, de modo que diversos outros países apresentam esta mesma problemática com dificuldade de resolução dos problemas delas decorrentes, tais como o Canadá, a Espanha, a França e outros.[9]
1.2. Direito à vida
1.2.1. Direito ao nascimento
A vida apresenta o mesmo preço para todos os seres humanos e ocupa o lugar mais elevado dentro do direito. Desta forma, necessário se faz que haja efetiva garantia aos direitos do nascituro ou direito ao nascimento pelo Estado.
Neste sentido são extremamente pertinentes os questionamentos e as conclusões de Maria Helena Diniz[10], os quais afirmam:
Se a vida ocupa o mais alto lugar da hierarquia de valores, se toda vida humana goza da mesma inviolabilidade constitucional, como seria possível a edição de uma lei contra ela? A descriminalização do aborto não seria uma incoerência no sistema jurídico? Quem admitir o direito ao aborto deveria indicar o princípio jurídico do qual ele derivaria, ou seja, demonstrar científica e juridicamente qual princípio albergaria valor superior ao da vida humana, que permitiria sua retirada do primeiro lugar na escala de valores? A vida extra-uterina teria um valor maior do que a vida intra-uterina? Se não se levantasse a voz para a defesa da vida de um ser humano inocente, não soaria falso tudo que se dissesse sobre direitos humanos desrespeitados? Se não houver respeito à vida de um ser humano indefeso e inocente, porque alguém iria respeitar o direito a um lar, a um trabalho, a alimentos, à honra, à imagem etc.? Como se poderá falar em direitos humanos se não houver a preocupação com a coerência lógica, espezinhando o direito de nascer? (grifos nosso)
Assim é necessário garantir o direito mínimo do nascituro, qual seja o direito ao nascimento, já que este ser inocente e indefeso não pode se proteger sem o auxílio de outrem.
Esta obrigação é verificada também no direito internacional, como por exemplo, na Declaração dos Direitos da Criança que prescreve que toda criança deve ser protegida, tanto antes do nascimento como depois deste marco, tendo em vista a sua imaturidade psicológica e física.
Deste modo os posicionamentos ditos “progressistas” que defendem o aborto, apontando-o como a solução para diversos problemas da sociedade, aparentemente não tem comprovação técnica e jurídica.
Afirmam os “progressistas” ser o aborto uma medida com caráter “sanitário, social, econômico e cultural”. Ademais assinalam que com a legalização do aborto garantir-se-ia devida solução para alguns problemas, como por exemplo, a proteção contra a explosão demográfica e o risco de uma humanidade miserável e faminta.
Asseveram ainda que tal medida geraria maior preservação da saúde das genitoras que abortarem, tendo em vista que com a descriminalização do aborto poderia haver um controle maior acerca dos serviços abortivos, tornando-os mais seguros para as vidas das gestantes.
Contudo deve-se salientar que tais argumentos acima apresentados não merecem prosperar, por completa ausência de embasamento principalmente jurídico e também científico e social.
Segundo Maria Helena Diniz tais argumentos para o “direito de retirar uma vida” são falhos em diversos pontos, não merecendo deste modo guarida por tais aspectos. Dentre os argumentos para refutar tal tese o pensamento expressado por Maria Helena Diniz[11] e adotado por muitos juristas pátrios, apresenta-se de modo claro e coerente conforme a seguir demonstrado:
Deveras o crescimento populacional e a fome constituem um problema bastante atual, mas seria a legalização do aborto imprescindível para atender as necessidades sociais de modo mais justo, preocupando-se com a camada populacional mais carente e eliminando o problema da alimentação mundial? Poder-se ia acatar o argumento demográfico para instituir o aborto como controle de natalidade, o qual, matando os excedentes, seria um poderoso remédio para conter o crescimento da população e solucionar a grave questão da poluição ambiental e da fome, que assola algumas partes do mundo? Para que o aborto, se bastaria um política demográfica racional e moderna que incentivasse programas de planejamento familiar o escopo de superar problemas alusivos ao descontrole da natalidade por falta de informação das classes menos favorecidas economicamente? Será que legalizar a prática abortiva resolveria os problemas da fome? As causas destas não poderiam ser eliminadas com a reforma agrária, melhor aproveitamento da terra ou dos recursos, racionalização da distribuição dos gêneros alimentícios, desenvolvimento agrícola e pecuário e uma eficaz política mundial em matéria econômica?
Há ainda uma discussão muito grande acerca do caráter sanitário da descriminalização do aborto. É patente que com a descriminalização do aborto poderia haver uma fiscalização referente às condições sanitárias das clinicas abortivas. Contudo por ser o Brasil um país de dimensões continentais, dificilmente ocorreria tal fiscalização com efetividade, de modo que este argumento unicamente não é plausível para se tomar uma atitude tão drástica.
Existe ainda quem afirme que mesmo com a legalização do aborto as pessoas buscariam sua realização através do anonimato e até mesmo na clandestinidade. Assinalam que a realização do mesmo tem em geral a finalidade de esconder a gravidez da sociedade, deste modo, não existiriam razões para se procurar uma clínica autorizada e especializada em aborto já que um dos intuitos principais seria fazer sem o conhecimento da sociedade em geral.
Assim, o mesmo repúdio social que se tem a gravidez sem planejamento, também se teria no que se refere ao aborto, o que ocasionaria o uso frequente da clandestinidade.
Portanto os argumentos socioeconômicos e sanitários são desfeitos com um maior aprofundamento sobre o conteúdo abordado, ora por haver políticas públicas mais eficientes, ora por ausência de embasamento científico ou por total incompatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio. Salienta-se que a incoerência com o sistema jurídico brasileiro é evidente, já que nosso Direito tutela o a vida como um bem jurídico fundamental.
Destarte é dever do Estado garantir a tutela ao nascimento. Toda atitude que for contrária ao nascimento deverá ser repelida pelo poder judiciário, através de uma adequação do ordenamento pátrio, efetivação e aplicabilidade do mesmo. Desta forma não pode ser esquecido o direito fundamental e personalíssimo do nascituro à vida e também a uma vida digna e abundante.
1.2.1.1. Inviolabilidade do direito à vida
Os direitos fundamentais tem uma de suas origens o Cristianismo. Foi através do cristianismo que todos os humanos, só pelo simples fato de o serem, são consideradas pessoas dotados de grande valor[12]. Tais garantias e direitos vieram evoluindo no tempo, no decorrer dos anos, até a época atual.
Os direitos fundamentais são bens e privilégios concedidos ao ser humano em geral, a sociedade, apresentando uma dimensão universal e possuem características essenciais.
Uma das características primordiais dos direitos fundamentais é a inalienabilidade, que é a não apresentação de valor econômico, ou seja, estão fora do mercado, sendo assim indisponíveis. Outro atributo é a irrenunciabilidade, que determina a inexistência de possibilidade do homem abdicar dos direitos fundamentais em favor de terceiros.
Tais direitos são explanados no Título II da Carta Política de 1988, onde são divididos em: direitos coletivos e direitos individuais, direitos sociais, direitos à nacionalidade e por fim direitos políticos.[13]
Seguindo essa linha de raciocínio verifica-se que a vida no mundo jurídico é vista como um bem fundamental e essencial ao ser humano, tendo em vista que os demais direitos são decorrentes da mesma.
Corroborando com o exposto trazemos os ensinamentos de Paulo Gustavo Gonet Branco, que afirma:
A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostos na Constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância é superior a todo outro interesse.[14](grifos nosso).
Consequentemente é protegida por lei, tanto no ordenamento brasileiro, como no ordenamento internacional, como mostra a Declaração Universal dos Direitos Humanos[15].
A Magna Carta proclama em seu art. 5º caput [16], na parte dos deveres e direitos individuais e coletivos, a inviolabilidade da vida humana, garantindo assim a integralidade existencial do ser humano.
Tal direito fundamental tem como bem jurídico a ser tutelada a vida desde o momento de sua concepção até a morte, devendo o Estado garanti-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de permanecer vivo e a segunda de se ter vida digna.[17]
Diante desta vultosa proteção que é dada a vida humana, deve-se afirmar que o conceptus do mesmo modo será tutelado. É necessário compreender que o nascituro também é vida humana a ser resguardada. Deste mesmo modo se posiciona Paulo Gustavo Gonet Branco, ao assim dizer:
Havendo vida humana, não importa em que etapa de desenvolvimento (...). O elemento decisivo para se reconhecer e se proteger o direito à vida é a verificação de que existe vida humana desde a concepção, quer ela ocorra naturalmente(...). O nascituro é um ser humano. Trata-se, indisputavelmente, de um ser vivo, distinto da mãe que o gerou, pertencente a espécie biológica do homo sapiens. Isso é bastante para que seja titular do direito à vida – apanágio de todo ser que surge do fenômeno da fecundação humana.[18]
É importante salientar que por ser o artigo 5º da Constituição Federal, uma cláusula pétrea, conforme previsto no art.60, § 4º, do mesmo diploma, apresenta o mesmo poder de permanecer intangível ou não emendável pelo poder constituinte derivado. Esta imutabilidade somente pode ser modificada em caso excepcional de um movimento revolucionário que instaure uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem jurídica anterior. Logo é inaceitável a legitimação de qualquer conduta que venha a fragilizar e por em risco a vida humana, já que apresenta valor absoluto.[19]
O direito à vida deve ser protegido de forma absoluta em qualquer ramo das ciências jurídicas, seja no direito constitucional, seja no direito penal, ou em qualquer área jurídica.
Desse mesmo modo todo o Direito deve seguir a tutela da vida humana. Assim propõe o direito civil brasileiro quando garante a proteção da vida em seu art.2º protegendo o nascituro desde a concepção, como também o direito penal tendo em vista a punição dos crimes de homicídio (art.121), instigação,auxílio ou induzimento ao suicídio (art.122), infanticídio (art.123) e aborto (art.124 a 128) e todos os demais ramos do Direito.
Ademais é importante demonstrar que os artigos que versam sobre a questão do aborto encontram-se locados no título I, dos crimes contra a pessoa, capítulo I, dos crimes contra a vida, da parte especial do Código Penal. Deste modo o nascituro no caso do aborto foi considerado pessoa para o Direito Penal.
Assim não se poderia descriminalizar o aborto, sob pena de violação direta ao art.5°, caput, da Constituição, já que se estaria permitindo a violação do bem jurídico vida.
Por fim é necessário salientar que tal norma é uma cláusula pétrea, deste modo é imperioso frisar que qualquer tentativa de modificação legislativa que não seja a feitura de uma nova Constituição, infringiria frontalmente a Magna Carta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto neste artigo, não há outra conclusão que se possa extrair que não seja da completa ausência de fundamentos para haver a descriminalização do aborto.
É importante ressaltar a necessidade que tem de demarcar qual o marco inicial da vida, com a finalidade precípua de tutelar este direito fundamental de máxima relevância. No entanto, apesar desta imperiosa necessidade, tal marco ainda não foi definido, jurídica e cientificamente.
Deste modo, deve ser tutelada a vida do nascituro desde sua concepção, haja vista que na ausência de marco definido deve-se resguardar o direito a vida em sua maior amplitude possível, obrigando-se assim a respeitar o princípio da máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais.
Logo, no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de abordar a descriminalização do aborto, não pode ser aceita, por cristalina violação a Constituição Federal, devendo-se ao contrário tutelar a vida desde o momento da concepção.
REFERÊNCIAS
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WEISZFLOG, Walter, Moderno dicionário da língua portuguesa, São Paulo. Melhoramentos. 2007
[1] WEISZFLOG, Walter, Moderno dicionário da língua portuguesa, São Paulo. Melhoramentos. 2007
[2]MADJAROF,Rosana.Platão.Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/platao.htm > Acesso em: 14 out.2009.
[3] SCHUSTER, José Inácio. O aborto. O que nos diz o Magistério da Igreja Católica?. Disponível em: < http://www.cnd.org.br/art/schuster/aborto.asp> Acesso em 12.out.2009.
[4] VASCONCELOS, Antonio. A vida para o direito. Disponível em: <http://www.artigonal.com/direito-artigos/a-vida-para-o-direito-997927.html> Acesso em: 14 out.2009.
[5] FERRAZ, Sérgio. Apud PUSSI, William Artur. Personalidade jurídica do nascituro. Curitiba: Juruá, 2005, p.193-194.
[6] CASABONA, Carlos Maria Romeo (Org). Biotecnologia,direito e bioética. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas,2002.p.188.
[7] MUTO, Elisa; NARLOCH, Leandro. O Primeiro Instante. Super Interessante,São Paulo, Edição 219, Nov. 2005.
[8] SZKLARZ, Eduardo . Quando começa a vida? Disponível em: < http://super.abril.com.br/revista/240a/materia_especial_261570.shtml?pagina=1> Acesso em: 31.out.2009.
[9] BARROSO, Luís Roberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temas acerca da vida e dignidade na Constituição. In: CAMARGO, Malo Novelino (ORG.). Leituras complementares de constitucional. direitos fundamentais. 2. ed. Salvador: Podivm, 2007.
[10] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2002, p.26.
[11] Idem, Ibidem. p.75
[12] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra. 2008.p.21.
[13]LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11. ed., São Paulo: Método, 2007.p.530.
[14] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.289.
[15] Cf. Artigo III “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
[16] Cf. Artigo V, caput “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida…”
[17] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.13.ed. São Paulo. Atlas .2002 p.64.
[18] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.292-294.
[19] DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit.nota 10.p.
Procurador do Município de João Pessoa; Ex-Chefe da Procuradoria Fiscal do Município de João Pessoa, Chefe da Procuradoria Administrativa do Município de João Pessoa, Graduado pela Universidade Federal da Paraíba, Pós-graduando em Direito Tributário e Processo Tributário; Advogado e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAFAEL DE LUCENA FALCãO, . Direito à Vida: a importância do marco inicial e a incoerência que seria o direito ao aborto no ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2012, 09:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32136/direito-a-vida-a-importancia-do-marco-inicial-e-a-incoerencia-que-seria-o-direito-ao-aborto-no-ordenamento-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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