INTRODUÇÃO
Objetiva-se demonstrar que a obrigatoriedade de licitar para as entidades públicas da administração pública direta e indireta é justificada pelo direito positivo, especialmente a Constituição Federal de 1988 e as normas ordinárias setoriais.
A análise é empreendida baseada nas normas do direito positivo que rege o regime jurídico administrativo da matéria, bem como apontamentos, quando necessário, da posição do Supremo Tribunal Federal.
O texto é apresentado de forma objetiva, com enunciados simples, diretos, explicitando a normatividade presente tanto na Constituição Federal de 1988, quanto nas normas infraconstitucionais, para facilitar a consulta tópica e ao mesmo tempo contextual do regime jurídico administrativo-constitucional dos institutos.
1 ORDENAMENTO JURÍDICO E DOUTRINA
As normas que incidem, quanto à obrigatoriedade de licitar são os arts. 22, XXVII, 37, XXI, 173, § 1º, III, 175, todos da Constituição Federal de 1988, com as redações antes (evolução da norma) e após a EC 19/98; arts. 1º, 2º, 119, parágrafo único, todos da Lei n. 8.666/93; Lei n. 9.472/97; Lei n. 9.478/97. Os choques nas interpretações das normas são quanto às projeções do art. 173, § 1º, III, da Constituição Federal de 1988, no objeto e destinatários-sujeitos da Lei n. 8.666/93, arts. 1º, 2º, 118 e 119.
Antes da EC 19/98, as empresas públicas e as sociedades de economia mista que explorassem atividade econômica, sujeitavam-se ao regime jurídico das empresas privadas; após essa Emenda, houve alteração no sujeito, acrescentando as subsidiárias das sociedades de economia mista, também acrescentando a exploração quanto à atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, e no veículo legislativo determinante de licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, conforme o art. 173, § 1º, III, da Constituição Federal de 1988[1].
A Constituição Federal de 1988, no art. 173, § 1º, III, trata de lei a ser editada incidente nos objetos (obras, serviços, compras e alienações) tratados pelos art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, e art. 1º, caput, da Lei n. 8.666/93, e sobre as empresas públicas e sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, constante do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93.
O art. 175, da Constituição Federal de 1988, não dispensa a licitação quando houver prestação sob regime de concessão e permissão; já o art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, faculta a dispensa nos termos previstos.
Quanto à possibilidade dos Estados, Distrito Federal e Município criarem regulamentos para as fundações públicas, empresas públicas, sociedade de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente pela União ou os entes acima, conforme os arts. 118 e 119, ambos da Lei n. 8.666/93. No entanto, se houver essa regulação, quando for editada a lei de que trata o art. 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988, aquele regulamento perderá eficácia para as empresas públicas e as sociedades de economia mista e de suas subsidiárias que explorarem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (atividade-fim de que trata o inciso III do § 1º do art. 173, da Constituição Federal de 1988). Mas, enquanto não houver a lei de que trata esse art. 173 em comento, aplica-se a Lei n. 8.666/93, por força do art. 1º desta, pois aquele dispositivo não é autoaplicável[2].
Outro embate surge na redação da EC 19/98 no art. 22, XXVII, e o art. 173, § 1º, III, ambos da Constituição Federal de 1988, se as empresas prestadoras de serviços públicos submeterem-se ao procedimento comum, previsto na Lei n. 8.666/93, ou ao procedimento a ser instituído pelo estatuto jurídico das empresas estatais, questiona Di Pietro[3], e salienta que a natureza empresarial das empresas estatais, sejam elas prestadoras de atividade econômica privada ou de serviço público de natureza comercial ou industrial, deverão licitar, embora possa lei disciplinar forma diversa, em função do tipo de atividade, conforme salienta Mello[4].
2 CASUÍSTICAS
2.1 PETROBRÁS
Alexandrino e Paulo[5]: Lei n. 9.478/97, art. 67, estabelece que os contratos celebrados por ela, “para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República”; que é o Decreto n. 2.745/98. Pugnam estes autores pela inconstitucionalidade. Di Pietro, tem posicionamento contrário quanto à Petrobrás[6]
Mas, o Supremo Tribunal Federal, ainda não tem julgamento definitivo, mas há diversos julgados que legitimam o procedimento licitatório simplificado pelo decreto presidencial: MS 25.888 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, em 22.03.2006; MS 27.837 MC/DF, em 21.01.2009; MS 28.252, em 28.09.2009. E, como exemplo de norma geral, o aresto na AC 1.193 QO-MC/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 09.05.2006, DJ 30.06.2006, diz:
[...] Licitações realizadas pela Petrobrás com base no Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado (Decreto n° 2.745/98 e Lei n° 9.478/97). 4. Perigo de dano irreparável. A suspensão das licitações pode inviabilizar a própria atividade da Petrobrás e comprometer o processo de exploração e distribuição de petróleo em todo o país, com reflexos imediatos para a indústria, comércio e, enfim, para toda a população. [...].
2.2 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE INTERESSE PÚBLICO
Organizações sociais (Lei n. 9.637/98) e organizações sociais de interesse público (Lei n. 9.790/99), quando for contratante, e o contrato, relativo a obras, compras, serviços e alienações, envolver recursos repassados a ela pela União, deverá ser realizada licitação formal. Caso se trate de aquisição de bens e serviços comuns, será obrigatória a modalidade pregão.
Organizações sociais – OS –, hipótese dispensável de contratação pelo poder público, para prestar serviços comuns contemplados no contrato de gestão. Já para as organizações sociais de interesse público – OSCIP’s –, não há hipótese específica de licitação dispensável para a contratação pelo poder público[7]. Di Pietro[8] diz que se submetem à Lei n. 8.666/93 entidades privadas como é o caso das OS, OSCIP’s, das fundações de apoio e outras entidades do terceiro setor. Objeto nas organizações sociais de interesse público: aquisições, compras, serviços ou alienações. Se houver repasse da União. Vale para os consórcios públicos.
2.3 CONSELHOS DE CLASSE
Conforme Medauar[9] destinam-se a “administrar” o exercício das profissões regulamentadas por lei federal; em regra têm estrutura federativa, com órgãos nacionais e de nível estadual; chamada também de polícias das profissões, é delegada às ordens profissionais que exercem atribuições do poder público. Não integram a Administração indireta (conforme Dec.-Lei n. 200/67), ou se sujeitam à tutela ou supervisão ministerial. A jurisprudência diz que tem natureza autárquica.
O Supremo Tribunal Federal, na ADI 3.026-4/DF, rel. Min. Eros Grau, DJ 29.09.2006, na Ementa, item 4, consigna que a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – é serviço público independente, não integrante da administração pública direta e indireta, categoria impar, não é autarquia especial ou “agência”. Portanto, não está sujeita a qualquer controle da Administração e a esta não se vincula formal ou materialmente.
Assim, tirante a OAB, todas as entidades de classes são submetidas às regras dos arts. 22, XXVII, 37, XXI, ambos da Constituição Federal de 1988.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 194. Diz esse autor que o § 1º, III, do art. 173 é uma exceção (específica para as entidades governamentais exploradoras de atividade econômica) a regra da Lei n. 8.666/93.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 363. Em sentido contrário, admitindo que somente lei federal editada pela União: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 420.
[3] DI PIETRO, Ob. cit., p. 363.
[4] MELLO, Ob. cit., p. 194. Cf., onde a autora diz que deverá haver procedimento mais elástico: FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 494. E, que provavelmente terá regime de licitação mais flexível: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 90.
[5] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 549.
[6] DI PIETRO, Ob. cit., p. 363.
[7] ALEXANDRINO; PAULO, Ob. cit., p. 155. No caso de OS e OSCIP’s, aplica-se o art. 26, da Lei n. 8.666/93; OS, no caso de transferência, art. 12, § 3º, da Lei n. 8.666//93; ambos dispositivos deverão ser aplicados conforme o art. 1º, Decreto n. 5.504/05, cf.: GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 462.
[8] DI PIETRO, Ob. cit., p. 364.
[9] MEDAUAR, Ob. cit., p. 95-96.
Advogado.Pós-graduação lato sensu: Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Educacional de Ituverava -FE/FFCL - CEP - (FE/FFCL), conforme Res. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. <br>Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas dos Advogados da 70ª Subsecção da OABSP, Ituverava-SP. (2010-2012). Membro da Comissão de Ética e Disciplina, Secção de São Paulo, 70ª Subseção, Ituverava-SP, participante como Instrutor. (2007-2012). Autor do Livro: Fundamentos da supremacia do interesse público. Porto Alegre: Núria Fabris, 2012. 375p.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOãO JOSUé WALMOR DE MENDONçA, . A obrigatoriedade de licitar para a administração pública direta e indireta prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei n. 8.666/93 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2012, 08:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32157/a-obrigatoriedade-de-licitar-para-a-administracao-publica-direta-e-indireta-prevista-na-constituicao-federal-de-1988-e-na-lei-n-8-666-93. Acesso em: 23 dez 2024.
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