RESUMO: O presente trabalho tem como escopo, mostrar a relação direta dos aspectos emocionais e tormento psicológico de um crime como forma de castigo. O qual se culmina num conflito intrínseco entre o debate interno sobre racionalização e tentativas de justificar para si mesmo, que sua ação não foi uma coisa monstruosa, assim como a sociedade a classificara, mas como uma coisa normal. O personagem esta arraigado a uma visão niilista do mundo e da moralidade. Penetra também no âmbito da religião, da antropologia, da filosofia e sociologia, mas, sua primazia fica por conta das relações psicológicas travada pelo personagem. Não obstante, a obra vislumbrava a miséria das cidades e a crise da produção no campo, as más condições de vida da maioria da população, contrapostas aos privilégios da burguesia. Havia uma transcendência do idealismo romântico por uma visão mais objetiva e desiludida da realidade.
PALAVRAS-CHAVE: Crime, Castigo, Tortura Psicológica, Visão Niilista.
A obra de Fiódor Dostoievski é uma narrativa de uma tortura psicológica de um crime. Este fica notório na figura do personagem, o qual sofre constantemente de uma perturbação psíquica, essa convergira numa patologia, causado pelo forte sentimento de culpa que corroera sua alma. Esse sentimento nefasto oscila entre o campo da racionalidade e o campo da moral ética. A visão teológica se dar pela autopunição do individuo tendo este como escopo atingir a salvação, antagonizando uma batalha entre a razão e a Fé.
A sociedade burguesa ignorava a miserabilidade intrínseca a sue povo, mantendo o estatus utópicos de uma sociedade harmonicamente organizada, segunda a lei puramente racionalista. O personagem, assim como muito indivíduos daquela sociedade, viviam sob condições degradantes, embora ele fosse um ex- estudante de direito, tinha um poder aquisitivo baixo, sendo esse um dos fatores que o influenciara a cometer o ato ilícito. Ele era dependente dos poucos recursos que mãe dispunha, tal dependência causava dissabores em sua vida. Com a miséria que o circunda somando se a vontade de reiniciar sua vida acadêmica, e a partir desta ter novamente sua ascensão sócio intelectual, ele premedita um crime: o homicídio da velha Aliena, a qual era detentora de alguns bens para a penhora, e assim o fez. Por infortuito do acaso, a Irmã da vitima chega, o homicida sente- se obrigado a cometer outro assassinato, logo após os homicídios ter sido levado a cabo, o autor dos crimes, entra numa espécie de semi-consciência, após sair deste estado, inicia se uma batalha do personagem com sua própria consciência.
A narrativa também permeia outros campos, de contextos socias distintos, traçando historias paralelas, como romance, violência, injustiças. Todas essas vertentes consubstanciam na ideia da transgressão das leis morais em busca de uma maior liberdade, em contra partida emerge a dramática conseqüência de sue ato, tornando a vida do homicida um calvário de angustia e tormento psíquico que o acompanhará por muito tempo.
2. VISÃO PARADOXA DO MUNDO
Algumas correntes de pensamentos foram criadas pelos homens com o objetivo de expurgar os ressentimentos, um tipo de válvulas de escape, para que eles possam se isentar de certas culpas. A obra traz uma teoria, a qual o protagonista crê piamente e usa como saída para justificar seus atos ilícitos, a teoria da subdivisão de pessoas: as ordinárias e as extraordinárias. A primeira é constituída por indivíduos conservadores de ordem, vivem em submissão ao um culto, e este seria a verdade real, não conseguiam enxergar outra vertente, essas pessoas eram desprezíveis e nada acrescentavam ao mundo. A segunda corrente era formadas por pessoas totalmente antagônica a primeira, eles tinham pensamentos inovadores, considerados seres superiores, os quais vieram ao mundo com uma missão, de transformá-lo,diante de tanta supremacia eles poderiam cometer crimes ou qualquer outro tipo de ilicitude, uma vez que, eles estavam acima das leis que regia a sociedade. Um exemplo notório é o Napoleão, segundo o personagem ele era um ser superior por excelência. Os crimes destes são, naturalmente, relativos, ele consegui cometer crime atrozes e se isentou do estigma de criminoso, diante da sociedade e da historia. Essa ideologia tem raízes intrínsecas no niilismo de Nietzsche.
“Raskólnikov fala o tempo inteiro em Napoleão e, se há na história uma
encarnação do Príncipe de Maquiavel, esta é Napoleão (...) Maquiavel é
um autor contemporâneo. Ele tem uma visão de política absolutamente
pragmática; rompe a relação entre metafísica e política, rompe a relação
entre metafísica e ética e desta com a política, no sentido da clássica opo-
sição bem e mal que ligava a ética à metafísica. Em outras palavras: ele
rompe com a metafísica e, nesse sentido, causa um horror gigantesco”.
A crítica feita por Nietzsche recusa o pensamento ETA físico que se julga portador de verdades, essências e princípios universais. Por isso,para ele, o niilismo é o caminho ara a irrupção do super-homem. O niilismo, representa, portanto, o vazio, a completa destituição de verdades e fundamentos, a perda de referenciais, o nada. Neste sentido, não é algo ruim, mas bom, pois é capaz de libertar. O ser humano niilista é o contrário do metafísico, pois reconhece a ausência de fundamentos como constitutivos de sua condição: “o homem é que pôs valores nas coisas com a intenção de se conservar; foi ele que deu um sentido às coisas, um sentido humano”. Nesta perspectiva, os valores não são transcendentes ou divinos, mas é produto humano.
Segundo Albert Camushá o diagnóstico do fenômeno histórico do niilismo, que para Dostoiévski se constitui em duas etapas principais: a redução de toda a realidade ao materialismo determinista e, após, as conseqüências trágicas que podem surgir dessa redução, como a moral de Raskólnikov em Crime e Castigo ou a teoria totalitária de Chigáliov em Os Demônios. Como Camus denuncia, no auge da época niilista racionalidade e ideologia se identificam: “Morto Deus, é preciso mudar e organizar o mundo pelas forças do homem” (CAMUS, 1997. p. 134). Por fim, é necessário ressaltar que para Dostoiévski a filosofia parece ser impotente na tarefa de superar estes paradoxos. A única saída apontada pelo romancista russo é através de uma nova religiosidade, “pós-niilista. Seus protagonistas têm a visão dessa permissão a partir da crença da não existência de um Deus para os semideuses, que eles, em determinado momento, acham que são. Tenho certeza que, por colocar essa tese em seu livro, Dostoievski sabia que essa percepção de outra realidade dos homens, capaz de mudar as condições ao redor de acordo com o exercício da alma.
3. DRAMA PSICOLOGICO
O sofrimento posterior ao crime não deriva da pressão social que o estigmatizaria como assassino, mas de uma alteração no psique, que lhe corroia a alma e a consciência. Uma espécie de ancestralidade do homem que confronta o horror, foi discutido nos Irmãos Karamazov, elucidando um caráter notório da força da moral de cada individuo. Essa age silenciosamente nas entranhas de cada ser, e para expurgá-la, o personagem faz a autopunição, se tortura não tão somente pelo arrependimento, mas para convencer a si próprio que não cometeu nenhum crime, o que não liberta o sentimento de culpa. Esse é um contexto de bases moral e religiosas, que traz o flagelo como forma de punição, um fator eminente do retrocesso psicológico e antropológico. Na obra Dom Casmurro retratada pelo personagem Betinho que traz consigo traumas de infância, assim como o próprio autor, que teve sua também marcada por agressões por parte de seu pai, esses sentimentos os perseguiam por muito tempo e os torturava.
“Levar pela ótica de Bentinho, aceitando sua palavra e sua memória como Verdade, pondo em xeque o próprio narrador, levando em conta a hipótese de ser ele um paranóico-esquizofrênico com acentuado complexo de Édipo, atacado por fantasias geradas por sua profunda insegurança e isolamento. Esse clima de incerteza foi construído com maestria e no fim das contas parece nos dizer que haver ou não traição é o que menos importa: tudo não passa de um bom pretexto (pré-texto) para radiografar as relações humanas e o interior de cada indivíduo”.
"[...] é permitido a todo indivíduo que tenha consciência da verdade regularizar sua vida como bem entender, de acordo com os novos princípios. Neste sentido, tudo é permitido [...] Como Deus e a imortalidade não existem, é permitido ao homem novo tornar-se um homem-deus, seja ele o único no mundo a viver assim." - F. Dostoiévski - O diálogo com o demônio (in Irmãos Karamazov, 1879)”.
Existiria uma ciência fora da consciência individual privada, capaz de explicaria o crime. Os fatores sociais que expropriaram aos assassinos a decisão de matar , decidir entre o bem e o mal.O personagem tem motivações altruísta, ele quer corrigir um erro no equilíbrio do mundo, pois sua vitima explorava a Irmã dela , Isabel, a qual também foi vitima do homicida. O latrocínio fora arquitetado de forma detalhada, mas nele não incluía Isabel. Não obstante, na visão Social sob uma ótica Natural,o escopo do roubo não era vislumbrado o lado financeiro, mas ideológica; sob a visão da Teoria Mártires eles tem iniciativa das massas, que aprova seus atos, mas são degolados pelos detentores do poder, as normas vigentes. São exemplos- Jesus, Tiradentes, Che Guevara, sob aspecto teológico, sociológico e anarquista, respectivamente. Todos eles tiveram suas convicções dilaceradas pela força de uma hipocrisia.
"Quando as leis forem fixas e literais, quando só confiarem ao magistrado a missão de examinar os atos dos cidadãos, para decidir se tais atos são conformes ou contrários à lei escrita; quando, enfim, a regra do justo e do injusto, que deve dirigir em todos os seus atos o ignorante e o homem instruído, não for um motivo de controvérsia, mas simples questão de fato, então não mais se verão os cidadãos submetidos ao jugo de uma multidão de pequenos tiranos, tanto mais insuportáveis quanto menor é a distância entre o opressor e o oprimido".
As leis são um pacto social, mas elas não têm o poder de inserir uma moral. A crise do século XIX que o autor colocar em evidencia o endurecendo da legislação penal, a qual atua como arma para reduzir a impunidade, com aplicações severas mas não há um instrumento que possa subsistir a consciência moral, que Freud chamou de superego.
A arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. Põem em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de conjunto que se deve fazer funcionar como base mínima, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto. Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a "natureza" dos indivíduos.
Os personagens são sofrem de um invariável sentimento de culpa e pelo remorso em função de seus atos, sofrimento moral, decorrente do fracasso em cumprir a lei de cristo, gerando uma auto condenação, e um sentimento ateísta,” Se Deus não existe tudo é permitido” ( Sartre, 1905-1980), uma analogia ao ateísmo que se instalava no sujeito para tentar sanar sua angustia violenta que corroe sua alma.
Quando tudo o mais fracassa, os homens ameaçam, condenam, castigam, batem, torturam, impõem penalidades, matam e justificam-se, alegando agir no interesse de pessoas obstinadas, que não querem modificar o seu comportamento para adequá-lo ao que a sociedade delas exige. Embora a humanidade tenha sido coberta por um verniz de civilização, conservamos vários traços do nosso passado primitivo (Robert Geiser )”.
Mais recentemente, Michel Maffesoli, em Dinâmica da Violência, expôs: A violência, a crueldade, a desordem, a perda são apenas aspectos da vida quotidiana levados ao seu extremo, e esse limite é a condição de um reabastecimento dessa mesma vida quotidiana. O “reabastecimento” de que acabamos de falar exprime, aos nossos olhos, esse processo lógico, orgânico que
une a monotonia à intensidade, a partir do momento em que cada um é aceite
enquanto tal, como elemento d e um conjunto”.
A reflexão da obra é sucinta. Traça uma visão holística, da relação do homem com sue “eu”, com a razão e com a espiritualidade. O senso comum que transgride a sociedade, é vista como uma relação paralela ao núcleo central, mas também, vislumbra o quão ela é responsável pelas mazelas e patologias intrínseca a humanidade. Assim, è notório o liame entre os aspectos dos estudos da sociologia e da psicologia.
Na mesma esteira, vislumbra a ação do direito penal, sendo esse uma arma de coação social, age sob o crime, tendo como Castigo a sanção, a privação de liberdade do individuo. No entanto, há outra espécie de pena, (a qual o autor ressalta), a que tange a tortura psicológica, o suplicio da alma. Todos esses fatores psicossocial culminam numa metástase da realidade humana, com seus conflitos e limitações, no que concerne a valoração da moral e da vida.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado Dom Casmurro Editora Ática, 36ª edição, 1998.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: RT, 1999.
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 1997.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor – Tradução de CASTRO, Luiz Cláudio de. Crime e Castigo. São Paulo: Publifolha, 1998.
DOSTOIÉVSKI, F. Os Irmãos Karamázovi. Trad. Nunes, N. e Mendes, O. Rio de Janeiro: Companhia Aguilar Editora, 1964.
FONSECA. Michel Foucault e a constituição do sujeito. 2003.
FOUCAULT; Michel. Trad. VASSALO; Ligia M. Ponde. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Rio de janeiro: Vozes, 1984.
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário de Psicanálise. Trad. Pedro Tamen. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da Violência. São Paulo: RT, Ed. Vértice, 1987. (9)
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 63.
PONDÉ, Luiz Felipe Pondé. Crítica e Profecia: a filósofa da religião em Dostoievski. São Paulo: Editora 34, 2003.
Acadêmica do Curso de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Claudiana Santana da. O castigo físico e psíquico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2012, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32154/o-castigo-fisico-e-psiquico. Acesso em: 23 dez 2024.
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